Gestão de pessoas como fator competitivo GESTÃO DE PESSOAS COMO FATOR COMPETITIVO Há dois tipos de pessoas que não interessam a uma boa empresa. As que não fazem o que se manda e as que só fazem o que se manda. Henry Ford Industrial americano (1863-1947) O surgimento da corrente de pensamento que entende o constante crescimento profissional das pessoas e a obtenção do maior nível de comprometimento delas com as organizações faz parte de um desenvolvimento da história da administração ao qual é impossível associar um só nome. O artigo parte do pressuposto de que essa corrente de pensamento tem relevância para as organizações na sua busca para atingir resultados econômico-financeiros crescentemente positivos. Após uma passagem sobre o histórico de especialistas que influenciaram essa tese nos últimos dois séculos, menciona informações, opiniões e fatos reais do ambiente de negócios nacional, que corroboram a abordagem proposta para o tema. 50 REVISTA DA ESPM JANEIRO/FEVEREIRO DE 2008
Eduardo Najjar UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA Pode-se considerar que tudo começou com os Hawthorne Studies, pesquisa empreendida entre 1927 e 1932 na fábrica da Western Electric em Hawthorne, Chicago. Estudando as atitudes e comportamentos dos seus trabalhadores, descobriu-se o efeito Hawthorne, segundo o qual a produção melhora quando os trabalhadores acreditam que os gestores se preocupam com o seu bem-estar. O coordenador e mais apaixonado defensor desses estudos era o australiano Elton Mayo (1880-1949). Defendia que a auto-estima é vital para o bom desempenho. Alertou para a necessidade de canais abertos de comunicação entre os trabalhadores e a gestão para que os indivíduos e os times se identifiquem com os objetivos da organização. isso, ser supervisionados e motivados. Para eles, o trabalho é um mal necessário. A teoria Y, por oposição, diz que as pessoas querem e precisam trabalhar. Quando faleceu, em 1964, McGregor trabalhava na formulação da teoria Z, que visava fazer o encontro entre as aspirações individuais e da organização. Quase ao mesmo tempo Abraham Maslow trabalhava na pirâmide da hierarquia das necessidades; tem como base as necessidades fisiológicas (segurança, alimentação) e, como cume, as de auto-realização. Assim que uma necessidade está satisfeita, ela deixa imediatamente de ser um motivador. O psicólogo clínico Frederick Herzberg identificou, anos depois, os fatores higiênicos ou de manutenção, como as necessidades econômicas básicas, por oposição aos fatores motivacionais, dirigidos a aspirações mais profundas. Bons fatores O pleno potencial desses estudos só viria a ser aproveitado nos anos 50, quando surgiu nos EUA um grupo de pensadores - mais tarde chamado escola de relações humanas cujas figuras centrais são Douglas McGregor, Abraham Maslow e Frederick Herzberg; suas teses viriam a influenciar, mais tarde, nomes como Edgard Schein, Chris Argyris e Warren Bennis. A contribuição maior de McGregor (1906-1964) foi o estudo dos fatores de motivação, a teoria X e Y. A teoria X defende que os trabalhadores são, por natureza, preguiçosos, necessitando, por JANEIRO/FEVEREIRO DE 2008 R EVISTA DA ESPM 51
Gestão de pessoas como fator competitivo higiênicos são necessários, mas não suficientes, para motivar as pessoas. O trabalho de Warren Bennis cobre uma vasta gama de áreas. Definiu a diferença entre líderes e gestores e tornou-se a eminência parda da liderança contemporânea, aconselhando quatro presidentes dos Estados Unidos, na década de 50. O trabalho de Chris Argyris tem também a vertente do desejo de desenvolver e apoiar as pessoas nas organizações. Sua premissa é a de que, ao encorajar os indivíduos a alcançar o seu pleno potencial, há um benefício mútuo entre organizações e funcionários. Essa crença é considerada a origem do conceito de learning organization (organização que aprende), popularizado por Peter Senge, em 1990, no livro A Quinta Disciplina 1. Não se pode deixar de citar Peter Drucker. Em meio à sua vasta obra e inúmeras importantes contribuições ao gerenciamento de organizações de todo o mundo, está o livro intitulado The Practice of Management. Muitos dos seus conceitos são hoje clássicos, como a gestão por objetivos, fruto de observações aprofundadas conduzidas em empresas americanas como General Motors e General Electric, IBM: fixam-se objetivos específicos às pessoas, que devem prestar contas do seu desempenho no fim de um período. O mesmo princípio é aplicado ao nível dos departamentos, divisões etc. Dizia ele:...a gestão por objetivos garante o rendimento, transfor mando necessidades objetivas em ambições pessoais. Essa é a verdadeira liberdade. Uma liberdade com lei, que faz com que as pessoas cresçam profissionalmente, levando valor ao resultado de seu trabalho. E... NAS ORGANIZAÇÕES Vamos aos fatos! Competitividade, mudança, são palavras com que se ocupa a quase totalidade dos neurônios de CEO s, diretores, gerentes, gestores dos diversos níveis hierárquicos, em todo o mundo, na busca de estratégias que tragam adição de valor aos negócios e às suas áreas de atuação. Não se pode deixar de citar Peter Drucker. Em meio à sua vasta obra e inúmeras importantes contribuições ao gerenciamento de organizações de todo o mundo, está o livro intitulado The Practice of Management. A maioria desses executivos possui a crença de que a função de desenvolvimento de pessoas não deva estar atrelada exclusivamente à área de Gestão de Pessoas; ou seja, que essa função deve existir no cerne do processo 52 REVISTA DA ESPM JANEIRO/FEVEREIRO DE 2008
Eduardo Najjar de gerenciamento de todas as áreas da organização. Crenças semelhantes ocorrem no pensamento e filosofia de trabalho da maioria dos executivos que dirigem as próprias áreas de Gestão de Pessoas. Claro é, também, que, entre a intenção e a ação, um grande número de boas práticas, quando propostas no dia-a-dia, sofrem distorções; seja porque em determinadas organizações a quantidade de áreas e funcionários é tão grande que não favoreça a correta implantação de estratégias, seja por problemas na comunicação interna (gap, entre o planejamento das ações a serem realizadas e sua efetiva aplicação) ou até pela inexistência de competências gerenciais para o desenho e a implementação de tais ações. Para ilustrar esta situação, cometendo meia inconfidência, pode ser citado o desabafo de um profissional responsável pela direção da área de Gestão de Pessoas de uma das mais conceituadas empresas de comunicação que operam no Brasil e em toda a América Latina:... em 2008 a área de Gestão de Pessoas de nossa organização não irá apenas abraçar árvores, como ação de apoio aos processos de mudança que serão implementados... Vamos adicionar valor real a esses processos com atuação muito mais focada nos resultados esperados pelos acionistas!... 2 É importante também, como informação complementar à montagem do raciocínio que está sendo apresentado, conhecer a opinião de diretores da área de Gestão de Pessoas das empresas Avon, Basf, Dow Chemical, Gerdau, HSBC, MasterCard, v A cultura de uma organização é seu maior patrimônio e é papel do RH ser um educador, criando processos que fortaleçam essa cultura, apoiando assim a atuação dos funcionários em todas as áreas da empresa; vo desenvolvimento do capital intelectual deve ser um dos principais focos da liderança da organização. Uma das ações básicas que contribui para o alcance da excelência do capital humano da empresa é incentivar o autodesenvolvimento; vsomente funcionários felizes e fidelizados à empresa trazem a produtividade necessária para o sucesso das organizações; v Ao mesmo tempo em que buscamos o desenvolvimento contínuo de nossos líderes, cada vez mais desempenhamos o papel de catalisadores da transformação organizacional frente aos desafios do mercado; va maior responsabilidade do líder é treinar e desenvolver sua Nestlé, Sabesp, Semp Toshiba, Telefônica. Esses depoimentos foram colhidos durante a cerimônia de premiação desses profissionais, indicados como gestores de Recursos Humanos mais reconhecidos no mercado nacional, em 2007: equipe; ser capaz de avaliar o desempenho de seu time com objetividade e justiça, criar oportunidades para o crescimento profissional dos melhores e reconhecer a contribuição de seu time para os resultados finais da empresa; va área de RH tem um duplo compromisso que é contínuo: a) contribuir com os objetivos e metas organizacionais; b) proporcionar a cada um dos indivíduos da organização, realização pessoal e profissional; vo mais importante é ter um grupo de líderes competentes, que tenham agilidade para criar um ambiente livre para a troca de idéias, participação e contribuição individual; vnão há uma boa execução de propósitos empresariais sem o engajamento das pessoas. Isso só se consegue em um bom ambiente de trabalho. O clima organizacional é o leito por onde corre a estratégia do negócio. JANEIRO/FEVEREIRO DE 2008 R EVISTA DA ESPM 53
Gestão de pessoas como fator competitivo PESQUISA ESPM 3 A análise do resultado de pesquisa realizada recentemente pela área de Educação Executiva da ESPM-SP, ouvindo os responsáveis pela área de Gestão de Pessoas de organizações que demonstraram clara preocupação com a formação continuada dos profissionais de sua estrutura, apóia o fato de que uma visão de desenvolvimento das competências e habilidades específicas das pessoas, nos diversos ambientes culturais, é fundamental para a valorização, motivação e retenção dos principais talentos da empresa. Os principais high-lights das constatações dessa pesquisa, para a finalidade proposta neste texto, são: v 43% incentivam funcionários de áreas ligadas à inovação de produtos e serviços, para que desenvolvam projetos conjuntos com Universidades e centros de excelência, no Brasil e em outros países; v 45% indicam e mensuram os resultados de processos de coaching aplicados a funcionários responsáveis pela gestão de suas equipes; v 64% possuem, na estrutura orga nizacional, a função Gestão de Pessoas como recurso central, mas, também, atuando de forma local nas diversas áreas estratégicas; v 73% incentivam os funcionários, de diversas formas, à obtenção de conhecimento formal, entre as Universidades e Instituições de Ensino Superior, no Brasil e no exterior; v 75% poem, entre suas três primeiras prioridades estratégicas, recursos financeiros para processos de educação continuada e desenvolvimento de seus funcionários; v 82% das organizações utilizam o resultado da aplicação do modelo de gestão por competências em vários de seus processos, para: a definição de necessidades de desenvolvimento profissional (educação e treinamento); gerenciamento de desempenho, planos individuais de remuneração. A VISÃO DE UM ESPECIALISTA INTERNACIONAL Importante também é citar a opinião de um especialista contemporâneo da área de Recursos Humanos, com atuação global em organizações e instituições de ensino e pesquisa. O professor Thomas Malnight é um dos heads da área de estudos organizacionais do IMD Lausanne Suíça. Em recente passagem pelo Brasil, em que participou de congresso Continental da área de Gestão de Pessoas, declarou a importância crescente das pessoas para a alavancagem dos proces sos de modernização das organi zações de classe mundial: As áreas de Recursos Humanos devem sair de uma função administrativa tradicional para a posição de parceiro ativo da alta administração das organizações; capitanear o processo de modelagem e gerenciamento da cultura dessas organizações, criando novas maneiras de trabalho, desenvolvendo um quadro de funcionários que trabalhe de fato na construção do ambiente como fator crítico de sucesso a médio e longo prazos. CONCLUSÃO Houve uma época, entre o fim da década de 70 e fim da década de 80 em que alguns dos assim chamados homens de RH sentavam à direita dos presidentes das maiores organizações. Sua visão sobre estratégias de crescimento dos negócios por meio do investimento na formação de lide ranças, em toda a estrutura, era parte integrante dos planos anuais de suas corporações. Um par desses executivos ainda está em nosso meio; são figuras respeitadas, formadoras de opinião, ouvidas por interlocutores ávidos por respostas às principais necessidades ligadas ao contingente de funcionários-chave nas respectivas organizações. Ao longo da história, a análise das primeiras décadas do século XXI indicará, sem dúvida, o surgimento de uma nova consciência em assuntos como sustentabilidade e responsabilidade das corporações sobre os aspectos sociais do mercado. Parte integrante dessa história está sendo criada pelas organizações que, com atuação global, passam a contribuir com novos conceitos e estratégias em direção à formação de uma safra de líderes cujo mindset está mais voltado às humanidades do que somente à lógica empresarial, sem deixar para segundo plano os fatores econômico-financeiros dos negócios. Estruturas mais flexíveis e participativas têm dado mostras de que resultados econômico-financeiros positivos podem conviver com decisões mais ousadas; investimentos na formação de profissionais integrais, de equipes de alto desempenho. Um exemplo real desta afirmação é a importante contribuição ofe recida pelo prof. Alexandre Gracioso quando comprovou os resultados econômicofinanceiros positivos que as Melhores Empresas para se Trabalhar apresentaram no período analisado 4. 54 REVISTA DA ESPM JANEIRO/FEVEREIRO DE 2008
Eduardo Najjar Observando o eterno movimento pendular, as áreas responsáveis por Recursos Humanos têm mais uma vez, na história das organizações do trabalho, a oportunidade de influir no processo de mudança do mindset organizacional pela criação de valor, na criação e implementação de projetos voltados à gestão de pessoas, com crescentes taxas de retorno sobre os investimentos realizados. NOTAS 1. Segundo as palavras de Peter Senge: O futuro das organizações e nações dependerá cada vez mais de sua capacidade de aprender coletivamente. 2. Exposição feita em reunião entre cinco dirigentes de áreas de Recursos Humanos em empresas de grande porte que operam em toda a América Latina. Nesse contexto eram analisadas situações genéricas em que a função Gestão de Pessoas atua mais como Cabe a cada profissional da área organizar e pôr em prática as idéias de desenvolvimento de pessoas, que possam participar ativamente do aumento de valor do resultado das empresas, levando-as também a fóruns em que possam ser compartilhadas e multiplicadas num movimento sinergético para o favorecimento da comunidade empresarial e, em última análise, para o aumento do nível de qualidade de vida do país. ESPM um fim em si mesma e não como um apoio às mudanças organizacionais rumo à melhoria de resultados do negócio. 3. Amostra composta por 154 empresas. Período: anos de 2006 e 2007. 4. Prof. Alexandre Gracioso As empresas mais amadas são também as mais lucrativas. Revista da ESPM, São Paulo, Ano 8, v.9, n. 4, p.64-72, jul./ago. 2002. BIBLIOGRAFIA BAUER, Ruben Gestão da mudança. Editora Atlas, 1999. BENNIS, Warren O futuro da liderança. Editora Futura, 2001. CALDAS, M.; Fachin, R.; Fischer, T. (Orgs.). Handbook de estudos organizacionais. Editora Atlas, 2001. DRUCKER, P. O gerente eficaz. Editora LTC, 1967. FLEURY, A.; Fleury, M. T. L. Estratégias empresariais e formação de competências 2ª edição Editora Atlas, 2001. HAMEL, G.; Prahalad, C. K. Competindo pelo futuro. Editora Campus, 1995. MINTZBERG, H.; Quinn J. B. O processo da estratégia 3ª edição Editora Bookman, 2001. MORGAN, Gareth. Imagens da Organização. Editora Atlas, 1996. MOTTA, P. R. Gestão contemporânea 13ª edição Editora Record: 2002. PORTER, M. E.. Competição: Estratégias Competitivas Essenciais. Editora Campus, 1999. ROBBINS, Stephen P. Fundamentos do Comportamento Organizacional. Pearson Editora, 2006. SENGE, Peter M. A Quinta Disciplina. Editora Best Seller, 1998. The Global Competitiveness 2007-2008 World Economic Forum. ULRICH, D. Os campeões de recursos humanos. Editora Futura, 1998. EDUARDO NAJJAR Atuou como principal executivo de Recursos Humanos em empresas nacionais e transnacionais, na década de 80. Trabalha, há dez anos, com processos de sucessão em Famílias Empresárias. Dirige o Núcleo de Estudos de Empresas Familiares e Governança Corporativa da ESPM-SP. JANEIRO/FEVEREIRO DE 2008 R EVISTA DA ESPM 55