Glomerulonefrites Agudas Pós-Infecciosas. Casuística de 7 Anos (90-96)

Documentos relacionados
Glomerulonefrite pós infecciosa

Diagnóstico Diferencial das Síndromes Glomerulares. Dra. Roberta M. Lima Sobral

Introdução do teste diagnóstico antigénico rápido do Streptococcus grupo A, nos cuidados de saúde primários

GLOMERULOPATIAS. 5º ano médico. André Balbi

Hematúria 1. DEFINIÇÕES 2. ETIOLOGIA. Revisão. Aprovação. Elaboração Joana Campos Dina Cirino Clara Gomes A Jorge Correia Data: Maio 2007

QUESTÕES COMENTADAS INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA

Etiologia: Etiologia:

RESIDÊNCIA MÉDICA 2014 PROVA OBJETIVA

Obrigada por ver esta apresentação Gostaríamos de recordar-lhe que esta apresentação é propriedade do autor pelo autor

AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA FUNÇÃO RENAL

11º Imagem da Semana: Ultrassonografia dos rins e vias urinárias

Glomerulonefrite Crescêntica

Vai estudar doenças glomerulares? Não se esqueça do elefantinho!

Glomerulopatias Secundárias. Glomerulopatias Secundárias. Glomerulopatias Secundárias. Glomerulopatias Secundárias. Glomerulonefrites Bacterianas

Glomerulonefrite Membranosa Idiopática: um estudo de caso

DOENÇA MENINGOCÓCICA EM PORTUGAL:

Introdução. *Susceptibilidade. * Unidade funcional e morfológica: néfron - glomérulo ( parte vascular) - túbulo ( parte epitelial) TÚBULO PROXIMAL

Introdução. *Susceptibilidade. * Unidade funcional e morfológica: néfron - glomérulo ( parte vascular) - túbulo ( parte epitelial) TÚBULO PROXIMAL

DOENÇA DE KAWASAKI E FLEIMÃO RETROFARÍNGEO: UMA DOENÇA?

Comunicações Breves Short Communication

b) caso este paciente venha a ser submetido a uma biópsia renal, descreva como deve ser o aspecto encontrado na patologia.

HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA COMO POTENCIAL CAUSADORA DE GLOMERULONEFROPATIA EM CÃO RELATO DE CASO

OBJETIVO Diagnosticar os pacientes com quadro clínico suspeito e propor tratamento adequado revisado por literatura recente.

Boletim informativo. Vigilância Epidemiológica da Gripe. Síntese 2018/19. Semana 12/ a 24 março. Data de publicação: 29/03/2019

Influenza A Novo subtipo viral H1N1, MSP

GESF no Transplante. Introdução

TALITA GANDOLFI PREVALÊNCIA DE DOENÇA RENAL CRÔNICA EM PACIENTES IDOSOS DIABÉTICOS EM UMA UNIDADE HOSPITALAR DE PORTO ALEGRE-RS

Abordagem do Paciente Renal. Abordagem do Paciente Renal. Abordagem do Paciente Renal. Síndromes Nefrológicas. Síndrome infecciosa: Infecciosa

Insuficiência Renal Aguda no Lúpus Eritematoso Sistêmico. Edna Solange Assis João Paulo Coelho Simone Chinwa Lo

INTRODUÇÃO LESÃO RENAL AGUDA

GLOMERULONEFRITES PÓS INFECCIOSAS. Juliana Toniato de Rezende

Boletim informativo. Vigilância Epidemiológica da Gripe. Síntese 2018/19. Semana 10/ a 10 março. Data de publicação: 15/03/2019

Febre reumática e artrite reativa pósestreptocócica

TÍTULO: INCIDÊNCIA DE INFECÇÃO URINÁRIA ENTRE HOMENS E MULHERES NO MUNICÍPIO DE AGUAÍ EM PACIENTES QUE UTILIZAM O SUS

Consensus Statement on Management of Steroid Sensitive Nephrotic Syndrome

Síndrome Renal Hematúrico/Proteinúrica Idiopática Primária. (Nefropatia por IgA [Doença de Berger])

Boletim informativo. Vigilância Epidemiológica da Gripe. Síntese 2018/19. Semana 08/ a 25 fevereiro. Data de publicação: 01/03/2019

Após um episódio de ITU, há uma chance de aproximadamente 19% de aparecimento de cicatriz renal

DOENÇA DE GRAVES EM IDADE PEDIÁTRICA: AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DOS ANTITIROIDEUS

Caso Clínico. (abordagem de Glomerulopatias pós-transplante)

Proteinúrias Hereditárias: Nefropatia Finlandesa e. Esclerose Mesangial Difusa

Departamento de Pediatria Journal Club. Apresentadora: Eleutéria Macanze 26 de Julho, 2017

Doenças de animais que podem ser transmitidas ao homem. Brucella

Registo Nacional de crianças com IRC em tratamento conservador. Secção de Nefrologia Pediátrica da S.P.P Helena Pinto

A CORRELAÇÃO DAS UROCULTURAS E EAS DE URINA PARA O DIGNÓSTICO DE INFECÇÃO URINÁRIA

Boletim informativo. Vigilância Epidemiológica da Gripe. Síntese 2018/19. Semana 52/ a 30 dezembro. Data de publicação: 04/01/2019

OSTEOMIELITE CRÓNICA EM LACTENTE

Boletim informativo. Vigilância Epidemiológica da Gripe. Síntese 2018/19. Semana 03/ a 20 janeiro. Data de publicação: 25/01/2019

Boletim informativo. Vigilância Epidemiológica da Gripe. Síntese 2018/19. Semana 51/ a 23 dezembro. Data de publicação: 28/12/2018

Boletim informativo. Vigilância Epidemiológica da Gripe. Síntese. Semana 07/ a 18 fevereiro. Data de publicação: 23/02/2018

Boletim informativo. Vigilância Epidemiológica da Gripe. Síntese 2018/19. Semana 48/ novembro a 02 dezembro. Data de publicação: 07/12/2018

Sessão Televoter Hipertensão

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ COORDENADORIA DE CONCURSOS CCV

AB0 HLA-A HLA-B HLA-DR Paciente A 1,11 8,35 3,11 Pai O 1,2 8,44 3,15 Irmão 1 B 1,11 8,35 3,11 Irmão 2 O 2,24 44,51 8,15

Pneumonias - Seminário. Caso 1

Exame Bacteriológico Indicação e Interpretação

R1CM HC UFPR Dra. Elisa D. Gaio Prof. CM HC UFPR Dr. Mauricio Carvalho

Sindrome Hemolítico-Urémico

Reacções Pós-Transfusionais

1 SIMPÓSIO DE OFTALMOLOGIA NEUROMIELITE ÓPTICA NA PERSPECTIVA DA NEUROLOGIA

III - CASUÍSTICA E MÉTODOS

Boletim informativo. Vigilância Epidemiológica da Gripe. Síntese. Semana 16/ a 22 abril. Data de publicação: 27/04/2018

Síndromes clínicas ou condições que requerem precauções empíricas, associadas às Precauções Padrão.

HOSPITAL PEDIÁTRICO DAVID BERNARDINO

No período em que decorreu o estudo, foram seleccionados cento e vinte e três casos

Boletim informativo. Vigilância Epidemiológica da Gripe. Síntese. Semana 15/ a 15 abril. Data de publicação: 20/04/2018

Avaliação e Interpretação da Pressão Arterial na Infância

Escarlatina: medo e mito

Sistema Urinário. Patrícia Dupim

Clique para editar o título mestre

USG do aparelho urinário: hidroureteronefrose bilateral, bexiga repleta com volume estimado de 350 ml com paredes espessadas e trabeculadas.

Glomerulonefrites Secundárias

Estudo de prevalência da hipertensão arterial, excesso de peso e obesidade no concelho de Vizela em

WORKSHOP Prevenção e Controlo da Legionella nos sistemas de água IPQ, Covilhã 11/04/2018

Drogas que atuam no sistema cardiovascular, respiratório e urinário

vigilância epidemiológica da gripe sazonal época 2017/2018, foi construído com base nos seguintes dados e respetivas fontes de informação:

ENDOCARDITE DE VÁLVULA PROTÉSICA REGISTO DE 15 ANOS

Lúpus eritematoso sistêmico com acometimento neurológico grave: Relato de Caso

Boletim informativo. Vigilância Epidemiológica da Gripe. Síntese. Semana 17/ a 29 abril. Data de publicação: 04/05/2018

Boletim informativo. Vigilância Epidemiológica da Gripe. Síntese 2018/19. Semana 44/ outubro a 04 novembro. Data de publicação: 09/11/2018

RELATORIO RETROSPECTIVO SOBRE HEMOCULTURAS

GRAVIDEZ E INFECÇÃO VIH / SIDA

Material e Métodos Relatamos o caso de uma paciente do sexo feminino, 14 anos, internada para investigação de doença reumatológica

Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial Director: Dr. Luis Dias

Efficacy and Safety of Nonoperative Treatment for Acute Appendicitis: A Meta-analysis Pediatrics, Março 2017

Direcção-Geral da Saúde

Checklist Validação Antibióticos Caso Clínico

Glomerulopatias em pacientes idosos: aspectos clínicos e histológicos Glomerular diseases in the elderly: clinical and hystological features

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS CASOS DE HEPATITE A NOTIFICADOS EM UM ESTADO NORDESTINO

Prof. Ms. Elton Pallone de Oliveira. Exames laboratoriais: definição, tipos, indicação, cuidados pré e pós exame. Urinálise

Critérios para Definir a Doença Renal Crônica

EFEITOS DA DOENÇA PERIODONTAL E DA HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA SOBRE OS RINS DE UM CÃO RELATO DE CASO

vigilância epidemiológica da gripe sazonal época 2017/2018, foi construído com base nos seguintes dados e respetivas fontes de informação:

Manejo clínico da ascite

TÍTULO: AVALIAÇÃO DOS NÍVEIS SÉRICOS DE GLICOSE EM INDIVÍDUOS COM DIABETES MELLITUS E CREATININA E UREIA EM INDIVÍDUOS NEFROPATAS.

SEVEN-YEAR-OLD INDIAN GIRL WITH FEVER AND CERVICAL LYMPHADENITIS THE PEDIATRICS INFECTIOUS DISEASE JOURNAL Vol. 20, No. 4, April, 2001.

Departamento de Pediatria Serviço de Pneumologia Pediátrica Journal Club. Setembro 2018

Transcrição:

Acta Pediatr. Port., 1999; N. 6; Vol. 30: 447-51 Glomerulonefrites Agudas Pós-Infecciosas. Casuística de 7 Anos (90-96) VICTOR NEVES, ELISABETE GONÇALVES, ISABEL NABAIS, ARLETE NETO, FERRA DE SOUSA Serviço 2 Unidade de Nefrologia Hospital Dona Estefânia Resumo Os autores apresentam uma revisão casuística de 48 casos de Glomerulonefrite Aguda Pós-Infecciosa (GNAPI) seguidos na Unidade de Nefrologia Pediátrica do Hospital de D. Estefânia (HDE) entre 1990 e 1996. Foram analisadas as seguintes características: idade, sexo, história pessoal de infecção, apresentação clínica, critérios diagnósticos, tratamento e evolução. A incidência de GNAPI tem vindo a diminuir nos últimos anos, afectando tipicamente crianças dos 2 aos 10 anos. Na observação inicial 85% das crianças apresentavam hematúria macroscópica, 65% edema, 50% hipertensão e 23% insuficiência renal. No seguimento efectuado todos os doentes apresentaram melhoria clínica e laboratorial, não se verificando sequelas. Palavras-Chave: Glomerulonefrite Aguda; Infecção Estreptocócica; Hematúria Macroscópica; Criança. Summary Post-Infectious Acute Glomerulonephritis The authors present a retrospective revision of 48 cases of Post-Infectious Acute Glomerulonephritis (PIAG) followed at the Pediatric Nephrology Unit of D. Estefânia Hospital between 1990 e 1996. The following aspects were analyzed: age, gender, personal infection history, clinical presentation, diagnosis features, diagnostic tests, treatment and evolution. The incidence of PIAG seems to be decreasing in the last years, and affects typically children between the ages of 2 until 10 years. In the inicial presentation the macroscopic hematuria was observed in 85% of the cases, edema in 65%, hypertension in 50% and renal insufficiency in 23%. Correspondência: Victor Hugo Neves Rua 25 de Abril n. 32 2825 Charneca da Caparica Aceite para publicação em 11/10/99. Entregue para publicação em 14/05/98. In the follow-up all pacients showed clinical and laboratory improvement, without sequels. Key-Words: Acute Glomerulonephritis; Streptococcal Infection; Macroscopic Hematuria; Child. Introdução Um grande número de infecções pode estar associado a lesões no rim. Todos os componentes do parênquima renal, incluindo os glomérulos, os túbulos, o interstício e os vasos podem estar envolvidos nesta infecção (1). O síndrome nefrítico agudo caracterizado por hematúria, edema, hipertensão arterial (HTA), com ou sem oligúria, é a tradução de uma lesão inflamatória aguda do rim, provavelmente de origem imunológica que afecta predominantemente o glomérulo. A sua etiologia é muito variável e inclui infecções por bactérias, vírus, fungos, protozoários e helmintas para além de doenças sistémicas (2). Com a melhoria das técnicas de diagnóstico e terapêutica houve uma modificação quantitativa e qualitativa no padrão das glomerulonefrites infecciosas no mundo (3). A glomerulonefrite aguda pós estreptocócica (GAPE), a mais conhecida das nefrites associadas a infecção, tem vindo a decrescer em crianças e adultos, nas duas últimas décadas, especialmente nos países industrializados (4). Na criança, esta entidade clínica permanece a causa mais frequente de síndrome nefrítico, existindo zonas do globo onde surge sob a forma de epidemias recorrentes em áreas com más condições sanitárias. A GAPE segue-se a uma infecção no tracto respiratório superior ou na pele por estirpes nefritogénicas de estreptococos, geralmente estreptococos B hemolíticos do grupo A, raramente do grupo C (4). Dentro das glomerulonefrites infecciosas não estreptocócicas destacamos as provocadas por bactérias estreptococos viridans e pneumoniae, estafilococos aureus, albus

448 Glomerulonefrites Agudas Pós-Infecciosas. Casuística de 7 Anos (90-96) e epidermidis e bacilos gram negativos; e as provocadas por vírus hepatite B, Epstein-Barr, coxackie B, echovirus, influenza, vírus da rubéola e da papeira e HIV ('' 5). A lesão glomerular nas glomerulonefrites infecciosas parece ser mediada por imunocomplexos, sabendo-se que a natureza da lesão depende do antigénio, duração da exposição e resposta imunológica do hospedeiro. Os mecanismos imunológicos parecem ser reacções de hipersensibilidade do tipo III: Antigénios solúveis existentes em circulação reagem com os anticorpos, formando-se imunocomplexos circulantes que em determinadas condições se depositam no glomérulo. Uma vez depositados estes imunocomplexos vão activar uma série de mediadores inflamatórios, sendo o mais conhecido o sistema do complemento. No que diz respeito à GAPE, muitas fracções antigénicas dos estreptococos foram propostas como agentes nefritogénicos; outros alegam a existência de um fenómeno autoimune, desencadeado pelos estreptococos, em que a IgG seria modificada de maneira a tornar-se autoantigénica Ao realizar este trabalho propomo-nos aferir a incidência e a prevalência actual das glomerulonefrites agudas pós infecciosas, na população estudada, avaliando a sua evolução ao longo dos anos. Aspectos como a avaliação epidemiológica, clínica e evolutiva desta entidade são outros dos nossos objectivos. Doentes e Métodos Foram revistos os processos da consulta / internamento da Unidade de Nefrologia do Hospital D. Estefânia no período de Janeiro de 1990 a Dezembro de 1996, num total de 2670, abranjendo crianças até aos 15 anos de idade. Foram seleccionadas 48 crianças (1,7% do total), com o diagnóstico de Glomerulonefrite Aguda Pós-infecciosa (GNAPI) atendendo a critérios clínicos e/ou laboratoriais e principalmente evolutivos. Destas, 38 estiveram inicialmente internados na Unidade de Nefrologia e 10 foram seguidas na consulta, algumas das quais com internamentos noutras instituições. Procedemos à análise retrospectiva dos casos seleccionados, comparando as suas características epidemiológicas, clínicas, laboratoriais, terapêuticas e evolutivas. Esses parâmetros foram registados conforme protocolo prévio numa grelha standardizada. Considerámos GNAPI fundamentados no conjunto dos seguintes critérios clínico / laboratoriais: Síndrome Nefrítico na criança; e história anterior de infecção recente, principalmente estreptocócia; e/ou isolamento de microorganismo provavelmente responsável pela lesão glomerular; e/ou evolução clínica sujestiva de GNAPI. Considerámos hematúria quando se verificou a existência de um número de glóbulos vermelhos maior ou igual a 6 / campo em microscopia óptica, na urina fresca não centrifugada, sendo Macroscópica quando esse valor é suficientemente grande para alterar a coloração normal de urina. Considerámos HTA, quando o valor de tensão arterial sistólica e/ou diastólica foi superior ao percentil 95 para a idade e sexo, de acordo com as tabelas da 2.' Revisão Task Force on Blood Pressure Control in Children de 1987, na primeira observação e na primeira medição no internamento, ou quando havia referência a HTA no internamento noutros hospitais. Considerámos oligúria sempre que o débito urinário foi inferior a 400 ml / 1.73 m2 / 24 horas, e diminuição do débito urinário, atendendo a critérios subjectivos fornecidos na história clínica. Considerámos alteração da função renal, quando o valor de creatinina sérica ultrapassava o valor considerado normal para a idade e sexo, excluindo outras causas extrínsecas ao rim, e sempre que a taxa de filtração renal determinada pela fórmula de Schewartz foi inferior ao limite inferior para a idade e sexo. Considerámos infecção recente, quando havia história de qualquer infecção nas 6 semanas que precederam o episódio agudo de nefrite, e infecções de repetição em crianças com história frequente e repetida de infecções, principalmente orofaríngeas, mas sem infecção recente. Resultados Verificou-se uma tendência decrescente do número de casos ao longo dos anos em estudo, havendo um pico (18 casos) em 1990 (graf. I). Não se encontraram diferenças significativas entre as diferentes épocas do ano, no entanto as glomerulonefrites agudas pós infecções cutâneas ocorreram na Primavera / Verão. Foi encontrada uma maior incidência de GNAPI nos grupos etários entre os 2 e 10 anos, com 77% do total de casos, sendo rara antes dos 2 anos (2%), (graf. II). A idade média observada foi de 6,3 anos (idd min. 14 meses idd. máx. 14 anos), predomínio do sexo masculino com 62% dos casos e da raça branca, sendo de realçar que os casos com patologia cutânea a preceder o episódio de GNA se verificaram em crianças de raça negra. O diagnóstico em 75% dos casos foi feito no serviço de urgência do HDE, tendo 20% dos casos, sido enviados de outros hospitais.

Glomerulonefrites Agudas Pós-Infecciosas. Casuística de 7 Anos (90-96) 449 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 O 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 Febre Alt.F.Renal Dim.Déb.Urin H.T.A. Edema Hem.Mic. Hem.Mac. 20 40 60 80 100 Percentagem Gráfico I Distribuição anual do n. de casos de GNAPI. Gráfico III Quadro clínico dos doentes na primeira observação. N=48 < 24 M 2-6 A 6-10 A > 10 A Idades Gráfico II Distribuição do n. de casos de GNAPI por grupos etários. Em 50% dos casos recorreram ao médico por hematúria e edema, tendo isoladamente sido motivo de consulta em 19 crianças (40%) (quadro I). Em cinco crianças as queixas iniciais foram inespecíficas. QUADRO I Motivo de Consulta Hematúria + edema 24 casos (50%) Hematúria 14 casos (29%) Edema 5 casos (10,5%) Outras Queixas 5 casos (10,5%) O quadro clínico na primeira observação, demonstrou a existência de hematúria macroscópica em 85% dos casos e hematúria microscópica em 6%. O edema existia em 63% e HTA em 50%. Cerca de 25% das crianças tinham diminuição do débito urinário, e em 23% verificou-se alterações da função renal baseados nos resultados analíticos efectuados inicialmente (graf. III). Relativamente aos antecedentes infecciosos, verificou- -se em 77% dos casos, história de infecções respiratórias nas últimas 6 semanas, nomeadamente amigdalites clínicas e infecções cutâneas (quadro II). Não houve relação entre a forma de antibióticos e a evolução para GNA. Em 6 casos (12%), havia história de infecções de repetição com período de lactência superior a 6 semanas do episódio agudo. QUADRO II Antecedentes infecciosos recentes e sua relação com toma de antibióticos Amigdalite - 16 casos: 8 tomaram AB 4 não tomaram AB Infecção respiratória - 13 casos: 3 tomaram AB 5 não tomaram AB Cutâneas - 3 casos: Febre - 3 casos: Parotidite - 1 caso: 1 tomou AB 2 não tomaram 1 tomou AB 2 não tomaram Sepsis - 1 caso Dos exames complementares efectuados durante o internamento destacamos: Isolamento de estreptococo B hemolítico no exudado orofaríngeo / nasal em 8% dos doentes estudados, correspondendo a 8% do total. O Phadirect foi positivo em 8% das crianças não coincidentes com o isolamento anteriormente referido. Houve demonstração serológica de infecção viral recente por Epstein Barr em 3 casos (6%). O TASO (1.a determinação) foi superior a 300 UI em 31% dos casos, sem no entanto haver, ou confirma-

Glomerbdonefrites Agudas Pós-Infecciosas. Casuística de 7 Anos (90-96) 450 ção posterior da subida dos títulos, ou confirmação por outros métodos enzimáticos, nomeadamente Anti-Dnase ou Anti-Hialuronidase. Houve alteração da função renal em 23% das crianças, e verificou-se existir proteinúria nefrótica em 10% das crianças seleccionadas (5/48). O valor do complemento (C3) encontrava-se baixo em 58% dos casos, principalmente quando relacionados com infecções bacterianas documentadas ou infecções cutâneas, sendo desconhecido em 16%. Da evolução clínica verificámos que a hematúria macroscópica desapareceu num período igual ou inferior a uma semana em 59% das crianças observadas com esse sinal, mantendo-se mais de uma semana com recorrência em 2 casos. A média do total de dias em que se pode confirmar a existência de hematúria macroscópica foi de 7,7 dias. Quanto à hematúria microscópica esteve presente durante período inferior a 2 meses em cerca de 44% das crianças, mantendo-se nas restantes situações por período inferior a 2 anos. A HTA foi transitória, tendo sido controlada na totalidade dos doentes em média ao fim de 6,3 dias. Relativamente ao complemento, em 76% dos casos (13/17) em que se encontrava baixo normalizou até às 8 semanas de evolução da doença, permanecendo baixo em 24% até um máximo de 24 meses. Todas as crianças efectuaram terapêutica sintomática e medidas gerais. A terapêutica hipotensora foi utilizada em 48% dos casos, preferencialmente o furosemido. Quando necessário foram associados vasodilatadores periféricos, nomeadamente a hidralazina, sendo o tempo médio de utilização de antihipertensores de 5,5 dias. A terapêutica antibiótica prescrita, quando utilizada, foi a penicilina benzatínica IM ou eritromicina «per-os». Da análise do seguimento efectuado na consulta de nefrologia (quadro III), verificou-se que cerca de 25% das crianças abandonaram a consulta, algumas delas ainda com microhematúria. Das restantes, 19% ainda se encontram em seguimento na consulta, tendo as restantes tido alta. QUADRO III Duração do seguimento efectuado na consulta e seu destino o Menos de 1 ano 9 crianças ow Entre 1 e 2 anos 13 crianças (6 Alta) (10 Alta) Entre 2 e 3 anos 9 crianças (6 Alta) o Entre 3 e 4 anos 4 crianças (4 Alta) uw Mais de 4 anos 1 criança Altas da Consulta 27 crianças (56%) Abandonos da consulta 12 crianças (25%) (Alta) Não se verificaram complicações atendendo ao seguimento efectuado e possível. Duas crianças, por recorrência da hematúria macroscópica, realizaram biópsia renal que se mostrou inconclusiva. Discussão No período estudado encontrámos 48 casos de GNAPI, correspondente a incidência média anual de cerca de 7 novos casos. Verificou-se uma diminuição progressiva do número de casos, comparativamente com um estudo anterior efectuado neste hospital pelas Dr.a' Arlete Neto e Isabel de Castro, em que num período de 13 anos (1978-1991), se encontraram 280 casos de GNAPI (média 21 casos / ano). Este decréscimo está muito provavelmente relacionada com a melhoria das condições sanitárias / socioeconómicas das populações, bem como do uso generalizado de antibióticos (4). Os grupos etários mais atingidos assim como o predomínio do sexo masculino está de acordo com o descrito na literatura, sendo uma doença rara antes dos 2 anos ('''' 6). Encontrámos antecedentes infecciosos num período inferior ou igual a 6 semanas em 77% do total de crianças analisadas. Dessas, 16 tinham história clínica de amigdalite recente embora tenhamos tido apenas 4 casos documentados com isolamento bacteriológico de estreptococos b hemolítico do grupo A. A GNA Pós-Estreptocócica é a causa mais frequente de nefrite associada a infecção na criança (5'. Não se encontrou relação entre o uso de antibióticos nas crianças com antecedentes infecciosos sugestivos de infecção bacteriana e o aparecimento posterior de glomerulonefrite, embora não haja referência específica ao antibiótico usado, ao tempo de uso e à aderência ao tratamento. Segundo alguns autores o antibiótico poderá prevenir a glomerulonefrite aguda quando iniciado nas primeiras 36h de doença estreptocócica (4). Encontrámos hematúria em 85%, edema em 63%, HTA em 50%, alteração de função renal em 21%, oligúria em 25%, valores difíceis de comparar com a literatura dada a heterogeneidade dos grupos estudados, nomeadamente no que diz respeito à faixa etária, condicionando valores significativamente diferentes entre eles. No entanto alguns autores indicam uma frequência de edema e hematúria inicial entre os 70 e 90% dos casos (5'. O valor de C5, encontrava-se diminuido em 58% das crianças estudadas, dados semelhantes ao estudo efectuado por Cunha e Olival em 92 (5', mas não coincidentes com outros estudos em que o C, se encontra diminuído em 90% dos casos, enquanto o C4 se encontra normal (6). No entanto tal ocorrência verifica-se principalmente nos casos de provável ou comprovada etiologia bacteriana.

Glomerulonefrites Agudas Pós-Infecciosas. Casuística de 7 Anos (90-96) 451 A evolução clínica foi favorável em todas as crianças. As manifestações clínicas edema, HTA e macrohematúria evoluiram na 1.8 semana de doença, na grande maioria das crianças. A hematúria microscópica manteve-se, tal como descrito na literatura, por períodos mais prolongados )7) Mais de 46% das crianças mantiveram microhematúria para além dos dois meses, até um máximo conhecido de 7 meses. A proteinúria nefrótica foi observada em 10% das crianças estudadas, valores idênticos aos encontrados por outros autores (entre 4 e 10%) (1' 4), não tendo havido nestes casos evolução desfavorável. A persistência da proteinúria parece ser um factor preditivo a longo prazo, para existência de doença renal persistente; a sua ausência parece apontar para um bom prognóstico (7, 8). A ausência destes dados no nosso estudo não nos permitiu tirar ilacções. Relativamente aos valores do complemento, verificámos a sua normalização antes das 8 semanas, em 76% dos casos, normalizando os restantes ao fim de 2 anos sem que se tenham verificado sequelas. Cerca de 25% das crianças seleccionadas abandonaram a consulta, o que não nos permitiu avaliar com rigor as possíveis complicações ou sequelas a longo prazo. A evolução clínica foi favorável na totalidade dos casos estudados, o que está de acordo com a maioria dos autores que apontam para uma recuperação de 98% (9). Duas crianças apresentaram episódios de macro- -hematúria recorrente concomitantes com infecções virais levando à realização de biópsia que foi inconclusiva, havendo posteriormente normalização do sedimento urinário. A antibioterapia não parece alterar o curso das glomerulonefrites pós-esteptocócicas, no entanto, a sua prescrição nos casos diagnosticados e aos seus familiares, principalmente nos casos documentados de infecção bacteriana é uma maneira de controlar a disseminação de estirpe eventualmente nefritogénica, já que a incidência de GNAPE nos familiares é de quase 40% (1 ). Quanto à terapêutica antihipertensiva, ela foi efectuada em aproximadamente 50% dos doentes, valores coincidentes com outros autores (6), usando-se na quase totalidade dos casos furosemida. No caso em que se recorreu aos vasodilatadores periféricos, o seu uso foi sempre em associação com o diurético de ansa e nunca isoladamente. A terapêutica antihipertensiva foi prescrita em média durante 5,5 dias, comprovando-se assim a boa evolução da HTA. Bibliografia 1. Rodriguez B. Glomerulonephritis associated With Infection. In: Massry & Glassock's Textbook of Nephrology, 3.' ed. New York, 1995; vol. II: 698-710. 2. Stone CS. Aspectos imunológicos das glomerulonefrites agudas. Cad Imunoalergologia Ped, 1991; 6(1): 27-9. 3. Montserry JJ, Meyrier A, Kleinknecht D, Callard P. The current of Infectious Glomerulonephritis, Experience with 76 patients and review of the literature. Medecine Baltimore, 1995 Mai; 72(2): 63-73. 4. Makker SP. Glomerular Diseases. In: Kanwal KK, Sudesh P. Makker eds. Clinicai Pediatric Nephrology. 2.' ed, McGraw-Hill, inc. 1992: 175-275. 5. Cunha SRB, Olival MG. Análise clínica e laboratorial de 59 casos de GNDA pós-infecciosa no IPPMG. ABP-Supl Arq Bras Med, 1992; 66(4): 347-50. 6. Guinard JP. Glomérulonéphrite post-infectieuse de l'enfant. Saúde Infantil 1980; 2(2): 149-57. 7. Rose BD. Course of poststreptococcal glomerulonephritis. UptoDate in Medicine, 13, 1994. 8. Buzio C, Allegri L, Mutti A, Perazolli F, Bergamaschi E. Significance of albuminuria in the follow-up of acute poststreptococcal glomerunephritis. Clinicai Nephrol, 1994; 41(5): 259-64. 9. Shiva FRR, Behyati MR. Acute Glomerulonephritis in children. JPMA J Pak Med Assoc, 1994; 44(5): 116-8.