CAPILARIDADE SOCIAL PROGRESSIVA NO SISTEMA DE GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS Darci Kops* O presente artigo sugere a capilaridade social progressiva como um paradigma capaz de flexibilizar, e oxigenizar, o sistema de recursos humanos das empresas na sua estrutura e funcionamento, especialmente, o subsistema de cargos e os planos de desenvolvimento de carreira, bem como, no subsistema promocional por desempenho, na medida em que admite fluxos, e ritos de passagem, entre os diferentes níveis do sistema de cargos. A capilaridade social progressiva tem como pressupostos, a mobilidade, a flexibilidade e a ascensão profissional dentro da pirâmide social das organizações. O caso da estandardização genética do Admirável Mundo Novo Em 1932, Aldous Huxley surgiu com o livro Admirável Mundo Novo, no qual protagoniza a fábula de uma provável sociedade do futuro, traz uma visão estandardizada da estrutura social. Huxley preconiza uma sociedade em que os seres humanos se diferenciam em razão de uma estandardização genética. A referida estandardização genética concorre para diferentes tipologias: - Os Alphas: dotados de maior inteligência com o potencial de liderança e exercício do poder. - Os Betas - Os Gamas - Os Deltas - Os Ípsilons: os menos inteligentes, demasiado broncos para saberem ler e escrever. Todos os homens são físico-quimicamente iguais. Além disso, até mesmo os Ípsilons prestam serviços indispensáveis: Cada um trabalha para todos. Não podemos prescindir de ninguém. Até os Ípsilons são úteis. Não poderíamos passar sem os Ípsilons. Cada um trabalha para todos. Não podemos prescindir de ninguém... Os indivíduos eram gerados numa série de frascos (provetas), originários de óvulos de acordo com as castas a que pertenciam, e sofriam desde o começo da vida uma espécie de separação biológica por classes. Em síntese, uma sociedade homogênea, composta por pessoas despersonalizadas.
A estandardização genética, postada na ficção de Huxley, que se caracteriza por uma matriz de capilaridade social zero, é um paradoxo dentro de uma concepção de desenvolvimento do potencial humano, porquanto retira toda e qualquer possibilidade de ruptura da referida matriz, e de forma reducionista, consagra um crasso determinismo social. O risco que se oferece, seja na construção de uma matriz de plano de cargos, e/ou, seja na construção de uma matriz promocional dos recursos humanos, atrelada à antiguidade e/ou à meritocracia, é o de se consagrar e de se institucionalizar, de forma deliberada ou não, um sistema de capilaridade social zero. Da mesma forma, o risco também se oferece quando na definição da matriz de seleção de recursos humanos. Selecionar, referendado na denominada estandardização genética, seria um pecado capital no processo de gestão de pessoas. A questão da estrutura social nas organizações Um mínimo de estrutura social se preconiza em todo e qualquer grupo social. A estrutura social compreende a configuração mínima de organização interna de qualquer grupo social. A estrutura social é definida, em boa parte, por regras consensuais que traduzem um grau de congruência na convivência social. No mínimo, o que se espera, é que essa denominada estrutura social, por mais piramidal que seja, traduza graus de dignidade humana, de inteligência, de sanidade físico-mental, de humanização, de responsabilidade social. O plano de carreira, e o plano de promoções profissionais, compõem, entre outros, a estrutura social das organizações, podendo se caracterizar como matrizes geradoras de sofrimento ou de bem-estar social e agregadora de auto-estima. Admite-se a estrutura social das organizações como modelo de heteronomia social, mas, se requer inteligência, consistência interna e clarividência do referido modelo, e, ao mesmo tempo, capilaridade social progressiva no sistema, abrindo, com isso, perspectivas pessoais e um truísmo motivacional de progressão social e profissional. A capilaridade social progressiva torna-se recorrente na medida em que concilia graus avançados de heteronomia social com graus avançados de autonomia social. A autonomia social, dentro de uma estrutura social, é importante, pois, admite movimentos próprios do indivíduo visando à progressiva capilaridade social programada do sistema. A capacitação, bem como, o desempenho diferenciado, são fatores recorrentes necessários, e que não podem ser simplesmente anulados pela estrutura social como fatores concorrentes para uma saudável capilaridade social progressiva. A questão das expectativas e a capilaridade social
As expectativas são carreadas de teor motivacional. Vromm (1964), na sua obra Work and Motivation, criou a teoria da expectativa, segundo a qual, a energia do indivíduo traduzida em esforço/desempenho/produtividade está na razão direta das expectativas de resultados seqüenciais decorrentes. Segundo Robbins (2002, p. 167), a teoria da expectativa enfoca três relações: 1) a relação esforço-desempenho; 2) a relação desempenho-recompensa; 3) a relação recompensa-meta pessoal. Vale dizer, por analogia, que o indivíduo quando ingressa na estrutura e pirâmide social de uma organização, levanta expectativas de migração interna, tanto horizontal como vertical, significando crescimento, desenvolvimento e promoção em razão de um portfólio de competências alinhadas com os propósitos organizacionais, e de um desempenho tipificado e diferenciado. Um cenário diferente redundaria em frustração de expectativas, e a decorrente desmotivação pessoal e profissional. A progressão na carreira é uma expectativa forte em qualquer profissional. Todavia, essa expectativa se torna muito forte, numa linha de tempo, entre os 3º e 40 anos de idade. Kops (1980, p. 90), reportando-se à variável promoção, afirma que tudo quanto acontece a uma pessoa, lhe afeta. Os fatos concretos das vidas a promoção é um deles são chamados por Sheehy (1980, p. 29) de acontecimentos balizadores. A referida autora, em outra passagem (p. 371) afirma que, na faixa etária dos 40 anos, a promoção já não basta como uma promessa. Agora, nessa faixa de idade, o homem deseja a concretização da promoção. Herzberg (1964, apud HAMPTON, 1973, p. 61) entende que para aqueles que não foram bem sucedidos em termos de promoção na organização, foi-lhes aplicado, durante 30 ou 40 anos, uma espécie de aposentadoria parcial. Variáveis inerentes de um sistema com capilaridade social progressiva Um sistema de gestão de pessoas, que contempla uma matriz de capilaridade social progressiva, necessita, no mínimo, responder aos anseios de ascensão e de promoção social na carreira profissional, considerando: - a ascensão progressiva de carreira a partir dos atributos de antiguidade e/ou de formação e de capacitação profissional; - a ascensão progressiva de carreira a partir de atributos de capacitação e desempenho profissional. Temos, então, variáveis inerentes a um processo e sistema de capilaridade social progressiva, vale citar: 1) a antiguidade; 2) a formação profissional; 3) a capacitação profissional; 4) o desempenho profissional; 5) o concurso público. Capilaridade Social Progressiva e a Matriz de Cargos
A Matriz de Cargos, na sua formatação, como ferramenta de gestão, poderá sufocar qualquer espécie de capilaridade social progressiva, ou contemplar, e possibilitar, capilaridades sociais amplas, cabendo citar: - a ascensão vertical na matriz de cargos que possibilita a passagem de níveis; - a ascensão horizontal na matriz do cargo que possibilita passagens de graus dentro do mesmo cargo. Atitudes face aos Modelos de Estagnação ou de Ascensão na Carreira Profissional As atitudes, no dizer de Kops (1980), traduzem uma predisposição favorável ou desfavorável diante de um modelo e matriz em vigência. As atitudes vão se formando na medida da convivência com o referido modelo e matriz. Se a matriz traduz um modelo de estagnação na carreira profissional, do tipo capilaridade social zero, naturalmente, irão se formando atitudes desfavoráveis ao modelo por parte daqueles que se encontram reféns ao mesmo no cotidiano organizacional. Por sua vez, se a matriz traduz um modelo de ascensão na carreira profissional, do tipo capilaridade social ampla, naturalmente, irão se formando atitudes favoráveis ao modelo por parte daqueles que se encontram vinculados ao mesmo no cotidiano organizacional. As atitudes assumem favorabilidade ou desfavorabilidade na razão direta da tipicidade da capilaridade social: 1) capilaridade social ampla; 2) capilaridade social zero. Mutualidade no desenvolvimento de carreira Qualquer desenvolvimento de carreira implica em capilaridade social progressiva na estrutura, social e piramidal, de uma organização. Admite-se mutualidade no processo quanto ao desenvolvimento de carreira. Robbins (2002, p. 472) reconhece a mutualidade de responsabilidades quando, distributivamente, remete responsabilidades tanto para a organização como para os colaboradores. No dizer desse autor, as responsabilidades da organização abrangem: 1) a comunicação clara das metas e das futuras estratégias da empresa; 2) criação de oportunidades de crescimento; 3) oferta de assistência financeira; 4) oferta de tempo para que os funcionários se eduquem. Por sua vez, as responsabilidades dos funcionários consistem: 1) conhecer-se a si mesmo; 2) administrar a reputação; 3) construir e manter contatos; 5) equilibrar suas competências especializadas e generalistas; 6) documentar suas realizações; 7) manter suas opções em aberto.
Check-list da capilaridade social no sistema de gestão de pessoas nas organizações O check-list, como ferramenta, permite, ao mesmo tempo, diagnosticar e verificar as práticas vigentes nas organizações, e, também, permitir reflexões sobre possíveis gaps, e melhorias cabíveis, nos processos e sistemas de gestão de pessoas. Do ponto de vista da organização: ( ) A organização contempla a capilaridade social progressiva no sistema de gestão de pessoas? ( ) A organização estimula seus colaboradores para ascensão de carreira? ( ) A organização incentiva seus colaboradores para a ascensão de carreira? ( ) A organização valoriza a antiguidade como forma de ascensão social na carreira? ( ) A organização utiliza a formação e a capacitação como formas de ascensão social na carreira? ( ) A organização utiliza o desempenho como forma de ascensão social na carreira? ( ) A organização pratica a capilaridade social zero? ( ) A organização pratica a capilaridade social ampla? ( ) A organização pratica a ascensão vertical e horizontal no desenvolvimento de carreiras? Do ponto de vista do colaborador: ( ) Existe vontade política do colaborador no sentido de ascender progressivamente na carreira? ( ) Existe esforço e persistência do colaborador no sentido de aprimorar sua formação e capacitação visando uma possível ascensão social progressiva de carreira? ( ) Existe esforço, dedicação e comprometimento do colaborador, traduzido em desempenho diferenciado, na perspectiva de uma ascensão progressiva de carreira? ( ) Existe disposição do colaborador em participar de concursos internos na perspectiva de uma possível ascensão social progressiva de carreira? ( ) Existem iniciativas no sentido de atualizar o portfólio de competências assegurando empresabilidade (KOPS, 2011) e ascensão social organizacional progressiva? O planejamento como processo fundamental para a capilaridade social progressiva Porquanto processo racional, o planejamento dispõe de várias ferramentas capazes de agregar valor à vida cotidiana das organizações e, inclusive, a interface indivíduo-organização. Não seria diferente no sistema de gestão de pessoas. O plano de cargos é uma ferramenta que pode contribuir, sensivelmente, na gestão de uma capilaridade social progressiva, na medida em que contempla, e admite progressão
vertical e horizontal ascendente, baseada em critérios que traduzem legitimidade, justiça, competência. Outra ferramenta de planejamento, porquanto processo racional, é o sistema de avaliação de desempenho que, por sua vez, também, traz inerente, o potencial de contemplar espaço para a capilaridade social progressiva, nas hipóteses de meritocracia (progressão por mérito) e de antiguidade (progressão por vínculo profissional de fidelização indivíduo-organização). Conclui-se que a capilaridade social progressiva, dentro do sistema de gestão de pessoas, é um paradigma possível de agregar valor na interface indivíduo-organização, mas, que depende de processos racionais, inteligentes, humanizados, sensíveis, justos, progressivos, capazes de suprir a mutualidade das expectativas de convivência social e organizacional. Referências bibliográficas: HAMPTON, David R. (comp.) Conceitos de comportamento na Administração. São Paulo: EPU, 1973. HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. São Paulo: Círculo do Livro, 1983 KOPS, Darci. As Atitudes dos Professores face ao Sistema de Avaliação de Desempenho. Dissertação de mestrado. Porto Alegre/RS: PUCRS, 1980. KOPS, Darci. Empregabilidade e Empresabilidade em Gestão de Pessoas. Artigo publicado on-line Artigonal.com, em 18/05/2011. ROBBINS, Stephen Paul. Comportamento Organizacional. 9 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002. SHEEHY, Gail. Passagens: crises previsíveis da vida adulta. 3 ed. RJ: Francisco Alves Editora, 1980. VROOM, V. H. (1964) in ROBBINS, Stephen Paul. Comportamento Organizacional. 9 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002. * Darci Kops, é professor universitário, consultor e assessor para assuntos de gestão de recursos humanos, gestão comportamental, gestão organizacional, e pedagogia empresarial. E-mail para contato: kopsdar@cpovo.net