O CONCEITO DE AURA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A ESTÉTICA E
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- Stefany Caldas Rosa
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1 O CONCEITO DE AURA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A ESTÉTICA E A POLÍTICA NA OBRA DE WALTER BENJAMIN: A ESTETIZAÇÃO DA POLÍTICA E A POLITIZAÇÃO DA ARTE Marcio Gimenes de Paula Resumo O objetivo deste trabalho é analisar o conceito e aura na obra de Walter Benjamim, enfocando, de modo especial, a estetização da política e a politização da arte. Também serão abordadas aqui a fotografia e o cinema enquanto representante de tal arte. Palavras chave: estética, filosofia, história da arte
2 155 A discussão sobre o conceito de aura na obra de Walter Benjamin se insere no âmbito da obra de arte. Tal discussão não é, como se poderia imaginar, meramente estética, mas encontra-se no domínio da política. Em seu texto A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica há uma análise marxista da obra de arte. Seu objetivo é averiguar como o fim do conceito de aura encontra-se igualmente presente na teoria fascista da estética, ainda que com uma outra perspectiva. Sua pesquisa, ao abordar um tema de história da arte, analisa também, de forma inevitável, os efeitos do capitalismo e do avanço da técnica, empreendendo ainda uma análise comparativa entre a estética fascista e a estética socialista, ou seja, indaga como tais posicionamentos conseguiram apropriar-se desses conceitos na atual configuração da sociedade capitalista e do avanço da técnica. A tese benjaminiana defende que alguns desses conceitos não podem ser apropriados pelo fascismo. Tal dado fica mais claro sempre que se averigua, com o devido cuidado, o que significa o conceito de aura (e seu fim) dentro da obra de Benjamin. O conceito de aura (e sua destruição) encontra-se intimamente ligado à reprodutibilidade técnica da obra de arte. O que altera-se, no atual estágio da arte (leia-se de 1935/1936, época em que Benjamin escreveu esse texto), é a entrada da técnica na reprodução da obra de arte, uma vez que a reprodução sempre ocorreu no âmbito artístico. Num primeiro momento, as obras eram reproduzidas pelos discípulos do artista e, num segundo momento, por outros, interessados no lucro. Tal corrente se estende até um determinado momento: a entrada da fotografia. Com a entrada da fotografia há uma mudança da sensibilidade das pessoas. A arte não é mais produzida de forma manual, mas passa a ser olhada. Pelo fato do olhar possuir maior movimento, as imagens passam a ter o peso que outrora possuia a palavra oral. O cinema, por exemplo, surge como uma soma dessa percepção visual mais rápida e do olhar. Por isso, no entender de Benjamin, a reprodução da obra de arte e a arte cinematográfica se influenciam mutuamente. A discussão acerca da reprodução da obra de arte encontra-se intimamente relacionada a sua autenticidade. A arte clássica aborda sobejamente tal questão. Segundo seu entendimento, por mais perfeita que pudesse ser uma cópia, ela jamais se igualaria a uma obra original. Para a concepção clássica, uma obra reproduzida não capta totalmente o aqui e agora de uma obra original. Entretanto, no entender de Benjamin, tal fato ocorria na
3 156 reprodução manual. No tempo da reprodução técnica tal coisa não se repete, visto que a reprodução técnica possui maior autonomia do que a reprodução manual. Para a reprodução técnica, o objeto não precisa ser reproduzido exatamente como ele se encontra em seu estado natural. Na era posterior ao que Benjamin denominou reprodutibilidade técnica, o lugar da obra de arte pode ser alterado sem que com isso se altere a sua essência. Todavia, ainda que isso não altere sua essência, há um prejuízo para a autenticidade da obra de arte, ou seja, acaba o peso de sua tradição, tal como pode-se observar num concerto executado numa sala de espetáculos e na sua reprodução, em qualquer lugar, por intermédio de técnica de gravação. Por isso, na concepção benjaminiana, a aura da obra de arte é paralisada na era da reprodutibilidade técnica: O conceito de aura permite resumir essas características: o que se atrofia na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte é a sua aura. Esse processo é sintomático, e sua significação vai muito além da esfera da arte. Generalizando, podemos dizer que a técnica de reprodução destaca do domínio da tradição o objeto reproduzido. Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência única da obra de arte por uma existência serial. E na medida em que essa técnica permite à reprodução vir ao encontro do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto reproduzido 1. Note-se que, para Benjamin, a obra de arte não é atrofiada, mas sim a sua aura. A dimensão do fim da aura excede o âmbito da arte. Com efeito, ela é também política. O grande agente histórico do final dessa tradição e do final da aura é, na concepção benjaminiana, o cinema. A percepção humana não se organiza apenas naturalmente, mas historicamente. Os processos históricos mudam o modo de percepção das coisas para a coletividade humana. A mudança de percepção num dado período é, de certa forma, fruto de algumas convulsões sociais que levaram a isso. Por isso, a concepção benjaminiana assim define a aura: Em suma, o que é aura? É uma figura singular, composta de elementos especiais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ele esteja 2. 1 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica em Obras escolhidas- volume 01, tradução de Sérgio Paulo Rouanet, prefácio de Jeanne Marie Gagnebin, 6ª edição, Editora Brasiliense, São Paulo, 1993, pp. 168/ BENJAMIN, 1993, p. 170.
4 157 Com efeito, os fatos que determinam o fim da aura são ligados ao movimento de massas. Tais fatores estão ligados a dois importantes pontos da teoria benjaminiana da arte: a reprodução técnica e a percepção coletiva da obra de arte. Não é despropositado que um dos fatores que determina o fim da aura da obra de arte é o desejo que as massas possuem de se aproximar dos objetos. Assim como também não é despropositado o desejo que a mesma massa possui de superar o caráter da unicidade da obra de arte e reproduzí-la. Tal necessidade, de possuir uma imagem da obra de arte, de retirá-la do lugar comum, acaba com a aura da obra de arte, e é propiciado pela mudança no modo como se percebe o objeto. A obra de arte, em seu modo tradicional (ou fase aurática), possui apenas um sentido, mesmo com a mudança das circunstâncias históricas, seu sentido é sempre único. Tal unicidade do sentido da obra artística está intimamente relacionado ao contexto do seu aparecimento. Seu primeiro local de aparecimento é a magia e, num segundo momento, a religião. Por isso, toda arte têm sempre uma base de sustenção teológica, com uma teleologia bastante definida. Todavia, com a entrada da fotografia, o panorama da arte se altera. De forma não fortuita, Benjamin observa que a fotografia é contemporânea do socialismo. A arte tradicional, por não desejar se contaminar com a reprodutibilidade técnica, passa a advogar a idéia de uma arte pura, apartada de sua função social e determinação objetiva. A grande diferença entre a arte técnica e a arte aurática é exatamente a reprodutibilidade, ou seja, ela é criada para ser reproduzida. Há uma mudança de práxis, isto é, há uma passagem do valor ritual da arte para o valor político. A reprodutibilidade passa a ser intrínseca ao próprio valor da arte. O cinema, por exemplo, é diferente da arte aurática pelo seu próprio custo, pela sua própria natureza, que é constituída no intuito de ser reproduzida. A mudança de pólos (ritual e política), que é fator essencial para o final da aura da obra de arte, encontra-se intimamente ligado a dois outros importantes pontos da teoria benjamininana: o valor de culto e o valor de exposição. A arte tradicional é aurática e ligada ao valor de culto. Seu intuito não era apenas ser vista pelos homens, mas pelos deuses. Já a arte emancipada, adquire o valor de exposição, ou seja, é artístico aquilo que é
5 158 exposto. A arte tradicional e a arte emancipada também se diferenciam no que se refere a forma da recepção. A arte tradicional (e aurática) exige recolhimento para ser recebida, já a arte emancipada (pós-aurática) é recebida coletivamente, na dispersão, afirmando-se, a partir daí, o seu valor de exposição. A arte aurática responde, de certa forma e num primeiro momento, às necessidades do seu tempo. Sua transmissão é realizada para uma sociedade ligada ao ritual, à tradição e à experiência. Toda a vida da comunidade repousava sobre esses pilares. Tal arte fazia com que a vida de cada indivíduo adquirisse sentido dentro da coletividade: Os temas dessa arte eram o homem e seu meio, copiados segundo as exigências de uma sociedade cuja técnica se fundia inteiramente com o ritual 3. Assim como a arte aurática respondeu, de certo modo, aos desafios do seu tempo, a arte técnica deve responder, no entender de Benjamin, aos desafios do homem contemporâneo, aprendendo sua técnica e suas novas percepções. O que decreta efetivamente o final do valor cultual da arte é a fotografia. Através de sua entrada, até mesmo os retratos humanos, outrora pintados e cheios de aura, terminam por decair. Afinal, não há contemplação recolhida de uma fotografia, tal como ocorria na arte tradicional aurática. A fotografia é integrante de uma sequência, quer seja em acervos pessoais, em revistas ou jornais e, mais tarde, no cinema. Em outras palavras, o final do valor de culto e recolhimento é substituído pelo valor de exposição e pela recepção coletiva: Com a fotografia, o valor de culto começa a recuar, em todas as frentes, diante do valor de exposição 4. A obra de arte na era da técnica, ao contrário de sua fase aurática, não possui nenhum valor de eternidade. Somente a arte cultual possuia a pretensão da eternidade. Seus valores eram eternos, com uma teologia da arte e uma unicidade artística. A arte técnica desenvolve a idéia de aperfeiçoamento, isto é, esmerar-se sempre na busca do melhor. É nesse sentido que pode-se compreender o que significa o cinema para Benjamin. Sua ruptura reside exatamente no fato do mesmo relacionar-se ao valor de exposição e não mais 3 BENJAMIN, 1993, p. 174.
6 159 ao valor cultual, tal como preconizava a arte tradicional. Ele é uma arte que vive num tempo em que a arte perdeu a sua autonomia. Por isso, não há razão para considerar o cinema e a fotografia como anti-artísticos ou menores. Afinal, a entrada do cinema e da fotografia muda o próprio conceito de arte: Muito se escreveu, no passado, de modo tão sutil como estéril, sobre a questão de saber se a fotografia era ou não uma arte, sem que se colocasse sequer a questão prévia de saber se a invenção da fotografia não havia alterado a própria natureza da arte 5. Há uma diferença entre o ator de cinema e o ator de teatro: o primeiro representa para a máquina, o segundo para o público. No cinema, ocorre a idéia de algo que está se perfazendo. O filme, quando está sendo gravado, pode ser observado por diversos ângulos (melhores ou piores) a partir da máquina que o grava. Já o teatro, destinado diretamente ao público, possui um valor de eternidade. Não é fortuito que tal arte tenha gozado de tanto prestígio entre os gregos. O ator de cinema, tal como o operário no capitalismo, trabalha sob a pressão da máquina. No entender de Benjamin, o ator de cinema, de certa forma se aliena, fato que faz com que as massas se identifiquem com ele e com o filme, tal como ocorreu com Chaplin. O ator de cinema, tal como o operário da linha de montagem, não representa nenhum papel, mas representa unicamente a si mesmo, estando fora de qualquer sequência e não sendo capaz de observar o télos do seu trabalho. O cinema para Benjamin é a arte técnica por excelência. O fascismo tenta usá-lo politicamente, fazendo uso de uma retórica e de um discurso teatral. Seu objetivo é transmitir a idéia do culto à personalidade, exaltando a figura do campeão, do astro, do ditador. Contudo, a arte técnica do cinema possui o pré-requisito de que cada pessoa seja filmada, isto é, não há nenhuma barreira capaz de determinar quais pessoas devem ou não ser filmadas. O cinema é uma arte técnica coletiva, que sempre necessita de muita gente, visto que sua própria natureza configura-se dessa forma. Essa arte emancipada, que é o cinema, surge através da idéia de rapidez, de movimentos, de imagens. Portanto, por definição, o cinema encontra-se fora do antigo valor de culto da arte tradicional. Seu valor é o de exposição. Assim sendo, a tentação do fascismo é querer retirar as coisas do coletivo 4 BENJAMIN, 1993, p BENJAMIN, 1993, p. 176.
7 160 para jogá-las no âmbito do individual, como outrora, na arte aurática, o sacerdote contemplava a imagem de Deus. Mesmo as relações entre o cinema e a pintura são marcados pelo debate acerca do fim da aura. Enquanto o cinema penetra na realidade, a pintura apenas o representa, mantendo-se distante dessa realidade. Nesse sentido, o cinema é uma arte destinada ao coletivo, enquanto a pintura possui uma recepção individual: Assim, a descrição cinematográfica da realidade é para o homem moderno infinitamente mais significativa que a pictórica, porque ela lhe ofereceu o que temos o direito de exigir da arte: um aspecto da realidade livre de qualquer manipulação pelos aparelhos, precisamente graças ao procedimento de penetrar, com os aparelhos, no âmago da realidade 6. Ou ainda: A reprodutibilidade técnica da obra de arte modifica a relação da massa com a arte. Retógrada diante de Picasso, ela se torna progressista diante de Chaplin 7. Todavia, a despeito disso, Benjamin é cauteloso nesse embate entre cinema e pintura. Segundo seu entender, não se deve descartar totalmente as possibilidades de recepção da pintura, ainda que se possa julgar o cinema mais propício para uma recepção coletiva. Chaplin personifica o lado hilário e cômico do cinema. Seus gestos, aparentemente banais, abrem o inconsciente humano. Sua arte tem função catártica: ela alivia a tensão das massas e, nesse sentido, aproxima-se da psicanálise: Uma das funções sociais mais importantes do cinema é criar um equilíbrio entre o homem e o aparelho 8. Na mesma esteiria do hilário e da distração, Benjamin analisa outro antecedente do cinema: a arte dadaísta. Tal arte também marca a oposição entre o recolhimento da arte cultual e a dispersão da arte técnica. Sua arte agressiva, usa da idéia da distração no próprio âmbito da arte: 6 BENJAMIN, 1993, p BENJAMIN, 1993, p BENJAMIN, 1993, p. 189.
8 161 O dadaísmo tentou produzir através da pintura (ou da literatura) os efeitos que o público procura hoje no cinema 9. E ainda: A recepção através da distração, que se observa crescentemente em todos os domínios da arte e constitui o sintoma de transformações profundas nas estruturas perspectivas, tem no cinema o seu cenário privilegiado 10. No entender de Benjamin, a arquitetura é também um exemplo de uma arte cuja recepção ocorre coletivamente, segundo os critérios da dispersão e através de um percepção tátil e ótica. Em outras palavras, o indivíduo que usa sente o lugar onde está, já o indivíduo que o contempla, apenas o vê. Em sua moradia, o indivíduo se dispersa, enquanto, diante dos monumentos, ele observa. Ora, se o objetivo do fascismo é estetizar a política, o socialismo deve, no entender de Benjamin, politizar a arte. Em outras palavras, o fascismo permite que a massa exprima a sua natureza, mas não muda as relações de propriedade e produção. Seu posicionamento reafirma o antigo lema da arte pela arte. Portanto, o fim da aura da obra de arte implica numa série de coisas. Primeiramente, implica numa arte de sentido político, numa arte de exposição, numa arte que deve se reproduzir. Num outro momento, implica numa própria mudança da arte enquanto tal, expandindo seus horizontes e reunindo arte e crítica num novo panorama. Tal panorama surge no horizonte do capitalismo e no avanço da técnica, tal como observa Rouanet: É por isso que o desaparecimento da aura não é em si um fato estético, mas um fato político. Graças a ele, a função social da arte se modifica completamente. Em vez de se fundar no ritual, ela se funda numa outra práxis: a política BENJAMIN, 1993, p BENJAMIN,1993, p ROUANET, Sérgio Paulo. Édipo e o anjo, 1ª edição, Edições Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1981, p. 57.
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