Números complexos. Capítulo 1
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- Rachel Belo Teves
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1 Capítulo 1 Números complexos 1.1 Motivação Os chamados números complexos aparecem naturalmente no contexto de soluções de equações algébricas 1. Considere, por exemplo, a equação 3x = 0. Pode-se ver prontamente que não existe x que satisfaça tal equação (afinal, qualquer que fosse x teríamos x 2 0 3x ). Então, deparamo-nos com a seguinte situação: nos conformamos com o fato que algumas equações (bastante simples, por sinal) podem não possuir solução ou estendemos o universo dos números de modo a incluir objetos que possam consistentemente ser considerados soluções dessas equações. É assim que os números complexos são introduzidos: escolhe-se uma equação que não possui solução real, por convenção uma das mais simples, x 2 +1 = 0, e define-se sua solução como sendo um novo número, padronizado quase universalmente pelo símbolo i. Em posse dessa definição, é fácil ver, por exemplo, que a equação mais acima, 3x = 0, é resolvida pelo número x = i 2/3, pois: 3(i 2/3) = 3i 2 (2/3) + 2 = 2i = 2(i 2 + 1) = 0, onde na última passagem utilizamos a definição de i como solução de x 2 +1 = 0. Na verdade, é um fato digno de nota (tanto que recebe o pomposo nome de teorema fundamental da álgebra) que com essa invenção inocente todas as equações algébricas (com coeficientes que podem até incluir i) passam a ter solução. Esse número i é batizado de unidade imaginária e o conjunto estendido de números obtido (multiplicando-se i por reais e somando-o a reais) é o conjunto dos números complexos, C. Num primeiro momento, pode parecer um tanto arbitrário e artificial o procedimento de se definir um novo número pela necessidade de se resolver 1 Uma equação algébrica (ou polinomial) na variável x é uma equação do tipo A 0 + A 1x + A 2x A nx n = 0, com n N e A n 0. Os coeficientes A 0, A 1, A 2,... podem ser números naturais, racionais, reais ou ainda mais gerais. 3
2 uma equação que de outra maneira não teria solução. No entanto, isso não é diferente do que acontece com números que estamos bem mais habituados, como, por exemplo, os números negativos e os números fracionários. Tomemos, como exemplo, o número representado por 2 (que é apenas uma notação, assim como i). Esse número é definido (a partir dos naturais 0, 1, 2,...) como sendo aquele que quando somado a 2 resulta em 0; ou seja, como solução da equação x + 2 = 0. Ou ainda considere o número representado por 4/5. Novamente, 4/5 é apenas uma notação para um número definido como satisfazendo 5x = 4. Posto isso, não deveríamos achar os números complexos mais estranhos ou artificiais do que números como os negativos ou os fracionários (na verdade, como qualquer outro número, com exceção, talvez, dos números naturais); pelo menos do ponto de vista lógico. 1.2 Álgebra dos números complexos Vejamos as propriedades algébricas da unidade imaginária. Pela sua definição tem-se i 2 = 1. Unindo-se a isso a convenção i 0 = 1, vê-se facilmente que 2 1, se n 0 (mod 4) i n i, se n 1 (mod 4) = (1.1) 1, se n 2 (mod 4) i, se n 3 (mod 4) para todo n inteiro (tanto positivo quanto negativo; por exemplo, i 1 = i). Exercício: Demonstre a Eq. (1.1). Um número complexo arbitrário z C é escrito (de maneira única) como um número real a somado a um múltiplo real b da unidade imaginária: z = a + ib, a, b. O número real a é dito ser a parte real de z, e(z) = a, e b a parte imaginária de z, Im(z) = b. Sendo z 1 = a 1 + ib 1 e z 2 = a 2 +ib 2 dois números complexos arbitrários (a 1, a 2, b 1, b 2 ), tem-se: (i) z 1 ± z 2 = (a 1 ± a 2 ) + i(b 1 ± b 2 ), (ii) z 1 z 2 = (a 1 a 2 b 1 b 2 ) + i(a 1 b 2 + a 2 b 1 ), (iii) z 1 /z 2 = (a 1 a 2 + b 1 b 2 )/(a b2 2 ) i(a 1b 2 a 2 b 1 )/(a b2 2 ) (com z 2 0). Exercício: Mostre essas três propriedades 3, a partir de propriedades naturais da adição e multiplicação, e verifique que a soma e a subtração são operações comutativas (ou seja, que z 1 + z 2 = z 2 + z 1 e 2 A notação n r (mod k), que se lê n côngruo a r, módulo k, significa que r é o resto da divisão (inteira) de n por k; em outras palavras, significa que n r é múltiplo inteiro de k. 3 De um ponto de vista axiomático, essas podem ser tomadas como definições das operações algébricas de soma, subtração, multiplicação e divisão de números complexos. 4
3 z 1 z 2 = z 2 z 1 ) e associativas (ou seja, que z 1 + (z 2 + z 3 ) = (z 1 + z 2 ) + z 3 e z 1 (z 2 z 3 ) = (z 1 z 2 )z 3 ). Exercício: Efetue as seguintes operações: (a) (2 + 3i) + (6 2i); (b) (2 + i)( 1 + 5i); (c) (5 + 7i)/(1 i). Note, em particular, que e(z 1 ± z 2 ) = e(z 1 ) ± e(z 2 ) mas que e(z 1 z 2 ) e(z 1 )e(z 2 ) e e(z 1 /z 2 ) e(z 1 )/e(z 2 ) a menos que z 1 ou z 2 seja real. Dado um número complexo z = a + ib qualquer, define-se seu conjugado complexo (ou complexo conjugado ) como sendo o número complexo z que difere de z apenas pelo sinal da parte imaginária: z = a ib. Em termos de z e z podemos escrever e(z) = (z + z)/2 e Im(z) = (z z)/(2i). Como precisamos de dois números reais para determinar completamente (e univocamente) um número complexo (suas partes real e imaginária), podemos representá-lo por um par ordenado (a, b) 2, onde convenciona-se que o primeiro elemento do par represente a parte real e o segundo elemento a parte imaginária: z = a + ib = (a, b). Em termos dessa representação, as operações (i), (ii) e (iii) anteriores se escrevem como 4 : (i ) (a 1, b 1 ) ± (a 2, b 2 ) = (a 1 ± a 2, b 1 ± b 2 ), (ii ) (a 1, b 1 ).(a 2, b 2 ) = (a 1 a 2 b 1 b 2, a 1 b 2 + a 2 b 1 ), (iii ) (a 1, b 1 )/(a 2, b 2 ) = ( (a 1 a 2 + b 1 b 2 )/(a b2 2 ), (a 1b 2 a 2 b 1 )/(a b2 2 )) (com (a 2, b 2 ) (0, 0)). Exercício: efaça as operações do exercício anterior mas agora usando a representação de pares ordenados. Essa associação natural entre C e 2 fornece uma visualização geométrica dos números complexos que é muito útil. 1.3 Geometria dos números complexos A identificação natural a + ib = (a, b) entre C e 2 permite visualizar o conjunto C como um plano. O chamado plano complexo (ou plano de Argand) é o análogo para C da reta real para. E assim como C, a reta real está contida no plano complexo (vide Fig. 1.1). Uma vez adotando o plano complexo para representar C, podemos visualizar geometricamente as operações algébricas. Por exemplo, da propriedade 4 Essa abordagem que considera os números complexos como sendo pares ordenados reais munidos das regras de composição definidas por (i ), (ii ) e (iii ) é conhecida como formulação axiomática de Hamilton. 5
4 ib C z = a+ib = (a,b) 0 a Figura 1.1: epresentação de um número complexo no plano complexo. (i) acima vemos que números complexos se somam e subtraem como vetores: componente a componente. Essa propriedade está representada na Fig. 1.2, assim como a conjugação complexa e a oposição. Já a multiplicação e divisão, de acordo com (ii) e (iii), parecem bem mais complicadas. No entanto, veremos que mesmo elas têm uma representação geométrica simples. Antes, porém, devemos introduzir uma nova maneira de expressar os números complexos. C z C z1 z 1 + z 2 C z1 z 1 -z 2 z 2 z z z (a) (b) (c) z 2 -z 1 Figura 1.2: (a) O conjugado complexo z é obtido pela imagem espelhada de z em relação à reta real, enquanto que o oposto z é obtido pela imagem espelhada em relação à origem 0; (b) A soma de números complexos satisfaz a regra do paralelograma de soma de vetores; (c) A subtração de números complexos também é análoga à subtração de vetores, lembrando que o vetor obtido deve ser representado partindo da origem 0. Exercício: epresente no plano complexo os seguintes números z 1, z 2 e z 3 e verifique geometricamente as propriedades expressas na Fig. 1.2: (a) z 1 = 2 i, z 2 = 1 2i, z 3 = z 1 + z 2 ; (b) z 1 = 1 + i, z 2 = 1 + 2i, z 3 = z 1 z 2. Da mesma maneira que um ponto no plano pode ser representado de diferentes maneiras, o mesmo vale para os números complexos. Duas maneiras são as mais utilizadas: a representação cartesiana e a representação polar. 6
5 A representação cartesiana é a de pares ordenados que já discutimos, representada na Fig A representação polar, ao invés de fazer uso dos valores das coordenadas cartesianas do ponto no plano, utiliza-se da distância ρ do ponto à origem (denominada módulo de z, z = ρ) e do ângulo θ que a direção que contém o ponto faz com o semi-eixo real positivo (denominado argumento de z, arg(z) = θ; vide Fig. 1.3). 0 r q z C Figura 1.3: epresentação polar de um número complexo: ρ é o módulo e θ é o argumento de z. Dadas essas duas maneiras de se representar um número complexo, é fácil ver a relação entre elas. Seja z um número complexo com e(z) = a, Im(z) = b, z = ρ e arg(z) = θ. Então, pela geometria da representação polar, a = ρ cos θ, b = ρ sin θ; (1.2) ρ = a 2 + b 2, tan(θ) = b/a. (1.3) Note que outra maneira de expressar z sem fazer uso explícito de a e b é z = z z. Exercício: Mostre que, de fato, z = z z. Vale notar que, diferentemente da representação cartesiana, a representação polar de um número complexo não é única: se ρ e θ são o módulo e o argumento de um dado número complexo z, então ρ e θ + n2π representam o mesmo número complexo z, qualquer que seja n Z. Este fato será de grande importância quando definirmos potenciação de números complexos e, mais tarde, algumas funções elementares. Voltando às operações algébricas, agora estamos aptos a interpretar geometricamente as operações (ii) e (iii) anteriores. Sejam z 1 e z 2 dois números complexos com z j = ρ j e arg(z j ) = θ j (j = 1, 2). Então, de acordo com (ii) e Eq. (1.2), temos: z 1 z 2 = ρ 1 ρ 2 (cos θ 1 cos θ 2 sin θ 1 sin θ 2 ) + iρ 1 ρ 2 (cos θ 1 sin θ 2 + sin θ 1 cos θ 2 ) = ρ 1 ρ 2 [cos(θ 1 + θ 2 ) + i sin(θ 1 + θ 2 )]. (1.4) 7
6 Então, vemos que z 1 z 2 = z 1 z 2 e arg(z 1 z 2 ) = arg(z 1 ) + arg(z 2 ), que são relações muito mais simples do que as em termos das partes reais e imaginárias. Essas relações em termos dos módulos e argumentos dos números complexos sendo multiplicados permitem uma visualização geométrica do produto z 1 z 2, como esquematizado na Fig. 1.4 abaixo. Em particular, note C z 1 z 2 z 2 z 1 1 Figura 1.4: epresentação geométrica do produto de números complexos. O produto z 1 z 2 é tal que o triângulo formado pelos vértices {0, 1, z 1 } é semelhante ao triângulo formado pelos vértices {0, z 2, z 1 z 2 } (tente entender porque). que nessa visão geométrica a multiplicação pela unidade imaginária i equivale a uma rotação de π/2 no plano complexo (já que i = 1 e arg(i) = π/2). Isso nos proporciona uma nova interpretação para i 2 = 1 (rotação de π no plano complexo equivale a espelhar em relação à origem ) e para a Eq. (1.1) em geral (por exemplo, i 3 = i 1 = i pode ser entendida como a afirmação trivial que uma rotação de 3π/2 equivale a uma rotação de π/2). Além disso, z = ρ(cos θ + i sin θ) pode ser igualmente interpretado tanto como o número z 1 = ρ na reta real rotacionado de um ângulo θ (pela multiplicação pelo número complexo cos θ + i sin θ) quanto como o número z 2 = cos θ + i sin θ no círculo unitário 5 reescalado por um fator ρ (vide Fig. 1.5). Exercício: epresente no plano complexo os seguintes números z 1, z 2 e z 3 e verifique geometricamente a propriedade expressa na Fig. 1.4: (a) z 1 = 2 i, z 2 = 1 2i, z 3 = z 1 z 2 ; (b) z 1 = 1 + i, z 2 = 1 + 2i, z 3 = z 1 z 2. Para a divisão de dois números complexos, z 1 /z 2 (com z 2 0), a pro- 5 Lugar geométrico no plano complexo definido por z = 1. 8
7 C z 2 = cosq+i sinq z = z 1 z 2 q 1 z 1 = r Figura 1.5: Número complexo z visto tanto como um número real positivo z 1 = ρ rotacionado de θ quanto como um número z 2 de módulo 1 e argumento θ rescalado por um fator real positivo ρ. priedade (iii) e a Eq. (1.2) nos levam a: z 1 = ρ 1ρ 2 (cos θ 1 cos θ 2 + sin θ 1 sin θ 2 ) iρ 1 ρ 2 (cos θ 1 sin θ 2 sin θ 1 cos θ 2 ) z 2 ρ 2 2 [(cos θ 2) 2 + (sin θ 2 ) 2 ] = ρ 1 ρ 2 [cos(θ 1 θ 2 ) + i sin(θ 1 θ 2 )]. (1.5) Ou seja, novamente encontramos relações mais simples do que as em termos das partes reais e imaginárias: z 1 /z 2 = z 1 / z 2 e arg(z 1 /z 2 ) = arg(z 1 ) arg(z 2 ). 1.4 A fórmula de Euler A caracterização de um número complexo z pelo seu módulo z = ρ e argumento arg(z) = θ pode ainda ser bastante melhorada. Até agora vimos que em termos dessas quantidades temos z = ρ(cos θ + i sin θ). No entanto, vamos analisar melhor o fator f(θ) := cos θ + i sin θ. Pela Eq. (1.4) vemos que f(θ 1 )f(θ 2 ) = f(θ 1 + θ 2 ) (1.6) para quaisquer θ 1, θ 2. Essa propriedade atesta nossa interpretação de que um número com módulo 1 e argumento θ promove uma rotação de um ângulo θ no plano complexo (e, portanto, a aplicação sucessiva de f(θ 1 ) e f(θ 2 ) promove uma rotação de θ 1 + θ 2 ). Por outro lado, é um resultado bastante conhecido que as únicas funções que satisfazem a propriedade expressa na Eq. (1.6) são as funções exponenciais: f(θ) = c θ, onde c é uma constante arbitrária até esse ponto. A determinação de c pode ser feita de diferentes maneiras mas aqui vamos optar por uma abordagem distinta: e se não soubéssemos que apenas as funções exponenciais satisfazem a Eq. (1.6), como avançaríamos? 9
8 Exercício: Mostre que a Eq. (1.4) de fato leva à Eq. (1.6). As funções seno e cosseno possuem as seguintes expansões em termos de séries de Taylor (em torno de θ = 0): sin θ = θ θ3 3! + θ5 5! θ 2j+1 ( 1)j +..., (1.7) (2j + 1)! cos θ = 1 θ2 2! + θ4 θ2j ( 1)j +..., (1.8) 4! (2j)! de modo que combinando em f(θ), temos: f(θ) = 1 + iθ θ2 2! iθ3 3! + θ4 θ2j ( 1)j 4! (2j)! + θ 2j+1 i( 1)j (2j + 1)! +... = 1 + iθ + (iθ)2 2! + (iθ)3 3! + (iθ)4 4! (iθ)2j (2j)! + (iθ)2j+1 (2j + 1)! +...,(1.9) onde na segunda passagem utilizamos a Eq. (1.1). No entanto, essa é exatamente a série de Taylor da função exponencial 6 de base e aplicada a iθ, o que finalmente nos leva à fórmula de Euler: e iθ = cos θ + i sin θ. (1.10) Exercício: Mostre que, de fato, a Eq. (1.9) corresponde à expansão em série de Taylor da função exponencial e x com x = iθ. Agora sim temos uma representação polar bastante compacta para os números complexos 7 : z = a + ib = ρe iθ, (1.11) onde a, b, ρ e θ são relacionados pelas Eqs. (1.2) e (1.3). Fica evidente dessa expressão que, enquanto a representação cartesiana é mais útil para lidar com soma e subtração de números complexos, a representação polar é muito mais útil para multiplicação e divisão (e, consequentemente, potenciação). Exercício: epresente os seguintes números complexos na forma polar e, em seguida, calcule a raiz quadrada de cada um deles, expressando o resultado na representação cartesiana: (a) 1 + i; (b) 5 5i; (c) 3 + i; 6 Na verdade, como aqui o argumento da função exponencial não é real, essa pode ser considerada como a definição da função exponencial com expoente imaginário. 7 Em todas essas expressões é essencial que θ seja expresso em radianos. 10
9 (d) i. Exercício: Use a fórmula de Euler para mostrar que (cos θ + i sin θ) n = cos(nθ)+i sin(nθ) (fórmula de De Moivre). Tente demonstrar a mesma expressão sem fazer uso da fórmula de Euler usando apenas identidades trigonométricas e indução e compare os níveis de dificuldade de ambas as demonstrações. A fórmula de Euler abre caminho para calcularmos a potenciação de um número complexo por outro: z w, com z, w C (e z 0). epresentando a base z na forma polar (z = z e iζ ) e o expoente w na forma cartesiana (w = a + ib), temos: z w = ( z e iζ) a+ib = z a+ib e iζa ζb = e (a ln z bζ) e i(aζ+b ln z ). (1.12) Note que a primeira exponencial do resultado acima envolve apenas variáveis reais, enquanto que a segunda exponencial pode ser expressa utilizandose a fórmula de Euler. Aqui podemos apreciar, através de um exemplo, a primeira consequência do fato de a representação polar de um número complexo não ser única [como discutido logo abaixo das Eqs. (1.2) e (1.3)]: Exemplo: Calcularemos os possíveis valores de 1 i. Primeiramente, notemos que na forma polar o número 1 pode ser representado pelo módulo 1 e argumento 2nπ, com n Z. Já o número i já se encontra na representação cartesiana. Então: 1 i = (e i2nπ ) i = e 2nπ. (1.13) Vemos, então, que embora qualquer valor de n Z represente o mesmo número 1, o resultado de 1 i claramente é diferente para diferentes valores de n, sendo que a igualdade 1 i = 1 é apenas uma das infinitas possibilidades (o caso n = 0). Exercício: Qual a condição sobre o expoente α C para que a igualdade 1 α = 1 seja necessariamente satisfeita? Exercício: Calcule todos os possíveis valores de 1 1/3. E também de i i. 1.5 Tão reais quanto os reais? Embora tenhamos defendido anteriormente que, do ponto de vista lógico, os números complexos não são mais artificiais ou estranhos que outros números com os quais estamos muito mais acostumados, é incontestável que as pessoas em geral têm muito menos intuição a respeito dos números 11
10 complexos do que dos números reais. Qual a razão disso? Há algo profundo por trás disso? O fato é que aprendemos desde cedo a associar números reais (mais comumente, racionais) a vários objetos e conceitos presentes em nosso quotidiano. Todos sabem que um saldo bancário negativo significa que um depósito teria que ser efetuado para zerar o débito, ou que ao se pedir meio quilo de carne no açougue deseja-se uma quantidade que se fosse duplicada teria o mesmo peso que o padrão de um quilo. Em suma, estamos acostumados a ver números racionais (a partir dos quais os reais são obtidos por uma idealização natural ) por toda parte. Por outro lado, os números complexos não parecem se refletir de maneira tão direta no mundo a nossa volta. Embora possamos utilizá-los como uma ferramenta bastante conveniente em muitas situações (algumas das quais são abordadas em disciplinas como Física III, Vibrações e ondas, Eletromagnetismo,... ), a Natureza em nível macroscópico (e as leis que a regem) parecem dispensar os números complexos. Nesse sentido, então, talvez pudéssemos considerar que os números complexos são mesmo menos reais que os números reais. Ou não? Ao contrário do que ocorre na escala macroscópica, a descrição da Natureza em seu nível mais fundamental e íntimo (e as leis que entendemos regê-la) parece implorar pelo uso de números complexos. De fato, se tentássemos excluir os números complexos da formulação da Mecânica Quântica (MQ) ou de sua generalização relativística, a chamada Teoria Quântica de Campos (TQC), forçando o uso apenas de números reais 8, o resultado seria um formalismo tão desajeitado que alguns princípios fundamentais ficariam completamente escondidos debaixo de equações muito mais intrincadas que no formalismo complexo usual. Fazendo uma analogia, os números complexos desempenham na MQ e TQC um papel semelhante ao que os vetores desempenham, por exemplo, no eletromagnetismo: as equações de Maxwell podem ser formuladas sem o emprego de cálculo vetorial (e, de fato, originalmente o foram pelo próprio Maxwell), mas as equações resultantes são tão mais intrincadas que a física por trás delas fica obscurecida. Foi a simplicidade das equações de Maxwell na forma vetorial que fez com que se atribuisse uma realidade física aos vetores campo elétrico e campo magnético. Aplicando esse mesmo critério para a MQ somos levados a concluir que, pelo menos num nível mais fundamental da Natureza, os números complexos são tão reais quanto os números reais. Mas fica então uma questão: por que os números complexos, que parecem impregnar a descrição da Natureza em seu nível mais fundamental, não sobrevivem de maneira tão clara no nível macroscópico clássico? Essa é uma pergunta que talvez mereça uma resposta. 8 Isso obviamente é possível dado que sempre podemos expressar um número complexo através de dois números reais usando a formulação axiomática de Hamilton. 12
11 Exercícios 1 Localize no plano complexo as duas raízes do polinômio x 2 2x+2 = 0. O que uma raiz é da outra? Isso era de se esperar? Por que? 2 Mostre que a equação x n = 1, com n N, possui n soluções complexas distintas. Localize essas soluções no plano complexo. (Sugestão: use a fórmula de Euler.) 3 Mostre que (z 1 + z 2 ) = z 1 + z 2 e (z 1 z 2 ) = z 1 z 2. 4 Mostre que se v 1 = (x 1, y 1 ) e v 2 = (x 2, y 2 ) são dois vetores no plano representados da maneira usual pelos números complexos z 1 e z 2, respectivamente, então o produto escalar, v 1 v 2, e a componente do produto vetorial perpendicular ao plano, ( v 1 v 2 ), são dados por: v 1 v 2 = e(z 1 z 2 ) e ( v 1 v 2 ) = Im(z 1 z 2 ). 5 Argumente geometricamente em favor das desigualdades z 1 + z 2 z 1 + z 2 e z 1 z 2 z 1 z 2, válidas para quaisquer z 1, z 2 C. Em que caso(s) a igualdade é válida? (Lembre-se da Fig. 1.2.) 6 Construa uma representação análoga à Fig. 1.4 para a divisão de números complexos. 7 Construa uma representação geométrica para determinar a potência z n a partir de z (com n Z). 8 Mostre que a equação z z 0 = r, com z 0 uma constante complexa e r uma constante real positiva, determina uma circunferência centrada em z 0 com raio r. Se quisermos incluir também os pontos de dentro da circunferência (disco centrado em z 0 de raio r), como essa equação deve ser modificada? 9 Escreva a equação complexa que representa uma elipse com focos em z 1 = 0 e z 2 = 2fe iγ (f > 0 e γ sendo constantes) e com semi-eixo maior medindo a > f. A partir dela, obtenha a equação da elipse em forma polar, r = r(θ). 13
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