FUNDAMENTOS PARA O TREINAMENTO DOS EXERCÍCIOS CORPORAIS E PARA OS ESPORTES Anselmo José Perez
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- Zilda Castilho Beltrão
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1 Capítulo 2 - Conceito de treinamento, treinamento esportivo e os seus componentes O que sabemos hoje sobre treinamento esportivo é fruto da produção humana, e todo conhecimento dever ser entendido como patrimônio da humanidade (DELORS et al., 1998), devendo estar disponível às pessoas, irrestritamente. De acordo com Barbanti et al. (2004), Tubino e DaCosta (2006), hoje o treinamento esportivo como área de saber da Educação Física, esporte e atividades físicas de saúde e de lazer, tem posição central no Brasil entre os profissionais da área. O significado e a necessidade desses saberes, frutos das experiências humanas, devem passar por um processo de reflexão e escolha, garantindo a autonomia da pessoa que apreende o conhecimento. Para isto, a educação é o melhor caminho, além de ser direito de todos (SILVEIRA et al., 2007), e tende a ser permanente, considerando que [...] além das necessárias adaptações relacionadas com as alterações da vida profissional, ela deve ser encarada como uma construção contínua da pessoa humana, dos seus saberes e aptidões, da sua capacidade de discernir e agir. Deve levar cada um a tomar consciência de si próprio e do meio ambiente que o rodeia, e a desempenhar o papel social que lhe cabe enquanto trabalhador e cidadão (DELORS, et al., 1998). É nesse caminho que este texto seguirá, trilhando os conteúdos e experiências produzidas pelo conteúdo do treinamento (esportivo) corporal
2 humano 1. Tradicionalmente, utiliza-se o termo treinamento esportivo para todos os conhecimentos relacionados ao processo de melhoria corporal por meio dos gestos motores, desde sua aprendizagem, passando pelo aperfeiçoamento e especialização, podendo estar relacionado aos esportes ou não (PEREZ, 2000). Mais acentuadamente remete ao alto rendimento, aos atletas e rendimentos em nível olímpico, recordes mundiais e profissionalismo (PERES; LOVISOLO, 2006), em virtude que faz parte da sua tradição (TUBINO; DACOSTA, 2006). Por isso, é senso comum associar algumas etapas e conteúdos do treinamento esportivo aos desempenhos de atletas profissionais, dizendo que, por questões psicológicas, por exemplo, o nadador Cesar Cielo não venceu a prova ou que a seleção brasileira de futebol perdeu de 7 x 1 para o time da Alemanha na semifinal da Copa do Mundo de Futebol de 2014 no Brasil. A preparação psicológica faz parte dos conteúdos do processo de treinamento esportivo, e nos casos exemplificados anteriormente, mesmo sem uma análise científica, permitem opiniões, que sem análise crítica gera interpretações errôneas da realidade. Porém, como descreve Betti (2001), Podemos até considerar a possibilidade de que, em breve, muitos alunos saibam mais sobre alguns aspectos da cultura corporal de movimento do que os próprios professores de educação física, embora nem sempre se possa confiar na correção técnico-científica das informações disseminadas pelas mídias. Além disso, para Betti (2001) há um preço a ser pago pela espetacularização esportiva vinculada pelos meios de comunicação social, levando a uma 1 Treinamento esportivo também poderá ser denominado de treinamento corporal humano, já que nem sempre é só para os esportes, mas, sempre é para os humanos e para sua educação corporal.
3 fragmentação e descontextualização do fenômeno esportivo, e da experiência global do ser atleta. Na situação de espectador/audiência durante os jogos olímpicos e outras competições de maior importância competitiva mais de 3,5 bilhões de consumidores podem estar acompanhando uma transmissão olímpica (PRONI, 2008), e sendo levados a conviver com o conhecimento do processo do treinamento inconscientemente. Este processo é mais comum do que se pensa e, em um sentido pedagógico, torna-se tema necessário ao processo de educação e formação da cidadania, principalmente as vésperas de o Brasil sediar uma edição dos Jogos Olímpicos. Leitura, análise e compreensão sobre a organização dos jogos e dos desempenhos dos atletas só poderão ser feitas com qualidade e independência se o cidadão tiver conhecimento sobre o assunto e estiverem educados para isso. Portanto estar educado é mais do que simplesmente estar informado. Segundo Cruz (2008), informação, sem uma mente que a analise, que a reflita, que a compreenda e que a use adequadamente, é inútil para o crescimento intelectivo do sujeito. Muitas informações poderão ser disponibilizadas pelos meios de comunicação, mas a leitura crítica da realidade pode ser influenciada pela autonomia de pensamento que a educação de qualidade proporciona (CRUZ, 2008; LIBÂNEO, 1994; SAVIANI, 1993). Por exemplo, não só os gestos técnicos apresentados pelos atletas podem influenciar, em consequência da imitação sobrepor-se à educação (LIMA, 1979), mas o próprio agir e pensar dos protagonistas dos Jogos Olímpicos, divulgados nos meios de comunicação, pode influenciar na busca por imitações sociais, considerando o prestígio social dos mesmos. A emoção vinculada a eventos esportivos sobrepõe-se a razão (LUCENA, 2001), dificultando a sua crítica.
4 Desta forma, o conteúdo do treinamento (esportivo) corporal humano é entendido como ferramenta necessária para o professor de educação física trabalhar, por meio de suas ações pedagógicas, considerando a necessidade dos seguintes enfoques: a) os conceitos de treinamento, treinamento esportivo e a construção do seu conhecimento; e b) o sentido pedagógico para o ensino do treinamento. Conceito de treinamento Antes mesmo de buscar conceitos específicos sobre treinamento esportivo é importante descrever sobre o conceito de treinamento, que é mais amplo, ou seja, possibilitar a aquisição de conhecimento, habilidades e competências de uma forma geral, permitindo a pessoa realizar movimentos que atendam as suas necessidades e interesses, tanto individuais como coletivos, e não somente movimentos corporais específicos aos esportes. Por exemplo, dançar, caminhar, praticar musculação, não são ações denominadas esporte, muito menos varrer a casa, limpar o carro, trocar o chuveiro, porém são ações treináveis. Treinar é um processo pelo qual se submete alguém à busca de melhoria de alguma coisa. É processo, pois envolve pelo menos três etapas: aprendizado, aperfeiçoamento, e podendo chegar à especialização 2. Em uma perspectiva de educação crítica, e que será defendida aqui em oposição a uma visão educativa 2 Processo, no latim procedere, é verbo que indica a ação de avançar, ir para frente (pro+cedere). É conjunto sequencial e peculiar de ações que objetivam atingir uma meta. Envolve sucessão de estados ou de mudanças. Acesso em 27/02/2015.
5 acrítica 3, visa à melhoria, o fazer bem as coisas da vida, tornando-se parte do próprio ser humano ativo e independente que, historicamente, assume ações com tendências evolutivas 4, desde a fase da infância até a velhice, sem necessariamente ser velho, mas sim idoso (FERREIRA et al. 2010; CORTELLA, 2014). É difícil encontrar alguém que queira, em sã consciência, ser pior. Todos os seres humanos querem ser melhores no que fazem, e para isso criam - ou deveriam criar - situações e condições de atingir esses benefícios. Não se defende aqui uma postura de ser o melhor, mas simplesmente fazer o seu melhor. É diferente. Não é ser arrogante, ou mesquinho, ou mesmo ganancioso, mas sim ambicioso. Cuidado então: não confundir ambição (querer mais e melhor para o bem coletivo) com ganância (querer só pra si e a qualquer custo). Apesar de sua complexidade, a palavra treinamento significa ato ou efeito de treinar, e treinar (do francês traîner), por sua vez, é tornar apto, destro, capaz para determinada tarefa ou atividade (FERREIRA, 2000). Normalmente, falase em treinar animais, atletas, ou treinar para os jogos esportivos, para competição. E isso faz pensar na necessidade de uma (re)educação das pessoas na busca de informação, conhecimento, saber sobre o treinamento, possibilitando uma visão além da mecanicista e irracional do treinar o corpo humano. Treinar não é necessariamente ignorar o processo intelectivo, como se faz ao malhar o corpo. Além disso, o processo de treinamento não precisa ser entendido somente para os esportes ou para os atletas. Qualquer processo que torne alguém apto a alguma coisa pode ser entendido como treinamento. Então, por exemplo, 3 Educação crítica refere-se às tendências pedagógicas críticas, em diferenciação das chamadas tradicionais (SAVIANI, 2012). 4 Porém, nada justifica que essa evolução tenha que sacrificar o próprio ser humano, exigindo que, para crescer, exista a exploração e o domínio de uns sobre outros. Nada é por acaso e as relações evolutivas, seja em qualquer área de conhecimento, fazem-se pelas relações sociais entre os indivíduos.
6 uma pessoa que melhorou sua condição de digitar um texto, consciente ou inconscientemente, passou por um processo que lhe possibilitou essa melhoria e, portanto, treinou para isso. Nesse processo, obviamente, está incluída a etapa de aprendizagem. A mesma lógica pode ser aplicada ao ato de dirigir um veículo, de pilotar uma nave, de realizar uma cirurgia, de fazer um prato culinário, enfim, qualquer atividade laboral e de lazer. Não seria necessário treinar para se equivaler ou se comparar a outra pessoa, muito menos para produzir algum bem comercializável, ou ainda ser uma pessoa mais produtiva em atenção às exigências mercantilistas. Se o processo de treinamento for empregado para determinada função profissional, que sejam compreendidos e respeitados princípios éticos, conscientemente aplicados para a convivência social justa, democrática, participativa e, acima de tudo, humana. É o que se pode pensar inclusive para a profissão de atleta 5. O processo de treinamento, então, é mais comum e presente no dia a dia do que se imagina. Portanto, é necessário que essa informação seja o ponto de partida da reeducação das pessoas sobre o treinar para ações que fazem parte do movimento corporal desse dia a dia. Esse conhecimento é fundamental, por exemplo, para se analisar criticamente as propostas de treinamentos realizados em empresas, que manipulam a lógica do fazer bem e melhor na busca de corpos dóceis, disciplinados e produtivos, e na maioria das vezes explorados. Outro exemplo, não esportivo, pode ser a preparação de uma apresentação folclórica em festas juninas, tão 5 Para detalhes e aprofundamento sobre o conceito de atleta sugere-se Krieger, (2007).
7 frequentes em diversas regiões brasileiras. O que as pessoas fazem é treinar uma quadrilha para apresentação nessas festas populares. E quanto mais treinado estiver o grupo, melhor ficará a apresentação, mais bonita. O grupo se expõe, se apresenta, pensando na boniteza da apresentação, das pessoas, dos pares, das gentes. O sentido social aqui é o de apresentar-se bem, fazer bem, dentro das razões culturais do local, da região, do contexto. Muito mais do que se pode perceber homens e mulheres treinam todos os dias para realizar as coisas melhores, fazer bem feito, mesmo não identificando isso como treinamento, mesmo não tendo conhecimento ou ciência do processo que envolve esse treinamento. Isso é fato. Fica a preocupação de que esse processo treinamento - remeta a ideologia neoliberal, a qual prega a ordem, o racionalismo, a competição e a iniciativa individual (GURGEL, 2005). Como diz Chauí (2001), ideologia se refere a um conjunto de ideias sociais, históricas e políticas que visam a ocultar a realidade, as explorações econômicas e as dominações políticas existentes na sociedade. Por outro lado, afirma ainda que não há uma ideologia que não possa ser quebrada ou destruída quando uma classe social compreende sua realidade e organiza-se visando transformar a realidade em que vive e que é impossível compreender a ideologia sem ter a compreensão da luta de classes. A educação deve elevar o indivíduo a esse patamar de visão/leitura crítica dos fatos sociais. O treinamento é um fato social. Ainda segundo Freitas (1994), quando escolhemos alguns conteúdos escolares e omitimos outros, revelamos interesses relacionados a uma visão política, econômica e social do mundo. Há a necessidade, portanto, de novos paradigmas, ou como diria Cortella (2014), de múltiplos paradigmas como sinal de que precisamos rever, olhar de outro jeito, ou
8 mesmo de alterar o modo de como fazemos e pensamos as coisas. Reafirmando, o treinamento é um fato social. Ora, sendo o treinamento um processo que atende a todos os movimentos corporais humanos, a lógica social desses movimentos, suas representações e intenções, não estão blindadas de uma ideologia neoliberal que atende àqueles que detêm o poder. Poder-se-ia aludir às ideologias gerenciais de empresas que tratam de corpos de trabalhadores igualmente aos corpos dos atletas, que também são trabalhadores. Assim, Gurgel (2005) diz que, Envolvido nos valores liberais reanimados e na suspensão de algumas censuras seculares, o trabalhador contemporâneo coloca a lealdade a si próprio no mesmo plano individualista dominante. A moral assim construída não encontra limite para o que se poderia considerar, com benevolência, modos de auto-retribuição ou compensação pelos salários contidos, disparidades de ganhos, contrastes entre níveis, enfim todas as formas de sentimento de inequidade, exploração e injustiça. Influenciada pelas teorias organizacionais, o processo de treinamento sofre com distorções ideológicas que em um processo de educação formal ou não formal podem transgredir a visão de ética que se defende. Essa influência é descrita por Gurgel (2005), As organizações, em particular as empresas privadas, começam a introduzir novos elementos no discurso teórico da gestão contemporânea: a função social da empresa e a ética. Estes novos elementos são a demonstração mais recente da inesgotável capacidade que possui a teoria organizacional de operar no plano ideológico. Tal qual diria Marx do fetiche da mercadoria e sua capacidade de disfarçar as verdadeiras
9 relações dos homens por trás das relações das coisas, assim podemos dizer da teoria de gestão e seu notável poder de apresentar suas formulações como avanços e soluções, dissimulando a ordem socialmente atrasada e problemática a que serve, criativa e docilmente. ibd Mas, o treinamento para atividades sociais, como o de treinar corpos de trabalhadores para funções de produção, para apresentações folclóricas, ou danças ritualísticas, ou até mesmo treinar para os diversos esportes, não é identificado somente em exemplos de sociedades capitalistas. Em clãs, tribos, povos orientais, povos ocidentais, até os dias de hoje, são observadas situações de treinamento. Não que o treinamento esteja acima dos valores capitalistas, mas os males desse sistema econômico não são, ou não devem ser sinônimo de treinamento. É óbvio que querer melhorar, fazer bem feito, não é só uma questão pessoal, de ter vontade e pronto. Não se excluí as condições socioeconômicas, muito menos as culturais de um povo para a busca de efetivo sucesso desse processo. Quando se considera o problema em uma perspectiva social há indivíduos que não estão providos de recursos, sejam financeiros ou até mesmo sociais, para que, educado ou reeducado, sai de sua condição atual. Assim, não basta o professor de educação física de uma escola, por exemplo, simplesmente anunciar nos seus planos de trabalho que ensinará o conceito de treinamento para os seus alunos. Lembra-se que tanto a educação formal, (regularmente desenvolvida nas e pelas escolas), como a educação não formal (dentro das instituições religiosas, por meio da mídia, e no seio da família, entre outras), precisa ser praticada. Portanto, treinar um corpo humano é uma práxis.
10 Ficam questões para reflexão: você já procurou melhorar alguma coisa em sua vida? Fazer bem feito, ou mais bem feito? Treinou para isso? Ou seja, aprendeu, aperfeiçoou, e talvez tenha chegado a se especializar? Tinha consciência disso como processo? Conseguiu analisar criticamente esse efeito do treino para você dentro da sociedade em que vive? Precisou de alguém para treinar? E, por fim, se tivesse havido um professor para treiná-lo teria sido melhor? As respostas a essas questões podem auxiliar na compreensão do fenômeno treinamento. Todos os estímulos que são dados durante uma aula, seja nas aulas de educação física nas escolas, na academia, no clube, na empresa, ou durante os programas de atividade física regular ao ar livre, podem fazer parte de um conjunto de meios que visam a melhoria do aluno e que merecem ser observados a partir de alguns conhecimentos específicos já estudados pelas chamadas ciências do treinamento. Isso não significa, necessariamente, copiar a preparação de um atleta de alto rendimento, ou objetivar melhores rendimentos individuais em uma competição. Esses conhecimentos podem ser aplicados ao ato de jogar um jogo culturalmente enraizado na comunidade, praticar uma caminhada/corrida para perda de peso, ou até praticar esportes. Aliás, muitos métodos de treinamento eram conhecidos e utilizados antes mesmo da invenção dos chamados esportes modernos, como: o voleibol, o futebol, o basquetebol, o handebol, a natação e outros atuais esportes olímpicos 6. Apesar disso, não se exclui a momento histórico e os seus significados socioculturais. Cita-se Newsholme et al (2006), que afirmam que, 6 A preparação dos atletas helênicos pode ser comparada, com as devidas correções tecnológicas, as preparações e princípios utilizados nas preparações atuais (Tubino, et al 2007).
11 Nos primeiros anos atléticos da Grécia, até cerca do sexto ou quarto século a.c., considerava-se que as tarefas diárias do fazendeiro (como levantar pesos, puxar o arado colhendo milho e, o melhor de tudo, pegar cavalos correndo atrás deles) consistiam num treino adequado. Mas, com o profissionalismo, veio o treinamento específico; ao fim do quarto século a.c., o programa de treinamento frequentemente envolvia um ciclo de quatro dias, onde se realizava: no primeiro dia, a fase de preparação com exercícios leves e rápidos; no segundo dia, a fase de concentração, com esforços máximos até a exaustão; no terceiro dia, a fase de relaxamento consistia de repouso e recuperação; e no quarto dia, iniciava-se um novo ciclo de forma moderada, representado apenas por exercícios técnicos para algum evento especial futuro para o qual se estaria treinando. Portanto, ao se aplicar o conceito de treinamento para os diversos esportes, pergunta-se: de que esporte se fala quando se pensa em treinamento esportivo? O praticado nos séculos passados ou esse esporte que pode ser observado nos atuais Jogos Olímpicos? Esses conhecimentos poderão ser inferidos para outras práticas corporais além dos esportes? Há manifestações às quais se podem aplicar os conceitos de treinamento além daqueles vinculados aos atletas de alto rendimento? A análise de conceitos de treinamento esportivo pode auxiliar no caminho dessas respostas. Conceito e composição do treinamento esportivo Segundo Tubino e DaCosta (2006),
12 Em específico e de acordo com a tradição da competição esportiva, chama-se treinamento esportivo ao conjunto de meios utilizados para o desenvolvimento das qualidades técnicas, físicas, e psicológicas de um atleta ou de uma equipe, tendo como objetivo final colocá-lo(a) na forma projetada na época certa da performance, considerando-se forma como a eficiência máxima de um indivíduo ou um grupo de indivíduos (equipe) em determinada prova esportiva (Tubino, 1979). Pode-se dizer que este conceito predominou até os finais dos anos 80 do século XX, mas, pela necessidade de ser identificado e aplicado a outras manifestações da cultura corporal foi ampliado. Assim, ainda segundo Tubino e DaCosta (2006), o conceito, Em geral e mais recentemente, contudo, o treinamento esportivo passou a visar à melhoria de uma determinada qualidade física (força, resistência etc.) para fins de forma física (fitness), como também saiu da perspectiva única do rendimento para uma abrangência mais ampla de acesso ao lazer e à saúde e de pleno direito à cidadania (TUBINO; BASTOS, 2003). O treinamento esportivo é a aplicação do conceito de treinamento para os esportes. Não só isso, os conhecimentos restritos originalmente aos esportes são aplicados a todos os programas que envolvem movimentos corporais. Movimentos esses que se apresentam de formas variadas e são denominados de exercícios físicos 7 nos colóquios e na linguagem popular. Além disso, não é componente ou assunto específico da Educação Física, mas por meio desses profissionais é aplicado 7 Melhor seria referi-se a eles como movimento corporal humano, para não perder o foco e a ideia de corpo que será apresentado neste texto. É comum, na visão cartesiana que se pretende separar, tratar o corpo como físico, no caso exercícios físicos, e mente como se fosse possível fazer exercícios que não incluíssem os dois.
13 a todos os programas de exercício físico com os conhecimentos científicos já adquiridos, ao mesmo tempo em que se torna direito de todos. Essa aplicação não é recente, como já citada anteriormente (TUBINO; TUBINO; GARRIDO, 2007), considerando que os jogos e os esportes eram praticados e treinados com base em fundamentos que até hoje fazem parte do processo de treino. Por isso, sem engano, qualquer modismo de novos métodos, qualquer novo "inventor" de método de treinamento revolucionário nos dias atuais pode estar nada mais nada menos fazendo coisas que já se faziam a milhares de anos no treinamento. Essa visão histórica do treinamento corporal permite adequações, contextualizações e melhorias dos métodos. A partir de diversos autores/obras (TUBINO; DaCOSTA, 2006; TUBINO; MOREIRA, 2003; DANTAS, 1986; GOMES, 2002;.WEINECH, 1986, 1991, 1999; ZAKAROV, 1992) que apresentam o tema para conceituar o processo de treinamento esportivo, devem-se considerar como componentes deste processo: 1) as três preparações - preparação técnico-tática, física e psicológica; 2) o controle do treino, baseado nas variáveis fisiológicas, biomecânicas, cinesiológicas, nutricionais, de doenças, de hábitos de vida; e 3) a identificação das variáveis influenciadoras e condicionantes, como: clima, altitude, material esportivo. Esses componentes devem estar sistematizados e organizados, permitindo planejamento com no mínimo: a) identificação clara do(s) objetivo(s) a ser(em) atingido(s) e quando se pretende alcançá-lo(s); b) identificação e descrição dos recursos necessários incluindo os humanos, materiais e financeiros; c) periodização das cargas do treinamento; d) administração do projeto de planejamento visando a sua realização. Todos esses componentes juntos (Quadro 1), possibilitam a formação do
14 conceito de treinamento esportivo que poderá ser ensinado pelo professor de educação física. Quadro 1. Componentes do treinamento esportivo de alto rendimento que podem ser aplicados ao conceito de treinamento corporal humano. Componentes do treinamento esportivo 1) três preparações técnico-tática física psicológica 2) controle do treino variáveis: fisiológicas biomecânicas cinesiológicas nutricionais de doenças de hábitos de vida Sistematizados e organizados, permitem planejamento com no mínimo: 3) variáveis influenciadoras e condicionantes clima altitude material esportivo ambiente a) identificação clara b) identificação c) periodização d) administração do do(s) objetivo(s) a e descrição dos das cargas do projeto de ser(em) atingido(s) e recursos treinamento planejamento visando quando se pretende necessários a sua realização alcançá-lo(s) (humanos, materiais e financeiros) Fonte: próprio autor Em geral o conceito está relacionado ao esporte de alto rendimento e aos atletas de alto nível competitivo. Funciona como à ideia de aplicação dos investimentos tecnológicos em carros de fórmula 1 para carros de passeio. Ou seja, o que funciona para a vida dos atletas, principalmente em relação aos seus bons rendimentos, passa a ser entendido como também importante para serem aplicados aos não atletas 8, até mesmo porque os primeiros representam uma grande oportunidade de experimentos e vivências, sendo hoje em dia acompanhados por 8 Ver diferença entre atleta e não atleta em Perez (2000).
15 comissões técnicas altamente especializadas, que dominam e aplicam os conhecimentos científicos, e que possuem recursos financeiros para atuarem com tecnologia e eficiência. Por outro lado, o esporte em si pode ser considerado uma instituição social (LIMA, 1979), portanto a prática educativa como prática social humana deve ser realizada em seu meio (PIMENTA, 1996). Só com essa identificação já bastaria para afirmar que o processo educativo, de ensino intencional e sistemático, deveria ocorrer em todos os locais da prática esportiva. Para esta tarefa foi destinada à Educação Física, por meio de seus profissionais, o papel de cumprir com tal responsabilidade. Portanto, todo saber relativo ao processo do treinamento de esportes deve fazer parte de um corpo de conhecimentos fundamentais para a formação do profissional que trabalhará nessa área de atuação, proporcionando-lhe competência técnica de ensino (FARIAS et al, 2012). Segundo Barbanti et al (2004), Qualquer que seja o nome utilizado, esta disciplina acadêmica cobre um grande número de sub-disciplinas, algumas já estabelecidas há longo tempo, outras ainda por se estabelecer. As sub-disciplinas (Biomecânica do Esporte; Fisiologia do Esporte; Medicina do Esporte; Psicologia do Esporte; Bioquímica do Esporte; Nutrição do esporte; etc.) desenvolveram áreas específicas de conhecimento, o chamado corpo de conhecimento, com muitas informações importantes para esta área do conhecimento. A compartimentalização dos componentes do treinamento, que parece ser uma ajuda no sentido didático para o estudo dos seus conteúdos, dificulta não só a visão de corpo desfragmentado como ajuda a esquartejar o corpo que treina, interferindo em sua compreensão e, principalmente, dificultando a interpretação
16 de um resultado esportivo. Mesmo assim, pode-se concordar com Miguel (2008), quando afirma que, [ ] a estrutura compartimentalizadora que assume o saber humano no espaço acadêmico é fruto de um conjunto variável de condicionamentos que pode incluir, por exemplo: o projeto político-acadêmico da comunidade de prática científica; o contexto geopolítico de ação de tal comunidade; o estado do conhecimento científico, tecnológico, filosófico e do conhecimento em geral em cada momento; as demandas e pressões políticas, econômicas, sociais e profissionais que imperam sobre a comunidade de prática científica em cada momento; o estado das instituições científicas, das instituições definidoras de políticas científicas, dos recursos tecnológicos e dos investimentos científicos; as relações institucionais de poder que envolvem os membros da comunidade de prática científica, bem como aquelas que se estabelecem entre essa e outras comunidades etc. Com esta visão, se aceita a tese de que deve existir uma forma em particular de se juntar os conhecimentos e possibilitar interpretações científicas, e ao mesmo tempo aplicações práticas a problemas relacionados ao processo de treinamento, criadas a partir da própria prática pedagógica do professor em sua atividade de aula, diga-se aqui treinamento também. De qualquer forma, o conhecimento sobre o treinamento esportivo, proposto como conteúdo para as ações pedagógicas do professor de educação física, quer seja nas aulas de educação física escolar ou em outros campos profissionais, emergem de conteúdos culturais universais, constituindo-se em domínio de conhecimento relativamente autônomos, incorporados pela humanidade e reavaliados, permanentemente, em face da realidade social (LIBÂNEO, 1986).
17 Não se trata, necessariamente, de treinar os alunos para determinado fim esportivo e de rendimento, mas sim sobre os conteúdos que permitirão a compreensão e o conhecimento sobre a área do saber, contribuindo com a educação e formação de sua cidadania nas três dimensões: atitudinal, conceitual e procedimental (DARIDO et al., 2001). Por exemplo, você não precisa ser o melhor jogador da sala de aula e muito menos ser campeão olímpico para aprender sobre a importância das preparações técnico-tática, física e psicológica, ou sobre a importância da formação de base para futuras evoluções de desempenho, ou qualquer outro conteúdo do processo de treinamento. Não se distingue aqui a função de professor simplesmente pelo local de atuação, ou seja, quando na quadra de uma escola ou na quadra de um clube ou de uma comunidade. O técnico esportivo, sobretudo professor de educação física, é professor e deve atuar com o compromisso pedagógico de educar, até mesmo por meio de uma escolinha de esporte. É claro que a escola, como espaço institucional é o ambiente mais bem apropriado para essa ação educativa, porém nem sempre o único local para se ensinar/educar. Então, porque abrir mão dessa oportunidade e, assim, destinar verdadeiros professores para assumirem essa função? O professor de educação física é reconhecidamente o agente mais importante, no que se vê na prática no Brasil, na força do binômio escola-clube em desenvolver o processo tradicional de formação de atletas, identificado pelos mesmos como um dos principais coautores nas primeiras letras no esporte e condutor na transição do estágio de iniciação ao estágio de aperfeiçoamento (PERES; LOVISOLO, 2006).
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