Hiperparatiroidismo Avaliação Imagiológica

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1 Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XXIV, nº 93, pág , Jan.-Mar., 2012 Artigo de Revisão / Review Article Hiperparatiroidismo Avaliação Imagiológica Hyperparathyroidism Imaging Evaluation R. Castro, T. Fernandes, I. Oliveira, A. J. Madureira Serviço de Radiologia do Hospital de São João - Faculdade de Medicina do Porto Directora de Serviço: Prof. Doutora Isabel Ramos Resumo O hiperparatiroidismo refere-se ao aumento da actividade das glândulas paratiróides, resultando em produção excessiva de hormona paratiroideia (PTH). Pode ser classificado como primário, secundário e terciário. O estudo imagiológico nesta entidade têm o papel de identificar as glândulas paratiróides anómalas no contexto de hiperparatiroidismo primário e avaliar o envolvimento esquelético e não esquelético por este distúrbio metabólico. Para uma adequada orientação terapêutica, é essencial a familiaridade com o espectro de achados imagiológicos associados com esta entidade. Palavras-chave Hiperparatiroidismo, Glândula Paratiróide, Ecografia, SPECT, Condrocalcinose. Abstract Hyperparathyroidism refers to overactivity of the parathyroid glands resulting in excess production of parathyroid hormone (PTH). It can be classified as primary, secondary or tertiary. The imaging study in this entity has the role of identifying the abnormal parathyroid glands in primary hyperparathyroidism and to assess skeletal and non-skeletal involvement by this metabolic disorder. For proper management of these patients it is essential to be aware of the spectrum of imaging findings associated with this entity. Key-words Hyperparathyroidism, Parathyroid gland, Ultrasound, SPECT, Chondrocalcinosis. Introdução Através da sua acção secretora de hormona paratiroideia (PTH), as glândulas paratiróides são as principais responsáveis pela manutenção da estabilidade da concentração de cálcio extracelular. Os principais efeitos da PTH são o aumento do cálcio plasmático através de uma maior libertação de cálcio e fosfato da matriz óssea, aumento da reabsorção renal de cálcio e aumento da produção renal de calcitriol, o que aumenta a absorção intestinal de cálcio [1,2]. O hiperparatiroidismo refere-se à actividade aumentada das glândulas paratiróides, resultando em produção excessiva da PTH. É classificado em 3 grupos: Recebido a 16/06/2011 Aceite a 30/11/2011 Hiperparatiroidismo primário deve-se à secreção autónoma de PTH pelas glândulas paratiróides (geralmente devido à presença de um adenoma nestas glândulas). Hiperparatiroidismo secundário - ocorre quando as glândulas paratiróides se tornam hiperplásicas após estimulação e produção de PTH prolongadas (sendo a causa mais comum a hipocalcemia presente na insuficiência renal crónica). Hiperparatiroidismo terciário - refere-se à hipercalcemia causada por função autónoma das paratiróides após estimulação prolongada [1,2]. Papel da Imagiologia Os estudos imagiológicos nesta patologia apresentam duas vertentes: - Nos casos de hiperparatiroidismo primário comprovado clinica e laboratorialmente, a ecografia e os estudos de medicina nuclear são as modalidades mais utilizadas ARP 15

2 na identificação da localização anatómica das glândulas paratiróides hiperfuncionantes ou aumentadas [3,4]. - Avaliação do envolvimento esquelético (osteopenia, tipos de reabsorção óssea, presença de tumores castanhos) e não esquelético (calcificações vasculares e de tecidos moles, pancreatite, nefrolitíase,...) [5]. Avaliação imagiológica das glândulas paratiróides no hiperparatiroidismo primário: Anatomia e embriologia - A maioria dos indivíduos (90 95%) apresenta duas glândulas paratiróides superiores e duas inferiores (figura 1). - As glândulas superiores derivam do 4º arco branquial, tal como os lobos laterais da tiróide. - As glândulas inferiores derivam do 3º arco branquial, tal como o timo. - As glândulas superiores tendem a apresentar uma topografia mais constante, estando a maioria localizadas profundamente ao terço superior ou médio dos lobos tiroideus. - As gandulas inferiores apresentam localização mais variável, encontrando-se a maioria inferior, posterior ou lateralmente aos pólos inferiores da tiróide. Devido à sua origem comum com o timo, podem ser encontradas mais inferiormente. - Em média medem cerca de 5 x 3 x 1 mm e pesam cerca de 40 / 50 mg, não sendo geralmente identificáveis pelas diferentes técnicas de imagem [3,6]. Modalidades imagiológicas no hiperparatiroidismo primário: O hiperparatiroidismo primário deve-se, na maioria das vezes, à presença de um adenoma solitário (90% dos casos). Causas menos comuns incluem adenomas múltiplos (4%), hiperplasia glandular difusa (6%) e carcinoma das paratiróides (<1%). Devido à crescente utilização de técnicas cirúrgicas minimamente invasivas para a remoção de paratiróides anómalas, a localização imagiológica préoperatória é fundamental. A ecografia cervical e a cintigrafia são as principais técnicas de imagem para o estudo pré-operatório das paratiróides. Vários estudos comparando ambas as técnicas sugerem sensibilidades semelhantes para a localização de adenomas solitários. Alguns autores advogam a presença de maior acuidade diagnóstica quando se utilizam ambas as técnicas simultaneamente [7]. Ecografia cervical Deve ser efectuada com sonda linear de alta frequência. O modo B é suplementado por Doppler colorido e power-doppler, de forma a avaliar a vascularização de possíveis adenomas detectados durante o estudo em modo B. Os adenomas paratiroideus são quase sempre homogeneamente hipoecóicos, por comparação com a ecogenicidade do parenquima tiróideu. Geralmente são ovalados ou reniformes, mas os adenomas de maiores dimensões podem ser multilobulados (figura 2). Tipicamente, no estudo Doppler, constata-se a presença de uma artéria nutritiva, que geralmente é uma ramo da artéria tiroideia inferior. O estudo da vascularização interna demonstra uma distribuição periférica (figura 3) [3]. As principais desvantagens da ecografia são ser uma técnica operador-dependente e a baixa acuidade na detecção de patologia em glândulas ectópicas, nomeadamente mediastínicas. Fig. 2 - Adenoma da glândula paratiróide superior direita: Ecografia parassagital (a) e transversa (b) num paciente com PTH elevada, demonstra uma formação volumosa, hipoecóica, homogénea, de contornos lobulados (setas), posteriormente ao lobo tiroideu direito. A glândula ressecada pesava cerca de 1500mg, cerca de 30 vezes o peso normal (40-50mg). Fig. 1- Esquema demonstrativo da localização típica das glândulas paratiróides: vista posterior demonstra a localização mais comum dos pares de glândulas superiores e inferiores (setas), posteriormente aos lobos tiroideus. 16 ARP

3 Fig. 3 - Adenoma da glândula paratiróide superior esquerda: Ecografia parassagital (a) com adição de power-doppler (b) efectuada a mulher de 50 anos com hiperparatiroidismo. Posteriormente ao pólo superior do lobo esquerdo da tiróide, observa-se uma formação nodular hipoecóica lobulada (setas). Esta apresenta vascularização interna proeminente. Em alguns casos o Doppler pode auxiliar na diferenciação entre gânglio linfático (com vascularização hilar) e um adenoma paratiroideu (com vascularização predominantemente periférica). Cintigrafia das paratiróides - O sestamibi marcado com tecnécio 99m é o radiomarcador mais usado para o estudo das glândulas paratiróides. É absorvido pelas glândulas salivares, tiróide, coração e fígado. O tecido paratiroideu adenomatoso e hiperplásico apresenta absorção mais ávida e mais longa do radiomarcador do que o tecido tiroideu adjacente. O SPECT é utilizado com frequência crescente já que fornece informação tridimensional e apresenta sensibilidade aumentada para a detecção e localização de glândulas paratiróides hiperfuncionantes. A fusão de SPECT com TC combina informação fisiológica tridimensional da SPECT com informação anatómica da TC (figuras 4 e 5) [4]. Ressonância magnética: Apesar de não ser utilizada como técnica de primeira linha, pode ser útil em doentes com hiperparatiroidismo persistente ou recorrente após cirurgia inicial. As características tecidulares mais comuns do tecido paratiróideu anómalo são sinal intermédio / baixo em T1 e hiperssinal em T2. Devido à similaridade de características de sinal com os gânglios linfáticos, o diagnóstico diferencial pode ser difícil [8]. Envolvimento ósseo no hiperparatiroidismo Os achados radiográficos clássicos do envolvimento esquelético avançado por hiperparatiroidismos são hoje pouco comuns, devido à adequada profilaxia e ao diagnóstico precoce. A osteopenia generalizada é a alteração mais comum. O padrão heterogéneo de desmineralização na calote craneana devido a reabsorção trabecular é conhecido como padrão em sal e pimenta, sendo um achado clássico deste distúrbio metabólico (figura 6) [1,5]. A reabsorção óssea subperiosteal envolve mais frequentemente as mãos e pés, sendo comum o envolvimento mais acentuado na vertente radial da falange média dos 2ºe 3º dedos (figura 7). Outros locais de reabsorção óssea são as articulações sacroilíacas, esternoclaviculares, temporo-mandibulares, sínfise púbica e extremidade acromial da clavícula (figura 8) [1,5,6]. Fig. 4 - Adenoma da glândula paratiróide superior direita: Imagens de fusão SPECT / TC axial (a), coronal (b) e sagital (c) demonstram uma área de intensa acumulação de 99mTc-sestamibi posteriormente à metade superior do lobo direito, devido à presença de adenoma paratiroideu hiperfuncionante. Fig. 5 - Adenoma em glândula inferior ectópica: Images de SPECT (a,b e c) e fusão de SPECT / TC demonstram uma área de intensa acumulação de 99mTC sestamibi posteriormente ao manúbrio esternal, devido à presença de um adenoma paratiróideu hiperfuncionante. Adicionalmente, na imagem de fusão sagital, observa-se uma fractura compressiva de corpo vertebral torácico, devido a osteopenia. As áreas focais de destruição óssea assumem a forma de lesões líticas localizadas, conhecidas como tumores castanhos. Os locais mais comuns destas lesões são a mandíbula, a pelve e o fémur, salientando-se contudo que qualquer segmento ósseo pode ser atingido (figuras 9,10 e 11). No hiperparatiroidismo secundário, para além das alterações previamente descritas, pode-se observar aumento generalizado da densidade óssea. Esta esclerose pode assumir um padrão peculiar nas vértebras, conhecido com rugger-jersey spine (figura 12). A deposição de ARPq17

4 Fig. 8 - Reabsorção da extremidade acromial da clavícula: Radiografias anteroposteriores dos ombros em dois doentes com hiperparatiroidismo demonstram reabsorção da extremidade acromial das clavículas. Fig. 6 - Calote craniana com padrão em sal e pimenta Radiografia em incidência de perfil de doente do sexo feminino com hiperparatiroidismo primário. Observa-se uma diminuição generalizada da densidade óssea e a aspecto granuloso da calote craneana padrão em sal e pimenta. Fig. 9 - Múltiplos tumores castanhos em mulher de 33 anos com hiperparatiroidismo primário: Imagens axiais de TC demonstram múltiplas lesões líticas expansivas na clavícula, costelas e omoplatas (setas). Fig Tumores castanhos da calote craniana e das paredes orbitarias: Imagem axial de TC revela presença de múltiplas lesões líticas expansivas. Fig. 7 - Reabsorção cortical subperiosteal: A reabsorção subperiosteal é geralmente bem evidente em radiografias das mãos, onde afecta preferencialmente as vertentes radiais das falanges médias do 2º e 3º dedos. Nesta imagem, também a vertente radial dos 4º e 5º dedos estão envolvidas. 18q ARP Fig Tumores castanhos da calote craniana em RM: As mesmas lesões da imagem prévia em RM ponderada em T1-FSE(a) e T2 FSE (b). Devido à presença de hemossiderina, a aparência clássica dos tumores castanhos em RM é de hipointensidade em todas as ponderações, com artefacto de susceptibilidade em sequencias gradient-echo.

5 Fig Condrocalcinose: (a) calcificação dos meniscos (seta fechada) e (b) calcificação da fibrocartilagem triangular do punho (setas abertas) em doente com hiperparatiroidismo primário. Fig Coluna com padrão em Rugger-Jersey Radiografia em incidência de perfil da coluna lombar de doente com insuficiência renal crónica demonstra banda escleróticas adjacente aos pratos vertebrais padrão em Rugger-Jersey. As alterações osteoscleróticas são mais comuns no hiperparatiroidismo secundário. Fig Calcificações parenquimatosas pancreáticas: Múltiplas calcificações pancreáticas em imagem axial de TC de doente com hiperparatiroidismo e múltiplos episódios de pancreatite. cálcio nas carticulagens, tecidos moles e vasos é também muito mais frequente no hiperparatiroidismo secundário (figura 13) [2,5]. Envolvimento não ósseo no hiperparatiroidismo: O depósito de cálcio em tecidos moles, tais como fibrocartilagem, cartilagem articular e paredes vasculares é muito mais comum no hiperparatiroidismo secundário [2]. As complicações mais comuns no sistema gastrointestinal são pancreatite, calcificações pancreáticas (figura 14) e doença ulcerosa péptica. O envolvimento cardiovascular pode-se traduzir por hipertensão arterial, hipertrofia ventricular esquerda, calcificações e rigidez vascular. Uma complicação habitual (atingindo cerca de 30% dos doentes com hiperparatiroidismo primário) é a presença de nefrolitíase cálcica recorrente (figura 15). Outras complicações nefrológicas possíveis são a nefrocalcinose e diminuição da função renal [2,6]. Conclusão Diferentes modalidades imagiológicas desempenham um importante papel na avaliação dos doentes com hiperparatiroidismo. Neste contexto, é essencial familiaridade com o espectro de achados radiológicos associado a esta entidade patológica. Fig Nefrolitíase: Imagem axial de TC revelando focos milimétricos de nefrolitíase cálcica em doente com hiperparatiroidismo primário. Bibliografia 1. Khan, A.; Bilezikian, J. - Primary Hyperparathyroidism: Pathophysiology and Impact on Bone. Canadian Medical Association Journal, 2000, 163(2): Fraser, W. D. - Hyperparathyroidism. Lancet. 374(9684):145-58, Johnson, A. N.; Tublin, M. E.; Ogilvie, J. B. - Parathyroid Imaging: Technique and Role in the Preoperative Evaluation of Primary Hyperparathyroidism, AJR, 2007, 188: Eslamy, H. K; Ziessman H. A. - Parathyroid Scintigraphy in Patients with Primary Hyperparathyroidism: 99mTc Sestamibi SPECT and SPECT/CT. RadioGraphics, 2008, 28: ARPq19

6 5. Greenspan, A. - Orthopedic Radiology: A Practical Approach; Lippincott Williams & Wilkins; 3nd edition, Sacramento, McDonald, D. K.; Parman, L.; Speights, V. O. - Primary Hyperparathyroidism Due to Parathyroid Adenoma, RadioGraphics, 2005, 25: De-Feo, M. L.; Colagrande, S.; Biagini, C. - Parathyroid Glands: Combination of (99m) Tc MIBI Scintigraphy and US for Demonstration of Parathyroid Glands and Nodules. Radiology, 2000, 214: Gotway, M. B; Reddy, G. P.; Webb, R. W.; Morita, E. T.; Clark, O. H.; Higgins, C. B. - Comparison between MR Imaging and 99mTc MIBI Scintigraphy in the Evaluation of Recurrent or Persistent Hyperparathyroidism. Radiology, 2001, 218: Correspondência Ricardo Castro Serviço de Radiologia Hospital de São João Porto Alameda Prof. Hernâni Monteiro Porto rcastro83@sapo.pt 20 ARP