1 a experiência Escoamento ao redor de um cilindro

Documentos relacionados
Sempre que há movimento relativo entre um corpo sólido e fluido, o sólido sofre a ação de uma força devido a ação do fluido.

Transferência de Calor

Escoamentos externos. PME2230 Mecânica dos Fluidos I

Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Aerodinâmica 1º Semestre 2012/13

Corpos Não-Fuselados

Escoamentos Externos

Arrasto e sustentação

Escoamentos exteriores. Escoamento em torno de um cilindro/esfera. Matéria:

Ponto de Separação e Esteira

Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Aerodinâmica 1º Semestre 2012/13

Disciplina: Camada Limite Fluidodinâmica

Capítulo 6: Escoamento Externo Hidrodinâmica

h coeficiente local de transferência de calor por convecção h coeficiente médio de transferência de calor por convecção para toda a superfície

Transferência de calor por convecção

Convecção Forçada Externa

RESUMO MECFLU P2. 1. EQUAÇÃO DE BERNOULLI Estudo das propriedades de um escoamento ao longo de uma linha de corrente.

Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Aerodinâmica 1º Semestre 2015/16

FENÔMENOS DE TRANSPORTE

MECÂNICA DOS FLUIDOS II. Introdução à camada limite. Introdução à camada limite. Conceitos:

Separação da Camada Limite

Separação da Camada limite

Roteiro para o experimento de Continuidade Parte I

Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Aerodinâmica 1º Semestre 2012/13

Tabela Número de Strouhal obtido nas simulações e resultados experimentais.

USO DE SIMULAÇÃO NUMÉRICA PARA CARACTERIZAÇÃO DO COMPORTAMENTO AERODINÂMICO DE VEÍCULOS TERRESTRES

Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Aerodinâmica 1º Semestre 2015/16

INSTITUTO FEDERAL DA BAHIA

Escoamentos exteriores

2a LISTA DE EXERCÍCIOS

2 a experiência Sustentação em um aerofólio

VINICIUS GIRARDI SILVA ESTUDO NUMÉRICO DA VIBRAÇÃO INDUZIDA POR VÓRTICES EM UM CORPO CILÍNDRICO

Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Aerodinâmica 1º Semestre 2017/18

Departamento de Engenharia Mecânica. ENG 1011: Fenômenos de Transporte I

Conceitos Fundamentais. Viscosidade e Escoamentos

Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Aerodinâmica 1º Semestre 2014/15

Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Aerodinâmica 1º Semestre 2013/14

FENÔMENOS DOS TRANSPORTES. Definição e Conceitos Fundamentais dos Fluidos

ESTE Aula 1- Introdução à convecção. A camada limite da convecção

Escoamentos Externos

Introdução a Cinemática Escoamento Laminar e Turbulento Número de Reinalds

Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Aerodinâmica 1º Semestre 2015/16

EN 2411 Aula 4 Escoamento externo. Escoamento cruzado em cilindros e esferas

EM34B Transferência de Calor 2

Disciplina: Camada Limite Fluidodinâmica

Camada limite laminar

INSTITUTO FEDERAL DA BAHIA

Escoamento completamente desenvolvido

TRANSMISSÃO DE CALOR resumo

ESTUDO NUMÉRICO DE ESCOAMENTO AO REDOR DE UM CILINDRO DE SEÇÃO CIRCULAR PARA RE = Joseane Vieira de Queiroz

Transferência de Calor

Fundamentos da Mecânica dos Fluidos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC CENTRO DE ENGENHARIAS DA MOBILIDADE CEM. Bruno Zagoto Toscan

Laboratório de Engenharia Química I Aula Prática 01. Determinação do regime de escoamento: Experiência de Reynolds. Prof. Dr. Gilberto Garcia Cortez

Máquinas de Fluxo I (ENG03332) Material de apoio à disciplina

INSTITUTO FEDERAL DA BAHIA

Mecânica dos Fluidos II (MEMec) Aula de Resolução de Problemas n o 6

estas estão se quebrando em estruturas menores, inclusive a jusante da esfera, evidenciando

Perfis Sustentadores Efeitos da Viscosidade

Perfis Sustentadores Efeitos da Viscosidade

ANÁLISE DA EMISSÃO DE VÓRTICES EM ESTRUTURAS CILÍNDRICAS

ORIGEM DA TURBULÊNCIA

Capitulo 6. Escoamento Externo

Por isso, quem mata o tempo é suicida! Aula 3 de FT

Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Aerodinâmica 1º Semestre 2016/17

Vicente Luiz Scalon. Disciplina: Transmissão de Calor

A queda em meio viscoso, a Lei de Stokes

Transferência de Calor 1

CHAMINÉS INDUSTRIAIS: SOLUÇÕES PARA ATENUAÇÃO DE VIBRAÇÕES INDUZIDAS POR DESPRENDIMENTO DE VÓRTICES

IPH a LISTA DE EXERCÍCIOS (atualizada 2017/1) Sempre que necessário e não for especificado, utilize:

Viscosimetria. Anselmo E. de Oliveira. Instituto de Química, UFG, , Goiânia, GO

Estabilização. 1.Estabilidade coloidal 2.Clarificação natural. Trasfegas. 3 de Março de Fernanda Cosme 1

Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Aerodinâmica 1º Semestre 2013/14

2 Fundamentos Teóricos

CONTEÚDOS PROGRAMADOS (Aerodinâmica de Turbomáquinas - EEK 511) Pás e escoamentos, trabalho, escalas. 2

Transferência de Calor

Fenômeno de Transportes A PROFª. PRISCILA ALVES

PROGRAMA DE DISCIPLINA

TRANSFERÊNCIA DE CALOR POR CONVECÇÃO

ESTUDO DA TRANSIÇÃO ENTRE ESCOAMENTO LAMINAR E TURBULENTO EM TUBO CAPILAR

PERDA DE CARGA CONTÍNUA

PG0054 Transferência de Calor B

Figura 4.28 Isosuperfícies de ω em corte. Os valores correspondem a 2,0 [s -1 ] (azul), 5,0 [s -1 ] (verde) e 7,0 [s -1 ] (amarelo).

Mecânica dos Fluidos. Perda de Carga

Departamento de Física - ICE/UFJF Laboratório de Física II

EM-524 : aula 13. Capítulo 06 Escoamento Externo Efeitos Viscosos e Térmicos

Transferência de Calor

e ficam muito próximos dos resultados colhidos na literatura, inclusive nos pontos de velocidade

3 CONDUÇÃO DE ÁGUA (Cont.)

Disciplina: Camada Limite Fluidodinâmica

Aerodinâmica. Professor: Luís Eça

ESCOAMENTO DE AR AO REDOR DE UM CILINDRO EM TUNEL DE VENTO

ESCOAMENTO INCOMPRESSÍVEL TRIDIMENSIONAL

PME Escoamento Viscoso em Condutos. Características Gerais Escoamento laminar Noções de camada limite. Alberto Hernandez Neto

A Aerodinâmica da Bola de Futebol

Fenômenos de Transporte Aula-Cinemática dos fluidos. Professor: Gustavo Silva

Aerodynamics of Bridge Stay Cables Under Simultaneous Action of Rain and Wind Part I: Vortex Shedding

DETERMINAÇÃO EXPERIMENTAL DA VISCOSIDADE CINEMÁTICA E DINÂMICA ATRAVÉS DO VISCOSÍMETRO DE STOKES

Relatório Preliminar Experimento Camada Limite EQ601 - Laboratório de Engenharia Química I Turma A

Dinâmica de uma Bola: a outra Crise do Futebol

h coeficiente local de transferência de calor por convecção h coeficiente médio de transferência de calor por convecção para toda a superfície

Transcrição:

1 a experiência Escoamento ao redor de um cilindro 1) Força de Arrasto sobre um cilindro Quando um fluido escoa ao redor de um objeto, exerce sobre este uma força que pode ser decomposta em uma componente paralela à direção da corrente (Arrasto) e outra perpendicular (Sustentação). Essa força tem origem no atrito viscoso e na distribuição de pressão ao redor do objeto. Um cilindro imerso numa corrente de fluido apresenta uma área projetada num plano normal à direção da corrente que é dada pelo produto de seu comprimento pelo diâmetro. Quando o fluido se move na direção do cilindro, é defletido para passar ao seu redor, e temos o aparecimento de uma região de alta pressão na frente do cilindro, ao redor de um ponto de estagnação. Se o fluido seguisse exatamente o contorno do cilindro e apresentasse viscosidade nula (fluido ideal), teríamos também o aparecimento de um ponto de estagnação na parte traseira do cilindro, e os efeitos da pressão na parte da frente do objeto seriam equilibrados pela pressão na parte de trás, resultando em um arrasto nulo. Isso é o que chamamos de escoamento potencial ou ideal (fig. 1a). Na realidade, não é isso o que acontece. Ocorre separação da camada limite na região de recuperação da pressão na parte de trás do cilindro. Isso gera o aparecimento de uma região recirculação e baixa pressão na parte de trás do cilindro. A diferença entre a alta pressão ao redor do ponto de estagnação e a baixa pressão da esteira é a principal responsável pela força de arrasto (fig 1b). Na fig. 2 podemos ver um exemplo da distribuição de pressão ao redor de um cilindro. Fig.1) Comparação dos escoamentos ideal e real ao redor de um cilindro. Figura retirada de Potter e Wiggert (2004).

1,5 1 0,5 0 Cp -0,5 0 100 200 300-1 -1,5-2 Teta (graus) Fig. 2) Distribuição do coeficiente de pressão C p =2p/(ρ U 2 ) ao redor de um cilindro para Re=4000. A experimentação e a análise dimensional permitem verificar que existe uma relação entre o chamado coeficiente de arrasto C D e o n o de Reynolds Re, dados por: C Fx = ; 2 U ρ A 2 A D = ρ U D Re = µ bd Nas expressões acima, D é o diâmetro do cilindro e b é sua envergadura. O valor encontrado frequentemente na literatura, para 200 < Re < 3 10 5, é Cd 1.2. A relação entre C D e Re pode ser observada na fig. 3 para cilindros e esferas. Observa-se que para Re>3 10 5, no caso de um cilindro liso, ocorre uma queda sensível no valor do coeficiente de arrasto.

Fig. 3) Coeficiente de arrasto C D como uma função de Re para cilindros e esferas. Figura retirada de Potter e Wiggert (2004). Essa queda no coeficiente de arrasto que ocorre quando aumentamos Re, também chamada de crise do arrasto (drag crisis), está relacionada com as propriedades da camada limite antes do ponto de separação. A camada limite laminar tem pouca resistência à separação. Como resultado, a região de separação e baixa pressão é maior. A camada limite turbulenta tem maior resistência à separação, gerando uma região de baixa pressão que é menor. Podemos ver na fig. 4 a diferença entre as regiões de separação que ocorrem no escoamento ao redor de uma esfera quando (a) a camada limite é laminar antes do ponto de separação e (b) quando a camada limite sofreu transição e está turbulenta antes do ponto de separação.

(a) (b) Fig. 4) Efeito da turbulência na separação: (a) separação com camada limite laminar; (b) separação com camada limite turbulenta. Figura retirada de Potter e Wiggert (2004). Na fig. 5, temos uma representação do fenômeno análogo para cilindros circulares. Fig. 5) Efeito da turbulência na separação: (a) separação com camada limite laminar; (b) separação com camada limite turbulenta. Figura retirada de White (2002). 2) Emissão de vórtices e vibração induzida pelo escoamento Objetos rombudos como um cilindro circular permitem visualizar o fenômeno de emissão de vórtices. Neste fenômeno vórtices são emitidos de forma periódica e alternada entre lados opostos do objeto (fig. 6).

Fig. 6) Fenômeno de emissão de vórtices. Figura retirada de Potter e Wiggert (2004). A freqüência de emissão de vórtices pode ser expressa, através da análise dimensional, através do chamado n o de Strouhal St, dado por: St = fd U Fig. 7) Conceito de número de Strouhal universal. Figura retirada de Blevins (1990).

Alguns autores acham que existe um número de Strouhal universal, baseado na distância L entre pontos de separação. Esse St universal teria um valor ao redor de 0,20. A figura 7 mostra para uma placa inclinada a variação do número de Strouhal baseado no comprimento da placa D como função do ângulo de inclinação. Para um cilindro circular, observa-se que essa freqüência adimensional varia com o Re. A fig. 8 permite visualizar essa variação. Fig. 8) Variação de St como uma função de Re para um cilindro circular. Figura retirada de Norberg (2003). Percebe-se que para 200<Re<10 5 o número de St é essencialmente constante, St=0,20. Essa emissão periódica de vórtices causa vibração induzida pelo escoamento. Se temos uma estrutura cilíndrica com amortecimento c e rigidez k, ela vai vibrar com um movimento dado pela solução da equação: m & y&+ c y& + k y = F y Onde F y é a força de sustentação sobre o cilindro (fig. 9).

Fig. 9) Vibração induzida pelo escoamento. Usualmente, os resultados de medidas ou cálculos de amplitude de vibração são plotados como função da chamada velocidade reduzida, dada por: V r U T = D n U = D f n Onde T n e f n são o período e a freqüência naturais do sistema massa-mola-amortecedor. A fig. 10 mostra um exemplo de resposta do sistema. 1,2 1 0,8 Ay/D 0,6 0,4 0,2 0 0 5 10 15 Vr Fig. 10) Resultados de amplitude de vibração como função da velocidade reduzida. Resultados de Khalak e Williamson (1997).

Questões propostas a) Porque o escoamento se separa quando temos gradiente desfavorável de pressão? b) Porque a camada limite laminar tem menor resistência à separação que a camada limite turbulenta? c) Olhando para a fig. (3), explique porque, para um cilindro ou esfera rugosos, a crise do arrasto ocorre para um Re menor do que para cilindros ou esferas lisos. d) Olhando para a mesma figura, explique porque cilindros e esferas carenados tem coeficientes de arrasto menores que cilindros e esferas comuns. e) O que é o n o de Strouhal? f) O que é o n o de Strouhal universal? Por que o n o de Strouhal baseado no diâmetro é maior para o caso em que a camada limite do escoamento ao redor de um cilindro circular é turbulenta do que quando a camada limite é laminar? g) Observando a fig. (8), estime a freqüência de desprendimento de vórtices de um cabo telefônico de 2cm de diâmetro, sujeito a uma corrente de ar (ν=1,5 10-5 m 2 /s) de 15 m/s. Bibliografia Blevins, R. D., Flow induced vibration, Van Nostrand Reinhold,1990. Khalak, A., Williamson, C. H. K., Fluid forces and dynamics of a hydroelastic structure with very low mass and damping., Journal of Fluids & Structures, num. 11, 1997. Norberg, C., Fluctuating lift on a circular cylinder: review and new measurements, Jounal of Fluids & Structures, num. 17, pp. 57-96, 2003. Potter, M. C., Wiggert, D. C., Mecânica dos Fluidos, Thomson, 2004. White, F. M., Mecânica dos Fluidos, Editora McGRaw Hill, 4ª edição, 2002