Aulas coletivas de baixo elétrico na Escola de Música de Manguinhos (EMM): um relato de experiência
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1 Aulas coletivas de baixo elétrico na Escola de Música de Manguinhos (EMM): um relato de experiência Paulo Roberto de Oliveira Coutinho Escola de Música de Manguinhos (EMM) Resumo: O presente estudo consiste em um relato de experiência elaborado a partir das aulas coletivas de baixo elétrico desenvolvidas na Escola de Música de Manguinhos (EMM), um projeto de extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A partir de princípios do ensino coletivo de instrumentos musicais adotados na EMM, foi possível elaborar duas aulas para turmas com alunos de níveis técnicos diferentes. As propostas metodológicas tiveram como base a música O Ovo (Hermeto Pascoal e Geraldo Vandré) e procuraram empregar conteúdos distintos contemplando as potencialidades de cada aluno nas respectivas turmas. Este estudo apresenta uma abordagem qualitativa estabelecida a partir de procedimentos de pesquisa como filmagem das aulas, a observação participante e anotação de diários de classe. Após a análise do material, as aulas foram descritas e possibilitaram o levantamento de questões relacionadas ao processo de ensinoaprendizagem em música diante de uma perspectiva não formal e informal de ensino. Palavras chave: educação musical, ensino coletivo, ensino formal, não formal, informal. Introdução A presente comunicação traz uma reflexão acerca de princípios adotados na proposta pedagógica da Escola de Música de Manguinhos (EMM), um projeto de extensão da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ), desenvolvido em parceria com a OSCIP Rede CCAP (apoios FIOCRUZ e CESVI, empresa italiana). A Escola apresenta como principal filosofia, a prática coletiva do ensino de música. Logo, todas as aulas de instrumentos musicais (violão, cavaquinho, guitarra, baixo elétrico, teclado, saxofone e outros) apontam
2 para uma abordagem na qual os alunos de diferentes faixas etárias e níveis técnicos musicais possam aprender de forma coletiva. Os métodos de ensino de música adotados no espaço, com base no referencial teórico adotado no Projeto Político Pedagógico, buscam aproximar procedimentos formais, não-formais e informais (CARVALHO, 2005; GHANEM; TRILLA, 2008; GREEN, 2005, 2012; WILLE, 2003; entre outros), entendendo como proveitosa a permeabilidade entre eles. Os conceitos de educação formal e não formal são entendidos, a partir da perspectiva de Ghanem e Trilla (2008), sendo o primeiro uma educação que possui legislação nacional que normatiza critérios e procedimentos específicos e o segundo, uma educação caracterizada pelo fato de não ter um currículo definido, quanto aos conteúdos, temas ou habilidades a serem trabalhadas. O conceito de educação informal é compreendido a partir da perspectiva de Green (2005, 2012), caracterizado por todo aprendizado adquirido a partir de outros meios, como por exemplo, o uso próprio de recursos de áudio visual, o convívio social, aprendizagem por imitação e repetição, sem o vínculo com qualquer instituição. A partir das concepções filosóficas aqui apresentadas, refletimos sobre possibilidades e estratégias pedagógicos que possam ser utilizadas pelo professor no ensino coletivo de música, analisando como o desenvolvimento de uma aula, partindo do coletivo para o individual e também de procedimentos de ensino não formal e informal, pode colaborar no processo de ensino-aprendizagem em música. Buscamos também verificar, como a criação de arranjos inerentes à potencialidade de cada aluno no grupo pode favorecer um processo de ensino-aprendizagem em música que tenha um significado satisfatório para o aluno. Portanto, pretende-se neste relato de experiência, apresentar uma proposta desenvolvida nas aulas coletivas de baixo elétrico na EMM, utilizando a música O Ovo (Hermeto Pascoal e Geraldo Vandré) em duas situações distintas, porém fazendo-se uso dos mesmos princípios adotados na escola para o ensino coletivo de música.
3 Metodologia e referencial teórico O referencial teórico deste trabalho subsidia a própria prática pedagógica da EMM. Neste sentido, busca-se como suporte teórico estudos que investigam as possibilidades de interação entre procedimentos formais, não formais e informais de ensino entendo-os como oportunos em um processo de ensino-aprendizagem (CARVALHO, 2005; GHANEM; TRILLA, 2008; GREEN, 2005, 2012; WILLE, 2003; entre outros). Os estudos de Cruvinel (2005), Tourinho (1995), Dantas (2010), dentre outros, subsidiam as ações metodológicas desenvolvidas no espaço, norteando todo o trabalho docente a partir dos princípios utilizados no ensino coletivo de música. Tais princípios são identificados como: privilegiar a aprendizagem pela escuta e imitação; considerar os gostos musicais dos alunos; privilegiar a música como principal produto em sala de aula; atender alunos com níveis técnicos diferentes de forma coletiva; introduzir elementos teóricos a partir da necessidade da prática, dentre outros. Quanto à metodologia deste estudo, faz-se uso de uma abordagem qualitativa (FREIRE, 2011; TRIVINÕS, 2011; VERGARA, 2009) estabelecendo os seguintes procedimentos: 1) a observação livre e/ ou participante; 2) filmagens das aulas; 3) anotações em diário de classe durante as aulas. Estes procedimentos corroboram para uma análise a respeito das questões que envolvem a prática de ensino na EMM e ao mesmo tempo, estabelecem caminhos para cumprir com os objetivos de pesquisa. Neste sentido, duas aulas com diferentes turmas foram o objeto de estudo neste relato de experiência. Logo, as mesmas foram filmadas possibilitando uma análise posterior do processo de ensino-aprendizagem, assim como a utilização dos diários de classe para a análise dos planos de aula e dos relatórios após cada aula. Assim, consideramos este método de pesquisa propício à verificação dos princípios do ensino coletivo de música que são adotados na prática de ensino do baixo elétrico.
4 As aulas de baixo elétrico na EMM O objetivo nas aulas de baixo elétrico na EMM é fazer com que o aluno consiga tocar o mais rápido possível de forma segura, consciente e principalmente, em conjunto. Geralmente as aulas comportam um número de três alunos por turma, em função do número de instrumentos e amplificadores disponíveis na escola. Como as turmas comportam alunos de níveis técnicos diferentes, há a necessidade de se pensar nesta diversidade, enquanto processo construtivo de conhecimento dentro das perspectivas do baixo elétrico. Por isso, conteúdos como: parâmetros do som, pulsação, identificação das notas no instrumento, escalas, ritmo, estudo de melodias e harmonias, acordes (tríades maiores e menores) e leitura de cifras, são apresentados e estudados considerando o nível técnico de cada aluno, de forma que cada um participe ativamente neste processo de aprendizagem em música. As músicas trabalhadas nas aulas funcionam como fio condutor para a abordagem desses assuntos em sala de aula. Neste estudo apresentamos duas propostas pedagógicas que podem exemplificar como alguns caminhos metodológicos podem contribuir para a abordagem de assuntos que contemplem as potencialidades dos alunos em cada grupo, considerando os diferentes níveis técnicos de cada um. Por meio das filmagens das aulas e com base nas anotações dos diários de classe, descrevemos as ações desenvolvidas com duas turmas de baixo elétrico, demonstrando as estratégias metodológicas nas respectivas situações de aula. As duas aulas tiveram como base a música O Ovo (Hermeto Pascoal e Geraldo Vandré) para a abordagem de diferentes conteúdos, considerando as diferenças técnicas dos alunos em cada turma. Aula 1: aprendendo a música... Este primeiro exemplo consistiu na abordagem de um arranjo da música O Ovo para três baixos contemplando níveis técnicos diferentes. Neste caso estabelecemos funções
5 no arranjo para alunos iniciantes, alunos de nível intermediário e alunos que estão em nível avançado. O arranjo foi construído na tonalidade de Lá maior possibilitando o uso das cordas soltas no baixo, compreendendo uma harmonia com dois acordes, sendo Lá (Tônica) e Ré (Subdominante), ambos maiores. A música, em compasso binário, apresenta uma forma binária. A primeira parte foi executada somente com a base no acorde de Lá maior e a segunda houve o emprego dos acordes, Ré e Lá sendo dois tempos para cada acorde. Neste caso as cordas Lá e Ré são utilizadas para a execução da tônica dos acordes. O aluno iniciante toca as respectivas cordas respeitando a ordem harmônica empregada no arranjo, tocando junto à pulsação da música. O aluno de nível intermediário toca as tríades dos respectivos acordes com o ritmo do baião e o aluno de nível avançado executa melodia da música. Neste sentido foi construído um arranjo para três baixos e, ao mesmo tempo, abordaram-se conteúdos como pulsação, tríades maiores, o modo mixolídio, técnicas aplicadas à digitação da mão esquerda (nos casos dos alunos de nível intermediário e avançado), exercitou-se de forma musical o pizzicato realizado com a mão direita (no caso do aluno iniciante), forma binária, dentre outros. Todos conseguiram executar suas partes durante a aula. Toda a abordagem foi conduzida por meio de imitação e reprodução. Os alunos foram submetidos a uma apreciação da referida música com o objetivo de capturar elementos relacionados a estilo, gênero, rítmica, dentre outros aspectos. Quanto à execução, ao longo da aula os trechos da música foram repetidos muitas vezes, procurando a cada repetição criar desafios e possibilidades para a participação de cada aluno neste processo. Aula 2: improvisação... Neste segundo exemplo, a mesma música foi utilizada para a o estudo de improvisação. Como no exemplo anterior, contamos com três alunos de níveis técnicos distintos. Porém todos já com uma experiência no instrumento. No primeiro momento da aula revisamos elementos já mencionados em aulas anteriores como exemplo: A formação dos acordes envolvidos na música proposta (os
6 acordes são: Lá e Ré); o modo mixolídio, sua característica e como aplicá-lo na música. Logo após, executamos a música proposta com exposição do tema. Este tema foi executado pelo professor da classe. Os alunos acompanharam fazendo a harmonia da música com o ritmo do baião proposto pela própria concepção da música. Apresentando a proposta para a improvisação, foi estabelecido um tempo livre para a improvisação de cada aluno em cima da harmonia da referida música. Em quanto um aluno improvisava, o restante do grupo o acompanhava fazendo a harmonia proposta. Após o termino do improviso, voltamos ao tema e logo em seguida ao término do tema, automaticamente a improvisação passa para o aluno seguinte. Assim, cada um teve a oportunidade de criar sua improvisação no tempo estabelecido conectado com todo o grupo. Nesta etapa cada aluno usou sua criatividade para improvisar desde a execução de uma ou duas notas do modo mixolídio de Lá, ou até mesmo o uso da escala inteira. Após esta etapa, exercitamos uma proposta de pergunta e resposta utilizando notas da escala utilizada na improvisação. Por exemplo, um aluno pergunta tocando duas notas, o próximo aluno responde com três notas e assim construiu-se uma espécie de diálogo entre os alunos, cada um perguntando e respondendo respeitando a quantidade de notas. Esta atividade foi se desdobrando com o acréscimo das notas executadas por cada aluno. Com essa atividade foi possível perceber e analisar as notas que podem funcionar como notas alvo (repouso) e as que funcionam como notas de passagem. Conteúdos como modo mixolídio e suas características na concepção da música abordada em aula, ritmo, melodia e harmonia foram contemplados nesta aula. Ao mesmo tempo a aula teve como objetivo: aprimorar a parte técnica no que diz respeito à digitação e postura de mão esquerda e direita no baixo elétrico; explorar variações rítmicas e melódicas a partir de notas e/ ou da escala no modo mixolídio de Lá maior; trabalhar aspectos referentes à improvisação, explorando a criatividade por meio da prática coletiva, enfatizando aspectos de condução rítmica e melódica a partir da execução do ritmo do baião aplicado ao baixo elétrico. Essas duas aulas tiveram desdobramentos em outros encontros com os alunos com o objetivo de aperfeiçoamento das técnicas empregadas inicialmente. A música utilizada nas
7 duas aulas estabelece um caminho oportuno para a abordagem de diversos elementos e mostra um caminho para a abordagem de assuntos posteriores. Este relato de experiência apresenta dois exemplos de situações de aula fazendo uso da mesma música, porém esclarecemos que, cabe ao professor também, pesquisar sobre possibilidades de músicas que sejam aplicáveis em determinada realidade de ensino. Considerações As duas aulas descritas configuram um modelo de ensino desenvolvido na EMM. Estabelecemos como principal premissa, a prática musical desde o primeiro momento, fazendo com que o aluno, sobretudo o iniciante, aprenda a tocar a partir do principal produto que temos disponível ao ensino: a própria música. Portanto, cabe ao professor: 1) criar possibilidades a partir de arranjos que abranjam elementos inerentes ao nível técnico de cada aluno; 2) pesquisar repertório adequado ao processo de ensino-aprendizagem; 3) considerar o que o aluno traz como sugestão musical para o trabalho em sala de aula; 4) criar mecanismos através de estratégias metodológicas que partam sempre do coletivo para o individual, propondo exercícios retirados do próprio contexto musical, dentre alternativas diversas. Esses princípios adotados na EMM são aplicados ao longo de estudos e observações da própria prática docente neste espaço e continuam sendo objeto de estudo pelos professores que lá atuam. Sem dúvida, é possível abrir aqui uma reflexão mais abrangente a respeito da aplicabilidade desses princípios em outros espaços, inclusive na educação básica. Partimos do princípio que em uma turma com aproximadamente quarenta alunos, o desafio é muito maior, tendo em vista, muitas vezes não haver espaço e estrutura adequada para a prática musical neste contexto. Porém, o desafio se estabelece neste ponto, a partir do momento em que o professor conhece a sua realidade de ensino e busca adotar estratégias que contemplem as expectativas da turma. Logo, entendemos a importância de se privilegiar procedimentos informais como: 1) o uso da imitação a partir da
8 escuta; 2) o uso reduzido de informações teóricas, partindo diretamente da prática musical, 3) adaptações necessárias, quanto à tonalidade, elementos rítmicos, melódicos e harmônicos nas músicas trabalhadas em sala de aula, 4) assimilação de conhecimento de forma pessoal de acordo com a preferência musical do aluno sem seguir um roteiro linear de conteúdos, partindo de músicas completas e reais ao próprio mundo cultural; 5) procurar cada vez mais privilegiar a prática musical em detrimento de práticas mecânicas puramente técnicas sem um objetivo musical. Neste sentido, entendemos que o uso de procedimentos informais articula a integração entre a apreciação, execução, improvisação e composição com ênfase na criatividade, tanto do professor quanto dos alunos (GREEN, 2012). Conceber práticas pedagógicas que contemplem a diversidade de gostos musicais e níveis técnicos diferentes no processo de ensino-aprendizagem não é uma tarefa fácil. Pelo contrário, se torna cada vez mais um dos desafios à prática docente em qualquer que seja o contexto. Este relato de experiência não busca a generalização, mas aponta um caminho que pode ser um ponto de reflexão sobre as práticas pedagógicas musicais em sala de aula na contemporaneidade. Sem o objetivo de levantar respostas, sinalizamos a necessidade da procura cada vez maior de estratégias metodológicas flexíveis, formuladas por princípios que estabeleçam um horizonte para a prática docente, procurando alternativas para o enriquecimento e o aperfeiçoamento da educação musical nos diversos contextos sociais na atualidade.
9 Referências CARVALHO, Livia Marques. Quem ensina arte nas ONGS? In: Contexturas o ensino de artes em diversos espaços. Marinho, Vanildo Mousinho e Queiroz, Luis Ricardo Silva (Orgs.). João Pessoa: Editora Universitária /UFPB, 2005 CRUVINEL, Flávia Maria. Educação musical e transformação social: uma experiência com ensino coletivo de cordas. Goiânia: Instituto Centro Brasileiro de Cultura, DANTAS, Tais. Aprendizagem do instrumento musical realizada em grupo: fatores motivacionais e interações sociais. In: Anais do I Simpósio Brasileiro de Pós-Graduandos em música. XV Colóquio do programa de Pós-Graduação em Música da UNIRIO, p Rio de janeiro 8 a 10 de Novembro de FREIRE, Bellard, Vanda. Horizontes da pesquisa em música. Rio de Janeiro: 7 Letras, GHANEM, Elie; TRILLA, Jaume. Educação formal e não-formal: pontos e contrapontos. Arantes, Valéria Amorim (Org.). São Paulo: Summus, GREEN, Lucy. How Populr Musicians Learn: a way for music education. England: Ashgate, GREEN, Lucy. Ensino da música popular em si para si mesma e para outra música: uma pesquisa atual em sala de aula. Revista da ABEM, Londrina - V. 20, número 28, 61-80, NEDER, Alvaro. Permita-me que o apresente a si mesmo: o papel da afetividade no desenvolvimento para o desenvolvimento da criatividade na educação musical informal na comunidade jazzística. In, revista ABEM, Londrina. Vol. 20, nº a 130, TRIVIÑOS, Augusto N. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais. A pesquisa qualitativa em educação. 20. reimp. São Paulo: Atlas, TOURINHO, Ana Cristina G. S. A. A motivação e o desempenho escolar na aula de violão em grupo: influência do repertório de interesse do aluno. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1995, 138p. VERGARA, Sylvia Constant. Métodos de coleta de dados no campo. São Paulo: Atlas, WILLE, Regiana Blank. As vivências musicais formais, não formais e informais dos adolescentes: três estudos de caso. Dissertação de mestrado apresentada ao programa de pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. (UFRS), 2003.
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