PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Registro: ACÓRDÃO

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1 fls. 635 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de Inconstitucionalidade nº , em que é autor PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, são réus PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTOS e PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SANTOS. ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "POR MAIORIA DE VOTOS, JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE EM PARTE. ACÓRDÃO COM O EXMO. SR. DES. ANTONIO CARLOS VILLEN. FARÁ DECLARAÇÃO DE VOTO O EXMO. SR. DES. NEVES AMORIM.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANTONIO CARLOS VILLEN, vencedor, NEVES AMORIM, vencido, EROS PICELI (Presidente), BORELLI THOMAZ, JOÃO NEGRINI FILHO, SÉRGIO RUI, ARTUR MARQUES, SIDNEY ROMANO DOS REIS, ELLIOT AKEL, GUERRIERI REZENDE, XAVIER DE AQUINO, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, MOACIR PERES, FERREIRA RODRIGUES, PÉRICLES PIZA, EVARISTO DOS SANTOS, JOÃO CARLOS SALETTI, ROBERTO MORTARI, LUIZ AMBRA, FRANCISCO CASCONI, PAULO DIMAS MASCARETTI, TRISTÃO RIBEIRO, ADEMIR BENEDITO E LUIZ ANTONIO DE GODOY. São Paulo, 10 de junho de ANTONIO CARLOS VILLEN RELATOR DESIGNADO Assinatura Eletrônica

2 fls. 636 VOTO Nº ÓRGÃO ESPECIAL AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº REQUERENTE: PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO REQUERIDOS: PRESIDENTE DA CÂMARA E PREFEITO MUNICIPAL DE SANTOS AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Art. 73, 4º, da Lei Orgânica do Município de Santos, com a redação dada pela Emenda nº 29/1995. Servidores. Vencimentos. Exercício, a qualquer título, de cargo ou função que lhe proporcione remuneração superior a do cargo de que seja titular. Incorporação, à proporção anual de um quinto, da respectiva diferença. Inconstitucionalidade da expressão a qualquer título, que viola a exigência de aprovação em concurso público (art. 115, II, da Constituição do Estado). Vantagem que deve ser limitada aos casos de exercício de cargo em comissão ou função de confiança. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Alegação de ofensa ao princípio da razoabilidade. Não ocorrência. Critério de incorporação que, ainda que mais benéfico que o aplicável aos servidores do Estado (art. 133), não se mostra desproporcional. Precedentes deste Órgão Especial e do STF. Ação julgada procedente em parte, apenas quanto à expressão a qualquer título. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que impugna as expressões a qualquer título e dois décimos dessa diferença por ano, constantes no art. 73, 4º, da Lei Orgânica do Município de Santos, com a redação da pela Emenda nº 29/1995. O autor alega, em síntese, que a expressão a qualquer título viola o disposto no art. 115, II, da Constituição do Estado, permitindo que um servidor público, mesmo que investido em determinado cargo, possa amealhar remuneração de outro (isolado ou de diferente carreira), sem submissão ao prévio concurso público (fl. 6). Quanto à expressão dois décimos dessa diferença por ano, sustenta ofensa ao princípio da razoabilidade e ao disposto no art. 133, CE. Direta de Inconstitucionalidade nº

3 fls. 637 Não houve pedido de liminar. O Prefeito Municipal e o Presidente da Câmara Municipal prestaram informações, em que defendem a constitucionalidade da lei (fls. 506/512 e 492/503). Instado a se manifestar nos termos do art. 90, 2º, da Constituição do Estado, o Procurador-Geral do Estado afirmou não ter interesse no feito (fls. 488/489). procedência da ação (fls. 514/520). A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela É O RELATÓRIO. O dispositivo em discussão tem o seguinte teor: Art. 73 [...] quanto à expressão a qualquer título. 4º O funcionário público estatuário, com mais de cinco anos de efetivo exercício, que tenha exercido ou venha a exercer, a qualquer título, cargo ou função que lhe proporcione remuneração superior a do cargo de que seja titular, incorporará dois décimos dessa diferença por ano, até o limite de dez décimos, contando, para esses efeitos, o tempo de exercício anterior à data da promulgação desta Lei Orgânica. (grifei) A ação deve ser julgada procedente em parte, apenas Quanto a essa expressão, a inconstitucionalidade é manifesta e nem sequer foi rebatida nas informações prestadas pelo Prefeito Municipal e pelo Presidente da Câmara Municipal. Com efeito, expressão idêntica constante da Constituição do Estado teve sua execução suspensa pela Resolução nº 51, de 13 de julho de 2005, do Senado Federal, após o Direta de Inconstitucionalidade nº

4 fls. 638 julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do RE , cujos fundamentos adoto como razão de decidir: Fere o princípio inscrito no art. 37, II, da Constituição Federal, a atribuição, independentemente de concurso público, dos vencimentos de cargo superior que haja desempenhado, por desvio de função, o servidor. (RE , Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, 1ª Turma, j ) Essa decisão foi integrada pelo plenário daquela Corte em sede de embargos de declaração, que aclararam a extensão da declaração incidental de inconstitucionalidade: CONCURSO PÚBLICO. RESSALVA. NOMEAÇÃO PARA CARGO EM COMISSÃO. DÉCIMOS DA DIFERENÇA ENTRE REMUNERAÇÃO DO CARGO DE QUE SEJA TITULAR O SERVIDOR E DO CARGO EM FUNÇÃO OCUPADO. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A Constituição Fedederal prevê, em seu art. 37, II, in fine, a ressalva à possibilidade de "nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação", como exceção à exigência de concurso público. Inconstitucional o permissivo constitucional estadual apenas na parte em que permite a incorporação "a qualquer título" de décimos da diferença entre a remuneração do cargo de que seja titular e a do cargo ou função que venha a exercer. A generalização ofende o princípio democrático que rege o acesso aos cargos públicos. 2. Ao Supremo Tribunal Federal, como guardião maior da Constituição, incumbe declarar a inconstitucionalidade de lei, sempre que esta se verificar, ainda que ex officio, em razão do controle difuso, independente de pedido expresso da parte. 3. O Ministério Público atuou, no caso concreto. Não há vício de procedimento sustentado. 4. Embargos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e do Estado de São Paulo acolhidos em parte, para limitar a declaração de inconstitucionalidade dos art. 133 da Constituição e 19 do se ADCT, tão só, à expressão, "a qualquer título", constante do primeiro dispositivo. Rejeitados, os do servidor, por não demonstrada a existência da alegada Direta de Inconstitucionalidade nº

5 fls. 639 omissão e por seu manifesto propósito infringente. (RE ED, Rel. Min. Ellen Gracie, j ) Conforme tal entendimento, a previsão de incorporação a qualquer título viola a exigência de aprovação em concurso público, pois chancela situações proscritas pela nova ordem constitucional, como os conhecidos concursos internos que permitiam a servidores públicos ascender a carreira diferente daquela para qual admitidos por meio de concurso público. Assiste razão ao autor nessa parte. A vantagem deve ser limitada aos casos de exercício de cargo em comissão ou função de confiança. Quanto à expressão dois décimos dessa diferença por ano, entretanto, respeitado entendimento do I. Relator sorteado, Desembargador Neves Amorim, entendo que a ação é improcedente. De início, cumpre observar que o dispositivo invocado como parâmetro do controle de constitucionalidade (art. 133 da Constituição do Estado) está inserto nas disposições referentes aos servidores públicos do Estado (capítulo II; grifei). Essa norma, portanto, não tem aplicabilidade aos Municípios. Tanto assim é que os servidores não fazem jus à incorporação, nos Municípios em que a lei não a preveja; nesse sentido, Apelação , 5ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Osvaldo Magalhães, j , Apelação , 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Carlos Villen, j e Apelação , 6ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Leme de Campos, j Também nesse sentido a jurisprudência deste Tribunal sobre outras vantagens previstas pela Constituição para servidores estaduais, quando ausente previsão legal local para seu pagamento a servidores municipais, como sexta-parte Direta de Inconstitucionalidade nº

6 fls. 640 (Apelação , 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Ricardo Dip, j e Apelação , 7ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Nogueira Diefenthaler, j ). O referido art. 133 da Constituição do Estado só pode ser invocado como parâmetro para esta ação direta de inconstitucionalidade em razão da remissão constante no art É preciso ter em conta, contudo, que esse mesmo dispositivo, ao mesmo tempo em que exige a observância dos Municípios [a]os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição, assegura a autonomia política, legislativa, administrativa e financeira. Para a procedência da ação, requer-se a demonstração de ofensa a algum desses princípios. E, diante do que ficou acima consignado no sentido da inaplicabilidade do art. 133 aos servidores municipais, é evidente que referido dispositivo não pode ser considerado princípio a ser observado pelos Municípios. O autor também alega violação do princípio da razoabilidade, estabelecido no art. 111 da Constituição do Estado. Sua argumentação, entretanto, é insuficiente para demonstrar como a instituição da vantagem à proporção de 20% ao ano afronta esse princípio. É preciso interpretar tal princípio em consonância com as demais normas da Constituição. Se a própria Constituição estabelece, para os servidores estaduais, a mesma vantagem à proporção de 10% ao ano, afigura-se inconcebível limitar o Município à mera reprodução do mesmo índice. Isso seria ignorar a posição de ente federativo dotado de autonomia que a Constituição Federal lhe conferiu. Nesse sentido a doutrina de José Afonso da Silva: Veja-se a diferença fundamental da outorga da autonomia municipal: as normas constitucionais anteriores sobre ela Direta de Inconstitucionalidade nº

7 fls. 641 se dirigiam aos Estados-membros, porque estes é que deveriam organizá-los, assegurando-a; mas, aí, reservavam a eles poderes sobre os Municípios, que agora já não têm: o poder de organizá-los, de definir suas competências, a estrutura e competência do governo local e os respectivos limites. Agora, não: as normas constitucionais instituidoras da autonomia dirigem-se diretamente aos Municípios, a partir da Constituição Federal de 1988, que lhes dá o poder de auto-organização e o conteúdo básico de suas leis orgânicas e de suas competências exclusivas, comuns e suplementares (arts. 23, 29, 30 e 182). Isso significa que a ingerência dos Estados nos assuntos municipais ficou limitada aos aspectos estritamente indicados na Constituição Federal como, por exemplo, os referentes à criação, incorporação, fusão e ao desmembramento de Municípios (art. 18, 4º) e à intervenção (arts. 35 e 36). (Comentário contextual à Constituição, 8ª ed., São Paulo, Malheiros, 2012, p. 307) É certo que o Município não pode definir, com total liberdade, a proporção pela qual se dará a incorporação paulatina anual da diferença de remuneração. Mas é certo, também, que não está atrelado à proporção de 10% ao ano estabelecido pelo artigo 133 da CE, dada a já referida inaplicabilidade do dispositivo aos servidores municipais. Entendo que é necessário indagar da finalidade da incorporação da diferença de remuneração, prevista na Constituição do Estado e também na legislação de inúmeros municípios, para que se possa aferir se a proporção adotada pela lei do Município de Santos está ou não em consonância com o princípio da razoabilidade. Em outras palavras, cuida-se de considerar a finalidade da norma que instituiu a incorporação para, passo seguinte, verificar se o critério adotado pela lei municipal incorporação de 20% ao ano é proporcional e adequada à sua consecução. Nos referidos embargos de declaração oferecidos contra o acórdão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade da Direta de Inconstitucionalidade nº

8 fls. 642 expressão a qualquer título contida no art. 133 da CE (RE ED, Rel. Min. Ellen Gracie, j ) ficou assentado que a finalidade da incorporação é garantir a estabilidade financeira que decorre da situação perfeitamente regular de um funcionário efetivo exercer um cargo em comissão e dar-se estabilidade financeira em virtude dessa legítima razão (fl. 442 daqueles autos). É evidente, ademais, que tal garantia reverte em prol do interesse do serviço público, uma vez que se pressupõe que a estabilidade financeira é um dos fatores a propiciar melhor desempenho do servidor. Entendo, com o respeito que merece orientação contrária, que não há nada que justifique afirmar que o critério de incorporação adotado pela lei de Santos 20% por ano seja inadequado ou desproporcional às mencionadas finalidades da norma legal. Desproporcional seria, por exemplo, a incorporação integral em apenas um ou dois anos de exercício em função ou cargo de remuneração. A incorporação integral depois de cinco anos de tal exercício reitere-se, 20% ao ano não revela desvirtuamento. Trata-se de lapso de tempo considerável, a justificar a incorporação integral propiciadora da buscada estabilidade financeira do servidor. Aliás, inexistente qualquer circunstância a implicar inquestionável desvirtuamento das finalidades da norma legal, não há como o Judiciário desprezar a opção política do legislador para concluir pela ocorrência de violação do princípio da razoabilidade. Anote-se que a incorporação à proporção de um quinto ao ano não é incomum no ordenamento jurídico brasileiro. Ela vigeu no serviço público federal até sua revogação pela Lei nº 9.527/1997, que deu nova redação ao art. 62 do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112/1990). Embora o Supremo Tribunal Federal não tenha se pronunciado expressamente a respeito de sua Direta de Inconstitucionalidade nº

9 fls. 643 constitucionalidade que não consta sequer tenha sido questionada na Corte, diversos de seus julgados no exercício de competência ordinária e cognição plena, declararam o direito à incorporação, o que significa implícito reconhecimento da constitucionalidade do critério de incorporação (MS , Rel. Min. Carlos Velloso, j e MS ED, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j , entre outros) A mesma proporção para a incorporação paulatina da diferença de remuneração foi adotada por muitos outros Municípios do Estado, sem que sua constitucionalidade tivesse sido questionada em demandas sobre as quais se pronunciou este Tribunal: Santa Albertina (cf. Apelação , 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Moreira de Carvalho, j ), Valinhos (Ap , 4ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Luis Fernando Camargo de Barros Vidal, j ), Franco da Rocha (Ap , 2ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Alves Bevilacqua, j ), Borborema (Ap , 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Torres de Carvalho, j ), São José dos Campos (Ap , 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu, j ), Ribeirão Preto (Ap , 11ª Câmara de Direito Público, j ), Tambaú (Ap , 13ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Souza Meirelles, j ), dentre outros. Finalmente, não custa anotar que, na ADI , Rel. Des. Ivan Sartori, j , este Órgão Especial julgou improcedente a ação em que se impugnava o artigo 3º, caput, da Lei Complementar nº 56/2004, do Município de São Sebastião, que estabelece vantagem na mesma proporção que a norma impugnada Direta de Inconstitucionalidade nº

10 fls. 644 nestes autos ( Para efeito do disposto nesta lei, o servidor investido em cargo em comissão incorporará à sua remuneração a importância equivalente a 20% (vinte por cento) sobre a diferença entre o salário básico em seu respectivo grau e o salário do cargo comissionado, para cada doze meses de efetivo exercício, até o limite de 100% ). Embora lá não tenha sido discutida a questão da razoabilidade da proporção adotada (a alegação do autor era de ofensa ao art. 115, XVI, CE), a lei deve ser considerada constitucional, à luz do julgado, também nesse aspecto, em razão da natureza aberta da causa de pedir no controle principal de constitucionalidade. Nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: as ações diretas de inconstitucionalidade possuem causa petendi aberta. É dizer: ao julgar improcedentes ações dessa natureza, o Supremo Tribunal Federal afirma a integral constitucionalidade dos dispositivos questionados (Precedente: RE , Relator Ministro Moreira Alves) (RE AgR, Rel. Min. Ayres Britto, j ). Por fim, cumpre observar que o reconhecimento da inconstitucionalidade da expressão dois décimos dessa diferença por ano implicaria inconstitucionalidade, por arrastamento, de todo o dispositivo, uma vez que não subsistiria nenhum critério para manter a incorporação paulatina da diferença de remuneração. Essas as razões pelas quais, julgo procedente em parte a ação, para declarar a inconstitucionalidade da expressão a qualquer título, constante do art. 73, 4º, da Lei Orgânica Municipal de Santos, com a redação dada pela Emenda nº 29/1995. ANTONIO CARLOS VILLEN RELATOR DESIGNADO Direta de Inconstitucionalidade nº