Entrevista de José Luís Oreiro para a revista Desafios, do Ipea, sobre a questão da valorização cambial.



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Transcrição:

Entrevista de José Luís Oreiro para a revista Desafios, do Ipea, sobre a questão da valorização cambial. Yolanda Stein 1) Quais, em sua opinião, os efeitos da política de valorização cambial sobre a economia brasileira? A visão convencional dominante no Brasil sobre esse tema tende a considerar que o câmbio valorizado só é um problema quando vem acompanhado por déficits na conta de transações correntes do balanço de pagamentos. Isso porque a contrapartida dos déficits em conta corrente é o aumento do endividamento externo, o qual, se excessivo, pode levar a uma crise cambial como a que ocorreu em 1998/1999 no Brasil durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Com efeito, no período 1994-1998 o Brasil acumulou enormes déficits na conta de transações correntes (em torno de 4% do PIB), os quais foram financiados com endividamento externo e com o ingresso de capitais de curto-prazo. Segundo essa sabedoria convencional, a taxa de câmbio no Brasil não estaria valorizada hoje. Isso porque a economia brasileira continua apresentando enormes superávits na balança comercial, e deverá fechar o ano de 2007 com um pequeno superávit na conta de transações correntes do balanço de pagamentos. Assim sendo, não haveria sinais conclusivos de uma sobrevalorização da taxa de câmbio. O problema com essa visão convencional é que ela desconsidera o papel da taxa de câmbio no crescimento econômico de longo-prazo. Ao contrário do que prega a sabedoria convencional, o crescimento econômico de longo-prazo é fundamentalmente induzido pela expansão da demanda agregada, pois a oferta agregada se ajusta no longo-prazo ao crescimento da demanda. Num trabalho feito em co-autoria com os economistas Luciano Nakabashi e Breno Lemos do Departamento de Economia da UFPR 1, mostramos que o crescimento do PIB brasileiro no período 1990-2005 foi fundamentalmente induzido 1 Oreiro, J.L; Nakabashi, L; Lemos, B.P. (2007). A Economia do Crescimento puxado pela Demanda Agregada: Teoria e Aplicações para o Caso Brasileiro. Centro de Pesquisas Econômicas. Universidade Federal do Paraná. Disponível em www.economia.ufpr.br. Textos para Discussão: ano 2007.

pelo crescimento das exportações e dos gastos de consumo corrente do governo. Mais especificamente, mostramos que um aumento de 1 p.p das exportações gera um acréscimo de 0.15 p.p do PIB e que um aumento de 1 p.p dos gastos de consumo corrente do governo gera um aumento de 0.37 p.p do PIB. Em função do elevado endividamento do setor público, no entanto, não é possível continuar puxando o crescimento da economia brasileira por intermédio do crescimento dos gastos de consumo corrente do governo; pois, do contrário, haverá um aumento explosivo no endividamento do setor público. Daqui se segue que a única alternativa disponível para puxar o crescimento do PIB é por intermédio de um aumento das exportações. Em outras palavras, o modelo de crescimento disponível para o Brasil é do tipo export-led. Qual a relação entre câmbio e exportações? A sabedoria convencional afirma que o câmbio afeta as exportações unicamente pelo fato de que variações da taxa de câmbio real geram mudanças nos preços relativos que induzem os consumidores estrangeiros a alterar a fração da renda que é gasta com a aquisição de bens importados. Se esse fosse o único canal pelo qual as variações do câmbio real afetam as exportações; então o crescimento econômico de longo-prazo seria pouco afetado pois as estimativas empíricas existentes na literatura internacional apontam para o fato de que a elasticidade preço das exportações de uma série de países é relativamente baixa. Existe, contudo, um outro canal pelo qual a taxa real de câmbio afeta o crescimento, a saber: por intermédio de mudanças na estrutura produtiva do país. Grosso modo, podemos dizer que a estrutura produtiva do país é definida pelo número de diferentes tipos de produtos e serviços produzidos na economia nacional. Quanto maior for esse número, mais diversificada será uma economia. Nesse contexto, como argumentei num outro trabalho em co-autoria com os economistas Guilherme Jonas do CEDEPLAR e Breno Lemos da UFPR 2, uma apreciação da taxa real de câmbio gera um aumento do grau de especialização da estrutura produtiva, ou seja, uma redução do grau de diversificação do setor produtivo doméstico. Essa redução do grau de diversificação produtiva tem como efeito reduzir a 2 Oreiro, J.L; Lemos, B.P; Jonas, G. (2007). A relação entre a elasticidade-renda das exportações, a taxa de câmbio real e o hiato tecnológico: teoria e evidência. Boletim Economia & Tecnologia, Ano 03, Vol.08. Disponível em www.boletimdeconjuntura.ufpr.br.

elasticidade-renda das exportações, ou seja, a sensibilidade das exportações ao crescimento da renda do resto do mundo. Dessa forma, para uma mesma taxa de crescimento da economia mundial, o país afetado por uma apreciação persistente da taxa de câmbio irá sofrer uma redução da taxa de crescimento das exportações, apresentando assim uma taxa de crescimento do PIB inferior a dos demais países. No caso do Brasil isso é particularmente grave, pois nossas estimativas, reproduzidas na Tabela I abaixo, mostram que a elasticidade-renda das exportações brasileiras está abaixo da média de uma série de países selecionados, devendo ficar ainda mais baixa nos próximos anos, a persistir esse quadro de sobrevalorização do câmbio. Isso significa que o Brasil terá uma performance de crescimento econômico cada vez pior na comparação com a média mundial. TABELA 1: Estimativas da Elasticidade-Renda das Exportações numa Série de Países Selecionados (1995-2005) PAÍS ELASTICIDADE RENDA DAS EXPORTAÇÕES AFRICA DO SUL 1,991 ALEMANHA 2,685 ARGENTINA 0,901 AUSTRALIA 1,384 AUSTRIA 2,782 BRASIL 1,827 CANADÁ 1,800 CHILE 3,132 CORÉIA 2,492 DINAMARCA 1,789 ESPANHA 1,001 EUA 0,960 FRANÇA 1,638 HOLANDA 2,350

HUNGRIA 1,752 INDONESIA 1,607 ITÁLIA 1,549 MÉXICO 0,921 MALASIA 2,330 NOVA ZELÂNDIA 1,576 NORUEGA 2,204 POLONIA 4,725 PORTUGAL 1,245 REINO UNIDO 1,501 REP TCHECA 2,858 RUSSIA 3,573 SUÉCIA 2,443 SUICA 1,817 TAILANDIA 2,269 TURQUIA 2,306 MÉDIA 2,05 VAR 0,70 DESVPAD 0,84 2) Existem indicadores (numéricos) de que esta política vem sendo nociva para o crescimento da economia e prejudicial aos resultados da balança comercial, das exportações, do emprego, da produção industrial? Não há dúvida que a estrutura produtiva brasileira tem ficado mais especializada (ou seja, menos diversificada) nas últimas décadas. Os pesquisadores Fábio Scatolin, Gabriel Porcile e Wellington Pereira do

Departamento de Economia da UFPR estimaram a evolução do Índice de Krugman 3 que mede o grau de divergência da estrutura produtiva de um país com respeito a um país de benchmark, via de regra, os Estados Unidos para a economia brasileira no período 1990-2000 relativamente ao período 1970-1982. Suas estimativas mostram claramente que a estrutura produtiva da indústria brasileira ficou mais especializada e, portanto, mais distante da estrutura industrial dos Estados Unidos no período 1990-2000 relativamente ao período 1970-1982. Dessa forma, devemos esperar uma nova rodada de perda do dinamismo exportador da economia brasileira nos próximos anos. 3) A atual política penaliza realmente o setor industrial? E o argumento de que ela tem como conseqüência a vantagem de forçar as empresas a se modernizarem tecnologicamente de forma a manter a competitividade nos mercados externo e interno? O setor industrial tem sido penalizado de forma assimétrica. As indústrias que produzem bens intensivos em mão-de-obra como a indústria têxtil, moveleira e calçadista têm sofrido muitíssimo com o câmbio valorizado. Outras indústrias que produzem bens que utilizam de forma mais intensa insumos importados tem conseguido manter a sua rentabilidade num contexto de câmbio apreciado. Isso quer dizer que não devemos nos preocupar com o câmbio dado que algumas indústrias perdem enquanto outras ganham? É claro que devemos nos preocupar!!! Como eu disse anteriormente, uma estrutura industrial diversificada é benéfica para o crescimento de longo-prazo pois resulta numa maior elasticidade-renda das exportações e, portanto, numa maior taxa de crescimento das exportações e do PIB para uma mesma taxa de crescimento da renda do resto do mundo. Se o Brasil não quiser ficar para trás na corrida do crescimento, então é necessário manter e ampliar o grau de diversificação da estrutura industrial do país. Para isso é necessário, embora não seja suficiente, manter uma taxa de câmbio competitiva. Sou favorável a se criar um ambiente que estimule a concorrência e a modernização das empresas nacionais. Mas não acredito que isso possa ser feito por uma política deliberada de apreciação da taxa de câmbio, pelo simples fato de que mudanças na taxa de câmbio são, via de regra, fortes demais e rápidas demais para permitir que as empresas se adaptem. Dou um exemplo. Se eu fosse dono de uma indústria moveleira ficaria super-contente em conseguir um aumento de 3 Scatolin, Fábio; Porcile, G; Pereira, W. (2007). Notas sobre mudança estrutural na indústria brasileira: uma comparação internacional. Boletim Economia & Tecnologia, Ano 03, Vol.08. Disponível em www.boletimdeconjuntura.ufpr.br.

3% na produtividade do trabalho por ano. Acredito que todos nós concordaríamos que um aumento de 3% a.a. na produtividade do trabalho é um resultado excepcional em termos de inovação. No entanto, a taxa real de câmbio tem se apreciado cerca de 20% a.a. desde 2003!!!! Não há inovação tecnológica ou esforço de modernização que consigam superar isso. Trata-se de uma política deliberada de genocídio do empresariado nacional. 4) É viável que, na atual conjuntura, o mercado interno compense eventuais perdas com as exportações? Como já disse o problema não é compensar perdas com exportações, mas determinar qual é a velocidade que desejamos que a economia brasileira cresça no longo-prazo. A política atual de apreciação da taxa real de câmbio vai conduzir a uma maior especialização da estrutura produtiva do país e, dessa forma, irá resultar numa redução da elasticidade renda das exportações e do crescimento econômico no longo-prazo. 5) O Sr. é favorável à adoção de medidas compensatórias, como isenção de impostos e mesmo o controle de capitais? Não sou favorável a paliativos, eu prefiro exterminar a doença. O Brasil precisa reverter o quadro atual de apreciação da taxa de câmbio. Portanto, temos que ter muita clareza sobre quais são as fontes de apreciação da taxa de câmbio. Há alguns meses atrás creditava-se a apreciação da taxa de câmbio aos enormes superávits comerciais obtidos a partir de 2004. Assim o problema da apreciação do câmbio poderia ser naturalmente resolvido por intermédio de uma nova rodada de abertura comercial que induzisse um aumento das importações na frente das exportações. Essa é uma pseudo-solução. Ela é equivalente a dizer que se matarmos o paciente então ele não terá mais os sintomas da doença!!! Ora o câmbio apreciado não é ruim em si mesmo, mas devido aos efeitos que tem sobre a estrutura produtiva. Sendo assim, não ajuda em nada a resolver o problema se acelerarmos o ritmo de destruição do parque industrial brasileiro por intermédio de um aumento das importações. Isso porque, mesmo que o aumento das importações fosse bem sucedido no sentido de estancar o processo de apreciação do câmbio, a estrutura produtiva remanescente ao final desse processo será altamente especializada e, portanto, indutora de um baixo crescimento econômico de longo-prazo. A causa fundamental da apreciação recente da taxa real de câmbio não é o saldo da balança comercial, mas sim as entradas de capitais externos que são induzidas pelo enorme diferencial entre a taxa de juros interna e a taxa de juros internacional ajustada pelo prêmio de risco

país. De acordo com os Indicadores Econômicos do Banco Central do Brasil, o saldo do balanço de pagamentos brasileiro apresentou um superávit de US$ 30.569 milhões em 2006, dos quais US$13.621 milhões foram devidos a conta de transações correntes e US$15.982 milhões foram devidos a conta capital e financeira 4. A entrada líquida de recursos para aplicação em renda fixa diretamente relacionada com o diferencial de juros foi de US$ 2.773 milhões ao longo de 2006, ou seja, cerca de 20% do saldo da conta de transações correntes desse ano. Nos seis primeiros meses de 2007, contudo, a conta de transações correntes foi superavitária em US$ 3.666 milhões; ao passo que a conta de capital e financeira apresentou um superávit monstro de US$ 66.836 milhões, dos quais US$ 18.234 milhões vieram das aplicações em renda fixa!!! Esses números não deixam margem para dúvida que a apreciação do câmbio ao longo de 2007 está fundamentalmente relacionada com a entrada de capitais externos para aplicação em renda fixa no Brasil. Ou seja, a apreciação recente da taxa de câmbio é uma conseqüência direta da elevada taxa de juros praticada pelo Banco Central do Brasil na condução da política monetária. Nesse contexto, a política mais indicada para combater a apreciação da taxa real de câmbio é indubitavelmente reduzir a taxa nominal de juros para um patamar compatível com as taxas de juros internacionais ajustadas pelo prêmio de risco-país. No entanto, acredito que uma redução mais acelerada da taxa de juros é incompatível com a ortodoxia ora reinante na condução da política monetária. Dessa forma, como um second-best defendo a introdução de controles a entrada de capitais especulativos, com o intuito de reduzir o diferencial entre as taxas de juros interna e externa, o qual é responsável pela apreciação recente da taxa real de câmbio. Esses controles para serem efetivos devem ser de aplicabilidade geral, ou seja, devem ser impostos sobre todos os ingressos de capitais externos na economia brasileira, mas desenhados de tal forma a desestimular apenas o ingresso do capital rentista. Uma proposta concreta nesse sentido seria a introdução de um depósito compulsório não-remunerado de 30% sobre todos os ingressos de capitais externos no Brasil. Esse depósito seria recolhido aos cofres do Banco Central pelo prazo de um ano, ao final do qual estaria liberado para a aquisição de ativos denominados em reais. Esse depósito funcionaria como um imposto implícito sobre a entrada de capitais, devendo assim desestimular os fluxos de capitais para aplicação em renda fixa no Brasil. 4 Ver Basilio, João Pereima. (2007). Política Monetária, Arbitragem de Juros e Câmbio. Boletim Economia & Tecnologia, Ano 03, Vol. 10. Disponível em www.boletimdeconjuntura.ufpr.br.

6) É recomendável que o Brasil abra mão do fluxo crescente de capital externo, num momento favorável da economia mundial? Se os capitais que ingressam no Brasil fossem todos para investimento em ampliação de capacidade produtiva, então a apreciação da taxa real de câmbio poderia ser um custo menor do que o benefício advindo do acréscimo da capacidade produtiva resultante desse ingresso de capitais. Infelizmente não é esse o caso. A título de comparação, o Investimento Externo Direto foi de US$ 28.088 milhões nos seis primeiros meses de 2007, ao passo que as aplicações em renda fixa foram de US$ 18.234 milhões. Em outras palavras, os capitais que ingressaram no Brasil de janeiro a junho de 2007 para aproveitar o diferencial de juros foram equivalentes a 60% do investimento externo direto!!! Esse dinheiro não gera uma grama sequer de acréscimo na capacidade produtiva da economia brasileira, pelo contrário, só contribui para a apreciação da taxa de câmbio, com efeitos deletérios sobre a estrutura industrial e, portanto, sobre o crescimento de longoprazo. 7) Quais as medidas possíveis para alterar o modelo atual sem incorrer num aumento da inflação? Qual seria o modelo alternativo recomendável ao atual estágio da economia brasileira? A construção de um modelo macroeconômico que tenha como objetivo a promoção do crescimento econômico com estabilidade de preços passa necessariamente por desatar o nó da combinação juros elevados/moeda valorizada que reduzem as possibilidades de expansão da demanda agregada, em particular das exportações (responsáveis pela aceleração do crescimento) e do investimento (responsável pela sua sustentação). Uma vez garantida a convergência da taxa de inflação brasileira a sua meta de longo-prazo - estipulada recentemente pelo CMN em 4.5% a.a, mas com viés de baixa a cargo do poder discricionário do BCB - é chegado o momento de reduzir com maior velocidade a taxa de juros básica. Nas condições atuais, a taxa de juros real de equilíbrio da economia brasileira é estimada em 4.5% a.a, resultado da soma da taxa de juros real prevalecente nos países desenvolvidos (em torno de 2% a.a) com o prêmio de risco país (150 pontos base) e alguma margem para a incerteza cambial e de conversibilidade (mais ou menos 100 pontos base). No entanto, a taxa real SELIC, levando-se em conta as expectativas de inflação para os próximos 12 meses, encontra-se em 7,5% a.a. Ou seja, uma diferença de 300 pontos base com respeito ao valor de equilíbrio dessa taxa, num contexto em que a inflação já convergiu para a meta de longo-prazo!

A redução da taxa de juros deve contribuir para reduzir a pressão sobre a moeda. No entanto, a atual configuração de liquidez abundante nos mercados internacionais (passado o susto com a crise das hipotecas sub-prime nos Estados Unidos) tornam esta medida insuficiente. É preciso pensar em incorporar na agenda a questão do controle de capitais, tal como atualmente fazem países como China e Índia. Para evitar que os controles se tornem inefetivos, os mesmos devem ser aplicados a todas as entradas de capitais no país, mas desenhados de tal forma a desestimular apenas o ingresso de capitais especulativos. Por fim, ainda no que se refere à política cambial, é preciso ampliar os níveis de reservas internacionais, através de intervenções diretas do Banco Central sobre o mercado de câmbio. Com efeito, as reservas internacionais a disposição do Brasil medidas em proporção da dívida externa de curto-prazo ainda são pequenas na comparação com outros países emergentes como, por exemplo, Coréia e China. Dessa forma, ainda existe um espaço significativo para o BCB aumentar as reservas internacionais. A política de compra de reservas internacionais, apoiada pela existência de controles à entrada de capitais especulativos, atuaria no sentido de permitir uma efetiva administração da taxa nominal de câmbio. Dessa forma, o BCB poderia atuar com vistas a manter a taxa real de câmbio em patamares competitivos no longo-prazo. A redução da taxa de juros real para níveis próximos dos países emergentes e a desvalorização da moeda doméstica devem acarretar uma aceleração temporária da inflação. Para evitar que essa aceleração da inflação torne-se permanente, deve-se implementar um ajuste fiscal pleno. Tal ajuste deve ser conduzido, no entanto, por intermédio da adoção de uma política fiscal de longo-prazo que imponha limites definidos ao crescimento dos gastos de consumo corrente do governo. Uma medida concreta nesse sentido seria limitar o crescimento dos gastos de consumo corrente a meta de variação do IPCA definida pelo CMN. O novo modelo macroeconômico estaria, portanto, alicerçado nas seguintes bases: controles a entrada de capitais especulativos, convergência da taxa real de juros para o seu patamar de equilíbrio de longo-prazo mediante uma mudança no mix de política econômica, ou seja, combinação entre expansão monetária (por intermédio de uma redução mais rápida da taxa básica de juros) e contração fiscal (por intermédio da introdução de controles a taxa de expansão dos gastos de consumo corrente do governo) e administração da taxa de câmbio, mediante uma política ativa de compra de reservas internacionais, tendo em vista a manutenção da taxa real de câmbio em patamares competitivos. Esse novo modelo macroeconômico atuaria no sentido

de eliminar a combinação perversa entre câmbio valorizado e taxa real de juros elevada, permitindo um aumento das exportações e do investimento produtivo, os quais são essenciais para a aceleração do crescimento da economia brasileira num contexto de estabilidade de preços. 8) Que países podem ser apontados como modelos a serem seguidos? Quais suas semelhanças com o Brasil? Acredito que o grande modelo a ser seguido pelo Brasil é a China. Isso porque a política econômica nesse país combina um regime de câmbio administrado, no qual a taxa nominal e real de câmbio é mantida em patamares pró-exportação, controles a entrada e saída de capitais com o objetivo de facilitar a política de administração da taxa de câmbio e desvincular a taxa de juros doméstica da camisa de força imposta pela paridade descoberta da taxa de juros, e uma política monetária expansionista pautada pela manutenção de taxas de juros relativamente baixas em termos nominais e reais. José Luís Oreiro é professor do Departamento de Economia da UFPR e Pesquisador do CNPq (endereço eletrônico: joreiro@ufpr.br)