PN 195.02; Ag.: TFM. Porto; Ag.es: MP, rep. Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1., 50.01.03, solteira, pretende obter a adopção plena de 96.11.18: (a) Tomou conta dela desde os 2 meses de idade, tal como filha; (b) Entre ambas foi construído, ao longo dos tempos, um entendimento em tudo equiparado à filiação; (c) Mãe e pai, progenitores, deram consentimento prévio; (d) Entretanto, obteve a confirmação da permanência com e em casa dela de, através de acto formal da autoria do organismo de Segurança Social competente. 2. Todavia, com base em que não se verificava confiança administrativa ou judicial da criança, visto o artigo 1980 CC, a decisão recorrida indeferiu2: (1) Com efeito, a confiança administrativa ou judicial é pressuposto e elemento imprescindível para que a adopção possa ser decretada; 1 Adv.: Dr. Adriano Encarnação, Rua Cândido dos Reis, 46 1º, sl. 2, 4050-151 Porto. 2 Também vindo da sentença: não cabe aqui questionar das razões que levaram aos vários avanços e recuos do processo adoptivo da criança; sem contudo deixar de referir não ser curial que, após uma primeira candidatura e inscrição no Serviço de Adopções, em 1991, e da qual veio a desistir, terá posteriormente efectuado nova candidatura, mas durante cuja apreciação omitiu e escondeu dos Serviços o facto, desde 01.97, de ter a ora adoptanda a viver consigo, apenas os alertando cerca de ano e meio depois, e após ter obtido o parecer favorável para a adopção: mesmo no direito dos afectos, como da presente situação, há princípios a observar e deveres a cumprir. 1
(2) [Depois] no caso em apreço, atenta a idade da requerente e o disposto pelo art. 1975/3.4 dúvidas não há que não se vislumbram hipóteses de confiança administrativa 3. MP discorda: (a) Os pais biológicos prestaram consentimento para a adopção, em tribunal; (b) Existe confiança administrativa, na modalidade de confirmação de permanência da menor a cargo da adoptante, desde os 2 meses de idade; (c) A Segurança Social, em inquérito, respondeu favoravelmente à adopção da menor pela requerente; (d) Esta foi seleccionada pela Segurança Social como mãe adoptante; (e) A Segurança Social considerou suficiente a confirmação da permanência da menor a cargo, nos termos do art. 8/2, DL 120/98, 08.05; (f) A menor ainda está em idade de ser adoptada, por ter menos de 15 anos, art. 1980 CC; (g) A requerente tem a menor a seu cargo desde 12.96; (h) O despacho que indeferiu o pedido de adopção violou o disposto no art. 8/2, DL 120/98, 08.05, ao não considerar como confiança administrativa a confirmação da permanência da menor a cargo, emitida pela Segurança Social; (i) Consequentemente, deve ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos, julgando verificados os requisitos legais, nomeadamente o da confiança administrativa. 4. Concluiu a Ag.e: (a) Encontrando-se demonstrado nos autos, por documentos cujo teor não foi impugnado, que a Ag.e, na sequência da apresentação de candidatura para adopção e subsequente decisão dos Serviços da Segurança Social de aceitação dessa candidatura, comunicou ter entretanto obtido e de ter a guarda de facto da 2
menor, desde os 2 meses de idade, a decisão através da qual foi confirmada a permanência a seu cargo da criança constitui o acto de confiança administrativa a que alude o art. 1980/1 CC; (b) Na verdade, a confiança administrativa para efeitos de adopção resulta da decisão do organismo da Segurança Social competente, que entrega o menor ao candidato a adoptante ou que confirma a permanência a cargo dele, nos termos do art. 8/2, DL 185/93, 22.05, red. DL 120/98, 08.05; (c) Assim, atento o circunstancialismo de facto assinalado na primeira conclusão, e as disposições legais na segunda, a decisão recorrida, e que indeferiu o pedido de adopção, pelo motivo de inexistir confiança judicial ou administrativa da menor, fez errada interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes, visto que in casu esse requisito legal se verificava e verifica-se; (d) Portanto, tendo em consideração: 96.09.17, a Ag.e inscreveu-se nos Serviços de Segurança Social para efeitos de se candidatar à adopção; 98.05.18, esses Serviços, após a r ealização de estudo, reconheceram-lhe capacidade para ser candidata a adoptante; 98.07.21, a Ag.e comunicou aos mesmos Serviços que tinha a menor a seu cargo; 12.96, [a partir desta data], os Serviços em questão confirmaram a permanência da menor a cargo da Ag.e, desde os 2 meses de idade; Encontram-se verificados os requisitos legais, pois tudo ocorreu quando a Ag.e não tinha ainda 50 anos de idade, (1) da idade da adoptante; (2) da idade da adoptada; (3) da diferença de idades; (e) Assim, deve a decisão recorrida ser revogada e ordenado em consequência o prosseguimento dos autos para apreciação e decisão de mérito. 5. Resulta dos autos: 3
(1), nasceu em Mafamude em 50.01.233; (2), 96.11.18, é filha de [solteiros ambos]4; (3) Mãe e pai, progenitores, deram consentimento prévio5 à adopção plena de ; (4) A menor foi entregue à Ag.e em 01.97, desde os 2 meses de idade6; (5) E a partir de então a Ag.e tomou conta da criança7; (6) Entre ambas foi construído, ao longo dos tempos, um entendimento em tudo equiparado à filiação8; (7) Na verdade, entre e a Ag.e mantém-se, hoje, uma relação estável e de grande afectividade9; (8) Esta tem vindo a proporcionar à criança os melhores cuidados de saúde e educação10; (9) Estes cuidados manifestam-se, em termos globais, no desenvolvimento de 11; (10) Está ela bem instalada no ambiente familiar da família alargada da Ag.e12; 3 Vd. assento de nascimento nº 275/50, da 1ª Conservatória do Registo Civil de Vila Nova de Gaia. 4 Certidão de assento de nascimento 680/96, 1ª Conservatória de Registo Civil do Porto, 96.11.25, D. nº 8450. 5 Processo nº 178.01, TFM Porto, 3º Juízo, 1ª Secção: Auto de declarações de, 69.02.02 Campanhã (Porto), solteira não convive com a menor desde o nascimento desta: tem mais 3 filhos; o pai da menor encontra-se preso; não tem condições económicas ou habitacionais para assumir a menor ; dá o seu consentimento para que a sua filha b seja adoptada. Processo nº 212.01, TFM Porto, 2º Juízo, 1ª Secção: Auto de declarações de nunca conviveu com a filha desde o seu nascimento; está disposto a dar o seu consentimento prévio para que a menor G seja adoptada plenamente; Tendo sido advertido e alertado pela Mm a. Juíza para todas as consequências do seu acto declarou desejar prestar o seu consentimento para que a menor seja adoptada plenamente. 6 Certidão do CDSSS Porto, emitida ao abrigo do arts. 9/2 e 162/2 OTM, red, DL 120/98, 08.05 e Relatório social, 01.11.15, remetido pela mesma entidade. 7 Idem. 8 Vd. Relatório Social do CDSSS Porto. 9 Idem. 10 Idem. 11 Idem. 4
(11) E trata-a como se fosse a verdadeira mãe13; (12) Por outro lado, desde sempre que foi tratada como se filha fosse dela, e com influência na evolução da criança a nível bio-psico-social14; (13) A Ag.e, por sua vez, tem bom nível económico; é empresária, solteira; (14) Vive numa moradia com muito boas condições15; (15) Em 01.07.16, o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social do Porto confirmou a permanência a cargo da Ag.e, da 16; (16) A Ag.e inscreveu-se no Serviço de Adopções do S. Sub-Regional do Porto em 91.12.1917; (17) Posteriormente veio a desistir18; (18) Em 97.09.17 efectuou nova candidatura19; (19) E foi emitido parecer favorável para adopção em 98.05.1820; (20) Omitiu entretanto a circunstância de ter tomado conta de ao Serviço S. Sub-Regional do Porto21; (21) Veio a comunicá-la, contudo, em 98.07.1022. 6. O recurso está pronto para julgamento nos termos do art. 705 CPC. 7. [A adopção] centrada na defesa e promoção do interesse da criança e enquadrada no conjunto dos instrumentos tradicionalmente previstos para a protecção de crianças desprovidas de meio familiar normal permite a constituição ou a reconstituição de vínculos em tudo semelhantes aos que resultam da filiação biológica, de essencial relevância no contexto dos complexos processos de desenvolvimento social e psicológico próprios da formação da autonomia individual. 12 Idem. 13 Idem. 14 Idem. 15 Idem. 16 Idem. 17 Idem. 18 Idem. 19 Idem. 20 Idem. 21 Idem. 22 Idem. 5
Este longo excerto do preâmbulo do DL 120/98, 08.05, serve-nos evidentemente de guia para resolver o problema posto no recurso. E em face da matéria que demos por assente dúvidas não há, como em boa verdade o julgador de 1ª instância as não terá tido também23, sobre a propriedade do estatuto de direito de família pedido pela Ag.e para. Contudo, a decisão recorrida traduziu-se em rejeitar aquilo que era pretendido afinal de contas com boas razões de fundo! O único argumento da sentença é não haver confiança administrativa da adoptanda, e nem sequer passar a ser ela útil com vista ao deferimento, porque a requerente passou a meia vida, 00.01.03. No entanto esta última das razões logo se dilui perante o disposto no art. 1979/4 CC: estão presentes claramente vistos motivos excepcionais, a excepcionalidade que se ajusta, afinal por ser rara (não do hábito mas do ponto de vista da qualidade), e no plano da estima humana, que se ajusta, repete-se, a desde sempre [ter sido e ser a criança] tratada como se filha fosse, e com influência na evolução [de ] a nível bio-psico-social. Este não é em todo o caso o argumento decisivo de crítica à sentença: segundo a lei, na verdade, a confiança administrativa também resulta de decisão do organismo de Segurança Social que confirme a permanência do menor a cargo do candidato a adoptante, art. 8/2, DL 185/93, 22.05, red. art. 3 DL 120/98, 08.05. Acontece que a Ag.e foi reconhecida formalmente como candidata a adoptante, e depois a autoridade apropriada confirmou a permanência junto dela de 24. 23 Excerto da sentença: é para nós realidade social que o direito tem de acompanhar e apoiar que logo após a família biológica, a fam ília adoptiva (mesmo singular, mesmo restrita) é solução claram ente mais favorável à criança com vista à sua integração plena na sociedade e no mundo; e isto a anos luz de qualquer institucionalização ou mesmo criação em família de acolhim ento. 24 Vd. 5. (14) (18): 98.05.18 e 01.07.16. 6
Por outro lado, parece lógico que nestes casos de confirmação da permanência os efeitos de confiança administrativa se retroajam pelo menos à data do reconhecimento da candidatura. Não faz sentido decerto confirmar algo que já não exista com relevância jurídica, algo que afinal de contas corresponde, por assim dizer, a uma situação jurídica radicada (na intencionalidade normativa do instituto) e depois reconhecida, enfim meramente declarada pelo Estado-aparelho: uma visão constitutiva do modo de intervir, nestes casos, da Autoridade faria derivar, aliás, para o estrito campo estatista este remédio social que a lei quer contudo equilibrar no maior limite de espontaneidade possível, entre particulares, de si próprios lançados numa vida, ou num plano vivencial e normativo que as Instituições apenas animam ou devem animar. O excerto legal donde partimos constitui-se assim no melhor exemplo e base do que acabámos de defender. Por conseguinte, têm razão os Ag.es. 8. Atento o exposto, visto o art. 1980/1.2 CC, mas também o art. 170/1.2, DL 314/78, 27.10, alt. DL 185/93, 22.05, red. art. 2 DL 120/98, 08.05, revogada a decisão recorrida, seguir-se-á a audição de e, por fim, a sentença de adopção. 9. Sem custas, por não serem devidas. x I- A confirmação da permanência de menor a cargo do candidato a adoptante é, sem dúvida, uma das modalidades de confiança administrativa relevantes nos termos do disposto nos 1980/1 CC e 8/2, DL 185/93, red. DL 120/98, 08.05; II- E deve entender-se que faz retroagir os seus efeitos a momento anterior juridicamente relevante, como por exemplo a decisão administrativa de reconhecimento formal como candidata a adoptante da interessada. 7