Da anomia à heteronomia na. Rossano Cabral Lima Psiquiatra infanto-juvenil; mestre e doutorando em Saúde Coletiva (IMS/UERJ)



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Transcrição:

Da anomia à heteronomia na infância Rossano Cabral Lima Psiquiatra infanto-juvenil; mestre e doutorando em Saúde Coletiva (IMS/UERJ)

Hipótese mais difundida: indiferenciação primordial entre mãe e bebê

Período sensório-motor (Piaget): Ocuparia os dois primeiros anos de vida. Os estímulos nas diferentes esferas perceptivas são experimentados de forma desconectada, e a percepção visual é bidimensional. Assim, a percepção da criança é inadequada para informá-la das características objetivas do ambiente.

Período sensório-motor (Piaget): Até os nove meses os objetos são inconsistentes, móveis, deixando de existir quando afastados do campo visual. Não havendo diferenciação eumundo, o egocentrismo é a marca desse período.

Fase autística normal (Mahler): Ocuparia os dois primeiros meses de vida. Nesse período, a criança não faria distinção entre mundo externo e interno, nem entre si próprio e os objetos inanimados ao seu redor

Butterworth (1996): Os objetos do ambiente já seriam percebidos pelo bebê de três meses com sua forma, tamanho e distância ocupando o espaço particular de cada um.

Butterworth (1996): Não haveria problemas com a permanência dos objetos (quando esses desaparecem do campo visual), mas a percepção é que não seria suficiente para guiar ações que envolvam múltiplas sequências de meios e fins (como as necessárias para alcançar um objeto fora do campo visual).

Butterworth (1996): Bebês de dois meses de idade já demonstrariam rudimentos de atenção conjunta (a partir do olhar e do ato de apontar), colocando em xeque a noção de egocentrismo, na medida em que eles percebem o seu mundo visual como o mesmo de outra pessoa.

Rochat (2000): Há um senso implícito de self corporal básico que se desenvolve pelo menos a partir dos dois meses de idade, bem antes da criança começar a manifestar um auto-conhecimento explícito ou conceitual, por volta dos dois anos de idade (reconhecimento no espelho).

Rochat (1999): Da mesma forma, o surgimento da cognição social (processo pelo qual se adquire a habilidade de monitorar, controlar e prever o comportamento alheio) se desenvolve durante os 12 primeiros meses de vida: revoluções dos dois meses e dos nove meses.

Rochat (1999): 1º) Durante as seis primeiras semanas de vida: há uma sensibilidade inata aos estímulos sociais, promovendo uma sintonia social, mas sem sinais de intersubjetividade (posição atenta)

Rochat (1999): 2º) Intersubjetividade primária: aos 2 meses, emerge um sentido de experiência compartilhada e reciprocidade com os outros, num contexto diádico; sentido de self e dos outros como agentes diferenciados e recíprocos a partir da experiência sensório-motora. Posição contemplativa: a criança pode observar as consequências de suas ações nos objetos e pessoas. A partir desse momento, a criança desenvolve seu primeiro conhecimento sobre as pessoas e o que esperar delas.

Rochat (1999): 3º) Intersubjetividade secundária: aos 9 meses, as habilidades cognitivas sociais começam a incluir um contexto triádico Posição intencional: a intersubjetividade serve não apenas ao propósito de estar afetivamente sintonizado e sensível ao cuidador, mas também torna-se instrumental na cooperação da criança com outros em relação a terceiras entidades ou objetivos, incluindo aí a compreensão da intencionalidade do outro.

Assim já está preparada a base sobre a qual ocorrerão os futuros progressos no funcionamento simbólico, comunicação e o início da teoria da mente.

Assim já está preparada a base sobre a qual ocorrerão os futuros progressos no funcionamento simbólico, comunicação e o início da teoria da mente. Mas há situações onde isso não se instala, e o autismo, em suas formas mais típicas ou graves, é o principal exemplo disso.

Leo Kanner (1943): Os distúrbios autísticos do contato afetivo Hans Asperger (1944): Psicopatia autística na infância Hoje, se fala de um espectro autista, que envolve prejuízos na interação social recíproca, na comunicação e um padrão repetitivo, restrito e estereotipado de interesses e atividades, se iniciando antes dos 3 anos de idade

Hobson (1993): Autismo pode ser tomado como prejuízo na instalação da intersubjetividade: via final comum de diversos mecanismos patogênicos afetando a capacidade da criança de se engajar nas relações triádicas entre o eu, o outro e o ambiente

Gallagher (2005): Problemas sensório-motores precoces: presença de distúrbios do movimento (atrasos no desenvolvimento, assimetrias ou sequenciamento anormal) em vídeos de crianças mais tarde diagnosticadas como autistas, desde os primeiros seis meses de vida, envolvendo as habilidades de sentar, engatinhar e andar, dentre outras

Gallagher (2005): Prejuízos nos processos de intersubjetividade primária. Isso explicaria as dificuldades de interação dual presentes nos autistas, suas limitações em imitar e perceber os sinais corporais de emoções.

Gallagher (2005): Prejuízos nos processos de intersubjetividade secundária Isso explicaria as dificuldade de entender contextos. Fora do conjunto, a intencionalidade de um movimento corporal da mãe, dirigida a um terceiro agente, objeto ou evento, não pode ser decifrada, perdendo seu sentido pragmático e social.

Klin et al. (2003): A criança hierarquiza os objetos do mundo segundo o maior ou menor valor adaptativo para ela ( saliência diferencial ). Essa topologia da saliência permite à criança distinguir o relevante do irrelevante, de modo a privilegiar pessoas e sinais corporais que lhe dêem pistas de estados mentais alheios.

Klin et al. (2003): Essa dinâmica da relevância estaria ausente da mente autista. A criança autista percebe a intencionalidade alheia de maneira bastante prejudicada, o que lhe leva a falhar em responder às demandas infinitamente variáveis que lhe são feitas pelos outros no dia-a-dia.

Eye-tracking

Eye-tracking Traços brancos: nãoautista Traços pretos: autista

Eye-tracking Cruzes brancas: nãoautista Cruzes pretas: autista

Obrigado!