Impacto das disfunções de saúde, voz e do comprometimento da deglutição sobre a qualidade de vida em pacientes com Doença de Huntington.
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- João Pedro Garrau
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1 Impacto das disfunções de saúde, voz e do comprometimento da deglutição sobre a qualidade de vida em pacientes com Doença de Huntington. Palavras-chave: 1.qualidade de vida, 2.doença de Huntington, 3.disfagia. Introdução: A doença de Huntington (DH) é caracterizada por distúrbios do movimento, demência, distúrbios psiquiátricos e história do mesmo problema em um dos pais. Em relação às alterações da comunicação, alguns autores relatam qualidade vocal com aspereza intermitente, voz tensa estrangulada, soprosidade, distorção das vogais, monopitch, variações excessivas de intensidade, monointensidade, acentuação constante em sílabas átonas e inspirações ou expirações forçadas súbitas 1-3. Na DH a disfagia é do tipo orofaríngea com alterações nas fases preparatória oral e oral da deglutição que dizem respeito à formação do bolo, mobilidade da língua, tempo de trânsito oral aumentado, dificuldade na propulsão do bolo alimentar e incontinência oral. Na fase faríngea encontra-se atraso no início da deglutição faríngea, diminuição dos movimentos de contração da faringe, diminuição da elevação laríngea e da eficiência glótica e estase em valécula e/ou seios piriformes. A disfagia é freqüentemente encontrada, levando a complicações respiratórias e à morte 4-7. O estudo do impacto das disfunções da deglutição e da voz sobre a qualidade de vida pode direcionar a opção de tratamento, além de orientar os profissionais de saúde quanto aos aspectos que contribuem para a reabilitação mais adequada. Apenas dois estudos analisam a qualidade de vida na DH. No primeiro, foram estudados 77 pacientes utilizando o protocolo SIP (Sickness Impact Profile) tendo observado grande impacto nos aspectos físicos e psicosociais 8. No segundo analisaram a utilização do SF-36 comparado com o SIP enquanto instrumentos para avaliar 214 pacientes com DH. O SF- 36 foi considerado de fácil, rápida aplicação e re-testagem, sendo que os pacientes apresentaram uma pior qualidade de vida, principalmente em relação à percepção geral da saúde, funcionamento físico e limitação física. Por sua vez, o SIP apresentou uma qualidade de vida ruim em relação às dimensões psicológica, prontidão do comportamento e comunicação 9.
2 Até o momento não há estudos que avaliam o impacto das alterações de voz e deglutição na qualidade de vida de pacientes com DH. Este estudo tem como objetivo caracterizar e correlacionar a qualidade de vida geral e específica (voz e deglutição) em pacientes com DH, bem como sua correlação. Método: Foram selecionados prontuários de 25 pacientes com o diagnóstico clínico DH acompanhados no Ambulatório de Transtornos do Movimento da UNIFESP E excluídos 16 pacientes (5 sem confirmação genética, 3 falecidos, 4 com comprometimento cognitivo, 4 não compareceram a avaliação por morarem longe). e um total de 9 pacientes com o diagnóstico genético de DH participaram do estudo. Foram considerados pacientes com comprometimento cognitivo significativo aqueles pacientes que apresentam um escore igual ou menor do que 20 no mini exame do estado mental 10. Foi um estudo de corte transversal, sendo realizado o levantamento nos prontuários no período compreendido entre agosto de 2005 e janeiro de Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da UNIFESP-EPM, CEP1608/05. Após a identificação dos pacientes elegíveis para o estudo, foi realizada a convocação por telefone para a realização das avaliações. Foram aplicados os protocolos de qualidade de vida abaixo relacionados por um mesmo entrevistador, um fonoaudiólogo treinado sem contacto prévio com o paciente, que leu cada questão e as diversas opções de respostas. Embora os questionários sejam auto-aplicativos, o nível educacional e/ou dificuldades visuais impediram que esta metodologia fosse realizada. Avaliação da Qualidade de Vida: foram utlilizados 3 protocolos: SF-36 - (Medical Outcomes Study 36 Item Short Form Health Survey 11, QVV (V-RQOL Voice-Related Quality of Life 12 e SWAL-QOL (Quality of Life in Swallowing Disorders) 13. Os dados estatísticos coletados dos prontuários dos pacientes foram transcritos para ficha padronizada. Para avaliar a correlação entre os domínios dos questionários SF- 36, SWAL-QOL e QVV, foi calculado o coeficiente de correlação de Spearman. Os valores observados deste coeficiente foram denotados por r, e os p-valores, obtidos nos testes de significância destes, considerando-se p<0,005. Resultados: Em relação aos protocolos de qualidade de vida, considerando que quanto mais próximos os escores estiverem de cem, melhor é a qualidade de vida. Observamos
3 que no questionário SF-36 o domínio aspectos emocionais apresentou a menor mediana entre os demais (0,00), seguido do domínio limitação por aspecto físico (25,00). O domínio dor foi o que apresentou a maior mediana (100,0). No QVV observou-se o domínio sócio-emocional com a melhor mediana (100,0), seguido do físico (83,3). No SWAL-QOL, o domínio duração da alimentação (25,0) e medo (37,5) com as menores medianas. Discussão: Embora a casuística seja pequena, trata-se de primeiro estudo com intenção de avaliar a qualidade de vida sintoma-específico (voz e deglutição) de pacientes com DH e o quanto esta se correlaciona com a qualidade de vida de saúde geral. O resultado deste estudo indica que os pacientes com DH apresentam impactos na saúde geral e na função de deglutição. A primeira decisão na escolha de um instrumento para analisar o estado de saúde é saber se ele é geral ou específico. Preferimos a utilização do SF-36 em vez do SIP, pois ele é mais rápido e fácil de administrar tanto na avaliação dos paciente com DH 9. Para garantir maior fidelidade nas respostas dos protocolos e descartar que nosso grupo apresentasse demência, um instrumento de rastreio de comprometimento cognitivo, o mini-exame do estado mental, foi aplicado 10. A idade média da casuística foi de 41 anos, o que é esperado para esta doença, e o tempo médio de evolução foi de 6 anos, indicando que foram avaliados pacientes na fase intermediária da doença. Ainda no SF-36, o domínio aspecto emocional apresentou a menor mediana 0,0, reforçando o caráter comportamental associado à DH, na qual, depressão e ansiedade fazem parte do quadro clínico.um estudo aponta o sintoma depressão como o declínio mais rápido da escala independência (SIP) na DH. No grupo estudado, nenhum dos participantes refere algum tipo de trabalho. Sabe-se que a não ocupação é fonte de significativa redução de qualidade de vida. Na DH encontramos distúrbios da fonação, hipernasalidade, voz áspera, mono pitch, freqüência grave, disfonia, redução do tempo máximo da fonação, articulação imprecisa das consoantes e disartria hipercinética 1-3. Apesar disto, neste estudo os pacientes apresentaram boa pontuação no QVV, tanto no domínio sócio-emocional com mediana 100,0, como no físico de 83,3. Isso nos questiona o uso da voz para estes pacientes. Uma vez que nenhum dos pacientes da casuística trabalhava, uma possibilidade seria uma redução da importância da voz para eles. Talvez as alterações vocais encontradas não sejam refletidas no aspecto funcional de inteligibilidade e naturalidade da emissão, o que pode ocorrer mais tardiamente, com a
4 evolução da doença. Outra hipótese é a não sensibilidade deste protocolo para pacientes com disartrofonias hipercinéticas, uma vez que enfoca os aspectos fonatórios e não os articulatórios e ressonantais, também característicos da disartrofonia hipercinética. Conhecer a forma de alimentação dos pacientes no período da entrevista nos auxilia a fazer algumas inferências nos diferentes aspectos analisados no SWAL-QOL. O domínio duração foi o que apresentou menor mediana (25,0). A maioria, ou seja, cinco pacientes (55,5%) referiram que sempre levam mais tempo para comer do que as outras pessoas. Quanto à freqüência de sintomas na deglutição, observamos uma média alta para os sintomas de tosse, engasgo com alimento, engasgo com líquido, vômito, dificuldade na mastigação, excesso de saliva, sensação de comida parada na garganta ou na boca, alimento ou bebida que cai da boca, alimento que sai pelo nariz, retirada de líquido ou comida da boca, ou seja, os pacientes quase não tiveram queixas nesta área. As principais queixas relatadas foram tosse e saliva grossa. Todos os pacientes (100%) referiram comer todos os tipos de alimentos, sem restrições, portanto sem nenhum tipo de seleção, 4 pacientes (44,4%) referiram que tinham medo de engasgar com sólidos; 5 (55,5%) referiram medo de engasgar com líquidos e 5 (55,5%) se preocupavam em ter pneumonia. Estes dados nos pareceram diferentes da literatura. Esta aparente contradição reflete que a análise do ponto de vista do clínico nem sempre é compatível com a análise do ponto de vista do paciente, reforçando a importância dos questionários especificos sobre qualidade de vida. No novo paradigma em saúde que foca a percepção do paciente, o tratamento/reabilitação pode modificar-se consideravelmente, se for baseado na avaliação do clínico ou do paciente. Ao correlacionarmos os domínios dos protocolos do SF-36 ao SWAL-QOL, obtivemos significância entre capacidade funcional e medo (p<0,005) e capacidade funcional e saúde mental (p<0,005). Estes dados demonstram o quanto alterações de deglutição presentes na DH (principalmente aspectos: medo de engolir, complicações pulmonares, depressão/ansiedade, associados aos déficits de deglutição) podem impactar a qualidade de vida geral dos pacientes. Na correlação entre os domínios do protocolo do SF-36 com o QVV, encontramos correlação significante entre os escores do domínio social com o total (p<0,005). Em síntese, este estudo demonstra que a qualidade de vida está comprometida nos pacientes com DH, especialmente nos aspectos emocionais e físicos, como demonstrou a escala SF-36. O tempo prolongado para a alimentação e o medo de se
5 alimentar são os fatores relacionados à deglutição que mais impacto tiveram sobre a qualidade de vida dos pacientes. Nós acreditamos que dirigir a atenção para os problemas de deglutição pode auxiliar no manejo de pacientes com DH. Referências bibliográficas: 1.Darley F.L.;Aronson,A.E.;Brown,J.R.J. Clusters of deviant speech dimensions in the dysartrias. J Speech Hear Res.1969;12: Ramig L.A.,Scherer R.C.,Titze I.R.; Ringel S.P. Acoustic Analysis of voices of patients with neurolic disease: rationale and preliminary data. Ann Otol. Rhinol Laryngol.1988; 97: Murdoch, B.E. Disartrias Associadas a Síndromes Extrapiramidais. In Desenvolvimento da fala e distúrbios da linguagem. 1a ed.são Paulo: Revinter Mourão L. F. Intervenção Fonoaudiológica nos Distúrbios do Movimento.In Ortiz, K.Z. Distúrbios neurológicos adquiridos. 1a ed.barueri-sp: Manole Logemann J.A. Blonsky E.R., Boshes T. Dysphagia in Parkinsonism. J M Med Ass.1975; 231(1): Logemann J.A. Evaluation and treatment of swallowing disorders. Am J Speech Lang Pathol.1994; 3: Kagel M.C., Leopold N.A. Dysphagia in Huntington disease: a 16 year retrospective. Dysphagia.1992; 7: Helder,M.A.,Kaptein A.A.,Van Kempen G.M.J.,Van Houwelingen J.C., Ross R.A.C Impact of Huntington s Disease on Quality of Life.Mov Disord. 2001;16(2): Aileen K.,Robins A.O.G.,Walters J.S.,Sahakian B.J.,Barker A.R. Health-Related Quality of Life in Huntington s Disease: a comparison of two generic instruments, SF-36 and SIP. Mov Disord. 2004; 19 (11): Brucki S.M., Nitrini R., Carameli P., Bertolucci P. Okamoto I.H. Sugestões para o uso do Mini Mental(MME) no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003; 61(3-B): Ware J.E.,Sherbourne C.D. The MOS 36 Item Short-Form Health Survey (SF-36)-Conceptual framework and item selection.med Care 30: , Hogikyan N.D., Sethuraman, G. Validation of an instrument to measure voice-related quality of life (V-RQOL). J. Voice. 1999;13(4): McHorney C.A., Robins J., Lomáx. K,Rosenbek J.C.,Chignell K.,Kramer A.E,Briccker.The SWAL-QoL and SWAL-CARE outcomes tool for orofaryngeal dysphagia in adults: III - Documentation of reliability and validity. Dysphagia. 2002;17:97-14.
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