A função textual dos nomes deverbais
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- Nina Carneiro Sales
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1 A função textual dos nomes deverbais Roberto Gomes Camacho Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas Universidade Estadual Paulista Rua Cristóvão Colombo, 2265, CEP São José do Rio Preto, SP. camacho@ell.ibilce.unesp.br Abstract. This paper discusses the textual function deverbal nouns play in spoken discourse on the basis of information status to verify whether second order nouns representing states of affairs allow the same information distribution as the prototypical nouns which are by definition first order nouns. Keywords. Deverbal nouns; nominalization; information status. Resumo. Este trabalho discute a função textual que os nomes deverbais exercem no discurso falado com base no estatuto informacional tendo com o objetivo de verificar se nomes de segunda ordem, que representam estados de coisas, admitem a mesma distribuição informacional que os nomes prototípicos, que são, por definição, nomes de primeira ordem. Palavras-chave. Nome deverbal; nominalização; estatuto informacional. 1. Introdução Como construções encaixadas, os nomes deverbais são dotados de uma característica gramatical relevante: além de poderem preservar a estrutura argumental do predicado verbal de origem, podem atuar como um termo da predicação matriz (Dik 1997). Essa característica dá aos nomes deverbais a versatilidade funcional de exercer funções sintáticas, semânticas e pragmáticas de que não seriam capazes caso se mantivessem como verbos. Uma razão que favorece a seleção de uma NOM (doravante NOM) é a função textual-discursiva. Isso significa que empregar um nome deverbal possibilita ao falante introduzir um novo referente no discurso ou retomar uma predicação já enunciada no texto precedente, situação que vincula função textual e estatuto informacional. Isso posto, é tarefa crucial a análise do estatuto informacional que os nomes deverbais exercem no discurso. A hipótese a ser confirmada ou rejeitada diz respeito ao fato de que a função textual que os nomes deverbais exercem no discurso em função de seu estatuto informacional tornam os nomes de segunda ordem, que representam estados de coisas, similares, em termos informacionais, aos os nomes prototípicos, que são, por definição, nomes de primeira ordem; espera-se, todavia, que não haja uma incidência significativa de NOMs representando entidades completamente novas em função do caráter semanticamente pressuposto das NOMs. Os dados utilizados para o exame dessa hipótese são retirados de um corpus de língua falada restrito aos inquéritos de São Paulo do Projeto NURC EF -377 (Castilho Estudos Lingüísticos XXXIV, p , [ 183 / 188 ]
2 & Preti, 1986), D2-360 (Preti &Urbano, 1988) e DID-234 (Castilho & Preti, 1987) e, para o processamento dos dados, empregou-se o pacote estatístico VARBRUL. 2. Nominalização e estatuto informacional A NOM é entendida como uma predicação encaixada em Dik (1985) e em Dik (1997). Uma propriedade distintiva do modelo da GF é que ela incorpora regras produtivas de formação de predicados. Assim, em uma língua em que NOMs podem ser produtivamente derivados do verbo correspondente, as relações relevantes podem ser expressas em uma regra de formação de predicado. Segundo Dik (1985), na condição de predicado derivado, as NOMs submetem-se a ajustes formais próprios de um modelo prototípico de termo, que é o nome de primeira ordem, ou seja, os nomes concretos. Os ajustes mais comuns da predicação verbal encaixada à expressão do termo nominal são os seguintes: um predicado verbal torna-se um núcleo nominal; um operador de predicado verbal, como o sufixo modo-temporal, passa a zero no predicado nominal e, inversamente, um zero no predicado verbal, como a noção de definitude expressa pelo artigo, transforma-se num operador de termo no predicado nominal; o primeiro e o segundo argumento podem tanto assumir a forma de uma expressão de possuidor quanto a de um adjetivo; já um satélite adverbial só pode assumir a forma de um adjetivo (Dik, 1985; 1997). Os predicados verbal de (1a) e nominal de (1b) são casos ilustrativos desses ajustes. (1)a. O Brasil comprou rapidamente os dólares do mercado. b. A rápida compra brasileira dos dólares do mercado Sobre a relação entre NOMs e estatuto informacional vale a pena salientar que, mesmo constituindo predicações, o nome deverbal é um convite ao interlocutor para atentar para alguma entidade referencial. No caso de uma nominalização, como a de (1b), o referente não pode ser uma pessoa, animal ou outro objeto tangível, deve ser uma entidade de ordem superior, ou seja, de segunda ou de terceira ordem. Assim, embora o ponto de partida seja o da taxonomia dado/novo de Prince (1981), que, em geral, se aplica aos nomes de primeira ordem, que são nomes concretos, é justificável aplicá-lo também a NOMs. Prince (1981) estabelece três categorias para as noções dado e novo: Novo, Inferível e Evocado. A informação nova representa entidades que o falante introduz pela primeira vez no discurso. Essas entidades podem ser de dois tipos: completamentenova, quando o ouvinte tem de construir completamente a referência para o interlocutor, e não-usada, quando o ouvinte presume que a entidade correspondente já está no modelo discursivo do interlocutor. As entidades completamente-novas subdividem-se, por sua vez, em dois outros tipos: ancoradas e não-ancoradas; no primeiro caso o SN representado vincula-se a outra entidade já mencionada no texto precedente, o que não acontece com o segundo caso. Entidades evocadas são as que já ocorreram no modelo discursivo do ouvinte, podendo subdividir-se em dois tipos: entidades textualmente evocadas e situacionalmente evocadas, conforme o modo de manifestação no âmbito do texto ou na esfera dos participantes do discurso e dos fatores salientes do contexto situacional. Estudos Lingüísticos XXXIV, p , [ 184 / 188 ]
3 Por fim, um terceiro tipo de entidade discursiva é a inferível. Uma entidade discursiva é inferível se o falante supõe que o ouvinte pode identificar o referente pretendido, via razões lógicas ou plausíveis, a partir de outra entidade discursiva evocada ou inferível. Novamente, esse tipo de entidade se subdivide em dois tipos: inferível contido, que se refere a entidades cuja inferência está dentro do próprio SN, e inferível não-contido. Tendo apresentado o quadro teórico que dirige as hipóteses formuladas, passemos, agora, à análise das ocorrências. 3. Estatuto informacional e função textual dos nomes deverbais Na análise das ocorrências, verificou-se que, do total de 220 nomes analisados, há predominância de NOMs evocadas, com 45% (99/220), sobre NOMs novas, com 44% (96/220), e inferíveis, com 11% (25/220) das ocorrências. Os exemplos de (2a-b) contêm nomes representando entidades novas não-usadas, os de (3a-b), de entidades inferíveis e, finalmente, os de (4a-b), de entidades textualmente evocadas: (2)a. e eles viviam basicamente da coleta eram caçadores... (EF SP 405) b. imigravam para lugares mais quentes eles também precisavam acompanhar... o a migração da caça se não eles iam fica sem comer... (EF SP 405) (3)a. o paleolítico e período período...da pedra lascada...como vocês todos sabem... não é?... e...tem uma duração de aproximadamente seiscentos mil anos (EF SP 405) b. vocês:: se lembram que naquele primeiro texto que nós vimos aqui a respeito de estilo... há::... havia...três ou quatro citações que faziam referência exatamente a isso que estilo mudava (EF-SP-405:50) (4)a. então a arte vai nascer:: em função dessa NEcessidade... de se manter vivo... necessidade que vai se caracterizar de forma PRINcipal:: em termos de comida... (EF SP 405) b. no momento em que o homem... pré-histórico mexeu nos ossos carbonizados ficou com a mão... suja preta... e encostou as mãos não parede... ele percebeu que ele era capaz de CRIAR::... criar uma imagem::... que TANta semelhança... com o objeto real... que era a mão dele... (EF SP 405)...então:: ele vai tentar usar esta criação... que ele e capaz de fazer... para garantir a caça... (EF SP 405) Essa expressividade saliente das NOMs como entidades evocadas, associada à alta ocorrência de novas não-usadas, confirma, a princípio, a função discursivo-textual apontada por Mackenzie (1985), segundo a qual produzir uma NOM permite ao falante introduzir um novo referente no discurso ou retomar uma predicação como tópico dado. Em (2a-b), as NOMs referem-se a entidades introduzidas pela primeira vez no discurso, mas que podem ser presumidas pelo ouvinte em seu modelo discursivo. Constituem, dessa forma, entidades novas não-usadas. Esse tipo de NOM permite ao falante sinalizar ao ouvinte a introdução particularmente explícita de um novo referente discursivo, isto é, de uma noção referencial que permite fazer a identificação pretendida. A noção de entidade nova não-usada se aproxima muito do conceito de entidade evocada; é nova por ser introduzida pela primeira vez no discurso, embora já esteja incluída no conhecimento do ouvinte. Não há, por isso, necessidade de construir a Estudos Lingüísticos XXXIV, p , [ 185 / 188 ]
4 referência dessa entidade, o que constituiria uma entidade completamente nova. É por não haver a necessidade de construção da referência que uma entidade nova não-usada se aproxima da noção de entidade evocada. Nos exemplos (4a-b), as NOMs destacadas já se acham presentes no modelo discursivo do ouvinte e por isso são classificadas como evocadas. Não obstante, há uma diferença no grau de evocação das entidades por elas representadas. Em (4a), retoma-se um nome representando uma entidade referencial já introduzida no discurso (nome novo não-usado), e que depois foi retomada para dar continuidade à seqüência discursiva um nome evocado. Já em (4b), criação retoma toda a predicação dada anteriormente - criar uma imagem. Assim, enquanto necessidade, em (4a), evoca um nome novo nãousado, criação evoca toda uma predicação - os argumentos são facilmente recuperáveis no cotexto: o sujeito é ele (o homem pré-histórico) e o objeto é imagem. Embora pouco expressivas, não devem ser desprezadas as ocorrências de NOMs com estatuto informacional de inferível. Inferir uma entidade significa poder identificar o referente pretendido a partir de outra entidade discursiva.. Para inferir uma entidade x a partir de outra entidade y, é necessário que y já esteja disponível na memória do ouvinte. Em (3a), o nome duração surge num contexto em que se fala em períodos, especificamente o período paleolítico, e períodos, como se sabe, têm duração limitada. Em (3b), referência pode ser inferida de citação, já que, ao citar algo, o falante estámencionando ou fazendo referência a alguma entidade. Generalizando-se um pouco os resultados, pode-se tirar a seguinte dedução: tendo em vista a proximidade das três noções consideradas novo não usado, inferível e evocado -, pode-se postular o princípio de que dificilmente uma NOM é nova, ou, mais especificamente, completamente nova. É verdade que há função informacional derivada do fato de que, ao construir uma predicação como um nome, o falante convida seu interlocutor a atentar para um referente; entretanto, como, em geral, uma NOM de segunda ordem retoma uma predicação já enunciada no texto precedente, é pouco provável que a entidade nomeada seja totalmente desconhecida pelo ouvinte; ou está em sua memória, podendo ser presumida, ou pode ser inferida, ou evocada. Dado esse caráter não-completamente-novo, cabe verificar se a função sintática que as NOMs ocupam na predicação matriz, de alguma forma, interfere em seu estatuto informacional. A tabela abaixo apresenta o estatuto informacional das NOMs em relação à sua função sintática na predicação matriz, considerando apenas as funções argumentais. Tabela 1. Estatuto informacional do nome derivado e função argumental Função sintática do nome deverbal Novo Inferível Evocado Total N % N % N % N % Sujeito 11 35, , , ,0 Complemento 42 42, , , ,0 Outras funções 43 48, , , ,0 Total 96 44, , , ,0 Como se pode observar, a função exercida pelos nomes derivados, sejam eles novos, inferíveis ou evocados, é, majoritariamente, argumental e entre os argumentais, majoritariamente complementos. Os exemplos abaixo ilustram as ocorrências de nomes derivados com função sujeito e complemento, respectivamente: Estudos Lingüísticos XXXIV, p , [ 186 / 188 ]
5 (5) seiscentos mil anos é MUIto tempo... as:: manifestações artísticas começaram a aparecer no paleolítico superior... (EF SP 405) (6) quanto à coleta se eles dependiam... da colheita... de frutos... raízes... que eles NÃO plantavam... (EF SP 405) Analisando-se separadamente as duas funções argumentais, observa-se que a de sujeito cabe majoritariamente aos nomes evocados, com 62% (19/31), seguido dos nomes novos não-usados, com 35% (115/31). Essa ligeira predominância parece confirmar o fato de o argumento externo ser preferencialmente a informação dada, tópica, mesmo representado por uma entidade de segunda ordem.. Normalmente, o argumento interno é a informação nova, focal; não obstante, a função de complemento é ocupada tanto pelos nomes novos, com 42,0% (42/99), quanto pelos nomes evocados, com 44,0% (43/99) das ocorrências. O fato de haver uma diferença pouco expressiva entre NOMs na função de sujeito e na função de complemento, quanto ao estatuto novo não usado, mostra claramente o caráter informacionalmente específico das NOMs, que não são, como já mencionado anteriormente, nunca completamente novas. Esse caráter fica confirmado também no fato de não haver uma diferença saliente entre entidades nas funções de sujeito e de complemento com estatuto informacional de inferível. O que é mais importante salientar é que, não importa o estatuto informacional, a maioria das NOMs exerce função argumental de complemento do verbo da matriz, mais do que sujeito, e, se o estatuto é predominantemente o de entidade nova, difere de outros nomes na função de objeto, que são predominantemente completamente novos. Ilustram-se, abaixo, ocorrências de nomes evocados exercendo a função de sujeito, de nomes novos não-usados e inferíveis exercendo a função de complemento, respectivamente: (7) isto é de caça... que é o que oferece... uma resistência porque a:: fruta está na então eles não precisavam se preocupar... certo? (EF SP 450) então a preocupação central... vai ser em torno da caça... (EF SP 405) (8) imigravam para lugares mais quentes eles também precisavam acompanhar... o a migração da caça se não eles iam fica sem comer... (EF SP 405) (9) o paleolítico e período período...da pedra lascada...como vocês todos sabem... não e?... e...tem uma duração de aproximadamente seiscentos mil anos (EF SP 405). Como se pode observar em (7), preocupação, sujeito na predicação matriz, retoma uma predicação dada anteriormente: eles não precisavam se preocupar. Em (8), um novo referente é introduzido por meio da NOM migração, que funciona como complemento da predicação matriz. Por fim, em (9), o nome inferível duração é argumento interno da predicação matriz [o período paleolítico] tem. 4. Considerações finais Os dados, ainda que restritos aos três inquéritos do NURC-SP, confirmaram a hipótese de que os nomes deverbais de segunda ordem são similares, em termos informacionais, aos os nomes prototípicos, que são, por definição, nomes de primeira ordem. Se, por um lado, os nomes aos quais Prince se refere são entidades referenciais; Estudos Lingüísticos XXXIV, p , [ 187 / 188 ]
6 as NOMs, ou entidades de segunda ordem, não são propriamente referenciais, mas na qualidade de nomes passam a apontar para noções referenciais, já que um estado de coisas passa a ser construído como se fosse um referente. Essa característica permite não só aplicar a taxonomia de Prince (1981) aos nomes derivados, mas também assinalar que eles manifestam um comportamento muito próximo ao dos nomes prototípicos. Há, todavia, uma diferença que merece destaque. Detectada a possibilidade de aplicar a taxonomia informacional aos nomes derivados, observou-se adicionalmente que a entidade representada por uma NOM dificilmente pode ser nova, ou, mais especificamente, completamente nova. Em termos informacionais, é pouco provável que o referente para o qual ela aponta seja totalmente desconhecido pelo ouvinte, em razão da função textual que uma NOM exerce, que é a de retomar predicações já enunciadas. Referências CASTILHO, A. T., PRETI, D. (orgs.) A linguagem falada culta na cidade de São Paulo: materiais para seu estudo (Vol I: Elocuções formais). São Paulo: T. A. Queiroz/FAPESP, (orgs.) A linguagem falada culta na cidade de São Paulo: Vol. II: Diálogos entre dois informantes.. São Paulo: T. A. Queiroz/FAPESP, DIK, S. C. Formal and semantic adjustment of derived constructions. In: BOLKSTEIN et al. (eds). Predicates and terms in Functional Grammar. Dordrecht/Cinnaminson: Foris, 1985, p The theory of Functional Grammar. (Part II: Complex and Derived Constructions). Edited by Kees Hengeveld. Berlin/New York: Mouton de Gruyter, MACKENZIE, J. L. Nominalization and valency reduction. In: BOLKESTEIN, A. M. et al. (eds). Predicates and terms in Functional Grammar. Dordrecht/Cinnaminson: Foris, 1985, p PRETI, D., URBANO, H. (orgs.) A linguagem falada culta na cidade de São Paulo: Vol.III: Entrevistas: T. A. Queiroz/FAPESP, 1988 PRINCE, H. F. Toward a taxonomy of given-new information. In: COLE, P. (Ed.). Radical Pragmatics. New York: Academic Press, 1981, p Estudos Lingüísticos XXXIV, p , [ 188 / 188 ]
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