Universidade de Brasília Instituto de Psicologia Departamento de Psicologia Social e do Trabalho PST. Sandra Regina Ayres Rocha
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- Vanessa Madeira Jardim
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1 Universidade de Brasília Instituto de Psicologia Departamento de Psicologia Social e do Trabalho PST O pior é não ter mais profissão, bate uma tristeza profunda. : sofrimento, distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho e depressão em bancários. Sandra Regina Ayres Rocha Professora orientadora: Dra. Ana Magnólia Mendes Brasília, agosto de
2 Universidade de Brasília Instituto de Psicologia Departamento de Psicologia Social e do Trabalho PST O pior é não ter mais profissão, bate uma tristeza profunda. : sofrimento, distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho e depressão em bancários. Sandra Regina Ayres Rocha Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, como requisito parcial ao título de Mestre em Psicologia. Orientadora: Prof. Dra. Ana Magnólia Mendes Brasília, agosto de
3 Esta dissertação de mestrado foi aprovada pela seguinte banca examinadora: Professora Doutora Ana Magnólia Mendes Presidente da banca Instituto de Psicologia Universidade de Brasília Professor Doutor Mário César Ferreira Instituto de Psicologia Universidade de Brasília Professora Doutora Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira de Araújo Instituto de Psicologia Universidade de Brasília Professora Doutora Maria das Graças Torres da Paz Suplente Instituto de Psicologia Universidade de Brasília 3
4 Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive. Fernando Pessoa Obra Poética (1960/1997) 4
5 Em memória de Ângela Pfitscher, que comigo iniciou esta jornada. Durante um tempo, de maneira muito próxima e sempre sorrindo trilhou uma parte do percurso, mas o interrompeu, sendo chamada a passar por novos caminhos. A meu pai, o bancário que melhor conheci e que, a despeito de ter vivenciado a reestruturação por que passaram as instituições financeiras, preserva o orgulho de ter sido do Banco do Brasil. Ao Hugo, como um alerta. 5
6 AGRADECIMENTOS A Ana Magnólia, que recebeu a mim e a este projeto, antes da seleção do mestrado. Acreditou em nós e nos enriqueceu com suas orientações. Imensa é sua capacidade de impregnar com leveza e bom humor assuntos de trabalho. Aos bancários que prestimosamente se dispuseram a participar deste estudo. Ao Sindicato dos Bancários pela oportunidade e, especialmente, a Eliane, pelo empenho pessoal para que o trabalho acontecesse, perdendo horas na tentativa de montar os grupos de intervenção. Aos meus pais, Anátolio e Balbina, que com sua força e dedicação ensinaram-me o valor do trabalho, da disciplina, do amor e tantos outros valores que balizam minha conduta. Tenho orgulho de vocês e de sua sabedoria para educar quatro filhos. Aos meus irmãos, Sérgio, Júnior e Andresson, amigos inseparáveis, por cada momento compartilhado, pelo carinho, apoio e cuidado, e também pelas diferenças. De brinde trouxeram Kátia, Flávia e Nise. Obrigada, meninas, pela torcida e pelas risadas: contribuições muitas vezes desapercebidas. À mais recente aquisição da família, o pequeno André, pela sua adorável existência. Ao José Marcos, que viu antes de mim a possibilidade e a necessidade de realizar este projeto. Advertiu-me e pacientemente foi plantando este sonho. Sempre acreditou em minha capacidade. Quando eu duvidava, olhava-me estarrecido e dizia: é tão óbvio! Como você não vê? Nunca se cansa de dizer o quanto se orgulha de mim. A Paloma, por me acompanhar na coleta de dados e enriquecer este trabalho. A Janaína, Carol, Vinicíus e Aninha, pelas transcrições das fitas, pelas fofocas e pela divertida companhia. O que seria de nós sem os intervalos? A Sônia, Janice, Leda, Carla Sabrina e Denise Rasia, que compuseram o meu coletivo de trabalho, como preconiza Dejours: cooperação e confiança. Infindáveis parcerias, profissionais e pessoais. Á dona Moema e Suziane, que solicitamente ajudaram-me com os textos em francês. Aos primos Hebert, pelas massagens e dicas de como evitar a dor nos ombros, e a Mara pelo tempo perdido com tantas impressões. A Andréia, Simone e Alessandra, queridas e sempre amigas, que conseguem a proeza de se fazer presentes em meio a constante ausência. Aos colegas do grupo de pesquisa, pela possibilidade de aprendizagem e discussões. Aos colegas Vladimir, Cesco, Elka, Cris Porto e Jansler pela ajuda mútua durante as aulas. Ao C. pelo cuidado, carinho, pelas músicas e, especialmente, pelo jardim. Ao professor Mário César, que apresentou-me os fundamentos da ergonomia, respondeu afirmativamente às minhas solicitações e, com seu olhar atento e detalhado, contribuiu para a qualidade de trabalhos que desenvolvi. Ás professoras Tereza Cristina e Maria das Graças, que aceitaram fazer parte da banca, enriquecendo com sugestões este trabalho. A todos, tios, primos, amigos e colegas que torceram por mim, minha gratidão. 6
7 RESUMO Este estudo de caso investiga o processo de adoecimento por Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Dort) e a depressão desenvolvida em sua conseqüência. Os participantes são bancários afastados do trabalho por acometimento de Dort. O referencial teórico é da psicodinâmica do trabalho que investiga a saúde psíquica dos trabalhadores, obtida pela constante luta pelo prazer e evitação do sofrimento no trabalho. O prazer é concebido como uma vivência de satisfação, expresso por meio da gratificação, da realização, do reconhecimento, da liberdade, da valorização no trabalho. O sofrimento diz respeito a uma experiência dolorosa relativa a sentimento de angústia, medo ou insegurança. Ambos constituem um constructo único, dialético, influenciado pelo contexto de produção de bens e serviços a que está submetido o trabalhador. Este contexto contempla as condições de trabalho, a organização do trabalho e as relações socioprofissionais. Na interação do trabalhador com seu contexto de produção, dá-se o estabelecimento de estratégias de mediação que podem ser mobilização coletiva ou estratégias defensivas. A primeira transforma situações geradoras de sofrimento em fonte de prazer e as últimas evitam o contato dos trabalhadores com a experiência dolorosa. Além deste referencial, o estudo apóia-se, também, na literatura sobre Dort e sobre depressão. Dort refere-se a diversas patologias do sistema músculo-esquelético que acometem extremidades superiores, têm início insidioso e podem resultar em incapacidade laborativa. O conceito de depressão utilizado refere-se à Depressão Essencial, cujo elemento característico é o embotamento afetivo com desaparecimento do prazer em todas as instâncias da vida e robotização dos comportamentos. A metodologia do estudo contempla estratégia qualitativa para análise e coleta de dados. Utilizam-se entrevistas coletivas e individuais semi-estruturadas com, respectivamente, 19 e 7 participantes. Todas as entrevistas foram submetidas à análise categorial temática por juízes. Os resultados para as entrevistas coletivas indicam três categorias construídas a priori - Condições de trabalho; Organização de trabalho e Relações sociais de trabalho - e outras quatro categorias construídas a posteriori: Em banco tudo é cronometrado ; Você é colega enquanto está produzindo ; Não valeu a pena ; e Fui traído, o banco não liga a mínima para mim. As categorias resultantes das entrevistas individuais foram : Nunca pensei que pudesse ser uma patologia ; O pior é não poder mais trabalhar, bate uma tristeza profunda ; Quem disse que você tem Dort? ; Nunca fui uma pessoa triste. Com base nestas categorias, identifica-se rigidez do contexto de produção que impossibilita satisfação de necessidade dos trabalhadores. A aceleração das cadências como estratégia defensiva em resposta às exigências de produtividade é valorizada por pares, chefia e clientes, mas evita a identificação do sofrimento. O adoecimento por Dort é gradual e passível de negação, dada a invisibilidade dos sintomas. Longo trajeto é percorrido até o diagnóstico e tratamento adequado da doença. O afastamento do trabalho se dá tardiamente. Médicos e lesionados resistem em fazer uso deste recurso. A depressão surge em conseqüência das limitações impostas pela doença e do afastamento do trabalho. Caracteriza-se por tristeza profunda, falta de vontade de sair de casa, diminuição do prazer, necessidade de isolamento e sentimento de inutilidade. Palavras-chave: prazer-sofrimento no trabalho; Dort; depressão relacionada a Dort. 7
8 ABSTRACT This case study investigates the illness process caused by Work-related muscolosketal disorders WMSD - and the depression developed as a consequence of it. The participants are bank clerks taken away from work due to WMSD's attack. The theoretical referential is the work's psychodynamic, that investigates the psychic health of workers, which results from the constant fight for pleasure and avoidance of suffering at work. Pleasure is understood as a satisfaction experience, shown through gratuity, accomplishment, recognition, freedom, valuation at work. Suffering is related to a painful experience associated to distress, fear or unreliability. Both constitute a single, dialectic construct, influenced by the production context of goods and services, under which the worker is placed. This context includes the work conditions, the work organization and the work social relations. In the interaction between the worker and his production context, it occurs the establishment of mediation strategies that can be collective mobilization or defensive strategies. The first one transforms situations that cause suffering into a source of pleasure, while the last ones prevent the contact of the workers with the painful experience. Beyond this referential, this study is also supported in WMSD and depression literature. WMSD is referred to many kinds of pathologies of the muscle-skeletic system that attack the body's superior extremities that have an insidious beginning and can result in work incapacity. The concept of Depression is referred to the Essential Depression of which the characteristic element is the affective weakening and the disappearance of pleasure in life situations as well as robotized behaviors. The methodology of the study includes qualitative strategy for data collecting and analysis. Group and individual semi-structured interviews are made with 19 and 7 participants, respectively. All interviews are submitted to the categorial theme analysis by judges. The group interviews' results show three constructed categories in advance Work conditions; Work organization and Work social relations and another four constructed categories afterwards: "In banks everything is timed", "You are a colleague while you are producing", "It was not worthwhile" and "I was betrayed, the bank doesn't care about me". The resulting categories of the individual interviews were: "Never thought it could be a disease", "The worst is no more being able to work, you feel deeply sad", "Who said you have WMSD?" and "I've never been a sad person". Based on these categories, it's possible to identify the stiffness in the production context, which impedes the satisfaction of the workers' needs. The acceleration of the beatings as a defensive strategy in respond to the productivity demands is valued by pairs, bosses and clients, but avoids the suffering identification. The WMSD illness process is gradual and subject to denial, due to the symptoms' invisibility. A large path is gone through until the diagnosis and the proper treatment of the disease. The lay off from work is late. Doctors and patients resist in using this resource. The depression comes as a consequence of the limitations brought by the disease and the lay off. WMSD is featured by deep sadness, unwilling of getting out of home, reduction of pleasure, necessity of isolation and feeling of uselessness. Key words: pleasure-suffering at work, WMSD, depression related to WMSD. 8
9 SUMÁRIO Introdução Psicodinâmica do trabalho Contribuições de Christophe Dejours Organização do trabalho Sofrimento psíquico no trabalho Estratégias defensivas Mobilização subjetiva Contribuições de outros autores Estudos com a categoria bancários Estudos com profissionais de saúde Estudos com outras categorias profissionais e estudos teóricos Sofrimento psíquico, Dort e Depressão relacionada ao trabalho Modelo de investigação Método Universo da pesquisa Participantes Instrumento Entrevistas coletivas Entrevistas individuais Procedimento Análise de dados Resultados Contexto de produção de bens e serviços Organização do trabalho
10 Condições de trabalho Relações sociais de trabalho Categorias empíricas das entrevistas coletivas e individuais Categorias das entrevistas coletivas Categorias das entrevistas individuais Discussão Conclusão Referências Anexos Anexo 1- Ficha de Inscrição Anexo 2- Roteiro da Entrevista Coletiva Anexo 3- Roteiro de Entrevista Individual Anexo 4- Quadro para análise de conteúdo
11 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Representação gráfica da alienação social Figura 2 Modelo de investigação 11
12 LISTA DE QUADROS E TABELAS Tabela 1: Distribuição dos participantes segundo gênero, idade e escolaridade Tabela 2: Distribuição dos participantes segundo instituição e tempo na instituição Tabela 3: Distribuição dos participantes segundo cargo e tempo no cargo Tabela 4: Distribuição dos participantes segundo tempo de diagnóstico e de afastamento do trabalho Quadro 1: Resumo das categorias sínteses das entrevistas coletivas Quadro 2: Categoria síntese A das entrevistas coletivas Quadro 3: Categoria Síntese B das entrevistas coletivas Quadro 4: Categoria Síntese C das entrevistas coletivas Quadro 5: Categoria Síntese D das entrevistas coletivas Quadro 6: Resumo das categorias sínteses das entrevistas individuais Quadro 7: Categoria Síntese E das entrevistas individuais Quadro 8: Categoria Síntese F das entrevistas individuais Quadro 9: Categoria Síntese G das entrevistas individuais Quadro 10: Categoria Síntese H das entrevistas individuais 12
13 INTRODUÇÃO Houve um tempo em que o ingresso na carreira bancária era cercado de grande expectativa. Nessa atividade vislumbrava-se status social, segurança, realização, salários competitivos e reconhecimento. Após os recentes ajustes por que passou a economia brasileira, o bancário resultante está inserido em contexto de pouca valorização, desgaste, frustração e medo de ser descartado. A realidade não correspondeu às expectativas. De acordo com Segnini (1999), por décadas o trabalho bancário representou possibilidade de continuidade nos estudos e era entendido como provisório. Posteriormente, em virtude de melhores condições de trabalho e de carreira, comparativamente a outros setores profissionais, foi adquirindo um caráter definitivo. Atualmente, configura-se como definitivamente provisório, tendo em vista a reestruturação produtiva que repercutiu tanto no perfil da categoria quanto na forma como o trabalho está estruturado. A atual configuração do sistema financeiro nacional está regulamentada pela Lei de 1964, resultando em uma reforma bancária que dividia as instituições financeiras em bancos comerciais, de investimento e de desenvolvimento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, caixas econômicas, sociedades de poupança e empréstimos. Estas instituições 13
14 formaram conglomerados financeiros até que, em 1987, restam 120 dos 336 bancos existentes em 1964 (Dieese, 2002). Em 1988, com a liberalização de regras por parte do Conselho Monetário Nacional, pequenas distribuidoras e corretoras, mesmo dispondo de pouco capital, multiplicam-se em bancos: de 120, em 1987, para 243, em Na década de 80 do século XX, surge uma corrente econômica denominada neoliberalismo, que defende como opção para a prosperidade o aumento da produtividade e a livre concorrência nacional e internacional. Esta corrente considera o estado insubstituível como provedor de infra-estrutura econômica e social, mas ineficiente como produtor de bens e serviços. Ela torna-se o carro chefe de transformações no cenário mundial. O sistema financeiro passa, então, por um processo de ajustes da economia nacional para se adequar à essa nova ordem mundial. O processo de reestruturação produtiva resulta em três modalidades de ajuste do sistema bancário: diminuição do número de instituições por meio de falências, fusões, incorporações e privatizações; ajustes relativos à composição dos produtos bancários; ajustes no aparato regulatório do sistema bancário, que envolvem mudanças no sistema de garantia de crédito (Segnini, 1999). No início dos anos 90, especialmente após o Governo Collor, a abertura do mercado brasileiro atraiu muitos bancos estrangeiros, incrementando a 14
15 competição. A estabilização da moeda, em 1994, impôs mudanças importantes em o todo sistema financeiro, sobretudo nos bancos, que foram obrigados a sobreviver sem os ganhos fáceis obtidos com a inflação (Larangeira, 1997; Segnini, 1999; Lima, 1999). Segundo relatório do Dieese (2002), entre 1994 e 2000, o número de bancos no país sofre redução de 20%. Houve maior redução de bancos públicos e maior presença de bancos com controle estrangeiro, o que aumentou o ambiente de competitividade com os bancos nacionais. Levandose em conta não apenas a questão econômica, desconsidera-se a função social dos bancos: até 1997, 121 agências são consideradas não-rentáveis e, por isso, fechadas. Além das medidas de ajuste, intensificaram-se algumas tendências que objetivam redução de custos e maximização dos lucros: uso maciço de tecnologias, investimentos no auto-atendimento, utilização de mão-de-obra terceirizada. Recorre-se, também, à fusão de postos de trabalho, redução de níveis hierárquicos e difusão de postos de atendimento, com menos empregados e mais máquinas (Uchida, 1998; Segnini, 1999; Lima, 1999; Dieese, 2002). Todas essas medidas provocaram forte retração no mercado de trabalho bancário nacional. Em dez anos, a categoria sofre redução de 812 mil para 15
16 497 mil postos de trabalho (Dieese, 2002) por meio de demissões e, nos bancos estatais, pelos Programas de Demissão Voluntária e Estímulo à Aposentadoria (Segnini, 1999). Ainda segundo Dieese (2000), as demissões entre bancários estão diretamente relacionadas a três planos econômicos. A primeira onda de demissões ocorre após o Plano Cruzado, em 1986, resultando na redução de 109 mil postos de trabalho. Em 1992, após o Plano Collor, com a implantação do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, outros 128 mil postos são reduzidos, e após 1994, com o Plano Real, 161 mil postos de trabalho são extintos. Em relação àqueles que permaneceram empregados, percebe-se a intensificação do trabalho, com sobrecarga, realização de horas extras, impossibilidade de fazer pausas durante a jornada de trabalho. A informação passa a ser a principal ferramenta de trabalho. Em sentido contrário ao esperado, a incorporação da tecnologia não enriqueceu o trabalho. A informatização é percebida pela categoria como fonte de empobrecimento do conteúdo do trabalho (Lima, 1999). Segundo Ribeiro (1999), a aceleração da automação e as mudanças na organização do trabalho suscitaram, nestes últimos anos, inúmeros estudos que ratificam o sofrimento e adoecimento dos bancários. Então, paralelamente 16
17 a essa nova ordem do sistema de produção, assiste-se a uma fragilização da saúde dos bancários, ilustrada por acometimento de doenças músculoesqueléticas, alcoolismo, depressão, ansiedade e tentativas, algumas bemsucedidas, de suicídio. Diante deste contexto, escolheu-se a categoria bancária para realização deste estudo. O processo de reestruturação produtiva implica não somente mudança do perfil do trabalho e trabalhadores, como também dos determinantes da saúdedoença no trabalho e, conseqüentemente, na epidemiologia e caracterização das doenças do trabalho. Neste sentido, os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho, que a partir de agora serão denominados Dort, configuram-se como uma doença do trabalho que suscita o interesse do pesquisador pelo caráter epidêmico que foi adquirindo, pelo conhecimento apenas parcial dos fatores implicados no adoecimento, pelo custo elevado com afastamentos, reposição de pessoal para as organizações, e, também, pelas conseqüências nefastas na vida dos acometidos, só para citar alguns motivos. É extensa a literatura sobre Dorts, englobando diversos olhares que se complementam, mas por limitações de tempo, espaço e objetivo, não serão todos abordados neste estudo. Optou-se, então, por revelar o sofrimento psíquico intrincado neste adoecer, caracterizando-o como uma vivência 17
18 anterior ao acometimento por Dort para, depois, evidenciá-lo sob o enfoque deste adoecer e suas conseqüentes repercussões, dentre elas a depressão. Como teoria de sustentação da pesquisa, escolhe-se a psicodinâmica do trabalho que investiga a saúde psíquica no trabalho, privilegiando o estudo da relação entre sofrimento psíquico e as estratégias de mediação utilizadas pelos trabalhadores para superá-lo e transformá-lo em fonte de prazer. Justifica-se esta escolha, tendo em vista que a doença profissional exige o entendimento do contexto de trabalho que acarreta sofrimento singular a ele relacionado e à possibilidade de perda da capacidade laborativa precoce. A saúde psíquica é conseguida pela constante busca de prazer e evitação do sofrimento. O prazer é entendido como uma vivência de extrema satisfação, expresso por meio da gratificação, da realização, do reconhecimento, da liberdade e da valorização no trabalho. O sofrimento é concebido como vivência de experiências dolorosas relativas à angústia, medo ou insegurança. Ambos, prazer e sofrimento, constituem-se em constructo único e dialético, que co-existem em função de um contexto de produção de bens e serviços. Este contexto contempla as condições de trabalho, a organização do trabalho e as relações socioprofissionais. Na interação do trabalhador com o mesmo são construídas estratégias de mediação: mobilização coletiva ou 18
19 estratégias defensivas. A primeira subverte o sofrimento transformando as situações a ele relacionadas em fonte de prazer; as outras evitam o contato do trabalhador com a experiência dolorosa. O sofrimento fracassadamente enfrentado abre espaço ao adoecimento. Dorts se configuram como uma possível expressão do mesmo. Dorts referem-se a diversas patologias do sistema músculo-esquelético que acometem principalmente as extremidades superiores, ocasionando ou não degeneração dos tecidos. Têm início insidioso, caracterizando-se pela ocorrência de vários sintomas concomitantes ou não, como dor, formigamento, dormência, choque, peso, fadiga precoce, podendo resultar em afastamento temporário ou permanente do trabalho, tendo em vista suas repercussões (Brasil, 2000). Este adoecer tem relação estreita e explícita com uma combinação de fatores relativos ao contexto de trabalho, sendo portanto considerado uma doença ocupacional. Resulta de um sofrimento patogênico com o modo de relação com o trabalho, e acarreta na vida dos lesionados repercussões relacionadas à dor, diminuição da capacidade laborativa e restrições no desenvolvimento de atividades do dia-a-dia como escovar os dentes acompanhadas de diminuição da auto-estima, ansiedade e depressão, só para citar alguns efeitos emocionais. 19
20 A depressão pós-dorts é referida na literatura, embora haja pouco aprofundamento na sua caracterização. Investigar esta temática é importante até para propor medidas terapêuticas que minimizem o sofrimento dos lesionados. A possibilidade de sucesso dos tratamentos encontra relação diretamente proporcional à correta compreensão da sintomatologia e das causas do adoecimento. A depressão também tem sido exaustivamente estudada e contempla vários modelos explicativos. Este estudo trata da depressão desenvolvida em função de um adoecimento no trabalho e, por isso, requer um entendimento que considere as peculiaridades da atividade produtiva. Tendo em vista que trabalho é uma atividade coletiva, uma análise fundada na psicologia individual pode não contemplar aspectos psicológicos do trabalhador. Assim, tenta-se privilegiar, nesta pesquisa, estudo sobre depressão relacionada ao trabalho, e parte-se do conceito de depressão essencial cuja característica central refere-se a um embotamento afetivo, à diminuição do interesse e prazer em todas as instâncias da vida e a uma robotização do indivíduo. Tendo em vista os pressupostos da psicodinâmica, estudos sobre Dort e depressão disponíveis na literatura e caracterização do momento atual por que passa a categoria bancários, este estudo investiga o processo de adoecimento por Dort e a depressão desenvolvida em sua conseqüência. Especificamente, 20
21 pretende-se: investigar o contexto de produção de bens e serviços e sua relação com as vivências de prazer-sofrimento e estratégias de mediação do sofrimento dos bancários antes de serem acometidos por Dort; caracterizar o processo de adoecimento por Dort dos participantes; caracterizar os sintomas depressivos vivenciados pelos portadores de Dort; estabelecer relação entre a depressão ligada a Dort e outros tipos de depressão. Para cumprir estes objetivos, norteiam este estudo de caso as seguintes questões de pesquisa: 1. Como se caracterizava o contexto de produção de bens e serviços a que estavam submetidos os portadores de Dort? 2. Qual a dinâmica que envolve a mediação do sofrimento e o prazer desses trabalhadores antes do adoecimento? 3. Como os participantes vivenciam o adoecimento por Dort? 4. Como se caraterizam os sintomas depressivos relacionados a Dort? 5. Quais as relações entre a depressão ligada a Dort e outros tipos de depressão? Participaram do estudo bancários oriundos de bancos privados ou estatais. Todos são portadores de Dort e se encontram afastados do trabalho por licença médica ou aposentadoria por invalidez. 21
22 Metodologia qualitativa de análise e coleta de dados foi utilizada, dada a natureza do objeto de estudo. As entrevistas coletivas propiciaram a investigação do contexto de produção de bens e serviços e da dinâmica de prazer e sofrimento para os participantes; as entrevistas individuais auxiliaram a compreensão do adoecimento por Dort e a análise e caracterização da depressão. Os resultados indicam nove categorias resultantes das análises das entrevistas. As mesmas revelam, com base na teoria que sustenta a pesquisa, um rígido contexto de produção de bens e serviço que privilegia exigências de produtividade e tem pouca margem de ajuste às necessidades e/ou desejos do trabalhador. A aceleração das cadências é valorizada, neste contexto, pelos atores que compõem as relações sociais de trabalho. O adoecimento é gradual, lento, dando margens à negação por parte dos trabalhadores acometidos e confusão no diagnóstico pelos médicos. A depressão instala-se em virtude das restrições impostas pela doença e pelo afastamento do trabalho. A apresentação deste estudo subdivide-se em sete capítulos específicos. No primeiro explicita-se o modelo da psicodinâmica do trabalho, seu desenvolvimento ao longo das últimas décadas, contemplando estudos realizados por Dejours e outros autores sobre organização do trabalho, sofrimento psíquico no trabalho e estratégias de mediação. 22
23 No capítulo 2, aborda-se a literatura sobre Dort e depressão tendo como fio condutor o sofrimento psíquico que permeia estes adoecimentos. No capítulo 3, descreve-se o modelo de investigação como o objeto de estudo e a definição das variáveis de pesquisa. No capítulo 4, caracteriza-se a metodologia de investigação, descrevendo o perfil dos participantes, instrumentos e procedimentos de coleta e análise de dados. No capítulo 5, apresentam-se os resultados da pesquisa. Nos capítulos 6 e 7, são realizadas a discussão e a conclusão do trabalho, respectivamente. Por último, segue a bibliografia utilizada para o embasamento desta pesquisa e, em anexo, os instrumentos utilizados. 23
24 1- PSICODINÂMICA DO TRABALHO Este capítulo trata da psicodinâmica do trabalho, contemplando sua trajetória conceitual e empírica. A primeira parte do percurso revela o pensamento de Christophe Dejours, subdividido em quatro temáticas: organização do trabalho, sofrimento psíquico no trabalho, estratégias defensivas e mobilização subjetiva. A segunda etapa ressalta contribuições de outros autores em estudos empíricos e teóricos, finalizando com a apresentação dos principais conceitos da teoria atualizados e ampliados por Ferreira e Mendes (2003) e que serão utilizados nesta pesquisa. 1.1 Contribuições de Christophe Dejours As relações entre trabalho e saúde mental têm sido estudadas desde o término da Segunda Guerra Mundial. Um grupo de pesquisadores, juntamente com Louis Le Guillantt, fundou a psicopatologia do trabalho cujo objeto é a análise clínica e teórica do adoecimento mental devido ao trabalho. Com exceção de alguns poucos estudos, não foi fácil descrever um grande quadro das patologias mentais do trabalho, comparável ao das patologias das afecções do corpo chamadas doenças profissionais. 24
25 Interessado nesta problemática, Christophe Dejours, precursor da psicodinâmica do trabalho, inicia seus estudos buscando esclarecer o processo saúde-adoecimento inerente ao trabalho repetitivo e sob pressão temporal, com operários semiqualificados, especialmente da construção civil, servidores públicos franceses e emigrantes submetidos a condições precárias e gritantes de exploração. Sob o enfoque de alguns conceitos da psicanálise e pressupostos da escola psicossomática francesa, propõe-se a explicar o adoecimento mental no trabalho. A constatação de que a maioria dos trabalhadores não desenvolve doenças mentais, a despeito das pressões sofridas no trabalho, direciona o foco da investigação para a manutenção do saudável no espaço de trabalho. Como não enlouquecer diante de tantas pressões no trabalho? Dejours persegue esta resposta identificando sofrimento e conseqüentes mecanismos de regulação que mantêm o indivíduo saudável, impedindo-o de desenvolver doenças mentais. Assim, a normalidade pressupõe sofrimento e é alcançada na luta contra a desestabilização psíquica e somática que a organização do trabalho oferece (Dejours, 1987). A disciplina deixa de ser psicopatologia do trabalho e passa a ser análise psicodinâmica das situações de trabalho ou psicodinâmica do trabalho. Investiga-se, então, a dinâmica dos processos psíquicos mobilizados pela 25
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