DOENÇA MENINGOCÓCICA EM PORTUGAL:
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- Ayrton Barateiro Valente
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1 VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA INTEGRADA DOENÇA MENINGOCÓCICA EM PORTUGAL: ANO EPIDEMIOLÓGICO DE Direcção Geral da Saúde Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge Lisboa, Dezembro de 2003
2 2 ÍNDICE 1. Introdução 3 2 Morbilidade por Doença Meningocócica Incidência no ano epidemiológico de 2002/ Incidência por distrito Incidência por grupo etário Diagnóstico diferencial e identificação da estirpe 8 3. Mortalidade por Doença Meningocócica Conclusões 14
3 3 Doença Meningocócica em Portugal 1 Ano epidemiológico de Introdução Em Portugal, nas últimas décadas, a doença meningocócica tem sido estudada e vigiada através do sistema de notificação de doenças de declaração obrigatória (DDO). No final dos anos noventa, a necessidade de se ter conhecimento em tempo útil dos casos diagnosticados, justificou a integração da doença meningocócica no Sistema de Alerta e Resposta Apropriada da Direcção-Geral da Saúde, com a designação de SARA/ /Meningites. Na sequência desta última iniciativa, sentiu-se necessidade de aprofundar o conhecimento sobre as diferentes estirpes bacterianas responsáveis pelos casos de meningite e de sepsis meningocócica diagnosticados em Portugal. Assim, a Direcção-Geral da Saúde estabeleceu, através da Circular Normativa Nº 13/DEP de 5 de Setembro de 2002, o enquadramento para o desenvolvimento de um Sistema de Vigilância Epidemiológica Integrada da Doença Meningocócica, que prevê a realização do diagnóstico laboratorial a todos os casos suspeitos de doença meningocócica. Tendo em consideração que em Portugal também se observa uma variação sazonal típica na distribuição dos casos de doença, caracterizada pelo aumento da incidência entre os meses de Novembro e Março, foi decidido que este primeiro relatório do Sistema de Vigilância Epidemiológica Integrada da Doença Meningocócica, seria elaborado de acordo com o denominado ano epidemiológico. Pelo que, os dados de morbilidade e de mortalidade da doença meningocócica apresentados neste relatório correspondem à situação observada entre 1 de Julho de 2002 e 30 de Junho de Apenas em Portugal Continental
4 4 2 Morbilidade por Doença Meningocócica 2.1. Incidência no ano epidemiológico de 2002/03 No ano epidemiológico de 2002/03, foram referenciados 257 novos casos de doença meningocócica em Portugal Continental (ver quadro nº1), valor inferior ao observado nos dois anos anteriores. A diferença entre o número de casos em 2002/03 e a média dos casos observados nos dois anos anteriores foi de -23%. Quadro nº1 Número de casos de DM por ano epidemiológico, nos últimos 3 anos. Período 2000/ / /03 D% * Julho 02 Junho Julho 02 Dez Jan 03 Junho Jul- Ag-Set (2002) Out-Nov-Dez (2002) Jan-Fev-Mar (2003) Abr-Mai-Jun (2003) *Diferença entre os valores de 2002/03 e a média dos 2 anos anteriores A análise por semestre revela que 53% dos casos ocorreram entre Julho e Dezembro de 2002 e 47% entre Janeiro e Junho de Em comparação com os dois anos anteriores, houve um aumento no número de casos no segundo semestre de 2002 e uma acentuada diminuição no primeiro semestre de Estes valores, aparentemente anómalos (a Doença Meningocócica apresenta variações sazonais típicas, geralmente com valores mais elevados no primeiro trimestre de cada ano civil), resultam de um significativo aumento de casos verificado no último trimestre de 2002 e da diminuição do seu número não só no primeiro, como também no segundo trimestre de O registo gráfico das linhas de tendência dos dados mensais disponíveis para os últimos 3 anos epidemiológicos (figura nº1), evidencia a ocorrência das já citadas variações sazonais e do elevado número de casos verificado não só no primeiro semestre de 2002, mas também no segundo semestre desse mesmo ano. De realçar que os 398 casos contabilizados em 2002, são valores de incidência da doença meningocócica pertencen-
5 5 Fig 1 - Distribuição mensal dos casos de DM, por ano epidemiológico: linhas de tendência tes a dois anos epidemiológicos diferentes, isto é, 262 casos ocorreram no ano epidemiológico de 2001/02 e 136 ao ano de 2002/03. A taxa de incidência por DM nos últimos 3 anos epidemiológicos foi de, respectivamente, 3.0, 3.8 e 2.6 por habitantes. O registo gráfico da taxa de incidência semanal ou da incidência acumulada por ano epidemiológico (figuras nº s 2 e 3), proporcionam uma leitura pormenorizada da situação ao longo dos três anos em análise. Fig 2 - Taxa de incidência semanal da DM, por ano epidemiológico
6 6 Fig 3 Incidência acumulada da DM, por ano epidemiológico Número de casos / / / 03 1-Jul 8-Jul 15-Jul 22-Jul 29-Jul 5-Ago 12-Ago 19-Ago 26-Ago 2-Set 9-Set 16-Set 23-Set 30-Set 7-Out 14-Out 21-Out 28-Out 4-Nov 11-Nov 18-Nov 25-Nov 2-Dez 9-Dez 16-Dez 23-Dez 30-Dez 6-Jan 13-Jan 20-Jan 27-Jan 3-Fev 10-Fev 17-Fev 24-Fev 3-Mar 10-Mar 17-Mar 24-Mar 31-Mar 7-Abr 14-Abr 21-Abr 28-Abr 5-Mai 12-Mai 19-Mai 26-Mai 2-Jun 9-Jun 16-Jun 23-Jun 2.2. Incidência por distrito De acordo com os valores das taxas de incidência, os distritos mais atingidos pela doença meningocócica no ano epidemiológico de 2002/03 foram, por ordem decrescente, os de Beja, Setúbal, Porto, Coimbra, Vila Real, Lisboa e Viana do Castelo. Fig 4 - Taxa de incidência da DM por distrito, no ano epidemiológico de 2002/03
7 7 À semelhança de anos anteriores, os valores situados muito abaixo dos da mediana foram observados em distritos do interior do país, envelhecidos e com baixa densidade populacional, como são os casos de Castelo Branco, Guarda e Portalegre. Ao longo dos últimos 3 anos as taxas de incidência mantiveram valores elevados nos distritos do Porto, Vila Real, Lisboa, Coimbra, Viana do Castelo e Setúbal (figura nº5). Fig 5 - Taxa de incidência da DM por distrito, nos últimos 3 anos 2.3. Incidência por grupo etário Os indicadores de morbilidade permitem afirmar que a doença meningocócica atinge preferencialmente as crianças no seu primeiro ano de vida. De uma forma sistemática, Fig 6 Taxas de incidência por grupo etário, nos últimos 3 anos: linhas de tendência
8 8 cerca de 60% dos casos atingem crianças com idade inferior a 5 anos (quadro nº2). Quadro n o 2 Número de casos de DM, por ano epidemiológico e por idade / grupo etário. Idade 2000/ / /03 < 1 69 (23) 83 (22) 53 (21) 1 55 (19) 64 (17) 45 (17) 2 40 (14) 43 (11) 27 (10) 3 22 (7) 28 (7) 17 (7) 4 15 (5) 23 (6) 10 (4) 5 a 9 43 (15) 60 (16) 32 (12) 10 a 14 7 (2) 26 (7) 12 (5) 15 a 19 9 (3) 18 (5) 13 (5) 20 a 24 8 (3) 9 (2) 5 (2) 25 E+ 23 (8) 21 (6) 30 (12) Desconhecida 4 (1) 1 (1) 13 (5) Total 295 (100) 376 (100) 257 (100) Em 2002/03, o número de adultos com idade superior aos 24 anos que contrairam doença meningocócica foi mais elevado que nos anos anteriores, representando 12% do total de casos registados. De uma forma sistemática, a percentagem de doentes do sexo masculino tem sido superior à verificada no sexo feminino (nos últimos 3 anos foi de 53, 56 e 54%, respectivamente) Diagnóstico diferencial e identificação da estirpe Em 2002/03, um elevado número de casos foi notificado com diagnóstico de doença meningocócica, sem indicação do diagnóstico diferencial entre sepsis e meningite. Da análise dos dados disponíveis parece ter-se verificado uma diminuição de casos de meningite (quadro nº3). Em consequência da introdução, em Outubro de 2002, da componente laboratorial na vigilância epidemiológica da doença meningocócica, verificou-se um acentuado aumento do número de casos suspeitos de doença meningocócica, estudados em simul-
9 9 Quadro n o 3 Casos de DM segundo o diagnóstico diferencial, por ano epidemiológico 2000/ / /03 Meningite 140 (47) 186 (49) 99 (39) Sépsis 109 (37) 127 (34) 86 (33) Meningite + Sépsis 46 (16) 63 (17) 38 (15) Sem especificação 0 (0) 0 (0) 34 (13) Total 295 (100) 376 (100) 257 (100) tâneo pelos laboratórios hospitalares e pelo Instituto Nacional de Saúde Dr Ricardo Jorge (INSA). Assim, entre Outubro de 2002 e Junho de 2003, foram estudadas amos- Fig 7 Resultados laboratoriais (INSA) a tras (líquor, soro e/ou estirpes de Neisseria meningitidis) provenientes de 236 casos suspeitos, tendo sido 34,7% confirmados por cultura e/ou PCR 119 diagnósticos clínicos (50,4%). 49,6% Mas, tão relevantes como as confirmações laboratoriais assinaladas, foram os 117 (49,6%) casos 15,7% Cultura negativa + PCR negativo Cultura negativa + PCR positivo Cultura positiva suspeitos, que se mostraram negativos para Neisseria Meningitidis (o que não significa resultado negativo para outras estirpes bacterianas), proporcionando o aumento do rigor diagnóstico e a eliminação de um número impor- tante de casos de DM falsos positivos. Após Outubro de 2002, a confirmação laboratorial de Neisseria Meningitidis e a determinação do seu serogrupo, foi efectuada em 60% dos casos de doença meningocócica clinicamente diagnosticados (figura nº8). Fig 8 Evolução da percentagem de serogrupos conhecidos 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Serogrupo desconhecido Serogrupo conhecido / / / a Período 30/06.03
10 10 Dos 140 casos positivos para Neisseria meningitidis registados na base de dados da DGS e referentes ao ano epidemiológico de 2002/03 (quadro nº4), foi possível conhecer o serogrupo de 128. Destes, 63 pertencem ao serogrupo C (49%), 57 ao serogrupo B (45%) e 8 aos serogrupos Y, A ou W135 (6%). Quadro n o 4 Casos de DM segundo o serogrupo, por ano epidemiológico 2000/ / /03 Serogrupo B 29 (10) 62 (16) 57 (22) Serogrupo C 41 (14) 107 (28) 63 (25) Outros 2 (1) 7 (2) 8 (3) Não viável 0 (0) 1 (1) 12 (5) Desconhecido 223 (76) 199 (53) 117 (45) Total 295 (100) 376 (100) 257 (100) Em 2002/03, cerca de 80% dos casos de Neisseria meningitidis do serogrupo B, atingiram crianças com idade inferior a 5 anos, não havendo qualquer registo nos indivíduos com idade compreendida entre os 10 e os 25 anos de idade. A distribuição dos casos de Neisseria meningitidis do serogrupo C, é muito mais homogénea, atingindo indivíduos de todos os grupos etários considerados (quadro nº5). Quadro n o 5- Casos de DM por serogrupo e grupo etário, no ano epidemiológico de 2002/03 Idade Serogrupo B Serogrupo C Desconhecido < 1 19 (33) 11 (18) 22 (19) 1 a 4 26 (46) 17 (27) 52 (44) 5 a 9 7 (12) 14 (22) 11 (9) 10 a 14 0 (0) 5 (8) 6 (5) 15 a 19 0 (0) 7 (11) 4 (3) 20 a 24 0 (0) 2 (3) 3 (3) 25 E+ 4 (7) 7 (11) 16 (14) Desconhecida 1 (2) 0 (0) 3 (3) Total 57 (100) 63 (100) 117 (100)
11 11 A semelhança entre o número de diagnósticos de meningite e de sépsis nos casos resultantes de infecção por Neisseria meningitidis do serogrupo B contrasta com a predominância de meningites nos casos provocados por bactérias do serogrupo C (quadro nº6). Quadro n o 6 Casos de DM por serogrupo e diagnóstico diferencial, no ano epidemiológico de 2002/03 Serogrupo B Serogrupo C Outras (A,Y...) Não determinado TOTAL Meningite Sépsis Meningite+Sépsis Desconhecido TOTAL Para se melhorar a vigilância epidemiológica da doença meningocócica, tem sido feita no INSA, desde Outubro de 2002, a caracterização antigénica das estirpes estudadas. Quadro nº 7 Caracterização antigénica da N. meningitidis (Out.02 a Jun.03) Caracterização antigénica Nº de casos C:2b:P B:1:NST 7 B:NT:NST 7 C:2b:NST 4 C:2a:P1.5 3 B:NT:P B:NT:P B:NT:P1.4 2 B:NT:P1.5 2 C:2b:P1.2 2 C:2b:P1.2,5 2 Outros (28) 1 x 28 TOTAL 77 Fonte: Instituto Nacional de Saúde (INSA) Até ao final de Junho de 2003, foram identificados 39 serotipos diferentes, sendo o padrão serológico C:2b:P1.5 o predominante, com 32% do total de casos pertencentes ao serogrupo C (quadro nº7). É de realçar a grande a dispersão do local de residência dos indivíduos com doença meningocócica causada pela estirpe com este perfil serológico, os quais pertencem aos mais diversos grupos etários (o doente mais novo tinha 8 meses e o mais velho 64 anos). É importante referir que este serotipo é diferente dos que hoje são predominantes em Espanha e nos restantes países europeus.
12 12 3 Mortalidade por Doença Meningocócica No ano epidemiológico de 2002/03, o número de óbitos por doença meningocócica foi de 20, dos quais 11 eram do sexo feminino e 9 do masculino. A percentagem de óbitos ocorrida em crianças com idade inferior a 5 anos foi de 70% (percentagem exactamente igual à de casos de doença no mesmo grupo). Apenas se verificaram 5 óbitos (¼ do total) em indivíduos com idade superior a 14 anos (quadro nº8). Quadro n o 8 - Óbitos devidos a DM segundo o grupo etário, por ano epidemiológico Idade A taxa de letalidade específica para as crianças do grupo etário 5-14 anos, em 2002/03, revela que o risco de morrer entre os doentes deste grupo é 3 vezes inferior ao observado na totalidade dos doentes (quadro nº9). Por outro lado, os valores da taxa de Quadro n o 9 Morbi-mortalidade e letalidade devidos a DM, por grupo etário, em 2002/ / / /03 < 1 4 (14) 5 (17) 7 (35) 1 a 4 15 (52) 12 (40) 7 (35) 5 a 14 1 (3) 4 (13) 1 (5) 15 a 24 3 (11) 6 (20) 1 (5) 25 E+ 6 (20) 3 (10) 4 (20) Total 29 (100) 30 (100) 20 (100) Idade Casos Óbitos Letalidade < 1 53 (21) 7 (35) 13,2 1 a 4 99 (38) 7 (35) 7,1 5 a (17) 1 (5) 2,3 15 a (7) 1 (5) 5,6 25 E+ 30 (12) 4 (20) 13,3 Desconhecida 13 (5) 0 (0) 0 Total 257 (100) 20 (100) 7,8 letalidade nas crianças com menos de 1 ano e nos adultos com idade superior a 24 anos, revela que os doentes destes grupos foram mais vulneráveis. O valor da taxa de
13 13 letalidade geral em 2002/03 foi de 7.8, menor do que a observada em 2000/01 (9.8) e em 2001/02 (8.0). Fig 9 - Letalidade por grupo etário, nos últimos 3 anos: linhas de tendência Em 2002/03, foi possível determinar o serogrupo do agente causal da doença meningocócica responsável pelo óbito em 8 casos, com igual distribuição pelos serogrupos B e C (quadro nº10), conrariando a tendência do ano anterior. Quadro n o 10 Óbitos devidos a DM segundo o serogrupo, por ano epidemiológico 2000/ / /03 Serogrupo C 3 (10) 10 (33) 4 (20) Serogrupo B 2 (7) 4 (13) 4 (20) Outros 0 (0) 1 (3) 0 (0) Desconhecido 24 (83) 15 (50) 12 (60) Total 29 (100) 30 (100) 20 (100) Da análise da mortalidade por serogrupos, há a realçar que dos 4 óbitos provocados por Neisseria meningitidis do serogrupo B, 3 ocorreram em indivíduos com menos de 5 anos de idade, enquanto que dos provocados pelo serogrupo C, 2 ocorreram em indivíduos com idades compreendidas entre 1 e 4 anos de idade e os outros 2 em indivíduos adultos com idade superior a 24 anos (quadro nº11). A letalidade por doença
14 14 meningocócica provocada pela Neisseria meningitidis atinge valores excepcionalmente elevados nos adultos com idade superior a 24 anos de idade. Quadro n o 11 - Morbi-mortalidade e letalidade devidos a DM, segundo os principais serogrupos, por grupo etário, no ano epidemiológico de 2002/03 Idade Também deve ser assinalado o facto de não ter sido identificado nenhum óbito resultante de infecção pelo serogrupo C em crianças com idade inferior a 1 ano (desconhece-se o serogrupo dos 7 óbitos ocorridos neste grupo etário). 5.- Conclusões De acordo com os dados mais relevantes do presente relatório, pode ser afirmada a convicção de que: Em se verificou uma diminuição no número de casos de doença meningocócica, em relação aos 2 anos anteriores Houve manutenção do padrão epidemiológico da doença Melhorou o conhecimento dos serogrupos identificados da Neissieria meningitidis Foi possível, pela primeira vez, estabelecer a caracterização antigénica das estirpes de Neisseria meningitidis isoladas, com identificação dos padrões serológicos dominantes Serogrupo B Casos Óbitos Letalidade Serogrupo C Casos Óbitos Letalidade < , a , ,8 5 a a E , ,6 Desconhecido Total , ,4 A diminuição da mortalidade foi proporcional à diminuição da morbilidade
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