Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XXV, nº 99, pág. 13-18, Jul.-Set., 2013 TIRADS e a Lesão Folicular de Significado Indeterminado (LFSI) da Tiróide* TIRADS and the Thyroid's Folicular Lesion of Undetermined Significance (FLUS) Ana Germano 1, Willian Schmitt 1, Elsa Rosado 1, Cátia Ribeiro 2, Sofia Loureiro dos Santos 2 1 Serviço de Radiologia - Directora: Dra Clara Aleluia; 2 Serviço de Anatomia Patológica - Directora: Dra Sofia Loureiro dos Santos. Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, E.P.E Resumo Objectivos: Avaliar o papel da classificação Thyroid Imaging Reporting and Data System (TIRADS) da ecografia da tiróide, nos nódulos da categoria Lesão Folicular de Significado Indeterminado (LFSI) do Sistema de Bethesda. Materiais e métodos: Estudo retrospectivo, entre Janeiro de 2011 e Agosto de 2013, a um total de 40 nódulos tiroideus submetidos a citologia aspirativa com agulha fina (CAAF) no HFF e diagnosticados como LFSI. Em 38 destes nódulos a CAAF foi efectuada com controle ecográfico. Os nódulos foram estratificados nas diferentes categorias TIRADS pela avaliação ecográfica. Com base no relatório da citologia, os nódulos foram divididos em 2 grupos: aqueles em que era descrita pelo menos uma alteração nuclear; e todos os restantes. Utilizou-se o teste χ 2 para avaliar a possível associação entre as variáveis TIRADS e citologia. Resultados: Dos 38 nódulos, 15 (37,5%) foram classificados como TIRADS 3, 17 (42,5%) como TIRADS 4A e 6 (15%) como TIRADS 4B. Em 24 nódulos (60%) foram descritas alterações nucleares e em 16 (40%) não foram. Em todos os nódulos TIRADS 4B foram descritas alterações nucleares. Dos 15 nódulos TIRADS 3, 10 não tinham alterações nucleares e 5 tinham. Os nódulos TIRADS 4A e 4B tinham maior possibilidade de ter alterações nucleares na citologia (p<0.005). Conclusões: Os nódulos da categoria LFSI são um grupo heterogéneo, continuam a representar um dilema diagnóstico clínico e radiológico, sendo actualmente preconizado repetir a citologia a 6 meses. A classificação TIRADS pode ajudar o clínico a decidir entre controle ecográfico evolutivo, repetição da citologia ou cirurgia a estes nódulos. Palavras-chave Glândula Tiróideia; Nódulo; Ecografia; Citologia. Abstract Purpose: To evaluate the role of ultrasound TIRADS classification of thyroid nodules within the Bethesda System s FLUS category. Method: A retrospective study was performed, between January 2011 and August 2013, to a total of 40 thyroid nodules, subjected to fine needle aspiration cytology (FNA) in the HFF and diagnosed as FLUS. FNA was ultrasound guided to 38 of these nodules. These were stratified into the different categories of TIRADS through ultrasound evaluation. Basing ourselves on the cytology report, the nodules were split into 2 groups: one containing those described with a minimum of one nuclear atypia, with every other subject contained in the remaining one. To evaluate the possible association between TIRADS and cytology, we applied the χ 2 test. Results: Of the aforementioned 38 nodules, a total of 15 (37.5%) were classified as TIRADS 3, 17 (42.5%) as TIRADS 4A and 6 (15%) as TIRADS 4B. All in all, nuclear atypia was described in 24 (60%), and found absent in 16 (40%). Nuclear atypia was present in every single TIRADS 4B nodule. In the 15 TIRADS 3 nodules, 10 showed no nuclear atypia, though they were present in the remaining 5. TIRADS 4A and 4B nodules displayed a consistently bigger possibility of nuclear atypia in cytology (p<0.005). Conclusion: The nodules within the FLUS category are a heterogeneous group, and, to this day, still represent a clinical and radiological diagnostic conundrum. We have deemed it necessary to redo cytology 6 months hence. It may be that the TIRADS classification can thus aid the physician in deciding between whether to proceed with ultrasound follow-up, cytology or surgery when dealing with these nodules. Key-words Thyroid Gland; Nodule; Ultrasound; Cytology. * Prémio de melhor Comunicação Livre - VIII Jornadas Temáticas da SPRMN - "Cabeça e Pescoço", 8 e 9 de Novembro de 2013, Coimbra ARPq13
Introdução A patologia nodular da tiróide é muito prevalente, variando entre 7% e 70% conforme tenha sido detectada no exame objectivo ou na ecografia[1]. A grande maioria dos nódulos é benigna. Estima-se que apenas 5 a 15% dos nódulos sejam malignos, sendo que a grande maioria destes, cerca de 90% sejam carcinomas papilares e foliculares, com excelente prognóstico[2]. Os factores de risco conhecidos incluem a idade, o sexo feminino, a história de exposição prévia a radiações, a história familiar de patologia maligna da tiróide, a tiroidite, síndromes endócrinos múltiplos e deficiência de iodo[1,3]. Ao exame objectivo, um nódulo é considerado suspeito se for duro, aderente a estruturas adjacentes, tiver tido um crescimento rápido ou estiver associado a outras alterações como paralisia da corda vocal ou presença de adenomegálias suspeitas[4]. É actualmente indiscutível o papel da ecografia de alta resolução como primeira técnica de imagem a utilizar na suspeição de patologia nodular da tiróide. Apesar de inúmeros trabalhos terem identificado características ou grupos de características ecográficas que aumentam a suspeição de malignidade dos nódulos, não existem ainda critérios ecográficos com suficiente especificidade e sensibilidade que permitam o diagnóstico de malignidade. Utilizamos neste trabalho a estratificação pelo sistema TIRADS, modificado por Russ et al em 2011[5,6] (tabela 1). Nesta classificação TIRADS1 é um exame normal. Os nódulos benignos correspondem à categoria TIRADS 2 e são: O quisto simples, o nódulo esponjiforme, o cavaleiro branco ( White Knight ), a macrocalcificação isolada e a hiperplasia nodular. São indicadas 5 características de suspeição, a pesquisar: forma irregular, contornos irregulares; microcalcificações, hipoecogenicidade marcada e rigidez elevada na elastografia. Um nódulo sem sinais de suspeição, hiper ou isoecogénico é classificado como TIRADS 3; Um nódulo sem nenhum sinal de suspeição e moderadamente hipoecogénico (mais hipoecogénico do qua a tiróide e menos do que os músculos), comotirads 4a. Se tiver um 1 ou 2 sinais suspeitos, o nódulo será TIRADS 4b; A presença de 3 a 5 sinais suspeitos ou a existência de 1 gânglio suspeito define o TIRADS 5. A punção aspirativa com agulha fina (CAAF) dos nódulos da tiróide, particularmente se guiada por ecografia, é o método mais eficaz e com melhor relação custo/benefício para avaliar nódulos da tiróide[2,4]. Contudo pode ter até 10% de resultados não diagnósticos e 3 a 5% de falsos negativos[1]. Em 2009 o National Cancer Institute (NCI)[7] publica o sistema de Bethesda para relatório da citopatologia da tiróide. Nesta sistematização constituíram-se 6 categorias: não diagnóstico, benigno, lesão folicular de significado indeterminado, tumor folicular, suspeito de neoplasia maligna e maligno, cada uma com um risco de malignidade atribuído e uma proposta de seguimento aconselhada (ver tabela 2). As LFSI são uma categoria controversa, heterogénea reservada a amostras que contêm células com atipia arquitectural e/ou nuclear que não é suficiente para as classificar como tumor folicular, suspeitas ou malignas mas que também não se pode com segurança atribuir a alterações benignas. São causa frequente de confusão a clínicos e pacientes, sendo muitas vezes solicitada a opinião do radiologista. Uma publicação recente, de Walts et al[8], indica que LFSI com alterações nucleares têm risco de malignidade substancialmente maior em relação ao que é atribuído a essa categoria num todo. Tabela 1 Classificação TIRADS Tabela 2 Categorias de Bethesda Objectivos O objectivo deste estudo foi avaliar a possibilidade da existênciade alguma associação entre as diferentes categorias TIRADS e a presença ou ausência de alterações nucleares nas citologias das LFSI. Hipótese: Existe associação entre as categorias TIRADS e a presença de alterações nucleares nas LFSI? Materiais e Métodos Foi efectuado um estudo retrospectivo. Entre Janeiro de 2011, data em que se iniciou a utilização da classificação de Bethesda na nossa instituição, e Agosto de 2013, um total de 40 nódulos tiroideus submetidos a CAAF no HFF foram diagnosticados como LFSI. Em 38 dos nódulos a CAAF foi feita com avaliação ecográfica. Foram utilizados ecógrafos GE Logic E9 com sonda linear ML 6-- 15 MHz e ecógrafos Toshiba APLIO XV com sonda 14q ARP
linear PLT-- 805AT 5-- 12 MHz. Pela revisão das imagens de arquivo, os nódulos foram estratificados pelas categorias TIRADS. (figuras 1, 2 e 3). Os relatórios da citologia foram divididos em duas categorias: aqueles em que era mencionada pelo menos uma alteração nuclear, como moldagem nuclear, fendas nucleares, núcleos irregulares, núcleos hipercromáticos, cavalgamento nuclear ); os restantes. (figuras 4 e 5). Foi avaliada a possível associação entre as categorias TIRADS e as categorias citológicas utilizando o programa Fig. 4 - exemplo de moldagem nuclear (seta) alteração nuclear Fig. 1 - nódulo sólido, hiperecogénico, TIRADS 3 Fig. 5 - exemplo de microfolículo alteração arquitectural IBM SPSS Statistics versão 21. Resultados Fig. 2 - nódulo sólido, moderadamente hipoecogénico, TIRADS 4a Fig. 3 - nódulo sólido, muito hipoecogénico, TIRADS 4b Dos 40 nódulos com diagnóstico de LSFI, 2 não foram puncionados com controle ecográfico e não tivemos acesso às ecografias, efectuadas no exterior da nossa instituição. Dos 38 nódulos restantes, pela avaliação retrospectiva das imagens por um radiologista com mais de 15 anos de experiência em ecografia da tiróide, 15 foram classificados como TIRADS 3, 17 comotirads 4a e 6 como TIRADS 4b (figura 6). Pela avaliação dos relatórios citológicos, identificamos 16 nódulos sem alterações nucleares e 24 nódulos com alterações nucleares (figura 6). A idade dos pacientes variou entre 39 e 83 anos, com mediana de 61. No grupo dos pacientes sem alterações nucleares a mediana da idade foi de 53 anos, mais baixa do que no grupo com alterações nucleares (64,5anos) (figura 7; tabela 3). O maior eixo dos nódulos variou entre 1,5 e 5,1cm, com mediana de 2,2cm. A mediana do maior eixo dos nódulos com alterações nucleares foi mais baixa (2,1cm) que a dos nódulos sem alterações nucleares ( 2,8cm) (figura 8; tabela 3). Dos 40 nódulos, 37 correspondiam a pacientes do sexo feminino (15 sem alterações nucleares e 22 com alterações nucleares). Dos 3 nódulos de pacientes do sexo masculino, ARPq15
Fig. 6 - Grupos TIRADS e Citológicos Fig. 7 - Caixas de bigodes da variável idade 1 não tinha alterações nucleares e 2 tinham. 15 nódulos eram do lobo direito da tiróide, 22 do lobo esquerdo e 3 do istmo (tabela 4, figuras 9 e 10). A citologia foi efectuada com citotécnica presente na sala. Foi feita uma coloração rápida (Diff-Quick) para avaliar a adequabilidade da amostra. Quando não houve células suficientes, o procedimento foi repetido. 24 nódulos foram puncionados uma única vez e 16 nódulos foram puncionados 2 ou mais vezes (máximo de 4 vezes para um único nódulo). 15 nódulos foram classificados como TIRADS 3, 17 nódulos como TIRADS 4a e 6 como TIRADS 4b (figura 11; tabela 4). Na tabulação cruzada, verificamos que todos os nódulos TIRADS 4b tinham alterações nucleares. O nº de nódulos TIRADS 3 com alterações nucleares foi menor que o número de nódulos TIRADS 3 sem alterações nucleares (figura 12). Utilizou-se o teste χ 2 para avaliar a possível associação entre as variáveis TIRADS e citologia. Pelo pequeno número de casos, usando as três categorias TIRADS, não se cumpriam os critérios de Cochran. Por essa razão, recodificamos as categorias TIRADS em TIRADS 3 e TIRADS 4 (a+b). No teste χ 2 verificou-se a existência de forte associação (p=0.002) entre as variáveis.tendo em conta as dimensões da amostra, efectuámos também o teste exacto de Fisher, onde igualmente se verificou uma forte associação (p=0,005) entre as variáveis (figura 13; tabelas 5 e 6). Assim, neste estudo, os nódulos TIRADS 4 da categoria LSFI têm maior possibilidade de ter alterações nucleares que os nódulos TIRADS3 da mesma categoria. Tabela 4 - Frequências e percentagens das variáveis categóricas Tabela 3 - Medidas de localização e dispersão das variáveis quantitativas Fig. 8 - Caixas de bigodes da variável dimensões dos nódulos Fig. 9 - Gráfico circular da variável género 16q ARP
Fig. 10 - Gráfico circular da variável lobo Fig. 13 - Grafico de barras da variável TIRADS codificada (T3 e T4a+T4b) Tabela 5 - Tabulação cruzada TIRADS- citologia Tabela 6 - Teste χ 2 e exacto de Fisher Fig. 11 - Gráfico circular da variável número de punções Fig. 12 - Gráfico de barras da variável TIRADS (categorias T3, T4a e T4b) Discussão/Conclusões Neste estudo determinou-se a existência de uma forte associação entre as variáveis TIRADS e citologia. Os nódulos classificados como LFSI e da categoria TIRADS 4 tiveram maior possibilidade de ter alterações nucleares do que osnódulos TIRADS 3 da mesma categoria. O presente trabalho tem contudo limitações: o pequeno número de casos estudado; a amostra ser constituída essencialmente por indivíduos do sexo feminno; o facto de ser um estudo retrospectivo; a leitura e classificação nas categorias TIRADS ter sido feita apenas por um radiologista, quando a concordância inter-observador nessa classificação não é ainda consensual. Os nódulos classificados como LFSI neste estudo pertencerem apenas às categorias TIRADS 3, 4a e 4b; não se ter utillizado a elastografia, perdendo assim informação sobre a dureza do nódulo, o que só por si poderia alterar a classificação TIRADS[6]. Tanto quanto é do nosso conhecimento, não foram previamente efectuados estudos semelhantes. A heterogeneidade dos nódulos da categoria LFSI continua a representar um dilema diagnóstico clínico e radiológico. A realização de um estudo prospectivo, que inclua um ARPq17
número maior de pacientes e que correlacione a citologia e a ecografia com a histologia ou o follow-up, poderá confirmar futuramente os resultados obtidos neste trabalho. A classificação TIRADS dos nódulos desta categoria e a utilização conjunta dos critérios ecográficos e citológicos poderá futuramente ajudar o clínico a decidir entre controle ecográfico evolutivo, repetição da citologia ou cirurgia a estes nódulos. Referências 1. Kangelaris, G. T.;Kim, T. B.; Orloff, L. A. - Role of Ultrasound in Thyroid Disorders. Ultrasound Clinics, 2012, 7:197-210. 2. Cooper, D. S. et al.- Revised American Thyroid Association management guidelines for patients with thyroid nodules and differentiated thyroid cancer. Thyroid, 2009, 19:1167-214. 3. Henrichsen,T. L.; Reading, C. C. - Thyroid ultrasonography. Part 2: nodules. Radiologic clinics of North America, 2011, 49:417-24. 4. Frates, M. C.; Benson, C. B.; Charboneau, J. W. et al. -Management of thyroid nodules detected at US: Society of Radiologists in Ultrasound consensus conference statement. Radiology, 2005, 237:794-800. 5. Russ, G.; Bigorgne, C. et al. - Le système TIRADS en échographie thyroidienne. Journal de Radiologie, 2011, 92:701-713. 6. Monpeyssen, H.; Tramalloni, J. et al. - Elastography of the thyroid. Diagnostic and Interventional Imaging 2013, 94:535-544. 7. Cibas, E. S.; Ali, S. Z.; - Conference NCITFSotS. The Bethesda System For Reporting Thyroid Cytopathology. American journal of clinical pathology, 2009, 132:658-65. 8. Walts, A. E.; Mirocha, J. et al. - Folicular lesion of undetermined significance in thyroid FNA revisited.diagnostic Cytopathology. 2013[internet]. http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/dc.23019/pdf Correspondência Ana Germano Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca, E.P.E. Serviço de Radiologia IC19 - Venteira 2720 Amadora email: ana.s.germano@hff.min-saude.pt 18q ARP