Universidade Federal do Ceará UFC Faculdade de Medicina Programa de Educação Tutorial - PET. Caso Clínico. Bárbara Ximenes Braz

Documentos relacionados
USG do aparelho urinário: hidroureteronefrose bilateral, bexiga repleta com volume estimado de 350 ml com paredes espessadas e trabeculadas.

HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA

COMISSÃO COORDENADORA DO TRATAMENTO DAS DOENÇAS LISOSSOMAIS DE SOBRECARGA

Nefropatia Diabética. Caso clínico com estudo dirigido. Coordenadores: Márcio Dantas e Gustavo Frezza

Identifique-se na parte inferior desta capa. Caso se identifique em qualquer outro local deste Caderno, você será excluído do Processo Seletivo.

Caso Clínico #5. Identificação: MFS, feminina, parda, 35 anos; natural e procedente de Boa Vista - Roraima

PROVA OBJETIVA. b) Liste os outros exames que devem ser solicitado para o esclarecimento do quadro e descreva qual seria a abordagem terapêutica.

RESIDENCIA MÉDICA UFRJ

PRÉ-REQUISITO R3 TRANSPLANTE RENAL / NEFRO (309)

Diagnóstico Diferencial das Síndromes Glomerulares. Dra. Roberta M. Lima Sobral

AVC EM IDADE PEDIÁTRICA. Fernando Alves Silva

Sistema Urinário. Patrícia Dupim

Vigilância no Pronto-Socorro

b) caso este paciente venha a ser submetido a uma biópsia renal, descreva como deve ser o aspecto encontrado na patologia.

Leia estas instruções:

Data da primeira consulta: 18/01/2013. Antonio da Silva, 36 anos, branco, natural e procedente de Ribeirão Preto(SP), solteiro, garçom.

Universidade Federal do Ceará UFC Faculdade de Medicina Programa de Educação Tutorial PET. Davi Melo

SECRETARIA DO ESTADO DE SAÚDE (SES) 2015 PRÉ-REQUISITO / CANCEROLOGIA PEDIÁTRICA PROVA DISCURSIVA

Sessões Clínicas Cefaléia

Material e Métodos Relatamos o caso de uma paciente do sexo feminino, 14 anos, internada para investigação de doença reumatológica

R1CM HC UFPR Dra. Elisa D. Gaio Prof. CM HC UFPR Dr. Mauricio Carvalho

Abordagem da Criança com Cefaléia. Leticia Nabuco de O. Madeira Maio / 2013

RESIDÊNCIA MÉDICA SUPLEMENTAR 2015 PRÉ-REQUISITO (R1) / CLÍNICA MÉDICA PROVA DISCURSIVA

RESIDÊNCIA MÉDICA 2014 PROVA OBJETIVA

DISTÚRBIOS HIPERTENSIVOS NA GRAVIDEZ. Profª Leticia Pedroso

Fluxo de atendimento e dados de alerta para qualquer tipo de cefaléia no atendimento do Primeiro Atendimento

CASO CLÍNICO. Medicina-UFC. Everton Rodrigues

Médico Neurocirurgia Geral

ORGANIZADOR. Página 1 de 6

DISTÚRBIO HIDRO- ELETROLÍTICO E ÁCIDO-BÁSICO. Prof. Fernando Ramos Gonçalves -Msc

Fonoaudiologia. Caderno de Questões PROVA DISCURSIVA. SRH Superintendência DESEN. de Recursos Humanos

Emergências Neurológicas. Emergências Neurológicas. Emergências Neurológicas. Emergências Neurológicas. Emergências Neurológicas

Confira se os dados contidos na parte inferior desta capa estão corretos e, em seguida, assine no espaço reservado para isso.

Anamnese. Qual sua hipótese diagnóstica? O que você perguntaria na HPP?

a) Episclerite b) Uveíte anterior aguda c) Esclerite d) Glaucoma agudo e) Hemorragia subconjuntival

Imagem da Semana: Tomografia Computadorizada

Concurso Unifesp nº105 PROVA TEÓRICO-PRÁTICA MÉDICO/ OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICA

Clique para editar o título mestre

PROTOCOLO GERENCIADO DE SEPSE PACIENTE COM CONDUTA PARA SEPSE (OPÇÃO 2 E 3 - COLETA DE EXAMES/ANTIBIÓTICO)

CONCURSO PÚBLICO DE SELEÇÃO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA

REGISTO DE MONITORIZAÇÃO Doença de Fabry (Preencher com letra legível)

COMISSÃO COORDENADORA DO TRATAMENTO DAS DOENÇAS LISOSSOMAIS DE SOBRECARGA

Diretriz Assistencial. Ataque Isquêmico Transitório

Prof. Dr. Harley Francisco de Oliveira

Reconhecendo os agravos clínicos em urgência e emergência. Prof.º Enfº. Diógenes Trevizan

Caso clínico Identificação: Queixa principal: HDA:

Confira se os dados contidos na parte inferior desta capa estão corretos e, em seguida, assine no espaço reservado para isso.

CADA VIDA CONTA. Reconhecido pela: Parceria oficial: Realização:

NOME GÊNERO IDADE ENDEREÇO TELEFONE

Plano de curso da disciplina de NEUROLOGIA

Paralisia periódica hipocalêmica: Relato de caso em. paciente de ascendência africana.

COMO IDENTIFICAR UMA CEFALÉIA SECUNDÁRIA NA EMERGÊNCIA

Jose Roberto Fioretto

TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO. Prof.ª Leticia Pedroso

Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial Director: Dr. Luis Dias

Relato de Caso: Porfiria Aguda Intermitente

Hidroclorotiazida. Diurético - tiazídico.

Bárbara Ximenes Braz

COMISSÃO COORDENADORA DO TRATAMENTO DAS DOENÇAS LISOSSOMAIS DE SOBRECARGA

Lesão Renal Aguda. Revista Qualidade HC. Autores e Afiliação: Área: Objetivos: Definição / Quadro Clínico:

NÃO FORAM ENCONTRADOS OVOS E LARVAS NA AMOSTRA NÃO FORAM ENCONTRADOS OVOS E LARVAS NA AMOSTRA

LESÕES DE CRÂNIO. traumatismos

Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira: história, 2 abrangência, princípios e missão

D I S C I P L I N A D E S E M I O L O G I A U N I V E R S I D A D E D E M O G I D A S C R U Z E S FA C U L D A D E D E M E D I C I N A

Avaliação do Internato 14/3/2016 Nome:

ANEXO II CONTEÚDO PROGRAMÁTICO EDITAL Nº. 17 DE 24 DE AGOSTO DE 2017

Doenças do Sistema Nervoso

Petr Soares de Alencar DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO ÁCIDO BASE

Classificação. Acidente Vascular Cerebral Isquêmico(AVCI) * Ataque Isquêmico Transitório(AIT)

Drogas que atuam no sistema cardiovascular, respiratório e urinário

SÍNDROME DE VOGT-KOYANAGI-HARADA: RELATO DE CASO COM ABORDAGEM DERMATOLÓGICA

1. Assinale a alternativa correta:

Caso 18, adaptado de Relato de Caso Clínico com finalidade didática:

Relato de Caso Clínico com finalidade didática:

ORGANIZADOR. Página 1 de 9

1) Qual translocação é característica da Leucemia mielóide crônica? a) t(14;18) b) t(9,21) c) t(9;22) d) t(22,9) e) t(7;22)

MANEJO DOS CASOS SUSPEITOS E CONFIRMADOS DE INFLUENZA NO HIAE E UNIDADES

RELATO DE CASO: HOLIDAY HEART SYNDROME

Hipertensão Intracraniana Traumática Introdução

Meningite Bacteriana Adquirida na Comunidade

PROPEDÊUTICA CONTEXTUALIZADA III GOB (MED075) APM/IMA/PRO 2017/2T. ID: Paciente feminino 43 anos, casada, residente e procedente de Belo Horizonte.

PREVALÊNCIA DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM PACIENTES DIABETICOS EM UM LABORATORIO CLÍNICO EM CAMPINA GRANDE

MANEJO DO ALCOOLISMO ENCERRAMENTO E AVALIAÇÃO

AB0 HLA-A HLA-B HLA-DR Paciente A 1,11 8,35 3,11 Pai O 1,2 8,44 3,15 Irmão 1 B 1,11 8,35 3,11 Irmão 2 O 2,24 44,51 8,15

Seminário Grandes Síndromes

PROCESSO SELETIVO PARA INGRESSO NO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA 2015 EDITAL N. 001/2014 CRITÉRIOS DA AVALIAÇÃO DE HABILIDADES E COMPETÊNCIAS

ROTEIRO DA AULA DE DIAGNÓTICO ROPOGRÁFCO SUPRATENTORIAL DO 3º ANO MÉDICO/ ) Definição. Lesões encefálicas supratentorial comuns.

S.K., feminino, 15 anos, solteira, estudante, natural e procedente de Fortaleza.

Consensus Statement on Management of Steroid Sensitive Nephrotic Syndrome

RESUMO SEPSE PARA SOCESP INTRODUÇÃO

1/100 RP Universidade de São Paulo 1/1 INSTRUÇÕES PROCESSO SELETIVO PARA INÍCIO EM ª FASE: GRUPO 4: FARMÁCIA

Espectro clínico. Figura 1 Espectro clínico chikungunya. Infecção. Casos Assintomáticos. Formas. Típicas. Fase Aguda. Fase Subaguda.

#Id: R.S.S, feminino, 84 anos, natural e procedente de Fortaleza, viúva, ex-costureira, católica. #Fonte da história: Filha. #Q.P.

Caso Clínico. PET Medicina UFC Caio Mayrink

Meduloblastoma. Denise Magalhães

XVIII Reunião Clínico - Radiológica Dr. RosalinoDalazen.

Caio Abner. 3 de Junho de 2009

Infecções do Sistema Nervoso Central. FACIMED Disciplina DIP. Prof. Ms. Alex Miranda Rodrigues

Transcrição:

Universidade Federal do Ceará UFC Faculdade de Medicina Programa de Educação Tutorial - PET Caso Clínico Bárbara Ximenes Braz

Identificação Paciente do sexo masculino, 10 anos, natural e procedente de Doutor Severiano (RN), estudante. Queixa Principal Cefaléia de forte intensidade há uma semana.

HDA Foi admitido no serviço de transplante renal em agosto de 2007 com quadro de cefaléia holocraniana, pulsátil, de forte intensidade há uma semana, associado a vômitos, dor retro-ocular intensa, diplopia e fotofobia. Paciente em hemodiálise há 4 anos devido à Síndrome Nefrótica por glomerulosclerose segmentar e focal, submetido à TxR com doador vivo(mãe) em outubro de 2004. Estava imunossuprimido com MMF(1g/dia), CsA(200mg/dia) e prednisona(5mg/dia), com excelente função e evolução do enxerto(creatinina=0,7mg/dl).

HPP Tem antecedente de encefalite por varicela 30 dias pós-txr e cistite por CMV nove meses pós-txr.

E Agora?

Exame Físico Ao exame físico, estado geral regular, consciente, lúcido, orientado, fáscies de dor, pouco descorado, desidratado (++/IV), eupnéico, afebril, FC=94bpm, eutrófico, anictérico, acianótico. Ausculta cardíaca e pulmonar, exame do abdome e neurológico estavam dentro da normalidade, incluindo a musculatura extrínseca ocular.

Exame Físico Ao exame oftalmológico, acuidade visual de longe, sem correção, de 20/40 em ambos os olhos. À biomicroscopia não se verificou alterações, bem como nos reflexos pupilares (direto e consensual). Pressão intra-ocular era de 10 mmhg em OD e 12mmHg em OE.

Fundo de Olho

IOA Fundo de olho revelou edema de papila bilateral, sem exsudatos. Ultrassonografia ocular confirmou papiledema com ausência de sinais sugestivos de massas intra ou retro-orbitárias. Campimetria foi normal.

Tempo para reflexão... Exames?

Exames Complementares Exames laboratoriais admissionais: Creatinina = 1,19 mg/dl Uréia = 43 mg/dl (um pouco alta) Hemoglobina = 10,5 g/dl (um pouco baixa) Hematócrito = 31,5% (um pouco baixo) 8.000 Leucócitos 62% de segmentados (alto) 25% de linfócitos (baixo) Plaquetas = 304.000/mm³ Sódio =134 meq/l Potássio = 4,1 meq/l

Diante da possibilidade de processo expansivo intracraniano, foi realizada ressonância magnética de crânio: Sem evidência de alterações estruturais.

Exame do LCR: Aspecto límpido, 4 leucócitos (80% mononucleares, 20% polinucleadas), Cloro: 120mEq/L, Glicose = 70 mg/dl Proteína = 26,6 mg/dl. Pressão dentro da normalidade. Mais algum exame? Culturas e investigação para toxoplasmose, tuberculose, sífilis, neurocisticercose, criptococose e CMV: Negativos.

Evolução Foram iniciados Cefepime e Anfotericina B à admissão, mas como os exames complementares não revelaram evidências de focos infecciosos e houve piora da função renal (creatinina = 1,95mg/dL), ambos foram descontinuados após seis dias de uso. Apesar de analgesia, persistia com cefaléia diária, com queixas oculares e vômitos esporádicos. FO manteve o mesmo padrão anterior.

Hipóteses?

Evolução A presença de papiledema e sintomas de hipertensão intracraniana com exame de imagem normal suscintaram a hipótese de Pseudotumor Cerebral(PC) devido ao uso de CsA. O nível sérico da droga era de 136 ng/ml, enquanto o esperado para a idade varia de 80 a 100 ng/ml. A suspeita de PC levou à suspensão da CsA e foi introduzida terapia com Sirolimo.

Evolução Houve melhora progressiva dos sintomas, com resolução da cefaléia após dois dias da mudança terapêutica e da introdução de dexametasona. O paciente recebeu alta hospitalar após duas semanas, com melhora importante das queixas visuais e da função renal. Após três meses houve resolução completa do papiledema.

Diagnóstico?

Pseudotumor Cerebral associado ao uso de Ciclosporina após Transplante Renal

Pseudotumor Cerebral PC é uma síndrome caracterizada pela presença de hipertensão intracraniana (HIC) com conteúdo liquórico normal e exames de imagem não demonstrando processo expansivo intracraniano.

Pseudotumor Cerebral Geralmente idiopático. Etiologias e Fatores Associados: Ganho recente de peso, Infecções, Alterações endócrinas, Trauma crânio-encefálico, Uremia.

Pseudotumor Cerebral Causas Medicamentosas: Terapia crônica com corticoesteroides ou retirada recente dos mesmos, Ingestão de doses elevadas de vitamina A, Citarabina, Levotiroxina, Danazol, Amiodarona, Antibióticos como tetraciclina, minociclina, ciprofloxacino, ácido nalidíxico, nitrofurantoína e penicilina.

Pseudotumor Cerebral Relação com a CsA e transplantes: CsA foi relacionada como causadora de PC há duas décadas, especialmente em pacientes pós transplante de medula óssea. Poucos relatos em TxR renal com uso de CsA. Esse pacientes possuem maior risco de desenvolver PC, devido a terapia com corticosteroides, anemia, estado de hipercoagubilidade e ganho de peso. Incidência de PC pós-txr chega a 5,4% em alguns serviços.

Pseudotumor Cerebral Patogênese(ainda incerta): Hipersecreção de LCR ou diminuição da sua absorção, Edema cerebral, Elevação da pressão venosa cerebral. CsA: Neuro e microvasculopatia com lesão do nervo óptico e edema papilar.

Pseudotumor Cerebral Estudo não revelou relação de temporalidade entre o desenvolvimento da doença e a data da cirurgia em crianças, ocorrendo PC, em média, quatro anos após o TxR (4 meses a 7 anos). Todos os pacientes acometidos faziam uso de CsA.

Pseudotumor Cerebral Manifestações Clínicas: decorrentes da HIC. Cefaléia (86%), Náuseas (46%), Diminuição da acuidade visual (37%), Vômitos e fadiga (31%), Diplopia (29%), Obscurações visuais transitórias (20%), Estrabismo e fotobia (9%), Tinido pulsátil (6%). Papiledema: 48 a 100% dos casos. Pode ser assimétrico e sua gravidade é proporcional à perda visual.

Pseudotumor Cerebral Efeitos neurológicos secundários ao uso de CsA: 0,5 a 35% dos doentes Tremor, parestesias, paralisias, confusão, letargia, depressão, ansiedade, insônia, alucinações, convulsões, afasia, mutismo. Cefaléia é uma queixa comum e pode chegar a simular migrânia e encefalopatia hipertensiva. Verificar queixas de alteração visual!

Pseudotumor Cerebral Diagnóstico: Exames de neuroimagem(rm) não revelam massas, ventriculomegalia ou alterações estruturais. Venografia por ressonância magnética pode ser realizada para excluir trombose venosa cerebral. Punção liquórica é crucial: celularidade e bioquímica normais. Pressão liquórica elevada > 200mmH2O.

Pseudotumor Cerebral Tratamento: Diminuição ou substituição da ciclosporina (melhora da acuidade visual e diminuição da pressão intracraniana após alguns meses). Se a manutenção do enxerto renal não puder ser conseguida sem a utilização desse imunossupressor, pode-se realizar fenestrações na bainha do nervo óptico, evitando assim perda visual. Inibidores da anidrase carbônica, desde que a função renal do paciente permita.

Referências Costa i KMAH, José, Almeida ii B, Fé RHM, Lix iii, Maurí, et al. Pseudotumor cerebral associado ao uso de ciclosporina após transplante renal. J. Bras. Nefrol.. 2010;32(1):138-141

Obrigada!