1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 4ª CÂMARA CÍVEL Relator: Desembargador SIDNEY HARTUNG APELAÇÃO N.º 0011056-51.2002.8.19.0003 Apelantes (réus): GEORGINA MARIA PEREIRA e seu marido MANOEL RAIMUNDO Apelado (autor): BOATING CLUB DO BRASIL S/A TURISMO E EMPREENDIMENTOS D E C I S Ã O APELAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EXTINÇÃO DE COMODATO ESCRITO. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. RECUSA DOS DEMANDADOS EM PROCEDER À DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL. ESBULHO CARACTERIZADO. Sentença de procedência com a rescisão do contrato de comodato firmado entre as partes, e condenação dos réus ao pagamento de aluguel de R$300,00 (trezentos reais) por mês de retardamento na entrega do imóvel. Apelação dos demandados alegando a nulidade do decisum, e, quanto ao mérito, postulando A improcedência do pedido autoral. Ausência de amparo ao recurso. Precedentes a autorizar a aplicação do art. 557 caput DO CPC. NÃO SEGUIMENTO DO RECURSO. 1. Pretensão autoral visando à reintegração na posse do imóvel objeto de contrato de comodato firmado com os réus.
2 2. Sentença de procedência com a rescisão do contrato de comodato firmado entre as partes, condenando os réus no pagamento de aluguel de R$300,00 (trezentos reais) por mês de retardamento na entrega do imóvel. 3. Apelação interposta pelos demandados, pretendendo a anulação do julgado, e, quanto ao mérito, a improcedência do pedido autoral. 4. Inocorrência de cerceamento de defesa, porquanto desnecessária a produção de provas orais, sendo o Juiz, a teor do art. 130 do CPC, o destinatário direto da prova, por intermédio da qual forma livremente seu convencimento, de acordo com o sistema da persuasão racional, adotado por nosso Direito Processual Civil. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR. 5. Ação cujo objeto é a posse, matéria de fato, não sendo condição da ação possessória a prova da propriedade. Documentação apresentada pela parte autora que comprova sua legitimidade ativa. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR. 6. Ocorrendo a notificação dos réus para devolução do imóvel objeto do contrato de comodato, e não procedendo os comodatários à entrega voluntária do bem, caracterizase o esbulho a legitimar a reintegração do autor na posse do bem, com o arbitramento de algueres pelo tempo de retardo na entrega do imóvel, a teor do art. 582 do Código Civil. 7. Precedentes a autorizar o julgamento monocrático do recurso, com fulcro no art. 557 caput do CPC. NÃO SEGUIMENTO DO RECURSO.
3 Trata-se de Ação de Reintegração de Posse proposta por BOATING CLUB DO BRASIL S/A TURISMO E EMPREENDIMENTOS em face de GEORGINA MARIA PEREIRA e seu marido MANOEL RAIMUNDO, objetivando ser reintegrado na posse do imóvel situado na Fazenda da Longa, Ilha Grande, 6º Distrito de Angra dos Reis. Aduz, em apertada síntese, que é proprietário do referido imóvel e que, em relação ao mesmo, celebrou contrato de comodato com os réus, por prazo indeterminado, cujo instrumento se encontra a fls. 08-09. Ressalta que os réus vinham se utilizado gratuitamente do imóvel até que, em meados de março de 2002, a suplicante tomou ciência, através de seus prepostos que residem na Fazenda da Longa, que os comodatários, ora demandados, estavam planejando vender o imóvel que lhes fora cedido em comodato. Que, então, promoveu notificação, em 26/03/2002, visando à rescisão do comodato, assegurando aos comodatários o prazo de 90 (noventa) dias para desocupação voluntária, nos termos do contrato, ao cabo do qual (em 25/06/2002), no entanto, passou a caracterizar-se esbulho possessório, diante da permanência dos demandados no imóvel, inclusive com a fixação de placas de venda. Pretende a concessão de liminar inaudita altera pars, para expedição de mandado reintegratório, e, ao final, a procedência do pedido com a rescisão do comodato, tornando definitiva a liminar requerida, com a reintegração efetiva do autor na posse do imóvel. Pugna, ainda, pela condenação dos requeridos ao pagamento de aluguel mensal de R$300,00 (trezentos reais) por mês que retardarem a entrega do imóvel, nos termos da notificação e conforme previsto no ar.t 1252 do Código Civil, além da condenação dos mesmos em custas e honorários advocatícios. Junta as peças de fls. 05-19. Deferida a liminar a fls. 23. Adoto o relatório de fls. 233-234, acrescentando que a sentença de fls. 233-236 rejeitou a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam, juntando procedente o pedido, ante a demonstração do esbulho, confirmando a
4 liminar de fls. 23 (já cumprida, conforme fls. 42), decretando a rescisão do contrato de comodato firmado entre as partes, condenando os réus ao pagamento de aluguel de R$300,00 (trezentos reais) por mês de retardamento na entrega do imóvel. Condenou-os, ainda, em custas e honorários advocatícios, fixados estes em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ressalvada a incidência do art. 12 da Lei n.º 1.050/60. Recorre MANOEL RAIMUNDO, a fls. 244-259, arguindo, em preliminar, a nulidade da sentença, sustentando cerceamento de defesa, porquanto não lhe foi permitida produção de provas orais (testemunhal e depoimento pessoal do representante legal da empresa) para demonstrar a inocorrência de esbulho. Alude, também, à ilegitimidade ativa ad causam, sustentando usucapião. Pugna pela anulação da sentença, por ofensa ao princípio do devido processo legal e da ampla defesa. Argumenta que, em nenhum momento antes da sentença, o magistrado sinalizou que procederia ao julgamento antecipado da lide. Cita doutrina. Prequestiona a matéria. Pretende a anulação da sentença, ou, subsidiariamente, improcedência dos pedidos, com o reconhecimento da ilegitimidade ativa do apelado, além da condenação da recorrida em custas processuais e honorários de 20% (vinte por cento) em favor do CEJUR-DPGE. Recurso tempestivo e isento de preparo (fls. 260). Combate ao recurso conforme contrarrazões de fls. 263-279. É O RELATÓRIO. Inicialmente, destaca-se que a pretensão recursal do réu encontra-se em confronto com a jurisprudência predominante nesta E. Corte, pelo que incide, in casu, o disposto no art. 557, caput, do CPC, estando o Relator autorizado a, monocraticamente, apreciar o recurso. A hipótese versa sobre o pedido de reintegração de posse formulado pelo ora apelado, tendo o réu, ora apelante, recebido notificação
5 visando à rescisão do comodato, quedando-se inerte em desocupar o imóvel, o que só veio a ocorrer mediante cumprimento de mandado, consoante fls. 42. Argui o apelante, em preliminar, a nulidade da sentença, sustentando a ocorrência de cerceamento de defesa, porquanto não lhe foi permitida produção de provas orais com as quais pretendia demonstrar a inocorrência de esbulho. Saliente-se, por oportuno, que na forma do disposto no art. 130 do CPC, o juiz é o destinatário direto da prova, por intermédio da qual forma livremente seu convencimento, de acordo com o sistema da persuasão racional, adotado por nosso Direito Processual Civil. Neste sentido, entre outros, o seguinte julgado: CÍVEL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - IMÓVEL DADO EM COMODATO POR PARENTES DO PROPRIETÁRIO AOS RÉUS. RECALCITRÂNCIA DOS POSSUIDORES DIREITOS EM DEVOLVER O BEM - AUSÊNCIA DE POSSE AD USUCAPIONEM - ATOS DE MERA TOLERÂNCIA OU PERMISSÃO INCAPAZES DE INDUZIR A POSSE - ARTIGO 1.208 DO CÓDIGO CIVIL. Preliminar de cerceamento de defesa. Negativa de oitiva de uma das testemunhas indicadas pela recorrente. A necessidade de produção da prova requerida fica ao crivo do Magistrado, pois ele é o destinatário da prova. Condução da instrução do processo e indeferimento das diligências inúteis ou protelatórias que se insere no poder-dever do julgador. Inteligência dos termos dos artigos 125 e 130 da Lei Processual. Alegação de nulidade da sentença por falta de formulação, pelo autor, do pedido nela contemplado. A ausência de citação do dispositivo pertinente ou o nomen iures do instituto pretendido, não se revela como ausência de pedido. Compete ao Magistrado aplicar a lei regente à matéria, em observância ao princípio iura novit curia, conforme observado pelo E. STJ: "Esse
6 princípio impõe ao órgão julgador, na análise dos fundamentos jurídicos do pedido, aplicar a lei ao caso concreto independentemente de invocação da legislação pela parte interessada." Recurso manifestamente improcedente a que se nega seguimento com fulcro no artigo 557 do Código de Processo Civil. [TJRJ 7ª Câmara Cível Apelação Cível n.º 0338930-31.2008.8.19.0001 Relatora: Des. MARIA HENRIQUETA LOBO - Julgamento: 30/08/2012.] (Grifou-se) No caso em tela, a D. Magistrada a quo entendeu que as provas acostadas aos autos eram suficientes para o julgamento da causa, tendo proferido a sentença, julgando antecipadamente a lide. Realmente, mostra-se desnecessária a produção de outras provas, diante dos documentos já acostados aos autos, em se tratando de matéria possessória. REJEITA-SE, assim, A PRELIMINAR. Alude o recorrente, ainda, à ilegitimidade ativa ad causam, sustentando usucapião. Pugna pela anulação da sentença, por ofensa ao princípio do devido processo legal e da ampla defesa. Note-se, a este respeito, como bem salienta a D. Magistrada, que: (...) a ação é de posse, matéria de fato, e não é condição da ação possessória a prova da propriedade. Mesmo assim a documentação ofertada pela parte autora comprova que a sua posse é baseada no justo título e na boa fé, a qual somada a de seus antecessores já se transformou em posse centenária.
7 Assim, tendo em vista que a documentação apresentada pela parte autora que comprova legitimidade ativa, REJEITA-SE também a PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. Quanto ao mais, pretende o recorrente a improcedência dos pedidos autorais. No entanto, na hipótese em análise, a fls. 08-09, o autor apresenta contrato de comodato datado de 05/10/1987, com vigência por tempo indeterminado, no qual se ajusta que os comodatários e seus familiares se obrigam a desocupar o imóvel, quando solicitado pela comodante, em até 90 (noventa) dias, restituindo o imóvel em perfeito estado de conservação, higiene e habitabilidade. Ora, comprovada a notificação realizada, conforme fls. 11-13vº, datada de 26/03/2002, caberia aos réus a desocupação do imóvel em até 90 (noventa) dias, o que não ocorreu, caracterizando-se, assim, o esbulho, estando amparado o direito do autor, pelas provas constantes dos autos, bem como pelos dispositivos do art. 927 e seguintes do CPC. Confira-se jurisprudência sobre a matéria, in verbis: Contrato de comodato. Natureza. Forma expressa ou verbal. Extinção. Notificação. Recusa a devolução do imóvel. Esbulho. Reintegração de posse. O comodato é um contrato celebrado intuito personae, ou seja, em consideração à figura das partes que o pactuam. À medida que traduz um verdadeiro e desinteressado favorecimento pessoal, constitui, sempre, um ajuste temporário, quer por prazo expresso ou presumível (art. 581 do Código Civil), não admitindo a ordem jurídica a eternização de uma obrigação motivada por princípios superiores (benemerência e caridade) de quem empresta seu próprio imóvel a terceiros, sem exigir nada em troca. Precedentes do STJ. No comodato a posse é transmitida a título provisório, de modo que os
8 comodatários adquirem a posse precária, sendo obrigados a devolvê-la tão logo o comodante reclame a coisa de volta. De fato, com a notificação extrajudicial, extingue-se o comodato, transformando-se a posse anteriormente justa, em injusta, em virtude da recusa de devolução do imóvel após o transcurso do lapso temporal estipulado. No caso, com a morte do comodante, a posse e a propriedade do bem passam aos sucessores, que não estão obrigados a manter o comodato. Afinal, a utilização privativa de um bem integrante do espólio por um dos herdeiros só é possível mediante autorização do inventariante e, assim, a notificação feita, no caso vertente que foi feita pela inventariante, regularmente nomeada (fl. 11), põe termo ao comodato até então regular. A necessidade de retomada do imóvel caracteriza o esbulho, bem como os demais requisitos previstos no art. 927, do Código de Processo Civil, o que conduz à procedência da pretensão de reintegração de posse. Sentença mantida. Recurso a que se nega seguimento. [TJRJ 3ª Câmara Cível Apelação Cível n.º 0004945-29.2009.8.19.0028 Relator: Des. MARIO ASSIS GONCALVES - Julgamento: 20/12/2011.] (Grifou-se) Finalmente, no que tange à taxa de ocupação, também está devidamente amparado o direito do autor, ora apelado, consoante art. 582 do Código Civil, cujo teor é o seguinte: Art. 582. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante.
9 Assim, correta a sentença ao condenar o réu-apelante ao pagamento de R$300,00 (trezentos reais) a guisa de aluguel. Neste sentido, entre outros, o seguinte julgado: APELAÇÃO CÍVEL. Ação de Reintegração de Posse. Sentença de procedência do pedido inicial e de improcedência do pedido contraposto. Apelo da parte ré que não merece acolhimento. Preliminar de nulidade do decisum. Rejeição. Inexistência do alegado cerceamento de defesa. Prova oral pretendida desinfluente para o desate da controvérsia. Aplicação do art. 130 do CPC. Acervo probatório que revela o desdobramento da posse, em virtude da celebração de comodato verbal, por prazo indeterminado, sobre o imóvel objeto da ação. Denúncia do contrato. Notificação para desocupação voluntária. Desatendimento. Transmudação da posse justa em injusta pelo vício da precariedade. Inteligência do art. 1.200 do CC. Esbulho possessório configurado. Preenchimento dos requisitos insertos no art. 927 do CPC. Retomada do imóvel que se impõe. Termo inicial da taxa de ocupação que deve corresponder à data de exaurimento do prazo consignado na notificação judicial. Insucesso do pretendido direito de retenção e de indenização por benfeitorias, dada a ausência de produção de prova robusta apta a demonstrá-las. Manutenção do decisum. NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO ART. 557, CAPUT DO CPC. [TJRJ 2ª Câmara Cível Apelação Cível n.º 0014696-38.2009.8.19.0061 Des. LEILA MARIANO - Julgamento: 30/09/2011] (Grifou-se) Ocorrendo o rompimento do contrato, com a notificação, e não procedendo os comodatários à entrega voluntária do bem, caracteriza-se
10 o esbulho a legitimar a reintegração do autor na posse do bem, com o devido arbitramento de algueres pelo tempo de retardo na entrega do imóvel, a teor do art. 582 do Código Civil. Diante do exposto, com fulcro no art. 557 caput do CPC, NEGA-SE SEGUIMENTO ao presente recurso, mantendo-se a sentença, por seus próprios fundamentos, na forma regimental. Rio de Janeiro, 04/07/2013. SIDNEY HARTUNG, Desembargador Relator.