UTILIZAÇÃO DA FIBRA NA NUTRIÇÃO DE CÃES

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1 BOLETIM TÉCNICO UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS UTILIZAÇÃO DA FIBRA NA NUTRIÇÃO DE CÃES Boletim Agropecuário - n.º 70 - p. 1-13 - dez/2006 Lavras/MG GOVERNO DO BRASIL

2 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS MINISTRO: Fernando Haddad REITOR: Antonio Nazareno Guimarães Mendes VICE-REITOR: Ricardo Pereira Reis Diretoria Executiva: Marco Antônio Rezende Alvarenga (Diretor), Renato Paiva, Elias Tadeu Fialho Conselho Editorial: Marco Antônio Rezende Alvarenga (Presidente), Amauri Alves de Alvarenga, Carlos Alberto Silva, Cláudia Maria Ribeiro, Elias Tadeu Fialho, Luiz Carlos de Oliveira Lima, Renato Paiva. Comissão Editorial Responsável Pela Análise e Avaliação: Elias Tadeu Fialho (Presidente), José Cleto da Silva Filho e Antônio Gilberto Bertechini (membros). Secretária: Cláudia Alves Pereira Estevam Revisão de Texto: Amanda Jackeline Santos Silva Editoração Eletrônica: Luciana Carvalho Costa, Alézia C. Modesto Ribeiro, Christyane A. Caetano Impressão: Gráfica/UFLA Marketing e Comercialização: Maria Aparecida Torres Florentino EDITORA ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: EDITORA UFLA - Caixa Postal 3037-37200-000 - Lavras, MG. Telefax: (35) 3829-1532 Fone: (35) 3829-1115 E-mail: editora@ufla.br

3 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO... 05 2. CLASSIFICAÇÃO... 06 2.1. FIBRAS HIDROSSOLÚVEIS... 06 2.1.1. Definição... 06 2.1.2. Efeitos e benefícios sobre a flora intestinal... 06 2.1.3. Efeito sobre as fezes... 07 2.2. FIBRAS NÃO HIDROSSOLÚVEIS... 08 2.2.1. Definição... 08 2.2.2. Efeitos e benefícios sobre a flora intestinal... 08 2.2.3. Efeito sobre as fezes... 08 3. FERMENTABILIDADE... 08 4. EFEITO SOBRE A DISPONIBILIDADE DE MINERAIS... 09 5. EFEITO SOBRE O METABOLISMO DO NITROGÊNIO... 09 6. EFEITOS BENÉFICOS DE ALGUMAS FIBRAS SOBRE A SAÚDE INTESTINAL... 10 7. RECOMENDAÇÕES... 11 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 11 9. REFEREFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 11

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UTILIZAÇÃO DA FIBRA NA NUTRIÇÃO DE CÃES 5 Natália Charleaux Roque 1 Vivian de Aro José 1 Adriana Augusto Aquino 2 Mariana Pereira Alves 3 Flávia Maria de Oliveira Borges Saad 4 1. INTRODUÇÃO A fibra pode ser definida como um carboidrato estrutural (constituído por polissacarídeos e lignina) não hidrolisado pelas enzimas do trato digestivo de animais superiores, devido à presença de ligações do tipo ß entre suas moléculas de glicose (BORGES & FERREIRA, 2004). Antigamente sua importância para animais monogástricos era questionada, já que não se conhecia nenhum papel direto como nutriente. Acreditava-se que possuía função apenas na formação do bolo fecal e na manutenção do trânsito no trato gastrointestinal, promovendo o aumento do peristaltismo, diluição da energia e a diminuição da digestibilidade dos nutrientes. Por esse motivo, era considerada substância inerte nas rações de carnívoros e onívoros, e sua determinação em alimentos tinha apenas o objetivo de estabelecer a caracterização (VAN SOEST, 1994) e o limite máximo de inclusão de ingredientes, sem que se tivesse chegado à concentração que otimizasse o consumo energético (MERTENS, 1992). Pensando em como a fibra hoje é classificada, a idéia da diluição da energia e diminuição da digestibilidade dos nutrientes não está totalmente errada, já que um excesso de fibra indigestível poderia causar esses efeitos. No entanto, o conceito e a importância da fibra têm sido repensados e ações benéficas, tais como a produção dos ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e a prevenção de câncer pela menor permanência de alimento no cólon passaram a ser consideradas. Além disso, em algumas situações (como a obesidade), a redução na absorção e digestibilidade pode ser desejável. 1 Aluna de graduação em Zootecnia do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Lavras/UFLA Cx. P. 3037 37200-000 Lavras/MG nacharleaux@yahoo.com.br 2 Aluna de Pós-graduação em Zootecnia do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Lavras/UFLA Cx. P. 37200-000 Lavras/MG. 3 Zootecnista 4 Professora do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Lavras/UFLA.

6 Objetivou-se com esta revisão descrever os novos conceitos e os tipos de fibra disponíveis, apontando os seus principais efeitos sobre a saúde dos cães. 2. CLASSIFICAÇÃO De acordo com Guillon & Champ (2000), o conceito do termo fibra é amplo e refere-se a uma grande quantidade de substâncias. Estas possuem em comum apenas o fato de não sofrerem digestão pelas enzimas endógenas e a possibilidade de serem fermentadas pela microbiota de mamíferos e aves. No entanto, podem exibir propriedades diferenciadas de acordo com sua fonte, processamento, solubilidade e transformações no trato gastrointestinal (MONRO, 2000). A variação em relação à hidrossolubilidade, viscosidade, capacidade de reter água, e ligação a minerais e moléculas orgânicas faz com que atualmente, a fibra seja dividida em vários tipos. Assim podem ser distingüidas como hidrossolúveis ou não hidrossolúveis e de fermentabilidade alta, moderada ou baixa (BORGES & FERREIRA, 2004; CASE et al., 1998). As diferenças na solubilidade e fermentabilidade das fibras conferem a elas diferentes benefícios fisiológicos e aplicações (BORGES et al. 2003). 2.1. FIBRAS HIDROSSOLÚVEIS 2.1.1. Definição São constituídas pelos polissacarídeos não amiláceos solúveis em água, como, por exemplo, as pectinas das frutas e os arabinoxilanos do arroz (BORGES & FERREIRA, 2004). 2.1.2. Efeitos e benefícios sobre a flora intestinal Normalmente, as fibras solúveis são fermentáveis, viscosas e gelificantes o que lhes confere uma série de benefícios fisiológicos, tais como: retardamento do esvaziamento gástrico e do trânsito no intestino delgado, modulação da motilidade gastrintestinal, efeitos brandos no aumento da massa, volume e consistência das fezes, redução da diarréia pelo aumento na absorção de água, promoção no desenvolvimento da mucosa do íleo e do cólon, fornecimento de energia à mucosa intestinal, diminuição do ph do cólon, aumento da proteção contra infecção (função

7 de barreira, imunidade), aumento na tolerância à glicose (BORGES et al., 2003), adsorção de ácidos biliares e possível repercussão sobre a absorção e na deposição de gordura (ZHAO et al., 1995) e diminuição da concentração sérica do colesterol (KRITCHEVSKY, 1997). Dessa forma, podem ser utilizadas no controle de determinadas patologias como a obesidade e a diabetes. Durante sua passagem pelo trato gastrointestinal ocorre a formação dos ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), obtidos por meio da fermentação da fibra solúvel no cólon. Estas contribuem como fonte de energia para o epitélio intestinal (FERREIRA, 1994), reduzindo os níveis intestinais de amônia e outras substâncias tóxicas e facilitando a defecação e a taxa de passagem da digesta pelo trato gastrointestinal. Através desse fornecimento de energia, o epitélio intestinal tem maior desenvolvimento, aumentando sua superfície de absorção de nutrientes. O fornecimento de energia para colonócitos e enterócitos, causa a proliferação das células epiteliais (SAKATA, 1987), e é conseguido através da fermentação da fibra que ocorre no cólon dando origem, além de outros produtos, ao butirato. O butirato é absorvido pelas células do cólon e utilizado como energia prontamente disponível por essas células. Sua absorção é acoplada à reabsorção de sódio e água, e pode, assim, proporcionar um efeito antidiarréico. Isso é apoiado por evidências obtidas em ratos desnutridos, em que a ausência de produção de butirato induziu a diarréia de inanição porque a reabsorção de água e sódio foi diminuída. A alimentação dos enterócitos e colonócitos pelos AGV conduz a uma hipertrofia da mucosa intestinal, aumento de seus peso e superfície, o que otimiza a digestibilidade dos nutrientes por uma expansão da sua superfície de absorção. Animais recebendo fibras moderadamente fermentáveis apresentaram um aumento do tamanho do cólon, maior área de superfície e hipertrofia da mucosa, quando comparados com animais recebendo fibra não fermentável (BORGES et al., 2003). No caso da fermentação da fibra solúvel, é importante atentar para outro efeito benéfico que é a acidificação no cólon, que evita a proliferação excessiva de bactérias indesejáveis, como, por exemplo, clostrídeos (BORGES & FERREIRA, 2004). 2.1.3. efeitos sobre as fezes Sua capacidade higroscópica aumenta a viscosidade do bolo fecal, causando diminuição da taxa de esvaziamento gástrico, saciedade e impacto sobre a ingestão de alimentos.

8 2.2. FIBRAS NÃO HIDROSSOLÚVEIS 2.2.1. Definição Caracterizam-se por PNAs insolúveis em água e, neste grupo, incluem-se celulose, hemicelulose e lignina (BORGES & FERREIRA, 2004). 2.2.2. Efeitos e benefícios sobre a flora intestinal Em geral, as fibras insolúveis são pouco fermentáveis e não viscosas, sendo eliminadas praticamente na sua forma intacta. Tem a capacidade de reter água aumentando a massa fecal, o peso das fezes e devido a sua consistência estimula o peristaltismo, através da ação agressiva que provoca na musculatura da parede intestinal (BORGES et al., 2003). Por essas características, provocam o aumento da velocidade de passagem da digesta e da motilidade, diminuindo a constipação, e a absorção de nutrientes. O trânsito mais acelerado está associado à diminuição do ph, aumentando a quantidade de substratos que chega ao cólon (GUILLON & CHAMP, 2000). Além disso, promovem o desenvolvimento das mucosas do íleo e do cólon, conferindo maior proteção contra infecções (BORGES & FERREIRA, 2004). No entanto, a ação dos microorganismos sobre essas fibras presentes no intestino delgado pode atuar como barreira física à atuação de enzimas digestivas sobre o conteúdo interno das células (amidos, açúcares) diminuindo a absorção e a digestão dos nutrientes. (VANDEROOF, 1998). A diluição da energia provocada pelo acréscimo desse tipo de fibra na dieta leva a um aumento compensatório no consumo para que se atinjam os níveis energéticos exigidos para o crescimento, manutenção e produção (WARPECHOWSKY, 1996). 2.2.3. Efeitos sobre as fezes A fração da fibra insolúvel aumenta o volume das fezes e o peso, já que retém água e é excretada praticamente intacta. 3. FERMENTABILIDADE Além do conceito de hidrossolubilidade, a fermentabilidade é um fator importante a ser considerado no estudo das fibras.

9 Segundo Sunvold et al. (1995), a fibra muito fermentável pode causar transtornos digestivos (grande produção de gases), além do aumento da concentração de AGCC causando extravasamento de líquido para o lúmen intestinal, resultando em diarréia. Como exemplos deste tipo de fibra, podem ser citadas a pectina e a goma guar. A fibra moderadamente fermentável tem o efeito dos outros dois tipos de fibra, que são a não fermentável e a de alta fermentabilidade. Ela fornece energia às células que revestem o intestino e também forma uma massa removendo os resíduos. Pertencem a esse grupo a polpa de beterraba e o farelo de arroz (CASE et al., 1998). Já as fibras pouco fermentáveis, como a celulose, retêm água e aumentam o volume das fezes, diminuindo o tempo de trânsito. Em excesso, devido à ação agressiva sobre a mucosa intestinal, diminuindo a altura de vilosidade, podendo levar a um decréscimo importante na absorção de nutrientes e à ocorrência de criptites e inflamação das microvilosidades do cólon (CASE et al., 1998). 4. EFEITO SOBRE A DISPONIBILIDADE DE MINERAIS A fibra também tem efeito sobre a disponibilidade dos minerais para cães. Isto porque a ingestão contínua de componentes da parede celular de vegetais causa alterações na absorção intestinal destes nutrientes devido à formação de fitatos, que os indisponibiliza, e ao aumento na taxa de passagem. Como consequência podem ocorrer problemas de pele, pelagem e unhas. Um único estudo foi realizado para investigar o efeito da inclusão de fibra solúvel (pectina) em cães. Tal inclusão ocasionou a diminuição na absorção de ferro (FERNANDEZ e PHILLIPS, 1982). Segundo Malafaia et al. (2002), à medida que o consumo de matéria seca diminui e a ingestão de fibra aumenta, a digestibilidade aparente do cálcio, fósforo, magnésio, sódio, zinco, ferro e cobre também aumentam. Entretanto, o coeficiente de digestiblidade do manganês diminui à medida que o consumo de fibra aumenta e o potássio não sofre alteração em função do nível de fibra na dieta. 5. EFEITO SOBRE O METABOLISMO DE NITROGÊNIO Os padrões de excreção e o balanço geral de nitrogênio, bem como o volume das fezes depende do tipo de fibra que atinge o intestino grosso (CASE et al., 1998).

10 A fibra solúvel aumenta a excreção do nitrogênio microbiano e, a insolúvel, por apresentar baixa digestibilidade e aumentar a excreção de parede celular ligada à proteína, gera maior volume das fezes, de excreção do nitrogênio, assim como aumenta a quantidade de substratos exógenos e endógenos (BORGES & FERREIRA, 2004). 6. EFEITOS BENÉFICOS DE ALGUMAS FIBRAS SOBRE A SAÚDE INTESTINAL A microbiota intestinal exerce um papel importante tanto na saúde quanto na doença do animal e seu equilíbrio pode ser assegurado pela suplementação de prebióticos (SAAD, 2006). Os prebióticos são carboidratos não-digeríveis, que afetam beneficamente o hospedeiro, por estimularem seletivamente a proliferação e/ou atividade de populações de bactérias desejáveis no cólon, pois essas têm a capacidade de fermentar esses carboidratos, que são fornecidos através da inulina e diversos oligossacarídeos. Assim como ocorre no caso de outras fibras da dieta, prebióticos como a inulina e a oligofrutose, são resistentes à digestão na parte superior do trato intestinal, sendo subseqüentemente fermentados no cólon. Eles exercem um efeito de aumento de volume, como conseqüência do aumento da biomassa microbiana que resulta de sua fermentação, bem como promovem um aumento na freqüência de evacuações, efeitos estes que confirmam a sua classificação no conceito atual de fibras da dieta. Quando adicionados como ingredientes funcionais a produtos alimentícios normais, prebióticos típicos, modulam a composição da microbiota intestinal, e exercem um papel primordial na fisiologia gastrintestinal (ROBERFROID, 2002). Essa modulação leva a um predomínio da população de bifidobactérias (KAUR & GUPTA, 2002). A maioria dos dados da literatura sobre efeitos prebióticos relaciona-se aos fruto-oligossacarídeos (FOS) e à inulina. Um exemplo de fonte de oligofrutose é a chicória, largamente utilizada em pó nas rações de cães (KUCH, 2002). Os prebióticos exercem um efeito osmótico no trato gastrintestinal, enquanto não são fermentados. Quando fermentados pela microbiota endógena aumentam a produção de gás. Portanto, devido ao seu efeito osmótico, os prebióticos podem, em alguns casos, causar a diarréia, como, por exemplo, nos pacientes

11 portadores da síndrome do intestino irritável. Entretanto, a tolerância às doses baixas de prebióticos é geralmente excelente (BORGES et al., 2003). 7. RECOMENDAÇÕES Para cães, o NRC (1985) não cita níveis mínimos de fibra e quais suas limitações. Já a sua edição mais atual (2006), embora não apresente recomendações sobre o uso desses compostos, faz uma extensa revisão sobre o assunto. A maior parte dos alimentos comerciais apresenta um teor de fibra compreendido entre 1 e 4 % da matéria seca, com exceção dos produtos com finalidade terapêutica (BORGES & FERREIRA, 2004). Segundo Hussein (2003), altos níveis de fibra (5 a 25% da MS) podem ser incluídos em dietas para cães obesos e em dietas para animais saudáveis com peso dentro do padrão, quando os mesmos recebem alimento à vontade. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em vista de todos os trabalhos e revisões publicadas sobre o assunto, a necessidade da fibra dietética para cães é mais do que necessária para a manutenção da saúde do trato gastrointestinal desses, além da prevenção de doenças, como o câncer de cólon. Atualmente, esses conceitos estão sendo colocados em prática e já existem alimentos comerciais para essa espécie dentro dos parâmetros estudados. Apesar de serem poucos, o número de nutricionistas que se conscientizam da importância do fornecimento dos níveis e tipos de fibras para cães, é cada vez maior. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BORGES, F. M. O; FERREIRA, W.M. Princípios nutritivos e exigências nutricionais de cães e gatos: parte I - energia, proteína, carboidratos e lipídeos/ Lavras: UFLA/FAEPE, 2004. BORGES, F.M; SALGARELLO, R.M; GURIAN, T.M. Recentes avanços na nutrição de cães e gatos. In: III Simpósio sobre nutrição de animais de estimação- Colégio Brasileiro de Alimentação Animal, p. 21-60. 2003.

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