"Paroxysmal Dyskinesias". Kailash P. Bhatia. Movement Disorders, 26:1157, 2011 Discinesias paroxísticas (DP) são um grupo de condições que se manifestam com movimentos involuntários que se repetem episodicamente. Os movimentos podem ser distônicos, coreicos, balísticos, ou uma mistura destes. É uma condição rara, com prevalência exata incerta. Em um estudo de Blakeley e Jankovic somente 92 casos de DP relatados de 12.063 pacientes com transtornos do movimento (0,76%), durante um período de 19 anos. Os episódios de DP são tipicamente de curta duração, e muitas vezes permanecem sem testemunhas, podendo ser subestimados, devido a um exame neurológico tipicamente normal entre os ataques. O termo coreoatetose paroxística foi citado pela primeira vez na literatura em 1940, quando Mount e Reback descreveram um homem de 23 anos com episódios de ''córeo-distonia'', que duravam horas e com história familiar do mesmo problema. Outras famílias foram descritas e, tornou-se claro que os episódios eram precipitados pelo álcool, café, chá ou fadiga. Richards e Barnett, notando espasmos e aumento do tônus nos membros, acrescentou ''distonia à descrição de Mount e Reback, tornando-se conhecida como coreoatetose distonica paroxística (CDP). Em 1967, Kertesz descreveu outro transtorno episódico denominado coreoatetose paroxística cinesiogênica (CPC) com ataques induzidos pelo movimento repentino e de curtíssima duração. Lance (1977) descreveu uma terceira forma, relatando uma família com ataques de duração entre 5 e 30 minutos provocados por exercícios prolongados. Referido como discinesia paroxística induzida por exercício (PED), ou tipo ''intermediário'', devido a uma duração maior que a CPC, e menor que a CDP. Lance sugeriu uma classificação da DP baseada na duração dos ataques e dividida em 3 tipos: CPC com ataques breves até 5 minutos induzida pelo movimento repentino. CDP com ataques que não foram induzidos por movimento súbito e apresentando longa duração de 4-6 horas. PED com ataques induzidos pelo exercício e duração dos ataques entre a CPC e CDP.
Demirkiran e Jankovic (1995) em revisão apontaram que esses distúrbios não eram necessariamente coreicos ou distônicos e poderiam ser qualquer forma de discinesia, e sugeriram classificar em dois grupos principais: Discinesia paroxísticas cinesiogênica (PKD): ataques induzidos por movimento súbito. Discinesia paroxística não cinesiogenica (PKND): ataques não induzidos por movimento súbito. Cada tipo foi classificado como idiopático (primário) ou secundário (''sintomático''). Houve avanços recentes sobre a genética das formas primárias de DP com melhor correlação do genótipo-fenótipo. Os avanços nas 3 principais formas primárias (PKD, PNKD e PED) foram na apresentação clínica, fisiopatológica, genética e perspectivas de tratamento. Discinesia Paroxística Cinesiogênica (PKD): Na PKD os episódios são desencadeados por algum movimento súbito, com ataques durando poucos segundos. Até agora nenhum gene pôde ser identificado. Apresentação Clínica da PKD: A idade de início ocorre entre 6 meses e 33 anos, mas principalmente entre 7 e 15 anos. A prevalência é maior no sexo masculino (4:1) sob a forma esporádica, mas não nos casos familiares. Ataques são induzidos por movimentos repentinos, como levantarse rapidamente para atender a campainha ou telefone. Um súbito aumento da velocidade, força ou amplitude, durante os movimentos normais pode induzir ataques. Sustos, fono e foto estimulação, hiperventilação, ou estresse também podem desencadear os ataques. Cerca de 70% dos pacientes relatam uma sensação anormal antes do movimento (como uma aura epiléptica). Alguns pacientes aprendem a usar a aura como um sinal de alerta para prevenir os ataques, segurando firme o membro afetado. As manifestações clínicas podem ser do tipo distonia, coreia, balismo, ou uma combinação destes. A distonia é a forma mais comum.
Cerca de 30% dos pacientes apresentam alteração da fala (disartria ou anartria), que pode ser resultado do envolvimento facial. No caso de ataques múltiplos, pode ocorrer um período refratário de 20 minutos, durante os quais mais ataques não podem ser induzidos. Os ataques duram menos de 2 minutos em 88% e entre 30 e 60 segundos, em dois terços dos pacientes. Paroxismos mais duradouros levam a suspeitar de causa secundária, incluindo a possibilidade de discinesia psicogênica. Normalmente não há perda de consciência, confusão ou sonolência. A maioria dos pacientes apresentam 1-20 ataques por dia. Os episódios apresentam picos na puberdade com até 30-100 ataques, e redução após os 20 anos, podendo ocorrer remissão completa após os 30 anos. Mecanismos fisiopatológicos da PKD: Tem sido debatido se a DP é um distúrbio epiléptico ou não. Ataques breves, estereotipados e resposta dramática a anticonvulsivantes argumentam para origem epiléptica. O EEG não costuma apresentar alterações. Alguns pesquisadores sugerem origem subcortical epileptogênica nos núcleos da base. Outros achados neurofisiológicos sugerem alteração nos núcleos da base, tais como alteração do reflexo H e variação contingente negativa. Dois estudos com pacientes PKD usando estimulação magnética transcraniana, concluíram que anormalidades nos circuitos inibidores corticais e espinhais podem ser úteis para diferenciar distonia primária e epilepsia. Estudos de imagem funcional como o SPECT, demonstrou perfusão alterada nos gânglios da base. Genética da PKD: Entre as formas primárias, 65%-72% dos pacientes com PKD tem história familiar de doença semelhante com herança autossômica dominante com penetrância completa em mais de metade dos casos. Houve semelhanças genéticas entre PKD e movimentos paroxísticos da síndrome de convulsão infantil e coreoatetose paroxística (ICCA). A síndrome ICCA foi mapeada no intervalo 10 cm do cromossoma 16, e famílias com PKD foram também ligadas à mesma área. Sobreposição com a síndrome de epilepsia rolândica, discinesia paroxística induzida pelo exercício e cãibra do escrivão (RE-PED- WC) também foram observadas. Tratamento e prognóstico da PKD:
A PKD geralmente responde bem a drogas antiepilépticas, sendo a carbamazepina a droga de escolha. Tanto a carbamazepina como a fenitoína melhoram os sintomas em mais de 80% dos casos e as doses utilizadas são as mesmas para o uso na epilepsia. Acetazolamida pode ser usada como alternativa útil ou adjuvante a carbamazepina no tratamento da PKD, especialmente quando decorrente de lesões desmielinizantes. Topiramato e barbitúricos também são opções. A frequência de ataques diminui com a idade e os pacientes tem uma expectativa de vida normal, mas caso não diagnosticada, ocorre grande impacto na qualidade de vida. Discinesia paroxística não cinesiogênica (PNKD): Discinesia paroxística não cinesiogênica tem uma duração mais longa do que a PKD e não é induzida por movimento repentino. Aspectos clínicos da PNKD: Os ataques ocorrem de forma espontânea em repouso, mas muitas vezes depois de provocação pelo álcool ou café (relatado em quase 100% dos casos com mutação genética). Pacientes do sexo feminino podem apresentar ataques mais frequentes durante período menstrual ou de ovulação. Os ataques podem começar com sintomas premonitórios (41% dos casos geneticamente comprovados) como sensação de aperto (80%), movimentos involuntários da boca, ou ansiedade. Movimentos começam em um dos lados com tendência em se generalizar. Há combinação de distonia e coréia em 80% dos casos genéticos enquanto que 12% apresentam apenas distonia. Nos episódios mais graves pode haver disartria ou anartria (45% casos geneticamente comprovados). Na PNKD os ataques ocorrerem algumas vezes por ano (até várias vezes por semana), com duração de 10 minutos a 12 hs (usualmente não mais do que uma hora). Não há correlação entre duração e frequência. A relação homem:mulher é de 2:1 para os casos esporádicos, e 1:1 para os geneticamente comprovados. O início da PNKD primária ocorre na primeira infância (média de 8 anos), e o da PNKD secundária com variação mais ampla de 2,5-79 anos. A associação com paraparesia espástica tem sido relatada como coreoatetose / espasticidade (CSE) por Aubuger, inicialmente como uma forma complicada de PNKD ligada ao cromossomo 1q (DYT9). Mecanismos fisiopatológicos da PNKD:
EEG ictais e interictais são usualmente normais. Um estudo invasivo com vídeo- EEG demonstrou descarga no núcleo caudado, mas com ritmos corticais normais. O SPECT pode revelar hipoperfusão do caudado direito e tálamo. O PET demonstra aumento na sensibilidade dos receptores D2 pós-sinápticos estriatais, refletindo upregulation. Isto sugere que anormalidades dopaminérgicas sejam resultantes de desregulação da liberação dopaminérgica ou de mecanismos pós-sinápticos, ao invés de alteração da densidade de inervação nigroestriatal. Genética da PNKD: Herança autossômica dominante, com penetrância de cerca de 80%. Todos os casos familiares típicos de PNKD foram identificados no cromossomo 2q. O gene foi identificado por Rainier, que detectou mutação no gene MR-1. Tratamento e Prognóstico da PNKD: Pacientes devem ser ensinados a identificar e evitar os fatores desencadeantes como cafeína, estresse e álcool. Considerando as drogas sintomáticas o clonazepam é a droga de escolha. Em um estudo de 49 portadores do gene MR-1, 97% dos que usaram benzodiazepínicos tiveram resposta favorável. A resposta a drogas antiepilépticas foi limitada. Haloperidol, gabapentina e acetazolamida e L-dopa podem ter benefício leve. A aplicação de toxina botulínica pode melhorar os sintomas da PNKD secundária a AVC. A frequência dos ataques de PNKD tende a diminuir com a idade. Discinesia Paroxística Induzida por Exercício (PED): Lance reconheceu a PED como grupo tipo intermediário de DP, provocados pela exaustão física após esforço contínuo. Em 1984, Plant descreveu uma segunda família com mãe e filha afetadas com herança sugestiva de autossômica dominante. Casos esporádicos também têm sido relatados. Aspectos clínicos da PED: Forma rara de DP, com relação homem:mulher de 2:3. O início ocorre com a idade média de 5 anos, variando de 2-30 anos. Os episódios são precipitados pelo exercício prolongado ou sustentado. A apresentação mais comum é na forma de distonia. Os
membros inferiores são os mais frequentemente acometidos. Os ataques duram entre 2 e 5 minutos em média (até 2 horas) e ocorre cessação dentro de cerca de 10 minutos após interrupção do exercício. A PED pode ser acompanhada de enxaqueca sem aura, ou combinação de hemiplegia, epilepsia, e ataxia. Mecanismo Fisiopatológico da PED: O EEG é tipicamente normal. Fora dos ataques a excitabilidade cortical e mecanismos inibitórios neuronais são normais. SPECT durante o ataque motor apresenta perfusão reduzida do córtex frontal e gânglios da base e aumento da perfusão no cerebelo, compatível com outras formas de distonia. O aumento do ácido homovanilico e 5-hidroxiindolacético no LCR após ataque motor, aumenta a hipótese de envolvimento da dopamina na fisiopatologia. Genética da PED: Mutações no transportador de glicose tipo 1 (GLUT1), foram identificados em uma família com 3 gerações de PED, e confirmado em outras famílias e casos esporádicos, justificando os níveis de glicose no líquor abaixo do limite. Tratamento da PED: Dieta cetogênica pode ser benéfica para a PED e epilepsia. Anticonvulsivantes não são muito usados, embora a gabapentina possa reduzir a frequência e gravidade dos ataques. A levodopa, a triexifenidila e a acetazolamida mostraram benefício em raros casos. Um caso relatado respondeu a palidotomia. Outros distúrbios do movimento episódicos como a distonia paroxística ortostática, distonia/torcicolo benigno da infânica paroxístico transitório, ataxias paroxísticas, paroxismos com desvio conjugado tônico dos olhos e paroxismos de língua também tem sido relatados. Conclusão: A correta identificação dos diferentes tipos de discinesia paroxística é fundamental para que a orientação terapêutica traga benefícios para os pacientes. Lorena Broseghini Barcelos