Aula 8: Composição e inversas
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- Isabella Estrela Lobo
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1 Aula 8: Composição e inversas. Funções inversas. Raízes. Uma função f: D R diz-se injectiva se nunca tomar o mesmo valor duas vezes: Definição : Dizemos que uma função f : D R é injectiva num conjunto A D se x y f(x) f(y) para quaisquer x,y A Se f for injectiva em D dizemos simplesmente que f é injectiva. Naturalmente, qualquer função monótona é injectiva. Geometricamente, uma função é injectiva se qualquer linha horizontal não intersectar o gráfico de f mais que uma vez. Exemplo. A função f(x) = x não é injectiva pois f(x) = f( x). A função x é injectiva pois é crescente. A função g(x) = mx+b é injectiva para m 0. Exemplo. A função f(x) = x é injectiva mas não é monótona. Definição : Dada uma função injectiva f: D R com contradomínio f(d), chamamos inversa à função f : f(d) R que associa a cada y f(d) o único x D tal que f(x) = y. Observação: É importante não confundir a função inversa de f, f (y), com o inverso da função f, /f(x). São funções completamente diferentes! Exemplo 3. As tabelas seguintes representam uma função f: {0,,} R injectiva com contradomínio f(d) = {,3, 5} e a sua inversa f : {,3, 5} R: x f(x) y f (y) x /f(x) 0 / /3 -/5 As funções estão também representadas esquematicamente na figura f f Figura. Função inversa
2 Exemplo 4. A função f(x) = mx + b é injectiva para m 0. f (y) é o único valor x tal que f(x) = y. Resolvendo f(x) = mx+b = y em ordem a x, obtemos x = y/m b/m. Assim, f (y) = y/m b/m. Exemplo 5. A função f(x) = x não é injectiva. No entanto f é injectiva no intervalo [ 0, + [ pois é crescente nesse intervalo. Para encontrar a inversa resolvemos a equação y = x obtendo x = ± y. No intervalo [0,+ [ x é positivo logo x = y. Assim, g(y) = y é a inversa da restrição de f(x) = x ao intervalo [0,+ [. f é também injectiva no intervalo ],0] pois é decrescente. Para encontrar a inversa resolvemos a equação y = x. Neste intervalo x 0 logo a inversa de f vai ser a função h(y) = y. Generalizando o exemplo 5 obtemos a noção de raiz índice n. Para n ímpar, a função f(x) = x n é injectiva. Para n par, f(x) = x n não é injectiva, mas a sua restrição ao intervalo [ 0, + [ é injectiva. Definição 3 (Raíz índice n): Para n ímpar chamamos raiz índice n à função f (y) = n y inversa de f(x) = x n : y = x n x = n y (n ímpar) Para n par chamamos raiz índice n à função g(y) = n y inversa da restrição de f ao intervalo [0,+ [. Para n ímpar, y = n x é equivalente a x = y n. Em particular temos ( n x ) n = x e n x n = x Mas para n par é importante ter presente que n y não é a inversa de x n : x = k x ( y = x n e x 0 ) e temos y = x k ( x = k x ou x = k x ) ( k x ) k = x mas k x k = x Para n par, x n 0 logo a equação y = x n só tem solução para y 0. Assim, para n par, n y só está definida quando y 0. Os gráficos duma função f e da sua inversa f estão relacionados: O gráfico de f é o conjunto dos pontos do plano da forma ( y,f (y) ). Pondo y = f(x) obtemos ( y,f (y) ) = ( f(x),x ) Assim, os pontos do gráfico de f obtém-se dos pontos do gráfico de f simplesmente trocando as suas coordenadas. Trocar as coordenadas dum ponto corresponde geometricamente à reflexão na recta y = x pelo que O gráfico de f é a reflexão do gráfico de f na recta y = x.
3 Aula 8: Composição e inversas 3 Figura. Gráfico de f(x) = x para x 0 e da sua inversa f (x) = x. Exemplo 6. A função f(x) = x tem a propriedade de ser igual à sua inversa. Já tínhamos observado anteriormente que o seu gráfico é simétrico em relação à recta y = x. As propriedades de f estão estritamente relacionadas com as propriedades de f: Teorema 4: Seja f uma função injectiva, f a sua inversa. Então () D f = D f e D f = D f ; () f é ímpar se e só se f for ímpar; (3) f é crescente/decrescente se e só se f for crescente/decrescente. Demonstração. Deixamos (3) como exercício. () Por definição, o domínio de f é igual ao contradomínio de f. Por sua vez, x está no contradomínio de f quando a equação x = f (y) tem solução. Esta equação tem solução y = f(x) precisamente quando x está no domínio de f. () Seja x D f, y = f(x). Então x = f (y). Portanto f( x) = f(x) x = f ( f(x) ) f (y) = f ( y) portanto f é ímpar se e só se f for ímpar. 3 Exemplo 7. x é a inversa de x 3, cujo domínio é R, logo o contradomínio de 3 x é também R. x 3 é ímpar e crescente logo 3 x é também ímpar e crescente. Exemplo 8. a foi definida como a solução positiva da equação x = a. Assim, a está no domínio da raiz quadrada se existir uma solução positiva da equação x = a, ou seja, se a estiver no contradomínio da função f(x) = x, restrita a x 0.
4 4. Composição. Dadas duas funções f : D f R e g : D g R podemos produzir uma nova função como se segue: Dado x D g podemos calcular g(x). Se por sua vez g(x) estiver no domínio de f podemos calcular f(g(x)). Chamamos a esta nova função a função composta e representamo-la por f g: Definição 5 (Função composta): Dadas duas funções f: D f R e g: D g R, a função composta (f g) é a função definida por (f g)(x) = f(g(x)) com domínio o conjunto D f g = {x R : x D g e g(x) D f }. É comum representar a composição f g por x g f g(x) f ( g(x) ) Exemplo 9. Consideremos as funções g(x) = x Então D g = R\{} e D f = [0,+ [. e f(x) = x. f g é dado por (f g)(x) = f(g(x)) =» g(x) = x que podemos representar por x g f x x O domínio de f g é o conjunto dos pontos tais que x D g e g(x) D f, ou seja x e x 0. Portanto D f g =],+ [. g f é dado por g f(x) = g(f(x)) = que podemos representar por f(x) = x x f x g x O seu domínio é o conjunto dos pontos tais que x D f e f(x) D g, ou seja x 0 e x. Portanto D g f = [0,[ ],+ [. Repare que f g g f.
5 Aula 8: Composição e inversas 5 Exemplo 0. A função f(x) = x é a composição das funções como podemos verificar: g(x) = x e h(u) = u h ( g(x) ) =» g(x) = x O domínio de h g é o conjunto dos pontos x D g tais que g(x) D h. Como D g = R temos apenas a condição g(x) = x 0. Portanto D h g = [,]. É útil pensar na composição de funções f g como uma substituição da variável x por uma nova variável u = g(x). Exemplo. Voltemos à função x. Introduzindo uma nova variável u = x temos x = u. Exemplo. Consideremos função f(x) = +x x + 4 x Introduzindo uma nova variável u = x vemos que +x x + 4 x = +u3 + u Assim, f é a composição das funções g(x) = x e h(u) = +u3 + u. A introdução duma nova variável é frequentemente útil na resolução de problemas: Exemplo 3. Queremos achar os zeros de f(x) = x 4 3x +. Para isso introduzimos a variável u = x. Então x 4 3x + = u 3u+ (u = x ) Podemos agora achar os zeros de u 3u+: obtemos u =,. Substituindo agora u = x obtemos as equações x = e x =. x 4 3x + tem portanto quatro zeros: ±,±. 3. Exemplos de funções Polinómios e funções racionais são funções que se podem construir usando apenas as operações algébricas elementares. Chamamos polinómio a uma soma de funções da forma f(x) = ax n : P(x) = a 0 +a x+ +a n x n Chamamos função racional a um quociente de dois polinómios P, Q: f(x) = P(x) Q(x)
6 6 Um polinómio de grau um é uma função da forma P(x) = mx+b com m 0. O gráfico de f é uma recta de declive m. m mede a inclinação da recta e o sinal de m diz-nos se a função é crescente ou decrescente. É importante recordar que o declive pode ser calculado do seguinte modo: Tomando quaisquer dois pontos x x, m = P(x ) P(x ) x x Um polinómio de grau dois é uma função da forma P(x) = ax + bx + c com a 0. O seu gráfico é uma parábola. O leitor pode verificar que qualquer função P(x) = ax +bx+c pode ser escrita na forma P(x) = y 0 +a(x x 0 ) com x 0 = b a e y 0 = c b 4a A constante a controla a concavidade da parábola, que será tanto mais acentuada quanto maior o valor de a. O sinal de a diz-nos se a concavidade está voltada para cima ou para baixo. x 0 y 0 Figura 3. Gráfico da parábola f(x) = y 0 +a(x x 0 ) Repare que para y 0 > 0 a função não tem zeros, para y 0 = 0 tem um zero e para y 0 < 0 tem dois zeros. Podemos aproveitar para esboçar o gráfico da função Uma das funções racionais mais importantes é a hipérbole f(x) = x : f é positiva para x > 0 e negativa para x < 0 f é decrescente em ]0,+ [ e em ],0[ O gráfico é simétrico em relação à origem pois f é ímpar O gráfico é simétrico em relação à recta y = x pois se trocarmos as variáveis na equação y = x obtemos a mesma equação.
7 Aula 8: Composição e inversas 7 f(x) = x x Figura 4. Gráfico da função f(x) = x Chamamos potência a uma função da forma f(x) = x a. O exemplo mais simples de potência é um polinómio da forma f(x) = x n, com n N. Para p,q N primos entre si, temos o que inclui, para q =, o caso x p. x p q = q x p Domínio: Para q par, x p/q só está definida para x 0. Para q ímpar, x p/q está também definida para x < 0. Paridade: Assumindo que q é ímpar temos Para p par, x p/q é uma função par Para p ímpar, x p/q é uma função ímpar Monotonia: x p/q é crescente no intervalo [0,+ [. Para q ímpar, a paridade implica que, Para p par, x p/q é decrescente em ],0] Para p ímpar, x p/q é crescente em todo o seu domínio. Repare que no intervalo [0,+ [, as funções x p q e x q p são inversas uma da outra pelo que os seus gráficos são simétricos em relação à recta y = x. a = 3 a = a = 3
8 8 Figura 5. Gráficos de x a (x 0) para a = 3,, 3,, 3,, 3 Para a < 0, a função x a não está definida em x = 0. Para p,q N primos entre si temos x p/q = q x p a = a = Figura 6. Gráficos de x a (x > 0) para a =, 3,, 3, Se uma função f puder ser escrita como uma combinação de polinómios, funções racionais e raízes usando somas, produtos, quocientes e composição, dizemos que f é uma função algébrica. Exemplo 4. O polinómio x 3 +3x+a tem exactamente uma raiz x R. Essa raiz é dada pela função algébrica» x = f(a) = 3 a+ a ++» a 3 a +
9 Aula 9: Funções transcendentes 9 Aula 9: Funções transcendentes 4. Funções trigonométricas e periodicidade Antes de definirmos as funções seno e coseno comecemos por recordar a sua descrição geométrica. Recorde que o círculo trigonométrico C é a circunferência de raio um centrada na origem: C = {(x,y) R : x +y = } A cada x R associamos um ponto P x do círculo trigonométrico como se segue: Se x 0 partimos do ponto (,0) e percorremos uma distância x ao longo do círculo trigonométrico no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. Se x < 0 partimos do ponto (,0) e percorremos uma distância x ao longo do círculo trigonométrico no sentido dos ponteiros do relógio. θ = π θ = 5π/ θ = π/ θ = 3π Figura 7. A cada x R associamos um ponto no círculo trigonométrico Então cosx e senx são as coordenadas do ponto P x : P x = (cosx,senx). Para definir rigorosamente as funções seno e coseno começamos por notar que a x e a x+π correspondem pontos P x e P x+π do círculo trigonométrico diametralmente opostos. Portanto as suas coordenadas são simétricas pelo que deveremos ter cos(x+π) = cosx e sen(x+π) = senx Daqui segue facilmente que deveremos ter, para k Z, cos(x+kπ) = ( ) k cosx e sen(x+kπ) = ( ) k senx Assim, uma vez conhecidos os valores do coseno no intervalo [0,π], todos os outros valores ficam imediatamente determinados. Para definir o coseno em [0,π] é mais simples observar que o coseno é injectivo neste intervalo e começar por definir a sua inversa, a que chamamos arco-coseno: Definição 6 (Arco-coseno): Chamamos arco-coseno à função arccos: [, ] R em que arccos(x) é o comprimento do arco na metade superior do círculo trigonométrico unindo o ponto A = (,0) ao ponto P = ( x, x ) : arccos(x) = ÃP
10 0 P x θ A Figura 8. A função arco-coseno A tabela seguinte mostra alguns dos valores do arco-coseno: x 3 arccos x π 5π 6 3π 4 0 π 3 π π 3 π 4 3 π 6 0 Algumas propriedades do arco-coseno: Teorema 7: () O arco-coseno é decrescente. () arccosx+arccos( x) = π. Demonstração. Tabela. Alguns valores do arco-coseno () Dados x,x [,], queremos mostrar que arccosx > arccosx sempre que x < x. Começamos por tomar os pontos A = (,0), P = (» ) x, x e P = (» ) x, x na metade superior do círculo trigonométrico. Por definição de arco-coseno, os comprimentos dos arcos AP e AP são ĀP = arccos(x ) e ĀP = arccos(x ) Se x < x, o arco AP está contido no arco AP pelo que o seu comprimento é menor. Portanto arccos(x ) = ĀP < ĀP = arccos(x ) Concluimos que o arco-coseno é decrescente. () Começamos por tomar os pontos A = (,0), P = ( x, x ), P = ( x, x ) e B = (,0) na metade superior do círculo trigonométrico. Então ÃP = arccos(x), ĀP = arccos( x) e ÃB = π
11 Aula 9: Funções transcendentes Como o arco AB é a união dos arcos AP e PB temos (i) ÃB = ÃP + PB logo π = arccos(x)+ PB Basta agora observar que os arcos PB e AP são a reflexão um do outro no eixo dos yy pelo que têm o mesmo comprimento: (ii) PB = ĀP = arccos( x) Substituindo (ii) em (i) obtemos π = arccos(x) + arccos( x). Podemos agora facilmente definir coseno. O arco-coseno é decrescente logo é injectivo, e o seu contradomínio é o conjunto dos ângulos entre 0 e π. No intervalo [0,π] o coseno é a função inversa do arccos: x = cosφ φ = arccosx (para ângulos φ [0,π]) Para outros ângulos φ R, podemos escrever φ de maneira única na forma φ = θ +kπ com θ [0,π[ e k Z: explicitamente Então deveremos ter k = max{m Z : mπ φ} e θ = φ kπ cosφ = cos(θ +kπ) = ( ) k cosθ e como θ [0,π[, cosθ = arccos θ. Resumindo: Definição 8: Dado um ângulo φ R, escrevemos φ = θ + kπ com θ [0,π[ e k Z e definimos cosφ = ( ) k arccos θ Observação: Qual o domínio do coseno? cos φ está definido desde que θ esteja no domínio de arccos, que é igual ao contradomínio do arccos. A nossa intuição diz-nos (e está correcta neste caso) que o contradomínio do arco-coseno é todo o intervalo [0,π] e que portanto o coseno está definido para qualquer φ R, mas este é um resultado difícil de provar nesta altura. Procedemos agora de modo análogo para definir seno. No intervalo [ π, ] π o seno é injectivo pelo que podemos começar por definir a inversa a que chamamos arcoseno. Os outros valores do seno ficam então determinados pela fórmula sen(θ+kπ) = ( ) k senθ. Definição 9: Chamamos arco-seno à função arcsen: [, ] R em que arcseny é o comprimento do arco na metade direita do circulo trigonométrico unindo os pontos A = (,0) e Q = ( y,y ), afectada dum sinal algébrico negativo se y < 0: ÃQ se y 0 arcsen(y) = ÃQ se y < 0
12 y Q θ + A y θ Q A Figura 9. A função arco-seno A tabela seguinte mostra alguns dos valores do arco-seno: x 3 0 arcsenx π π 3 π 4 π π π 4 3 π π 3 Teorema 0: () O arco-seno é uma função ímpar. () A função arcsen é crescente. (3) arcsenx+arccosx = π. Demonstração. Tabela. Alguns valores do arco-seno () Dado y [0,] tomamos os pontos A = (,0), Q = ( y,y ) e Q = ( y, y ) Então por definição de arco-seno, arcseny = ÃQ e arcsen( y) = ĂQ Basta agora observar que o arco AQ é a reflexão no eixo dos xx do arco AQ portanto os dois arcos têm o mesmo comprimento: arcsen( y) = ĂQ = ÃQ = arcseny () No intervalo [ 0, ] o arco-seno é crescente. A demonstração é completamente análoga à que fizemos para o arco-coseno e fica como exercício. Como arcsen é também positivo em [0,] e é ímpar, arcsen é uma função crescente em todo o seu domínio. (3) Primeiro consideramos o caso em que x [0,]. Começamos por tomar os pontos A = (,0) P = ( x, x ) Q = ( x,x ) B = (0,)
13 Aula 9: Funções transcendentes 3 na metade superior do círculo trigonométrico. Então os arcos AP e QB têm o mesmo comprimento pois são a reflexão um do outro na recta y = x. Por definição de arco-seno e arco-coseno temos arccosx = ÃP e arcsenx = ÃQ = PB O arco AB é a união do arco AP com o arco PB. O seu comprimento é π/ logo π = ÃB = ÃP + PB = arccosx+arcsenx como queríamos demonstrar. Falta ver o caso em que x [,0]. Então x [0,] logo já provámos que (i) arcsen( x)+arccos( x) = π Agora arcsen( x) = arcsenx e arccos( x) = π arccosx como vimos no teorema 7. Substituindo em (i) obtemos ( arcsenx)+(π arccosx) = π de onde se deduz facilmente que arcsenx+arccosx = π. Podemos agora facilmente definir seno. O arco-seno é crescente logo é injectivo, e o seu contradomínio é o conjunto dos ângulos entre π/ e π/. No intervalo [ π/,π/] o seno é a função inversa do arccos: x = senφ φ = arcsenx para ângulos φ [ π/,π/] Os outros valores do seno são completamente determinados pela equação sen(θ + kπ) = ( ) k senθ: Definição : Dado um ângulo φ R, podemos escrever φ de maneira única na forma φ = θ +kπ com θ um ângulo em [ π, π [ e k Z. Definimos senφ = ( ) k arcsen θ Observação: A mesma observação que fizemos sobre o domínio do coseno também se aplica aqui: o domínio do seno é R mas para o provar precisamos primeiro de mostrar que o contradomínio do arco-seno é [ π/,π/]. Algumas propriedades do seno e do coseno: Teorema : ] e o arco- () O arco-seno é a inversa da restrição do seno ao intervalo [ π, π coseno é a inversa da restrição do coseno ao intervalo [0,π]. () sen(φ+kπ) = ( ) k senφ e cos(φ+kπ) = ( ) k cosφ. (3) O seno é ímpar e o coseno é par. (4) sen φ+cos φ =.
14 4 Demonstração. Provaremos () e () apenas para o coseno pois a demonstração para o seno é completamente análoga. () Bastaprovarparaφ = π poisparaφ [0,π[, cosφ = arccos φpordefinição. Para φ = π, queremos mostrar que cosπ = arccos (π) = Para tal escrevemos π na forma π = θ +kπ. Então θ = 0 e k = logo cosπ = ( ) k arccos (θ) = arccos (0) = () Dado φ R começamos por escrever φ = θ + nπ com θ [0,π[ e n Z. Então φ+kπ = θ +(k +n)π logo, por definição de coseno, cosφ = ( ) n arccos θ cos(φ+kπ) = ( ) n+k arccos θ donde sai de imediato que cos(φ+kπ) = ( ) k cosφ. (3) Como arcsen é ímpar, a sua inversa também é ímpar. Assim, por (), o seno é ímpar no intervalo [ π, ] π. Dado φ R escrevemos φ = θ + kπ com θ [ π, [ π. Então sen( φ) = sen( θ kπ) = ( ) k sen( θ) por () = ( ) k senθ pois o seno é ímpar em [ π, π = sen(θ +kπ) por () = senφ portanto o seno é ímpar em todo o seu domínio. Vamos agora ver que o coseno é par. Dado φ R escrevemos φ = θ+kπ com θ [0,π[. Então φ = π θ (k +)π logo, usando (), cosφ = ( ) k cosθ e cos( φ) = ( ) k+ cos(π θ) Para mostrar que cosφ = cos( φ) basta portanto verificar que cos(π θ) = cosθ para θ [0,π[. Como π θ [0,π], usando () temos cos(π θ) = cosθ π θ = arccos( cosθ) Pondo x = cosθ obtemos que é o que nos diz o teorema 7. π arccosx = arccos( x) (4) Seja x [0,]. Por definição de arco-coseno e de arco-seno, o comprimento do arco unindo (,0) a (x, x ) é igual a arccosx mas é também igual a arcsen x, logo arccosx = arcsen x para x [0,] ]
15 Aula 9: Funções transcendentes 5 Seja θ = arccosx = arcsen x. Então x = cosθ e x = senθ o que mostra que cos θ+sen θ = no intervalo [ 0, π ]. Como cos θ+sen θ é uma função par, esta igualdade permanece válida em [ π, ] π. Dado φ R escrevemos φ = θ +kπ com θ [ π, [ π. Então, usando a alínea (), Para k Z, cos φ+sen φ = cos (θ +kπ)+sen (θ +kπ) = ( ( ) k cosθ ) + ( ( ) k senθ ) = cos θ +sen θ = sen(θ +kπ) = ( ) k senθ = senθ e cos(θ +kπ) = ( ) k cosθ = cosθ Estas igualdades têm uma interpretação geométrica simples: aos ângulos θ e θ + π corresponde o mesmo ponto P sobre o círculo trigonométrico. Definição 3: Dizemos que uma função f: D R é uma função periódica de período p se para qualquer elemento x do domínio, x±p também estiver no domínio e f(x±p) = f(x). As funções seno e coseno são exemplos de funções de período π. Outra função periódica importante é a tangente: Definição 4: tanθ = senθ cosθ A tangente é periódica de período π: tan(φ+π) = sen(φ+π) cos(φ+π) = senφ cosφ = tanφ Teorema 5: A tangente é crescente no intervalo ] π, π [. Demonstração. [ [ Começamos [ por ver que a tangente é crescente no intervalo 0, π. Dados x,y 0, π [ com x < y, queremos ver que tanx < tany. Mas senx < seny e cosx > cosy logo tanx = senx cosx < seny cosy = tany Como a tangente é tambem ímpar, e positiva em [ 0, π [, segue que a tangente é crescente em todo o intervalo ] π, π [. Definição 6: Chamamos arctan à inversa da restrição da tangente ao intervalo ] π, π [. Podemos escrever o arco-tangente em termos do arco-seno. Para tal observemos a figura 0:
16 6 y P t θ = arccos x = arcsen y = arctan t θ x x = cos θ y = sen θ t = tan θ Figura 0. Interpretação geométrica do arctan. Usando o teorema de Pitágoras concluimos facilmente que senθ = t +t. Teorema 7: arctan t = arcsen R. Demonstração. Como as funções t. Em particular, o domínio de arctan é +t arctan t e arcsen t +t são ambas ímpares, basta provar a igualdade para t 0. Seja θ = arctant. Então t = tanθ logo t = tan θ = sen θ cos θ = sen θ sen θ Resolvendo em ordem a sen θ obtemos sen θ = t +t Como t 0, θ = arctant [ 0, π [ logo senθ 0. Assim, senθ = t +t No intervalo [ 0, π [, o seno é injectivo com inversa arcsen logo arctant = θ = arcsen t +t Logaritmo e exponenciais Logaritmos desempenham um papel fundamental no cálculo e nas suas aplicações. Chamamos logaritmo a uma função log: ]0,+ [ R tal que () log(xy) = logx+logy
17 Aula 9: Funções transcendentes 7 Dados a,x > 0 é comum definir log a x como a função inversa da função f(x) = a x. Esta definição no entanto esbarra com o problema difícil de definir a x quando x / Q. É mais simples introduzir os logaritmos directamente e depois usá-los para definir a x. Para cada t consideramos a região do plano entre a hipérbole y = x e o eixo dos xx, limitada pelas rectas verticais x = e x = t (ver figura ). O logaritmo de t é a área desta região, afectada dum sinal algébrico negativo para t <. (t < ) (t > ) y = x y = x t Figura. Definição geométrica do logaritmo + t Como calcular esta área? Esta questão vai nos conduzir à definição analítica do logaritmo. É conveniente considerar mais geralmente a região R a,b por cima do intervalo [a,b]: R a,b = { (x,y) R : a x b e 0 y x Para calcular a área desta região procedemos do seguinte modo: dividimos [a,b] em n intervalos iguais e tomamos sobre cada um destes intervalos o maior rectângulo com base nesse intervalo que couber por baixo da hipérbole y = x. A soma das áreas destes rectângulos é, para n grande, uma boa aproximação da área de R a,b. } Figura. Aproximação da área para n = 5 e n = 0 O intervalo [a,b] tem comprimento b a logo cada rectângulo tem largura b a n. A altura de cada rectângulo é /x i em que x 0,x,...,x n são os vértices inferiores dos Uma vez definido ax é também necessário mostrar que a função obtida satisfaz a x+y = a x a y, o que também é difícil.
18 8 rectângulos sobre o eixo dos xx. Assim, a área dos rectângulos é dada por Área = (base) (altura) = b a n x i Representamos por S n (R a,b ) a soma das áreas dos rectângulos: n b a S n (R a,b ) = n x i i= A área de R a,b é certamente maior que S n (R ab ) mas podemos obter aproximações arbitrariamente boas tomando n suficientemente grande. Assim é natural escrever Área(R a,b ) = sup{s n (R ab ) : n N} Exemplo 5. Para calcular a área da região R, dividimos o intervalo [,] em n intervalos iguais de comprimento n. Tomamos para tal os pontos x 0 =, x = +/n, x = +/n, x 3 = +3/n, e calculamos as somas Temos sucessivamente:..., x n = +(n )/n, x n = +(n )/n, x n = S n (R, ) = n i= n n +i/n = i= n+i S = = 0.5 S = = S 3 = = A tabela seguinte mostra outras aproximações: S n n Para comparação, o valor exacto é Observação: Este procedimento para calcular uma área, aproximando-a pela soma de áreas de rectângulos, é um exemplo de integral, uma das noções fundamentais do cálculo. Podemos agora definir logaritmo Definição 8: Seja x. Chamamos logaritmo natural de x a lnx = Área(R,x) = sup{s n (R,x ) : n N} Para 0 < x < chamamos logaritmo natural de x a lnx = Área(R x,) = sup{s n (R x, ) : n N}
19 Aula 9: Funções transcendentes 9 Exemplo 6. O logaritmo natural de é a área da região R, que calculámos aproximadamente no exemplo 5: ln = As propriedades do logaritmo são consequência da seguinte observação: Teorema 9: Para quaisquer t > 0 e s >, Área(R t,ts ) = Área(R,s) Demonstração. Aobservaçãobásicaéaseguinte: seospontosx 0 =,x,...,x n,x n = s dividem o intervalo [,s] em n intervalos iguais de comprimento c = (s )/n, então os pontos tx 0 = t,tx,...,tx n = ts dividem o intervalo [t,st] en n intervalos iguais de comprimento (st t)/n = tc. Sendo assim, S n (R,t ) = n i= c x i e S n (R s,st ) = n tc i= tx i = S n (R,t ) Portanto S n (R s,st ) = S n (R,t ) para qualquer n de onde sai de imediato que a área de R,s é igual à área de R t,ts. /3 4/3 Figura 3. As duas regiões sombreadas têm a mesma área Teorema 0 (Propriedades do logaritmo): () ln(st) = lns+lnt () ln(s/t) = lns lnt (3) ln = 0 (4) ln(x n ) = nlnx (5) t t lnt t. Demonstração. () Começamos por assumir que s,t. Então ts s. Vamos usar o seguinte facto geometricamente óbvio: Área(R,ts ) = Área(R,s)+Área(R s,ts) (ver figura 4) A demonstração é difícil nesta altura.
20 0 R,s R s,ts s ts Então Figura 4. Demonstração do teorema 0 ln(ts) = Área(R,ts) = Área(R,s)+Área(R s,ts) = Área(R,s)+Área(R,t) (teorema 9) = lns+lnt Para 0 < s < t temos dois casos ilustrados na figura seguinte: (st < ) (st > ) lnt ln(st) ln(st) lns s st t s st t Para st < temos e para st > temos Figura 5. Demonstração do teorema 0 lns = Área(R s,) = lnt ln(st) lnt = Área(R,t) = ln(st) lns Em ambos os casos deduzimos de imediato que ln(st) = lns+lnt. Deixamos o caso s,t < como exercício. () Pela propriedade (), de onde tiramos que (3) Segue de () pondo s = t. lns = ln ( s t t) = ln s t +lnt ln s t = lns lnt
21 Aula 9: Funções transcendentes (4) Vamos provar o resultado por indução. Para n = 0, lnx 0 = ln = 0. Assumindo por hipótese que ln(x n ) = nlnx obtemos ln(x n+ ) = ln(x n x) = ln(x n )+lnx = nlnx+lnx = (n+)lnx o que completa a demonstração. (5) Deixamosademonstraçãocomoexercício. ReparenoentantoquearegiãoR,t está contida no rectãngulo com base t e altura e contém o rectângulo com base t e altura t /t t Comparando áreas, é geometricamente claro que (t ) t < Área(R,t) < (t ) que é precisamente a propriedade (5). Para s > t, s/t > logo lns lnt = ln(s/t) > 0 Assim, o logaritmo é crescente, e portanto é injectivo. Representamos a sua inversa por exp(y): y = lnx x = exp(y) Usando as propriedades do logaritmo podemos ver que Teorema : exp(x) exp(y) = exp(x + y). Demonstração. Seja u = expx e v = expy. Então x = lnu e y = lnv logo exp(x+y) = exp(lnu+lnv) = exp ( ln(uv) ) = uv 5. Exponenciais e o número de Nepper = exp(x) exp(y) Para a > 0 vamos agora ver como definir uma função f(x) = a x. Para x = n N temos a n = a a a }{{} n vezes
22 e a 0 =. a n satisfaz as relações a n+m = a n a m e ( a n ) m = a nm Queremos agora definir a x para x = p/q Q. Tomamos para já p,q > 0. Para x = /q deveremos ter ( ) a q q = a q q pelo que ( ) q a q = a logo a q = q a Mais geralmente deveremos ter a p q = (a p ) q pelo que a p q = q a p Vamos agora ver como definir a x para x < 0. Deveremos ter a x a x = a x+x pelo que a x a x = logo a x = a x Chegamos assim à definição Definição : Sejam p,q N primos entre si. Então definimos a p q = q a p e a p q = q a p Qual o significado de a x se x não for um quociente de inteiros? Por exemplo, o que entendemos por π? Poderíamos usar a expansão decimal de π para aproximar o valor de π pela sucessão 3 = 8, 3. = , 3.4 = ,... Tal procedimento é no entanto trabalhoso. É bastante mais simples definir a x usando logaritmos. Começamos por observar que Teorema 3: Seja x Q e a > 0. Então ln(a x ) = xlna. Demonstração. Já mostrámos este resultado para x = n N. Seja x = p q Q com p,q N. Então qln Ä ä ÄÄ a p pä q ä Ä p q = ln a q = ln a qä q = ln(a p ) = plna Dividindo por q obtemos lna p q = p q lna. Falta ver o caso em que x < 0. Como x > 0, já vimos que ln(a x ) = xlna logo Å ã ln(a x ) = ln a x = ln(a x ) = ( x)lna = xlna o que termina a demonstração. Como ln(a x ) = xlna, a x = exp(xlna) para qualquer x Q. Mas a expressão exp(xlna) faz sentido não apenas para x Q mas para qualquer valor de x. Podemos portanto usá-la para definir a x : Definição 4 (Exponencial): Seja a > 0. Chamamos exponencial de base a à função a x = exp(xlna) Deixamos a demonstração do teorema seguinte como exercício:
23 Aula 9: Funções transcendentes 3 Teorema 5: a x a y = a x+y, a x b x = (ab) x e ( a x) y = a xy. A função exp(x) é também uma função exponencial, com base e = exp(): 3 e x = exp(xlne) = exp(x) pois lne = Definição 6: Chamamos número de Nepper a e = exp(). Para calcular o número de Nepper temos que resolver a equação lnx =. Podemos aproximar a solução usando as sucessões Å x n = + nã n Å e y n = ã n n Teorema 7: x n < e < /y n e +/n < lnx n < < ln(/y n ) < /n Demonstração. Partimos da relação t < lnt < t (t ) t e substituimos t = +/n e t = /n: /n /n ln(+/n) /n e +/n ln( /n) /n /n Agora basta multiplicar tudo por n ou n, e usar as relações nlna = ln(a n ) e nlna = ln(/a n ). A relação x n < e < /y n segue de lnx n < < ln(/y n ) pois o logaritmo é crescente. Alguns valores das sucessões x n e y n : Para comparação, e = n x n /y n Assumimos no resto desta secção que está no domínio de exp
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