CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO
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- Maria Luiza Espírito Santo Vilarinho
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1 A POSSIBILIDADE DE UMA ÉTICA A PARTIR DE UMA CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO Marina Souto Lopes Bezerra de Castro Doutorado Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Bolsista FAPESP marinaslb@gmail.com Deixe-me fazer-lhe uma pergunta. E o previno, desde já, será a pergunta mais terrível de sua vida. O que é que você faria se se encontrasse na posse de uma ciência eficaz do comportamento? Suponha que você de repente descobrisse que é possível controlar o comportamento dos homens como quisesse. O que faria você? (Skinner, 1978) A discussão ética surge, nos textos skinnerianos, a partir das propostas de planejamento cultural, que se originam da possibilidade de aplicação de uma Ciência do Comportamento num nível mais amplo, o da cultura. Skinner ( ), cientista estadunidense que dedicou a vida ao desenvolvimento da análise experimental do comportamento, preocupava-se com questões práticas, que se apresentavam como grandes problemas para a humanidade, como os riscos da superpopulação, da guerra nuclear, da poluição e a desigualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. De acordo com ele, grande parte desses problemas poderia ser resolvida por meio da modificação de comportamentos. Como fazer quem polui jogar o lixo em locais apropriados? Como fazer um casal prevenir gravidez? Há muita tecnologia proveniente de outras ciências, mas o uso dessa tecnologia é uma questão comportamental. Skinner defendia que a Ciência do Comportamento estavaa numa posição privilegiada para intervirr em certas práticas culturais potencialmente destrutivas e estabelecer novas práticas, que fizessem as pessoas felizes e que, ao mesmo tempo, garantissem o futuro da humanidade. Considerando a preocupação do autor em relação ao futuro da humanidade, podemos afirmar que existe, no texto skinneriano, a defesa da utilização da tecnologia comportamental no planejamento de práticas culturais melhores. O autor defendia o planejamento da cultura fundamentado nos princípios básicos da análise do comportamento. O trecho citado no início deste texto foi retirado da novela utópica escrita por Skinner em 1948, Walden II, uma referência a um suposto Walden segundo. Nela o autor descreve uma comunidade fictícia, planejada segundo os PPG-Fil - UFSCar
2 princípios da análise experimental do comportamento e idealizada inicialmente por Frazier, o protagonista. Frazier faz a pergunta a Castle, um filósofo que está em visita à comunidade experimental, cujo modo de vida, chamado de Boa Vida, é produto da manipulação de contingências no planejamento das práticas sociais dessa cultura experimental, denominada Walden II. Na visita a Walden II, Castle discorda de Frazier em vários momentos e, em resposta à pergunta referida acima, Castle diz que jogaria a Ciência do Comportamento no oceano. Então Frazier o questiona: E negar aos homens toda a ajuda que, de outro modo, poderia lhes dar? E dar-lhes todaa a liberdade que eles, de outro modo, perderiam para sempre. Como você poderia dar-lhes liberdade? Recusando-me a controlá-los! Mas você estariaa apenas deixando o controle em outras mãos. Os diálogos entre Frazier e Castle giram em torno de questões da filosofia tradicional da democracia e da liberdade, conforme Skinner denominou em algumas de suas obras. Podemos assumir que todos os argumentos apresentados por Frazier nas discussões com Castle poderiam, sem nenhuma correção, ser ditos pelo próprio Skinner. É possível supor que Skinner escreveu esta utopia justamente por se colocar na posição, talvez incômoda, se considerarmos as implicações éticas, de responder à questão presente no trecho citado no início deste texto, qual seja: o que fazer na posse de uma tecnologia comportamental eficaz? Podemos, de forma coerente, supor uma resposta do tipo: faria isto, um segundo Walden. Então, ao analisar os argumentos utilizados por Frazier, estamos analisando o modo como Skinner justifica a utilização dos princípios da análise do comportamento no planejamento de uma cultura e as questões aí envolvidas, como a liberdade, a democracia e a ética. Frazier parte do pressuposto, não compartilhado por Castle, de que o comportamento humano é sempre controlado pelo ambiente, seja ele físico ou social. Negar-se a controlá-lo é apenas deixar o controle em outras mãos. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que nega o livre-arbítrio, ao assumir o determinismo, Skinner consegue ir além da liberdade, no sentido em que redefine o conceito. Temas relacionados à liberdade, à democracia, e à ética são inevitáveis quando Skinner defende o planejamento da cultura com base numa ciência, que é determinista. A questão do planejamento cultural envolve decisões sobre o que é o melhor para uma cultura. Então, qual será o critério de julgamento? Pode uma ciência dizer qual o melhor PPG-Fil - UFSCar
3 critério? E se ela o fizer, não corre o risco de perder seu status científico, visto que sai do âmbito da descrição e passa ao âmbito da prescrição? Nesse contexto, buscaremos tratar, ao longo do presentee texto, da Ética que parece surgir no Behaviorismo Radical, que é a filosofia da Ciência do Comportamento. As idéias apresentadas a seguir são fruto de um trabalho interpretativo de alguns textos skinnerianos. Comoo o espaço aqui é reduzido, apresentaremos apenas algumas conclusões desse trabalho, as quais, em verdade, estão em fase de elaboração. Afirmamos que as questões éticas surgem na obra de Skinner a partir da defesa da utilização da Ciência do Comportamento no planejamento da cultura, na elaboração de práticas culturais mais adequadas, tendo em vista os problemas enfrentados pela humanidade. Não podemos perder de vista que se trata de um autor cuja contribuição científica foi de extrema relevância, pois seu trabalho em laboratório identificou princípios básicos que governam os comportamentos dos organismos, inclusive humanos. A partir de suas descobertas experimentais, Skinner elaborou um modelo explicativo do comportamento humano. Estabelecido pelo próprio Skinner, o Behaviorismo Radical, filosofia da Ciência do Comportamento, discute esse modelo explicativo e suas implicações. Nesse sentido, é da perspectiva do Behaviorismo Radical skinneriano que analisaremos algumas questões éticas e chegaremos a esboçar algumas conclusões. Buscaremos defender que o autor apresenta o que chamamos aqui de três posturas teóricas, as quais aparecem em seus textos de forma bem pouco delimitada, o que causa uma certa tensão no texto skinneriano, sendo possível mesmo identificar argumentos falaciosos. O trabalho aqui será de delimitá-las. A primeira delas se refere à defesa de uma ciência dos valores como parte da Ciência do Comportamento. A segunda postura teórica de Skinner a ser apresentada aqui é a derivação de um sistema ético a partir do modelo explicativo do Behaviorismo Radical, que é o modelo de seleção por consequênciass operando em três níveis. A terceira postura se refere à eleição de um dos valores do sistema ético; então estamos tratando de uma postura prescritiva do autor. Em relação ao que chamamos aqui de primeira postura teórica de Skinner, ele afirma categoricamente que a Ciência do Comportamento também é uma ciência dos valores (Skinner, 1971, p. 99). Portanto, o Behaviorismo Radical é também uma Filosofia Moral. Antes de tudo, é preciso garantir que os valores pertencem ao mundo empírico. Nesse sentido, não há mais a dicotomia entre fatos e valores e, portanto, não PPG-Fil - UFSCar
4 há a necessidade de reconciliar esses dois mundos. O Behaviorismo Radical considera, então, que os valores pertencem ao mundo dos fatos. Seria possível falar em uma Ética Empírica? Talvez sim. De acordo com Skinner (1971): O que um dado grupo de pessoas chama de bom é um fato: é o que os membros do grupo acham reforçador como resultado de sua carga genética e das contingências naturais e sociais às quais eles foram expostos (p. 122). O que é valor, ou o que é bom, ou o que é um bem para um indivíduo, ou para um conjunto de indivíduos, o é por causa destas histórias: filogenética, ontogenética e cultural. Em outros termos, tenho certos valores porque pertenço à espécie humana (certamente isso não ocorreria se pertencesse a outra espécie), porque tenho uma história de vida idiossincrática e porque pertenço a determinada cultura. Sendo assim, não há nenhuma verdade absoluta em juízos de valor. Emitir um juízo de valor é emitir sentenças sob controle do que é bom; e o que é bom o é por causa dessas histórias. Se as histórias fossem diferentes, os valores também o seriam. Isto é, nossos valores são constituídos na história da evolução da espécie, na história de vida individual e na cultura. Desse modo, a ciência dos valores de Skinner explica os valores, descreve por que cada indivíduo defende, ou diz possuir, ou tem seu comportamentoo governado por certos valores. Em primeiro lugar, herdamos da filogênese uma certa estrutura orgânica, biológica, a qual apresenta certas suscetibilidades. Os seres humanos são suscetíveis a sentir prazer e a ter seus comportamentos reforçados por alguns eventos, tais como: água, comida, contato sexual, locais aquecidos e etc. Tudo isso teve valor de sobrevivência para a espécie, por isso aqueles organismos mais suscetíveis a serem reforçados por eventos desse tipo sobreviveram e passaram tais suscetibilidades a seus descendentes. Chamamos esses eventos de bons. Então dizemos que alguns valores tem origem filogenética. Poderíamos, em um espaço mais apropriado, discutir o egoísmo e talvez afirmarr que o sujeito egoísta é aquele que age sob controle principalmente de reforçadores de origem filogenética. Concluiríamos que o ser humanos é naturalmente (no sentido de biologicamente, filogeneticamente) egoísta. No decorrer da história de vida, o sujeito naturalmente egoísta é submetido a inúmeras contingências naturais e sociais, muitas delas determinadas pela cultura. É possível, então, que esse indivíduo passe agir, em certos momentos, sob controle do bem dos outros. Ou seja, muitas contingências são estabelecidas de modo a levar o indivíduo a agir pelo bem do outro, sob controle do que é reforçador para o outro, e isso PPG-Fil - UFSCar
5 passa a ser reforçador paraa ele próprio (isto é, passa a ser prazeroso e fortalecedor de comportamentos). Skinner analisa que cidadão que apoia o governo assim o faz por causa de contingências estabelecidas pelo governo e não porque o cidadão é leal, ou tem lealdade. Dizemos que ele é leal e o ensinamos a chamar a si mesmo de leal e a relatar quaisquer condições especiais que ele possa sentir como lealdade (Skinner, 1971). Dessa forma, muitas vezes o outro se trata de um grupo organizado, como as agências de controle descritas pelo autor (Skinner, 1953). Nesse caso, o controle intencional pelo bem dos outros se torna mais poderoso quando é exercido por organizações religiosas, governamentais, econômicas e educacionais (Skinner, 1971, p. 110). O indivíduo pode até mesmo morrer por seu país ou em defesa de sua religião. Outras contingências sociais podem nos levar a agir pelo bem da cultura como um todo e não apenas de um outro ou de um outro organizado como agência de controle. Até aqui, vimos a primeira atitude teórica de Skinner, vimos brevemente como uma Ciência do Comportamento explica a origem e a manutenção de certos conjuntos de valores. Como cada grupo de pessoas tem sua própria carga genética e suas próprias contingências naturais e sociais, o que é bem, valor, para um grupo pode não ser para outro (Skinner, 1971). Passaremos agora ao que estamos nomeando de segunda postura teórica do autor, que trata da derivação de um sistema ético a partir do modelo explicativo do Behaviorismo Radical, o modelo de seleção por consequências. Esse modelo estabelece um paralelo entre os três níveis de variação e seleção. São três histórias que, em conjunto, podem explicar qualquer comportamento observado. No primeiro nível, a filogênese, em que ocorre a evolução da espécie, existem variações aleatórias (por causa das mutações e das recombinações genéticas) e algumas delas são selecionadas por causa de suas consequências. Os mais adaptados ao meio sobrevivem, por isso dizemos que o meio seleciona. Skinner discute, então, a seleção enquanto princípio causal operando nos três níveis. No segundo nível de seleção, tratamos da ontogênese, a história de vida de um indivíduo. Nessa história, o sujeito emite comportamentos de modo aleatório e o meio seleciona alguns deles de acordo com as consequências produzidas pelo próprio comportamento. No terceiro nível, Skinner trata da evolução da cultura, processo no qual surgem práticas culturais e algumas delas são selecionadas de acordo com as consequências que geram ao grupo; as que ajudam o grupo a lidar com seus problemas, as que fortalecem o grupo, são selecionadas PPG-Fil - UFSCar
6 A partir desse modelo, o autor deriva o que chamamos aqui de sistema ético. Estamos tratando da segunda atitude teórica de Skinner. Ele afirma: O que é bom para a espécie é o que contribui para sua sobrevivência. O que é bom para o indivíduo é o que promove o seu bem-estar. O que é bom para uma cultura é o que lhe permite resolver seus problemas (Skinner, 1976, p. 224). Então, as pessoas podem agir sob controle dos bens pessoais, do bem dos outros e do bem da cultura. Todoss esses controles podem ser reforçadores para o indivíduo. A diferença na classificação de Skinner se dá pelas consequências. Os bens pessoais promovem (têm como consequência) a sobrevivência do indivíduo; o bem dos outros promove a sobrevivência dos outros e de grupos; o bem da cultura promove a sobrevivência da cultura. Nesse sentido, o que tem valor para uma cultura é o que contribui para a sua sobrevivência. E sobrevivência é o único valor de acordo com o qual uma cultura pode ser eventualmente julgada e qualquer prática que promova sobrevivência tem valor de sobrevivência por definição (Skinner, 1971, p. 130). Talvez, sob esse aspecto, possamos mais claramente falar de uma Ética skinneriana, pois é estabelecido aqui um critério inexorável de julgamento. Por fim, a terceira postura teórica de Skinner se refere à eleição de um bem superior aos outros bens: o bem da cultura. O autor defende que esse bem deve governar o comportamento de quem esteja na posição de planejar práticas culturais. Ou seja, podemos produzir mutações culturais com novas práticas culturais e podemos modificar as condições nas quais elas são selecionadas ao modificarmos o ambiente em que o ser humano vive. Skinner defende que isso seja feito de modo deliberado e que não esperemos que a evolução cultural ocorra naturalmente, por meio de felizes acidentes. Num planejamento cultural, então, o valor supremo é o bem da cultura, a sobrevivência da cultura. O autor considera (Skinner, 1971) que a tecnologia comportamental é eticamente neutra, pois não há nada numa metodologia que determine os valores que governam seu uso. Contudo, afirma que nós nos preocupamos aqui, entretanto, não meramente com práticas, mas com o planejamento da cultura como um todo, e o valor de sobrevivência de uma cultura então emerge como um tipo especial de valor (Skinner, 1971, p.143) PPG-Fil - UFSCar
7 Portanto, uma tecnologia do comportamento é eticamente neutra, porém o uso que se faz dela no planejamento da cultura como um todo deve se basear em algum tipo de valor; então, Skinner elege seu valor: a sobrevivência da cultura. Podemos afirmar, tendo t em vista os argumentos expostos acima, que a Ética skinneriana, se assim pudermos classificar alguns aspectos do Behaviorismo Radical, apresenta três atitudes do autor, as quais vão da ciência à metafísica e desta à tecnologia. Como vimos, essa discussão aparece nos textos skinnerianos inicialmente como uma questão tecnológica, a qual acaba por recorrer à metafísica. Podemos concluir este texto retomando de forma resumida a argumentação aqui apresentada de modo a defender a possibilidade de uma Ética a partir de uma Ciência do Comportamento, tendo o Behaviorismo Radical como fundamento filosófico. Discutimos como Skinner, ao tratar de valores, vai da ciência à tecnologia, passando pela metafísica, e se abstendo de estabelecer qualquer divisão categorial entre elas, o que pode trazer algumas armadilhas argumentativas prejudiciais ao próprio Behaviorismo Radical. O intento desse texto foi estabelecer algumas divisões - entre o que chamamos de três atitudes ou posturas teóricas do autor -, de modo que sua argumentação se tornasse mais cristalina e, talvez por isso mesmo, mais defensável. Talvez seja possível falar de uma Ética empírica ou experimental, se considerarmos o planejamento cultural descrito em Walden II, em que não há práticas certas ou erradas a priori, mas sim um constante teste de novas práticas elaboradas por alguns planejadores, os quais têm seu comportamento de planejar controlado pelo valor primordial, o bem da cultura. Uma questão que permanece é que a eleição do bem da cultura não decorre necessariamente dos pressupostos do Behaviorismo Radical. Seria possível defender coerentemente um planejamento cultural fundamentado nos bens individuais, em que, por exemplo, os membros da cultura usufruíssem de todos os recursos naturais, fizessem sexo sem proteção, e não tivessem nenhuma preocupação em relação ao futuro da própria humanidade. Ou seja, o Behaviorismo Radical, enquanto filosofia da Ciência do Comportamento apresenta pressupostos necessários mas não suficientes para a eleição do bem da cultura. Outra possibilidade, paralela à da Ética experimental, é a de uma Tecnologia Ética, na qual a Ciência do Comportamento pudesse predizer o valor de sobrevivência das práticas culturais, isto é, as chances desta ou daquela prática fortalecer a cultura, favorecer a sua sobrevivência PPG-Fil - UFSCar
8 Referências Skinner, B. F. (1953). Science and Human Behavior. New York: The MacMillan Company. Skinner, B. F. (1971). Beyond freedom and dignity. 9a edição. New York: Bantam / Vintage Books. Skinner, B. F. (1976). About behaviorism. New York: Vintage Books Edition. (Trabalho originalmente publicado emm 1974) Skinner, B. F. (1978). Walden II. São Paulo: EPU. (Trabalho originalmente publicado em 1948) PPG-Fil - UFSCar
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