RACISMO SE AFIRMA NA ESFERA PRIVADA E SE OCULTA NA ESFERA PÚBLICA PATRICIA LOPES DE VARGAS 1

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1 RACISMO SE AFIRMA NA ESFERA PRIVADA E SE OCULTA NA ESFERA PÚBLICA PATRICIA LOPES DE VARGAS 1 Resumo: O presente artigo apresenta parte das discussões realizadas durante o projeto NEPSO, desenvolvido pelos alunos da 8ª série do do E. F. E. E. José Generosi, cidade de Caxias do Sul e coordenado pela professora Patrícia Lopes de Vargas. Tem por objetivo esclarecer se há racismo no futebol, pois se veiculou na mídia diversas denúncias de atitudes racistas, que envolveram tanto as torcidas, como alguns jogadores. Toma como fonte de análise os dados coletados durante as entrevistas realizadas com três segmentos escolhidos como população de amostra: alunos de 7ª série, funcionários e professores e jogadores de futebol de clubes amadores. A fim de obter embasamento teórico sobre o assunto, tomou-se como referência os estudos de autores como Maria Aparecida Silva Bento, Newton Freire Maia, Florestan Fernades e Lilia Moritz Schwarcz. Este trabalho aponta que ainda é preciso refletir sobre o tema, para que se possa construir uma sociedade mais fraterna, sem que haja discriminação. Palavras chaves: discussões, racismo, futebol, discriminação. Introdução Nos últimos tempos, temos visto notícias sendo veiculadas pela mídia a respeito de atitudes racistas no futebol. Várias denúncias já foram feitas no Brasil e na Europa, onde há até um movimento contra isso, liderado por alguns jogadores brasileiros, tendo em vista o grande número de atletas do nosso país, que atua em clubes europeus. A curiosidade sobre reportagens a respeito de um fato como esse ocorrido aqui no Brasil, em um jogo entre o Clube Juventude (Caxias do sul) e o Clube Grêmio (Porto Alegre) provocou a curiosidade dos alunos. Esse acontecimento, aliado ao fato da 8ª série, turma 81, gostar muito do esporte, foram fatores determinantes para que se escolhesse o racismo no futebol como tema do projeto. Outro aspecto que também contribuiu para essa decisão foi à realização da Copa do Mundo 2006, evento este que exerceu forte influência na vida do povo brasileiro, pois o país praticamente parou em frente à televisão, para assistir aos jogos. A origem do racismo Acredita-se que a origem do racismo deu-se a partir da obra A Origem das Espécies, de Charles Darwin, publicada em A referida obra defendia a tese de que na natureza, faz-se uma seleção natural dos seres, isto é, sobrevivem e dominam apenas as espécies mais fortes, pois as fracas são conseqüentemente dominadas. Esta idéia foi testada somente em animais e plantas, porém alguns pensadores a utilizaram para tentar explicar a sociedade humana por meio de associação por meio da espécie simea.

2 Dessa forma, concluiu-se que havia homens fortes e homens fracos, tendo em vista uma série de características físicas. Este argumento se consolidou facilmente, pois o povo europeu precisava justificar a exploração e a dominação de alguns povos. De acordo com Maria Aparecida Silva Bento: Baseados na idéia de que haveria a necessidade de se preservar a pureza das raças, evitando a miscigenação, é que homens como Alfred Hosenberg e Adolf Hitler se tornaram famosos. Sendo assim, podemos definir o racismo como uma ideologia que defende a hierarquia entre grupos humanos, classificando-os em raças inferiores e raças superiores. (2000, p.25) A ideologia racial nasceu com a vontade do povo europeu de explorar e dominar povos diferentes. Se analisarmos a recente história de países como Alemanha e África do Sul, por exemplo, veremos que estes adotaram o racismo como uma política oficial de Estado. Mas e no Brasil, como se explica a origem do racismo? Certamente isso tem a ver com um aspecto cultural bastante forte do povo brasileiro: acreditar que tudo o que vem de fora é melhor. Isso não se restringe apenas as relações comerciais, se reflete também, no plano das idéias. Mesmo tendo chegado atrasadas aqui em nosso país, as teorias racistas tiveram forte adesão por parte de quem detinha o poder. A fim de tentar branquear a população brasileira, que era composta na sua maioria por descendentes afro-brasileiros, incentivou-se a vinda de imigrantes europeus, estimulando a miscigenação, para ir branqueando a população. Os intelectuais brasileiros dessa época não costumavam aprofundar seus estudos e pesquisas, talvez porque fosse mais cômodo aceitar idéias prontas de outras pessoas, mesmo que estas idéias não combinassem com a nossa realidade social e cultural. Segundo os estudos de Lilia Moritz Schwarcz: No Brasil, convivem duas realidades absolutamente diversas: de um lado, a descoberta de um país profundamente mestiçado em suas crenças e costumes; de outro, o local de um racismo invisível e de uma hierarquia arraigada na intimidade. O fato é que, no Brasil, raça é,conjuntamente, um problema e uma projeção.(schwarcz. P. 2001) Considerando esta citação, é possível relacionarmos algumas características culturais e étnicas da população da serra gaúcha, especialmente de Caxias do Sul, com algumas atitudes que demonstram certo preconceito. Para isso, basta levarmos em conta que algumas pessoas que descendem de imigrantes europeus, principalmente italianos, se consideram mais trabalhadoras e empreendedoras do que as pessoas que descendem de

3 outros povos. Outro aspecto que demonstra essa valorização demasiada da etnia italiana aqui na serra, é a preocupação em saber o sobrenome das pessoas. Dessa forma, quem tem um sobrenome que descende de imigrantes italianos, principalmente, possui certo status social. Portanto, é fácil concluir que este preconceito se estende aos negros, principalmente se considerarmos a história de exploração e dominação desse povo, por parte dos brancos. O racismo e a história do futebol Sabe-se que a presença do racismo no futebol não é algo que tem ocorrido somente nos dias de hoje. Se analisarmos um pouco a recente história do futebol em nosso país, veremos que este esporte já foi considerado de elite, pois só era praticado por quem tinha poder aquisitivo e fosse da cor branca. O preconceito era tão grande, que tinha negros que usavam até pó- de- arroz para disfarçar a cor de sua pele. Em 1923, o time carioca Vasco da Gama causou polêmica ao aparecer com uma equipe de negros, mulatos e brancos pobres que acabaram por vencer o campeonato carioca daquele ano. Nessa época, quando um jogador branco agredia um jogador negro, era falta. Mas quando um negro agredia um branco, antes que fosse cobrada a falta, o branco tinha o direito de revidar a violência. Isto pode explicar porque os negros desenvolveram habilidades e boa movimentação de corpo, precisavam evitar o contato com outros jogadores. Com isso, começou a surgir o jeito brasileiro de jogar futebol, com dribles e arte. Os negros souberam superar todas essas dificuldades, jogando futebol na periferia das cidades e criando as chamadas peladas. Tendo em vista todas estas considerações, será que é possível afirmar que hoje, há racismo no futebol? Tendo essa questão como um problema de pesquisa, os alunos da 8ª série levantaram algumas hipóteses para fazer sua investigação. São elas: * muitos jogadores vêm de famílias de baixa renda, que vivem em locais de miséria e marginalidade. Nesse sentido, quando vemos manifestações de torcedores e de alguns jogadores, que relacionam a cor negra a erros cometidos em partidas de futebol, poderia estar havendo um duplo preconceito - um em relação à raça e o outro em ralação à condição social. Algumas pessoas podem achar que estes fatores desqualificam o profissional do futebol;

4 * em um momento de euforia e às vezes, até de raiva, xinga-se um atleta por um erro cometido, relacionando esse erro à sua cor, mas isso é apenas um momento de expressão da raiva, não se tratando de preconceito; * em um momento de ânimos alterados, a pessoa preconceituosa, mesmo não admitindo, demonstra o que realmente pensa, revelando ter preconceito; * o fato de algumas pessoas gostarem muito de um time e torcerem fervorosamente por ele, faz com que ocorra uma rivalidade no momento do jogo. Nesse caso, a rivalidade é usada como justificativa para os xingamentos que partem da torcida de um time rival contra um atleta que está em campo; *é uma herança cultural e histórica, pois vivemos durante muito tempo um período de escravidão, em que os negros eram vistos como seres inferiores. Com o objetivo de testar estas hipóteses e de obter mais conhecimento sobre o assunto, os alunos tiveram a oportunidade de ler diversos textos, analisar filmes, letras de música e refletir sobre eles, através de apresentações de trabalhos e debates. Além disso, acompanhou-se a repercussão, através da mídia, e o desfecho do caso de um jogador do Clube Juventude (Caxias do Sul), que foi acusado de agir de forma racista com um atleta do Grêmio (Porto Alegre), durante uma partida de futebol. O atleta do clube caxiense teve que cumprir suspensão por alguns jogos. Além disso, precisou distribuir panfletos em atividades esportivas, que conscientizassem as pessoas a não agirem de forma racista. Ademais, a pesquisa bibliográfica proporcionou o conhecimento da legislação brasileira a respeito do racismo, que é considerado crime inafiançável. Também se entrou em contato com documentos produzidos pela Federação Internacional de Futebol e divulgados na Internet sobre as possíveis punições adotadas em casos comprovados de racismo nos estádios, tendo em vista a realização da Copa do Mundo Depois desse aprofundamento teórico, os alunos elaboraram questões que pudessem responder ao problema de pesquisa estipulado. Estas entrevistas foram aplicadas em três segmentos, definidos como população de amostra: alunos de 7ª série, funcionários e

5 professores e jogadores de futebol de clubes amadores da localidade ao redor da escola. Foram feitas ao todo 86 entrevistas. Racismo: tema que deve ser discutido por todos os segmentos da sociedade No Brasil, sabe-se que o preconceito é considerado algo vergonhoso, por isso é negado por muitas pessoas. É possível observar algumas contradições no discurso e nas atitudes de alguns indivíduos, que acabam revelando o preconceito que está camuflado ou escondido. As pessoas tendem a disfarçar seus preconceitos. Isso é claramente detectado em frases como: Não sou preconceituoso, mas prefiro um funcionário branco ou Tenho muitos amigos negros, não tenho nada contra, mas prefiro que meu filho se case com uma pessoa branca. Discursos preconceituosos têm relação direta com os estereótipos que vão surgindo ao longo dos tempos e tomam como referência aspectos negativos. O tipo de linguagem utilizada por algumas pessoas e que na maioria das vezes, faz parte do senso comum, pode revelar preconceito. É bastante comum ouvirmos as pessoas associarem a cor negra a coisas ruins. Isso foi comprovado pelos alunos durante as entrevistas, quando questionaram os entrevistados sobre isso: P3 - Você já ouviu alguém utilizando expressões como isso é coisa de preto ou que negrisse para se referir a algo ruim? Segmento alunos de 7ª série: SIM 83% NÃO 17% Segmento funcionários e professores: SIM 95% NÃO 5% Segmento jogadores de futebol: SIM 81% NÃO 19%

6 Outras duas perguntas foram feitas para os entrevistados sobre a linguagem que poderia demonstrar preconceito. Nestas questões, destacaram-se expressões e gírias utilizadas por jogadores de futebol e torcidas, no momento em que estão em uma partida de futebol. Além disso, buscou-se a opinião das pessoas sobre o que isso representa, ou seja, se consideram racismo o uso deste tipo de linguagem ou não. Observe: P5-No futebol, è comum tanto a torcida quanto os jogadores, utilizarem expressões que se referem à cor negra, como macaco. Sabendo disso, você acha que: Segmento alunos de 7ª série: O futebol estimula o racismo; 20% No futebol, estas expressões são normais; 13% Há racismo somente em alguns casos. 67% Segmento funcionários e professores: O futebol estimula o racismo; 20% No futebol, estas expressões são normais; 7% Há racismo somente em alguns casos. 73% Segmento jogadores de futebol: O futebol estimula o racismo; 31% No futebol, estas expressões são normais; 27% Há racismo somente em alguns casos. 42% Analisando estes dados, percebe-se que o segmento que mais escolheu a segunda opção foi o de jogadores de futebol, logo se pode concluir que estes ouvem com mais freqüência e até fazem uso desse tipo de expressões nos estádios de futebol, por isso consideram algo normal e que faz parte do jogo. A próxima questão investiga a possibilidade de uma punição para o atleta que ofender outro jogador durante a partida, relacionando esse xingamento à cor negra desse jogador:

7 P6 - Em uma partida de futebol, se um jogador ofender outro colega de profissão, chamando-o de macaco ou utilizando gestos e palavras que remetam a cor negra, o que você acha que deve acontecer? Segmento alunos de 7ª série: O jogador deve ser suspenso; 43% O clube deve pagar multa; 20% O jogador deve desculpar-se publicamente; 30% Nada, isso é normal. 7% Segmento funcionários e professores: O jogador deve ser suspenso; 30% O clube deve pagar multa; 13% O jogador deve desculpar-se publicamente; 50% Nada, isso é normal. 7% Segmento jogadores de futebol: O jogador deve ser suspenso; 47% O clube deve pagar multa; 38% O jogador deve desculpar-se publicamente; 15% Nada, isso é normal. 0% Nos três segmentos, vemos que a maioria das pessoas entrevistadas acha que alguma punição deve acontecer para os jogadores. No entanto, na questão anterior, acredita-se que estas expressões são de cunho discriminatório somente em alguns casos. Isso mostra uma contradição. Por que às vezes, é racismo e às vezes não? Como se faz essa diferença? Refletindo sobre essa contradição, podemos imaginar que estas pessoas estariam tentando ocultar o preconceito que carregam consigo, deixando-o transparecer em alguns momentos. Quando se investigou sobre o conhecimento das pessoas a respeito da existência de casos de racismo no futebol, a grande maioria, nos três segmentos, respondeu já ter ouvido falar. Isso provavelmente aconteceu, porque a mídia, nos últimos tempos, tem divulgado casos de racismo tanto no Brasil como no exterior.

8 No final do questionário, procurou-se saber o que deveria ser feito para diminuir e/ou eliminar o racismo do futebol e que instituições poderiam colaborar para isso. Constatou-se que deveriam ser feitas mais campanhas de conscientização através dos meios de comunicação. Além disso, segundo os pesquisados, a escola é a instituição que mais agrada como espaço de discussão e reflexão sobre o assunto. Concluindo a análise desta pesquisa, podemos afirmar que há racismo no futebol, mas a sociedade quer que isso seja combatido, pois tem consciência de que isso é desprezível e que pode ser punido por lei. Conforme Florestan Fernandes, não haverá mudança estrutural (...), enquanto o negro não tiver uma presença ativa, (...) na luta por igualdade racial. Se não, as alterações vão ser superficiais (...). (1989,P.99.) Este projeto proporcionou a criação de um espaço de reflexão e discussão sobre o tema abordado e a promoção do senso crítico dos alunos. Foi possível perceber que os estudantes estão mais cautelosos ao utilizarem expressões racistas ou fazerem piadas a respeito dos negros, pois estão começando a desprezar atitudes como estas. Espera-se que este trabalho tenha contribuído para o início de um processo de erradicação do racismo, através das discussões a que se propôs, já que esse tipo de preconceito não combina com um país tão rico culturalmente, em função dessa diversidade étnica.