FORMAÇÃO DOCENTE ORIENTADA POR COMPETÊNCIAS: DIVERSIDADE DAS DEFINIÇÕES DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA E A NECESSIDADE DE UMA PROPOSTA INTEGRADORA

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Transcrição:

FORMAÇÃO DOCENTE ORIENTADA POR COMPETÊNCIAS: DIVERSIDADE DAS DEFINIÇÕES DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA E A NECESSIDADE DE UMA PROPOSTA INTEGRADORA Neylanne Aracelli de Almeida Pimenta Mestranda em Educação - Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN Formação e Profissionalização Docente, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Básica. Introdução O presente artigo tem por objetivo caracterizar as diferentes abordagens de competência definidas pela Unesco, pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), Conselho Nacional de Educação (CNE), Associação Nacional pela Formação de profissionais da Educação (ANFOPE) e por alguns pesquisadores como Machado (1996), Manfredi (1999), Perrenoud (1999) e Rojas (1999). Dentre os documentos do Mec, CNE e da ANFOPE analisados, citam-se: Referenciais para Formação de Professores (MEC, 1999); Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, em cursos de nível superior (MEC, 2000); Decreto n 3.276/99 (CNE, 1999); Boletim da ANFOPE Ano II, n 4, Junho/96; Documento Final do VIII Encontro Nacional (ANFOPE, 1996); Boletim da ANFOPE Ano IV, n 6, agosto/97; Boletim da ANFOPE Ano IV, n 7, abril/98; Boletim da ANFOPE Ano IV, n 8, setembro/98. A escolha destes documentos se justifica por seu caráter oficial, no caso dos Referenciais, Diretrizes e Decreto, por representarem o interesse de uma classe profissional, no caso dos Boletins da ANFOPE e, principalmente por serem os referenciais que têm orientado as propostas de formação dos profissionais da educação atualmente existentes no país. Quanto às orientações da Unesco e as discussões dos diversos pesquisadores citados, estas têm servido de base para muitos estudos e pesquisas sobre a formação de profissionais da educação. Além disso, as orientações da Unesco e o conceito de Perrenoud serviram de base teórica para a elaboração pelo Mec dos Referenciais supracitados. A partir destes conceitos, será possível elaborar uma lista de conceitos, que evidencia as semelhanças e diferenças entre eles, de cuja análise conclui-se pela necessidade de elaboração de um conceito pedagógico de formação que atinja a meta da Unesco traduzida na busca de formação do ser humano integral, princípio este que pode ser associado ao referencial teórico-metodológico da teoria crítica, principalmente quanto ao conceito de desenvolvimento da autonomia dos sujeitos (Adorno, 1995) e de realização da ação comunicativa definida por Habermas (1987), além da proposta de Freire (1979) da pedagogia da comunicação. 1. A Legislação brasileira e os diversos documentos sobre a formação de professores e o conceito de competência O fim dos anos 80 marca um período de efervescência no Brasil caracterizado pela luta do movimento de educadores em torno de melhores condições de formação, carreira e salário para a categoria profissional do magistério. Inicia-se, portanto, um debate que adentra a década de 90 e culmina numa série de ações do Governo Federal em prol de uma educação de qualidade, dentre as quais podem citadas: a Lei nº 9.394/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), os Parâmetros e Diretrizes Curriculares Nacionais, o Plano Decenal de Educação para Todos,

que, por sua vez, originou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF, regulamentado pela Lei nº 9.424/96). A Lei nº 9.394/96 1 definiu orientações gerais para a educação, enquanto abrangência dos processos formativos em todos os níveis, nas quais destacam-se princípios, valores e atitudes, como a ética, a democracia, a cidadania, que devem fundamentar a educação e se constituem em elementos constituintes das competências listadas pelos Referenciais para Formação de Professores (MEC, 1999) e pela Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, em cursos de nível superior (MEC, 2000). Outras medidas forma tomadas pelo Governo, como a definição do lócus de formação dos professores, quando surge a determinação de criação dos Institutos Normais Superiores pelo Decreto nº 3.276/99, muito debatido e questionado pelo segmento de educadores, cujo documento também lista competências a serem desenvolvidas pelos cursos de formação de professores. Após situar a origem destes documentos e seu significado na história da política educacional brasileira é importante verificar como definem competências. Os Referenciais para Formação de Professores se constituem em documento básico para uma análise da formação de professores, uma vez que, como o próprio Mec afirma reflete as temáticas que estão permeando o debate nacional e internacional num momento de construção de um novo perfil profissional de professor (Brasil. Mec, 1999, p. 16). Neste documento a competência está alicerçada em princípios que devem ser garantidos ao longo dos anos de escolaridade. São eles: PROCEDIMENTOS: seleção, investigação, questionamento, pesquisa, construção de hipóteses, compreensão, raciocínio lógico, relativização, confronto e respeito. VALORES: solidariedade, tolerância, paz, amor, justiça, convívio com a diversidade, repúdio à discriminação e à injustiça. ATITUDES: exercício do pensamento crítico, reflexivo, leitura crítica de textos, utilização de diversos recursos tecnológicos, expressão em diferentes linguagens, autonomia para opinar, enfrentar desafios, criar e agir. Estas atitudes são necessárias ao desenvolvimento de CAPACIDADES, consideradas direito de todo brasileiro numa educação de qualidade, quais sejam: CAPACIDADES: cognitivas; afetivas; físicas; éticas; estéticas; de inserção social e de relação interpessoal. Competência é definida, portanto, como a Capacidade de mobilizar múltiplos recursos, entre os quais os conhecimentos teóricos e experiências da vida profissional e pessoal, para responder às diferentes demandas das situações de trabalho (...). Trata-se de uma competência que se define em ato, num saber agir que necessita ser reconhecido pelos pares e pelos outros e cuja constituição pode e deve ser promovida em termos coletivos. Na Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica em Cursos de Nível Superior, o Mec lista competências agrupadas num conjunto de conhecimentos, valores e atitudes, cujo objetivo parece ter sido o de sintetizar e organizar as competências definidas nos Referenciais. Nesta Proposta, as competências se referem: ao comprometimento com os valores estéticos, políticos e éticos inspiradores da sociedade democrática, à compreensão do papel social da escola, ao domínio dos conteúdos a serem socializados, de seus significados em diferentes contextos e de sua articulação interdisciplinar, ao domínio do conhecimento pedagógico, ao conhecimento de processos de investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da prática pedagógica e ao gerenciamento do próprio desenvolvimento profissional. (Brasil. Mec, 2000). Os documentos legislativos ou normativos em geral não apresentam um conceito de definição de competências, esta é caracterizada em termos de capacidades e habilidades que devem compor o perfil do profissional da educação. Desta forma, o Decreto n 3.276/99 determina as seguintes capacidades: atuação multidisciplinar, coletiva e democrática; ampla compreensão do 1 Ver a este respeito os Artigos 1º, 2º, 22, 61 e 62.

fenômeno e prática educativos ; capacidade crítica, técnica, criativa e ética para contribuir para a transformação social ; compreensão do processo de construção do conhecimento; capacidade de contribuição na elaboração do projeto político pedagógico; atender às relações éticas e epistemológicas que compõem o processo educacional ; estabelecer comunicação entre as diversas áreas do conhecimento, ser um pesquisador e produtor de novos conhecimentos e práticas pedagógicas. Estes documentos revelam a ênfase da competência no campo educacional, enquanto repercussão das transformações na esfera do trabalho que influenciam o mundo cultural, pessoal o mundo da vida, e refletem as concepções de pesquisadores em nível mundial. No entanto, apesar da classificação de capacidades e habilidades que compõem o termo competência, não apresentam uma definição de conceitos ou um direcionamento para uma mudança do atual modelo de formação docente. 2. O debate internacional sobre competências. O desenvolvimento de competências não se apresenta, segundo Manfredi (1998) como algo novo, mas como reatualizações e ressignificações dos termos qualificação e formação profissional, envolve os aspectos que vão do individual, ao sócio-cultural, contextual e processual e, portanto, são termos polissêmicos e multidimensionais. Neste aspecto, Ropé (1997) afirma que os usos que são feitos da noção de competência não permitem uma definição conclusiva. Ela se apresenta, de fato, como uma dessas noções cruzadas, cuja opacidade semântica favorece seu uso (...) por agentes com diversos interesses. (Ropé, 1997, p. 16-17). A história do surgimento do desenvolvimento de competências está associada à dinâmica das transformações na esfera do mundo do trabalho e político-cultural na sociedade moderna, que exigiram a definição de um novo perfil profissional. Segundo Manfredi (1998, p. 26), a noção de competência surgiu da necessidade de avaliar e definir novos conhecimentos e habilidades oriundas das novas exigências do mundo do trabalho. Esta associada aos atuais modelos de produção e gestão, em substituição à noção de qualificação ancorada nos postos de trabalho. O novo perfil profissional deverá ser desenvolvido com base num conjunto de conhecimentos definidos pela Unesco no Relatório Educação: um tesouro a descobrir (1999), no qual o enfoque norteador e princípio básico da educação em todos os níveis é o desenvolvimento humano, compreendido como a evolução das capacidades de raciocínio, discernimento, reflexão e o significado das responsabilidades. A Unesco propõe, portanto, uma nova educação que deve construir saberes e saber-fazer, em permanente evolução, adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro. Esta educação deve se organizar em torno de 4 pilares fundamentais: Aprender a conhecer (relacionar cultura geral à possibilidade de dominar um pequeno conjunto de conhecimentos), Aprender a fazer (tem por objetivo preparar o sujeito para a resolução de problemas e trabalho em equipe), Aprender a viver juntos (aquisição das capacidades de cooperação e participação com os outros em todas as atividades humanas) e Aprender a Ser (desenvolvimento da autonomia, discernimento, responsabilidade pessoal, memória, raciocínio, reflexão, habilidades físicas, estética, capacidade de comunicação e criatividade. Este pilar é considerado o conhecimento essencial, integrador dos demais e principal objetivo da educação ao longo de toda a vida). A noção de competência tem grande amplitude e surgiu para imprimir uma ampla reforma na concepção de educação e formação profissional, que deverão ter como meta não apenas a formação para o mundo do trabalho, mas a formação para a vida em toda a sua plenitude. No entanto, ainda se define de modo complexo e impreciso, o que conduz a uma caracterização em forma de capacidades, como se verificou nos diversos documentos elaborados para orientar a formação de professores no Brasil. Neste sentido é importante verificar como o termo é definido por alguns pesquisadores da questão educacional em outros países, cujos conceitos são transcritos. Competência significa ou caracteriza-se por:

Uma capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situação. (...) As competências profissionais constroem-se, em formação, mais também ao sabor da navegação diária de um professor, de uma situação de trabalho à outra. (Perrenoud, 2000, p. 15); Uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles. (Perrenoud, 1997, p. 7); É um conjunto de conhecimentos técnico-disciplinares e de sentido comum, que deve ser objeto de uma decodificação em cada situação real em que opera. (Meghnagi apud Rojas, 1999, p. 242); Posse de escolaridade básica, de capacidade de adaptação a novas situações, de compreensão global de um conjunto de tarefas e das funções conexas, o que demanda capacidade de abstração e de seleção, trato e interpretação de informações... (Machado, 1996). Os conceitos de competência aqui transcritos revelam a ênfase na competência enquanto um conhecimento para ação. No entanto, quanto a uma definição do conceito de competência, partimos 2 do pressuposto de que o debate atual em nível mundial sobre competência revela ainda uma grande inconsistência quanto a seus fundamentos teórico-metodológicos, podendo conduzir a um reducionismo do modelo de formação, em termos de maior ênfase ao aspecto técnico-metodológico e organizacional, contribuindo para uma conformação da subjetividade dos profissionais a uma nova ideologia modernista do capitalismo. Diante deste dado ressalta-se a preocupação com um conceito pedagógico de competência capaz de orientar os cursos de formação de profissionais que atendam a meta de formação do ser humano integral, em todas as suas potencialidades e enquanto sujeito autônomo. 3. Oficina de Formação: uma proposta de formação de profissionis da educação. O atendimento do princípio de formação integral do sujeito requer a definição de critérios que orientem a formação profissional por competência. Para tanto, proponho a OFICINA DE FORMAÇÃO, que busca atender ao princípio da indissociabilidade teoria-prática, proposto pelo MEC e Unesco e cujo objetivo é o desenvolvimento omnilateral dos sujeitos-profissionais da educação, a partir de um currículo-ação organizado com base numa metodologia fundamentada no conceito da ação comunicativa de Habermas, na proposta de pedagogia da comunicação de Paulo Freire e na autonomia dos sujeitos de Adorno. A Oficina de Formação se define, portanto, por amplo processo de organização institucional, curricular e metodológico, cujo elemento norteador é a realidade sócia e educacional concretas. Em sua operacionalização tem como ponto de partida a organização ou instituição escolar, a qual deverá assimilar o conceito de formação profissional anteriormente definido e debatido amplamente por todos os segmentos que a compõem, inclusive a comunidade e sintetizados no projeto políticopedagógico do curso de formação. Após este momento, a proposta deve ser apresentada e/ou redefinida juntamente com a comunidade, momento em que deve ser discutida a realidade da escola em relação à demanda social, as necessidades e finalidades da escola: cultural, sócio-política e pedagógica; processos de decisão e relações de trabalho. Com base nesta organização, um conceito de Oficina de Formação pode ser definido como segue: Uma proposta didático-organizacional fundamentada na integração entre trabalho e formação profissional, situada na Universidade enquanto lócus privilegiado de formação. Sua base teórico-metodológica é a Teoria Crítica de Adorno cujo princípio é emancipação 2 A idéia é consensual nas discussões que fundamentam o Projeto de pesquisa Novos Conceitos de Educação e Trabalho e seus impactos na Formação Profissional no Brasil, no qual se insere esta dissertação.

de sujeitos, por meio de uma formação fundamentada na reflexão crítica, como forma de desvelamento, compreensão e possibilidade de mudança da realidade social. A proposta se justifica pela necessidade de formação de um sujeito-profissional da educação capaz de desenvolver as competências requeridas pela dinâmica do processo educacional, se autodesenvolver enquanto sujeito com consciência crítica que o capacite a compreender e intervir na realidade concreta, além de formar cidadãos para uma sociedade em constantes mudanças. 4. Considerações Finais As diversas medidas implementadas pelo Governo Federal através do MEC, revelam a grande importância atribuída na última década à formação do professor; muitos estudos têm sido realizados, porém uma variedade de questões continua sem resposta, assim como ainda não se têm definições capazes de oferecer soluções para a crise da educação brasileira e de propiciar o desenvolvimento de todas as capacidades humanas de forma concreta, como previu a Unesco. Neste sentido, tive a preocupação de desenvolver uma proposta de conceito, inicialmente traduzida em critérios orientadores da formação de profissionais da educação, cuja principal meta é trazer a realidade profissional do professor para a sala de aula dos cursos de formação, refleti-la coletivamente, oferecer soluções para os problemas e reconstruí-la na forma de um novo conhecimento que parte da práxis. Este conceito foi aqui esboçado sob o título Oficina de Formação e se encontra em fase de aprofundamento, podendo, portanto ser reconstruído, mas que aposta na certeza com esperança de poder contribuir para a emancipação dos sujeitos-profissionais da educação. Bibliografia ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação/ Theodor w. Adorno; Tradução Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação. VIII Encontro Nacional: documento final. Belo Horizonte, 1996. In: http://www.lite.fae.unicamp.br/grupos/formac/docanfope/item2encon8.htm. ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação. Boletim ano II, nº 4, junho/96. Disponível na internet: http://www.lite.fae.unicamp.br/grupos/formac/indice/boletim.html. ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação. Boletim ano IV, nº 6, agosto/97. Disponível na internet: http://www.lite.fae.unicamp.br/grupos/formac/indice/boletim6.html. ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação. Boletim ano IV, nº 7, abril/98. Disponível na internet: http://www.lite.fae.unicamp.br/grupos/formac/indice/boletim7.html. ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação. Boletim ano IV, nº 8, setembro/98. Disponível na internet: http://www.lite.fae.unicamp.br/grupos/formac/indice/boletim8.html.

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