Solução quântica para o poço duplo quadrado unidimensional assimétrico

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Transcrição:

Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 3, n. 4, 4306 (010) www.sbfisica.org.br Solução quântica para o poço duplo quadrado unidimensional assimétrico (Solution for quantum well double asymmetric square unidimensional) K.H. Paulino 1, E. Drigo Filho 1, A.R. Pulici e R.M. Ricotta 3 1 Departamento de Física, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, SP, Brasil Centro Universitário de Votuporanga, Votuporanga, SP, Brasil 3 Faculdade de Tecnologia, São Paulo, SP, Brasil Recebido em 7/7/009; Aceito em 1/01/010; Publicado em 8//011 Poços de potenciais quadrados têm sido bastante explorados, tanto do ponto de vista de aplicação como introdução didática à mecânica quântica. Existem bem poucos potenciais desse tipo que são tratados analiticamente na literatura, embora várias geometrias envolvendo esses poços de potenciais possam ser construídas. Nesse trabalho estudamos o poço duplo quadrado unidimensional assimétrico que possui potencial para uma variedade de aplicações, por exemplo, o aprisionamento atômico devido à diferença de profundidades entre poços vizinhos. As funções de onda e autovalores de energia são determinados explicitamente para um caso ressonante e outro não ressonante. Palavras-chave: poço duplo quadrado unidimensional assimétrico, equação de Schrödinger, autovalores de energia. Square potential wells have been extensively explored, both in terms of application and teaching introduction to quantum mechanics. There are very few such potential who are treated analytically in the literature, although various geometries involving these potential wells study the Double Square Well Asymmetric Unidimensional that has potential for a variety of applications, for example, the atomic trapping due to the difference in depths between neighboring wells. The wave functions and energy eigenvalues are determined explicitly for a resonant case and others not resonant. Keywords: double square well asymmetric unidimensional, Schrödinger equation, energy eigenvalues. 1. Introdução Os poços de potenciais podem ser construídos de várias formas (vide, por exemplo, Refs. 1-10). Devido às suas aplicações 11-13, esses potenciais são bastante estudados em mecânica quântica podendo simular sistemas físicos, químicos e biológicos. A simplicidade matemática desses sistemas permite, em muitos casos, um tratamento formal completo da equação de Schrödinger. Esse tratamento envolve a determinação dos autovalores, em termos de uma fórmula fechada ou através de uma equação transcendental, e das autofunções, escritas em termos de funções elementares. 1 E-mail: karepaulino@hotmail.com. O poço quadrado mais simples de ser estudado é o poço quadrado infinito, no qual todos os estados estão ligados. Outro tipo de poço, o poço quadrado finito, pode servir como um modelo simples de um elétron confinado em uma placa metálica se deslocando perpendicularmente à superfície. Neste caso o elétron pode se mover livremente no interior do metal, mas terá de escalar uma barreira de potencial para escapar da superfície 1. A equação de Schrödinger para estes poços é facilmente resolvida e suas soluções podem ser encontradas em livros básicos de mecânica quântica 1-6 fazendo parte do conteúdo programático dos cursos iniciais dessa disciplina. As aplicações dos poços de potenciais são diversas, abrangendo vários ramos da física. Classicamente, o enovelamento de proteínas pode ser estudado considerando a difusão unidimensional em um potencial composto de vários poços quadrados, sendo que as barreiras de potencial representam as espécies intermediárias do enovelamento 11. Poços quadrados biestáveis infinitos com assimetria na largura dos poços têm sido explorados na literatura para discutir níveis de energia com curvatura zero 1 e para comparar Copyright by the Sociedade Brasileira de Física. Printed in Brazil.

4306- Paulino et al. distribuições de probabilidades clássica e quântica 13. Um aspecto importante a ser destacado é que os poços quadrados, principalmente aqueles envolvendo dois mínimos (biestáveis), permitem cálculos exatos de tempo de tunelamento. O tunelamento é um fenômeno quântico bastante importante que está em conexão com barreiras de energia potencial 7. Ele é usado para explicar o movimento de prótons em ligações de hidrogênio 7, a inversão intramolecular da amônia 7 e a transferência de elétrons em proteínas 8. Poços de potenciais quadráticos biestáveis podem ser classificados como simétricos 9 ou assimétricos. Poços duplos simétricos são aqueles em que os dois poços têm mesma largura, profundidade e barreiras. Nos poços assimétricos, pelo menos um desses parâmetros é diferente. Os casos em que estamos interessados são aqueles em que apenas as profundidades dos dois poços, que formam o poço duplo assimétrico, são diferentes. Esse tipo de poço duplo quadrado assimétrico unidimensional possibilita o aprisionamento de uma partícula, devido à diferença de profundidade dos dois poços. Observando que os resultados encontrados na literatura não contemplam a solução de um poço duplo quadrado e assimétrico com relação à profundidade dos poços, o objetivo deste trabalho é utilizar a equação de Schrödinger independente do tempo para estudar um poço duplo quadrado unidimensional assimétrico, determinando as autofunções e os autovalores. A análise do sistema sugerido permite aprofundar a discussão sobre sistemas quânticos tanto no aspecto formal, uma vez que é possível obter soluções exatas, quanto conceitual, permitindo a introdução do tunelamento quântico, por exemplo. Nesse tipo de problema duas situações distintas podem ocorrer. Em primeiro lugar, considerando os poços individuais, é possível que dois níveis de energia coincidam, esse caso é chamado de ressonante. Por outro lado, os níveis dos poços individuais podem não coincidir, o que leva ao caso não ressonante. Essa distinção é muito útil em estudos de tunelamento 10, sendo que quando os estados são ressonantes a probabilidade de tunelamento é muito maior que aquelas dos casos onde não há ressonância (vide, por exemplo, Ref. 7 para discussão sobre o assunto). Esse trabalho está dividido em seções, sendo que na seção é indicada a solução analítica para o poço duplo quadrado unidimensional simétrico. Essa solução é usada como teste posterior para as soluções do problema assimétrico. Os cálculos envolvidos nessa seção não são apresentados em detalhes uma vez que eles podem ser obtidos na referência 9, por exemplo. Na seção 3 é determinada a solução para o poço assimétrico. Na seção 4, é indicado como obter a solução do problema simétrico partindo da solução encontrada do poço assimétrico. Isso é obtido fazendo a profundidade dos poços convergirem para um mesmo valor. Como exemplo, soluções numéricas, obtidas fixando os parâmetros do potencial, são determinadas na seção 5. Por fim, na seção 6 são colocadas as conclusões do trabalho.. Poço duplo quadrado unidimensional simétrico Um poço duplo quadrado pode ser considerado como a soma de dois poços simples com barreira infinita em um lado e no outro um potencial finito (V 0 ), unidos por este potencial, ficando as barreiras infinitas nos extremos. Caso os poços simples possuam as mesmas alturas e larguras o resultado da junção dos dois consiste em um poço simétrico conforme mostrado na Fig. 1. Nessa figura observamos que a é a largura do cada poço e L a distância entre o centro de cada poço ao outro. O poço duplo quadrado unidimensional simétrico Vs (x) possui cinco diferentes regiões como indicado na Fig. 1. A região III consiste numa barreira de potencial V 0 que separa os poços mais profundos das regiões II e IV, onde o potencial é considerado nulo. Nas regiões I e V, o potencial é infinito. A expressão para o potencial V S pode ser escrita da seguinte forma V s (x) = x < (L a) V s (x) = 0 < x < (L a) (L a) V s (x) = V 0 < x < (L a) V s (x) = 0 < x < V s (x) = x > (I) (II) (III) (IV) (V) (1) Figura 1 - Representação do poço duplo quadrado unidimensional simétrico. Os autovalores de energia para esse caso simétrico são obtidos resolvendo as equações transcendentais que surgem da resolução da equação de Schrödinger independente do tempo aplicando a continuidade da função de onda e da sua derivada em todas as regiões. Dois casos típicos devem ser analisados, a saber: (i) a energia do sistema menor que V 0 e (ii) maior que V 0. Esses resultados são obtidos na Ref. 9 e são apenas indicados aqui para comparação com o caso assimétrico.

Solução quântica para o poço duplo quadrado unidimensional assimétrico 4306-3 As equações transcendentais para a energia total menor que a barreira de potencial são tan(ka) = 1 k β tan(ka) = 1 k β tanh β(l a) coth β(l a) () (3) em que k e β são parâmetros relacionados com a energia: k = me e β = m(v0 E). Quando se está interessado em estudar o caso em que a energia total é maior que a barreira de potencial V 0, então as equações transcendentais são ( ) L a k cot ka = β cot β (4) β (L a) β tan = k cot(ka) (5) 3. Poço duplo quadrado unidimensional assimétrico O poço duplo quadrado unidimensional assimétrico pode ser considerado como a junção de dois poços simples com profundidades distintas V 0 e V 1 (V 1 > V 0 ) como indicado na Fig.. Nesta figura existem cinco regiões indicadas, onde a barreira de potencial V 0 está situada à esquerda da região III e a outra de potencial V 1 localizada à direita. Esta região separa os poços da região II e IV. O potencial na região II é V 1 V 0 e na região IV é nulo. Nas regiões I e V o potencial é infinito. sendo que k = me e β = m(e V 0). Resolvendo as equações transcendentais obtidas acima, numérica ou graficamente, é possível obter os autovalores de energia uma vez que a dependência de k e β com a energia é conhecida. Figura - Representação do V as (x) no poço duplo quadrado unidimensional assimétrico. O potencial assimétrico, V as (x), como descrito acima e indicado na Fig., pode ser escrito por V as (x) = x > (I e V) (L a) V as (x) = (V 1 V 0 ) < x < (II) (L a) (L a) V as (x) = V 1 < x < (III) (L a) V as (x) = 0 < x < (IV) Uma vez que a função de onda é zero nas regiões I e V, a equação de Schrödinger independente do tempo é aplicada nas regiões II, III e IV Região II: Região III: Região IV: d m dx Ψ (x) + V 1Ψ (x) V 0 Ψ (x) = EΨ (x), (7) d m dx Ψ (x) + V 1Ψ (x) = EΨ (x), (8) d Ψ (x) = EΨ (x), (9) m dx O processo para obtenção das soluções da equação de Schrödinger para esse potencial é semelhante ao realizado para o poço simétrico (seção ). Assim, os mesmos passos para a obtenção da solução devem ser seguidos. Entretanto, algumas diferenças devem ser ressaltadas, a principal delas é que podemos identificar, dependendo da energia da partícula, três casos distintos para o poço assimétrico. O primeiro ocorre quando a energia é menor que V 1 V 0 0 < E < V 1 V 0, nesse caso há apenas possibilidade de ocorrer níveis de energia no poço mais profundo. O segundo caso ocorre quando o valor da energia total está entre os valores da altura das barreiras (V 1 V 0 ) < E < V 1, nessa situação é possível que a função de onda se distribua nos dois poços. Por fim, quando a energia é maior que V 1 E > V 1 os níveis de energia estarão acima da barreira de potencial interna. 3.1. Energia do sistema abaixo de (V 1 - V 0 ) O primeiro caso estudado refere-se a E < (V 1 V 0 ), no qual o nível de energia está localizado somente no poço de maior profundidade. Nessa situação, a solução da equação de Schrödinger independente do tempo para as cinco regiões do poço duplo quadrado unidimensional assimétrico é dada por (6)

4306-4 Paulino et al. Regiões I e V: Ψ (x) = 0, (10) Região II: Ψ (x) = A 1 e k1x + A e k 1x (11) Região III: Ψ (x) = Be βx + Ce βx (1) Região IV: Ψ (x) = D 1 sen(k x) + D cos(k x), (13) com A 1, A, B, C, D 1, D constantes a serem determinadas pela continuidade da função de onda e sua derivada, além da condição de normalização. Os parâmetros k 1, k e β foram introduzidos para simplificar a notação, para esse caso eles valem k 1 = m (V 1 V 0 ) E, β = m (V 1 E), (14) k = me. Nas regiões I e V a função de onda é nula devido ao potencial ser infinito. Isso significa que, nas fronteiras externas dos poços, Ψ (x) satisfaz: Ψ (L+a) = Ψ = 0. Aplicando esta condição na região II, (L+a) Eq. (11), obtemos a seguinte relação A 1 = A e k 1(L+a) (15) Para satisfazer as condições de contorno na barreira infinita na região IV, Eq. (13), em que a função de onda é zero, foi feita uma aproximação em que o poço é deslocado e a solução da região IV é reduzida da forma Ψ (x) = D 1 senk x. (16) Outra condição a ser usada é a continuidade das funções de onda e suas derivadas nos pontos x = ± (L a). Isso implica para x = (L a) nas Eqs. (11) e (1) que A 1 e k 1 (L a) + A e k 1 (L a) = Be β(l a) + Ce β(l a), (17) A 1 k 1 e k 1 (L a) A k 1 e k 1 (L a) = Bβe β(l a) Cβe β(l a), (18) e para x = (L a) nas Eqs. (1) e (13) que D 1 sen(k a) = Be β(l a) + Ce β(l a), (19) D 1 k cos (k a) = Bβe β(l a) Cβe β(l a). (0) As Eqs. (17) e (19) correspondem à continuidade da função de onda nos pontos indicados e as Eqs. (18) e (0) correspondem à continuidade das derivadas das funções de onda. Para obter uma relação entre essas equações, o primeiro passo é substituir a Eq. (15) na Eq. (17) encontrando uma expressão de A em função das constantes B e C como na equação a seguir Be β(l a) + Ce β(l a) A = ( e k 1(L+a) e k 1 (L a) + k 1 (L a) e ). (1) Outra expressão para A em função das mesmas constantes pode ser encontrada substituindo a Eq. (15) na Eq. (18). β(be β(l a) Ce β(l a) ) A = k 1 (e k 1(L+a) e k 1 (L a) + k 1 (L a) e ). () Igualando a Eq. (1) e a Eq. () é possível obter a seguinte relação B C = (k1 β)e k1(l a) + (k 1 + β)e k1(l+a) e β(l a) ( k1 + β)e k1(l+a) (k 1 + β)e k1(l a). (3) Por outro lado, isolando D 1 da Eq. (19) e substituindo na Eq. (0) chega-se a B C = (β k β(l a) cot(k a)) e. (4) (β + k cot(k a)) e β(l a) Para obter a equação transcendental para o caso em que 0 < E < V 1 V 0 basta igualar a Eq. (3) com a Eq. (4), resultando em (k1 β)e k 1(L a) + (k 1 + β)e k 1(L+a) e β(l a) ( k1 + β)e k 1(L+a) (k 1 + β)e k 1(L a) = β k cot(k a) e β(l a). (5) β + k cot(k a) Com a equação transcendental (5) é possível obter os autovalores de energia contidos em k 1, k e β graficamente, através da intersecção das curvas que representam, uma o lado direito da equação e outra o lado esquerdo, em função da energia.

Solução quântica para o poço duplo quadrado unidimensional assimétrico 4306-5 3.. Energia do sistema entre os dois mínimos de potencial Considerando o segundo caso V 1 V 0 < E < V 1, a solução da equação de Schrödinger em cada região é dada por Regiões I e V: Ψ (x) = 0, (6) Região II: Ψ (x) = A 1 sen(k 1 x) + A cos(k 1 x), (7) Região III: Ψ (x) = Be βx + Ce βx, (8) Região IV: Ψ (x) = D 1 sen(k x) + D cos(k x), (9) sendo que A 1, A, B, C, D 1, D são constantes obtidas pela continuidade da função de onda e sua derivada e pela condição de normalização e os números de onda das diferentes regiões são dados por k 1 = m E (V 1 V 0 ), β = m (V 1 E), (30) k = me. Lembrando que nas regiões I e V a função de onda é nula, resultando na condição Ψ (L+a) = Ψ (L+a) = 0. Aplicando esta condição nas soluções da região II e da região IV obtemos as funções de onda, respectivamente Ψ (x) = A 1 senk 1 x +, (31) Ψ (x) = D 1 senk x. (3) Outra condição a ser usada é a continuidade das funções de onda e suas derivadas nos pontos x = ± (L a). Isso implica para x = (L a) que A 1 sen(k 1 a) = Be β(l a) + Ce β(l a), (33) A 1 k 1 cos(k 1 a) = Bβe β(l a) Cβe β(l a), (34) e para x = (L a) que D 1 sen(k a) = Be β(l a) + Ce β(l a), (35) D 1 k cos (k a) = Bβe β(l a) Cβe β(l a). (36) As Eqs. (33) e (35) correspondem à continuidade da função de onda nos pontos indicados e as Eqs. (34) e (36) correspondem à continuidade das derivadas dessas funções de onda. Para obter uma relação entre essas equações, é possível isolar A 1 da Eq. (33) e substituir na Eq. (34) obtendo B C = (β + k β(l a) 1 cot (k 1 a)) e. (37) (β k 1 cot (k 1 a)) e β(l a) Por outro lado, isolando D 1 da Eq. (35) e substituindo na Eq. (36) chega-se a B C = (β k β(l a) cot(k a)) e. (38) (β + k cot(k a)) e β(l a) Finalmente, para obter a equação transcendental para o caso em que (V 1 V 0 ) < E < V 1 basta igualar a Eq. (37) e a Eq. (38), resultando em β + k 1 cot(k 1 a) e β(l a) β k 1 cot(k 1 a) β k cot(k a) e β(l a). (39) β + k cot(k a) = 3.3. Energia acima da barreira de potencial central O terceiro caso para o poço duplo assimétrico é quando a energia é maior que a barreira de potencial V 1 (E > V 1 ). A solução da equação de Schrödinger independente do tempo para as cinco regiões do poço duplo quadrado unidimensional assimétrico, neste caso, é dada por Regiões I e V : Ψ (x) = 0, (40) Região II : Ψ (x) = A 1 sen(k 1 x) + A cos(k 1 x), (41) Região III : Ψ (x) = Bsen(βx) + C cos(βx), (4) Região IV : Ψ (x) = D 1 sen(k x) + D cos(k x). (43)

4306-6 Paulino et al. Novamente, as constantes A 1, A, B, C, D 1, D são obtidas pela continuidade da função de onda e sua derivada e pela constante de normalização. Também foram introduzidos os parâmetros k 1 = m E (V 1 V 0 ), β = m (E V 1), (44) k = me. Seguindo os mesmos passos indicados nos casos anteriores, ou seja, adotando a função de onda igual a zero quando o potencial for infinito e considerando a continuidade na função de onda e na sua derivada em x = ± (L a), tem-se a equação transcendental que permite a determinação dos autovalores de energia para (E > V 1 ) k cot(k a) + β tan β(l a) = β + k tan β(l a) cot(k a) β tan β(l a) + k 1 cot(k 1 a). (45) k 1 tan cot(k 1 a) + β β(l a) Com esse resultado o problema original é completamente resolvido. Particularmente, a energia do sistema é dada pela Eq. (5), Eq. (39) ou Eq. (45), dependendo do caso a ser analisado. 4. Redução da solução obtida para o caso simétrico Usando as soluções conhecidas para a energia do poço simétrico é possível testar a validade da solução encontrada no caso assimétrico. Para que o poço duplo assimétrico se reduza ao poço duplo simétrico basta fazer V 0 = V 1, isso implica em que k = k 1 = k. Usando essas relações na expressão (39), E < V 1, chega-se na (β+k cot(ka)) equação: (β k cot(ka)) = ±e β(l a). Manipulando algebricamente essa relação, reescrevendo-a em termos de funções hiperbólicas, é possível verificar que ela corresponde exatamente as Eqs. () e (3). Por outro lado, para E > V 1, a substituição de k 1 e k por k (lembrando que k = k 1 = k ) na expressão (45) fornece diretamente as Eqs. (4) e (5), como esperado. Esta análise mostra a consistência entre as soluções obtidas para os poços duplos quadrados unidimensionais simétrico e assimétrico. 5. Autovalores de energia para o poço duplo assimétrico Analisando os níveis de energia menores que a barreira de potencial (V 1 ), basicamente, aparecem dois exemplos numéricos típicos, a saber: quando há ressonância entre os níveis de energia dos dois lados do poço e quando não há. No problema do poço duplo simétrico, por construção, todos os níveis de energia são ressonantes. Um efeito dessa situação é o aparecimento de níveis de energia aos pares muito próximos. Isso pode ser observado, no caso geral de potenciais biestáveis, por exemplo, no livro de Landau 10 onde a solução do poço duplo é escrita como uma combinação linear das soluções encontradas para o poço simples. Esse tipo de análise, apesar de ser aproximada, mostra claramente o aparecimento das soluções aos pares. No caso em que não há ressonância, os valores numéricos utilizados como exemplos para as barreiras de potencial são V 0 = 50 ev (8,010 x 10 18 J) e V 1 = 100 ev (1,60 x 10 17 J). Para esses valores os níveis de energia dos poços quando analisados separadamente não coincidem. Uma maneira de determinar os autovalores de energia, dados pela equação transcendental correspondente, é através de análise gráfica. Isso é feito desenhando as curvas resultantes das funções escritas nos dois membros da Eq. (39) e observando a intersecção das curvas Fig. 3. Os pontos de intersecção entre as curvas mostradas na Fig. 3 correspondem às soluções da equação transcendental (39), onde k 1, k e β estão definidos na Eq. (30). Nessa condição a função de onda é distribuída nos dois poços. Os valores numéricos utilizados para exemplificar os resultados foram: a = 1 x 10 10 m e L = x 10 10 m, que correspondem à largura do poço de um angstron e a distância entre eles de dois angstrons, respectivamente. Outros valores fixados foram m = 9,109 x 10 31 kg, que corresponde à massa do elétron, e = 1,055 x 10 34 J.s que corresponde, como usual, à constante de Planck dividida por π. Figura 3 - Curvas das funções obtidas na Eq. (39). O lado esquerdo dessa equação corresponde à linha contínua enquanto a curva tracejada representa a função descrita pelo lado direito, conforme indicado no destaque. As profundidades dos poços correspondem a V 0 = 50 ev e V 1 = 100 ev. A análise gráfica refinada fornece, para esse exemplo, os níveis de energia E = 7,165 ev e E 3 =

Solução quântica para o poço duplo quadrado unidimensional assimétrico 4306-7 94,755 ev. O autovalor de energia para estado fundamental é obtido de forma análoga, usando a Eq. (5), e conduz a E 1 = 5,91 ev. Assim, nesse exemplo, existe um nível de energia entre 0 e (V 1 V 0 ) e dois níveis entre (V 1 V 0 ) e V 1. Ajustando a profundidade de um dos poços, como por exemplo, V 0 = 50 ev e V 1 = 130,6 ev (,095 x 10 17 J), é possível obter a ressonância entre estados provenientes dos dois poços simples. A Fig. 4 mostra os pontos de intersecção das curvas que representam os dois lados da equação transcendental (39) em função da energia. Os níveis de energia obtidos neste caso foram: E 1 = 7,16 ev (obtida da Eq. (5)), E = 101,635 ev e E 3 = 104,089 ev (esses dois últimos valores são obtidos da Eq. (39) analisando o gráfico contido na Fig. 4). Figura 4 - Curvas das funções obtidas na Eq. (39). O lado esquerdo dessa equação corresponde à linha contínua enquanto a curva tracejada representa a função descrita pelo lado direito, conforme indicado no destaque. As profundidades dos poços correspondem a V 0 = 50 ev e V 1 = 130,6 ev. 6. Discussão dos resultados e conclusão Como esperado, os resultados obtidos para o potencial simétrico, Eqs. (), (3), (4) e (5), coincidem com aquele encontrado na literatura 9. No caso do potencial assimétrico sem ressonância, V 0 = 50 ev e V 1 = 100 ev, é possível observar dois níveis de energia (7,165 ev e 94,755 ev) que podem ser interpretados como resultado da interação entre os poços. Dessa maneira é possível observar que cada autovalor de energia no poço simples individual produz dois autovalores distintos de energia no poço duplo assimétrico. Este desdobramento é produzido considerando as funções de onda resultantes do acoplamento de dois poços simples como sendo aproximadamente uma combinação linear simétrica a anti-simétrica das autofunções originais 10. Assim, o potencial biestável pode ser formado por intermédio da junção de dois poços simples. O caso chamado de ressonante foi encontrado para os valores V 0 = 50 ev e V 1 = 130,6 ev. Essa configuração permite uma discussão a respeito do tunelamento; o fato dos níveis de energia dos dois poços individuais (sem interação) estarem à mesma profundidade proporciona uma maior probabilidade de haver tunelamento entre os dois poços. Isso pode ser observado diretamente na fórmula de Rabi usada para descrever a taxa de tunelamento nesse caso. A dedução da fórmula de Rabi envolve algumas aproximações, por exemplo, a suposição de que apenas dois níveis de energia participam do processo. Uma dedução completa dessa expressão, bem como a discussões de algumas aplicações, pode ser encontrada na Ref. 7. Uma característica do poço duplo assimétrico que vale ressaltar é que o estado fundamental está localizado somente no poço de maior profundidade, visto que, pela assimetria do problema não há correspondente no poço de menor profundidade. Nos casos apresentados neste trabalho com V 0 = 50 ev e V 1 = 100 ev, e V 0 = 50 ev e V 1 = 130,6 ev, o estado fundamental foram 5,91 ev e 7,16 ev, respectivamente. Dessa forma, o poço duplo quadrado unidimensional assimétrico fica completamente resolvido com as energias dadas em termos das equações transcendentais, Eqs. (5), (39) e (45) e as autofunções escritas em termos de funções elementares. O caso ressonante aqui estudado não é o único que pode ser encontrado, é possível encontrar outros valores dos parâmetros de potencial (V 0, V 1, L e a) para os quais entre as barreiras de potenciais que conduzam a esta condição. É um e- xercício interessante procurar outras geometrias do potencial assimétrico para as quais há ressonância. Por fim, vale ressaltar que o estudo de poços assimétricos permite ilustrar diversas características de sistemas quânticos sem a exigência de um formalismo matemático muito avançado. Essa característica reforça o seu caráter didático. Referências 1 H.D. Young e R.A. Freedman, Sears e Zemansky, Física IV: Ótica e Física Moderna (Pearson, São Paulo, 004), p. 40-50. R. Eisberg e R.Resnick, Física Quântica: Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas (Editora Campus, Rio de Janeiro, 1979), p. 33-83. 3 D.J. Griffits, Introduction to Quantum Mechanics (Pearson Education, Upper Saddle River, 005). 4 P.A. Tipler, e R.A. Lewellyn, Física Moderna (Editora LTC, Rio de Janeiro, 001), p. 153-166. 5 A. Beiser, Conceptos de Física Moderna (McGraw-Hill, México, D.F. 1981), p. 15-160,. 6 L.I. Schiff, Quantum Mechanics (Edition International Student, New York, 1955), p. 30-44. 7 C. Cohen-Tannoudji, C. Diu and B.F. Laloë, Quantum Mechanics (Herman, Paris, 1977), p. 405-415, v. 1.

4306-8 Paulino et al. 8 D. DeVault, Quantum Mechanical Tunneling in Biological Systems (Cambridge University Press, Cambridge, 1983). 9 W. Greiner, Quantum Mechanics: An Introduction (Springer-Verlag Press, New York, 001), pags 138-143. 10 L.D. Landau and E.M. Lifshitz, Quantum Mechanics, Non-Relativistic Theory (Pergamon, Oxford, 1977). 11 B. Jun and D.L. Weaver, J. Chem. Phys. 116, 418 (00). 1 L.P. Gilbert, M. Belloni, M.A. Doncheski and R.W. Robinett, Eur. J. Phys. 6, 815 (005). 13 M.A. Doncheski and R.W. Robinett, Eur. J. Phys. 1, 17 (000).