TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DE SÃO PAULO 9ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Batatais, em que são apelantes SILVANO FONSECA DA SILVA e ROBERTO RIVELINO DE OLIVEIRA FANTACINI, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO. ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento aos recursos. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores OTÁVIO HENRIQUE (Presidente) e SOUZA NERY. São Paulo, 28 de junho de SÉRGIO COELHO RELATOR Assinatura Eletrônica

2 VOTO Nº APELAÇÃO Nº COMARCA: BATATAIS 1ª VARA JUDICIAL APELANTES: SILVANO FONSECA DA SILVA E ROBERTO RIVELINO DE OLIVEIRA FANTACINI APELADA: JUSTIÇA PÚBLICA APELAÇÃO: Lesão corporal gravíssima. Tatuagem. Forma de lesão corporal de natureza deformante e permanente. Vítima relativamente incapaz para consentir com o lesionamento sem participação dos pais. Autoria e materialidade do crime devidamente comprovadas. Recursos dos réus improvidos. Pela r. sentença de fls. 107/110, cujo relatório fica adotado, Silvano Fonseca da Silva e Roberto Rivelino de Oliveira Fantacini foram condenados à pena de 2 (dois) anos de reclusão, regime aberto, como incursos no artigo 129, 2º, inciso IV, do Código Penal, com suspensão condicional da pena pelo período de dois anos, observadas as condições previstas no artigo 78, 2º do mesmo Codex. Não se conformando, apelaram os sentenciados. Roberto busca a absolvição, por atipicidade de conduta, sob o fundamento de que não há previsão legal acerca da necessidade de autorização para a realização de uma tatuagem em pessoa menor de idade. Afirma também que houve erro de tipo (fls. 144/147). Silvano, por sua vez, também pugna pela absolvição, por atipicidade de conduta. Cita precedentes, em que o consentimento de menor de 14 anos é considerado válido, e, por 2

3 conseguinte, não configura o crime de estupro (fls. 154/157). Os recursos dos réus foram regularmente processados, com contrarrazões (fls. 159/163). A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 169/172). Este é o relatório. A condenação era de rigor. Com efeito, ficou bem comprovado que, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na denúncia, os apelantes Silvano Fonseca da Silva e Roberto Rivelino de Oliveira Fantacini, agindo em concurso, ofenderam a integridade física de Tamires Mariana de Toledo, à época com dezesseis anos de idade, causando-lhe lesões corporais de natureza grave, consistentes em deformidade permanente, ocasionada pela combinação de instrumento perfurante e de elemento químico (tinta). Segundo o apurado, Silvano namorava a vítima à época dos fatos e, imaginando que Tamires o traía, dela resolveu se vingar, induzindo-a a fazer uma tatuagem, pois do contrário ele romperia o relacionamento. Depois de muito insistir com Tamires, Silvano levou-a à residência de Roberto, que era servente de pedreiro, mas nas horas vagas se dedicava a fazer tatuagens, ainda que não tivesse nenhuma formação na área ou os equipamentos adequados. Assim, mesmo sendo a vítima menor de dezoito anos e 3

4 sem a autorização de seus representantes legais, Roberto, a pedido de Silvano, tatuou na região inguinal esquerda de Tamires uma fadinha e, logo abaixo, o nome Silvano, causando-lhe deformidade permanente. Enquanto Roberto tatuava a vítima, Silvano, prosseguindo com a vingança, dirigiu-se à residência dos pais de Tamires e disse-lhes que o namoro com Tamires estava terminado, porque ela estava saindo com um tal de Juninho. Não satisfeito, Silvano voltou para pegar a vítima e, já dentro de seu veículo, disse que ela o estava traindo, pronunciou palavras de baixo calão e obrigou-a a descer do carro no meio do caminho, sob ameaça de agressão. Indagado pela vítima por que a induzira a fazer a tatuagem, mesmo sabendo que terminaria o namoro, Silvano respondeu: Isso é pra você ver o quanto eu sou pilantra. A despeito da versão exculpatória dos réus, ambos afirmando que a mãe da ofendida havia autorizado a realização da tatuagem (CD a fl. 119), as declarações da vítima Tamires Mariana de Toledo (CD a fl. 119) e da testemunha de acusação Dalva Maria de Oliveira Toledo (CD a fl. 119), acrescidas do boletim de ocorrência (fls. 03/04) e do laudo pericial de fls. 15/19, servem como prova cabal da materialidade delitiva, e também se constituem em importantes elementos de prova para a definição da autoria e formação do juízo de culpabilidade. A vítima Tamires disse que concordou em fazer a tatuagem, porque Silvano era seu namorado e também dizia que faria uma tatuagem com o nome dela. Salientou que sua mãe não sabia que ia fazer a tatuagem. Afirmou que, no dia do ocorrido, 4

5 Silvano insistiu muito para que fizesse a tatuagem, como prova de amor, e que o tatuador não pediu a apresentação de autorização de seus pais. Dalva Maria de Oliveira Toledo, mãe de Tamires, negou tivesse consentido na realização da tatuagem. Mencionou que confiava em Silvano como namorado de sua filha, mas que este a decepcionou, fazendo uma espécie de vingança com sua filha. As testemunhas de defesa, Miquéias Fonseca da Silva, irmão de Silvano, e Maria Aline Cândido Pereira, esposa de Roberto, apresentaram versões pouco críveis no sentido de tentar inocentar os increpados; contudo inconsistentes e sem o condão de comprometer a credibilidade dos relatos da vítima Tamires e de sua mãe Dalva. O acusado Silvano afirmou que Tamires queria fazer a tatuagem e que a mãe dela havia autorizado. O acusado Roberto, por sua vez, admitiu ter conhecimento de que os pais de Tamires não permitiam a realização da tatuagem, não obstante o desejo e a insistência da menor. Disse que em certo momento Tamires e Silvano chegaram à residência, afirmando que os pais de Tamires tinham autorizado e, confiando em tal declaração, acabou fazendo a tatuagem. Afirmou que durante o procedimento a mãe de Tamires ligou no seu celular, perguntando se já havia terminado de fazer a tatuagem. 5

6 A versão apresentada pelos acusados, contudo, não prevalece, diante do forte conjunto probatório. Nesse sentido, inteiramente inaceitável a tese da negativa de dolo e erro de tipo, levantadas pelas defesas dos apelantes, não havendo um só indício da alegada inocência de ambos. Em verdade, agiram os réus por sua própria conta e risco, malgrado sabedores da inexistência de autorização da mãe da vítima. Frise-se, nesse ponto, que a necessidade de autorização emerge da própria incapacidade relativa da vítima à época, não se podendo falar em existência de consentimento válido ou, ainda, em encontro de vontades a dar sustentação ao ato jurídico próprio, como mencionado pela defesa de Roberto (fl. 147). Como bem observado pelo douto Promotor de Justiça oficiante: ( ) a vítima foi enganada, sendo cediço que não houve ofensa apenas à sua integridade física, mas, também, à sua saúde, nesta compreendida alterações de ordem fisiológica ou psíquica. Além da vontade da vítima ter sido viciada pelo dolo do agente, que é causa de anulabilidade de ato jurídico, esta ainda era menor púbere, não tendo condições de manifestar validamente a sua vontade em razão de sua incapacidade civil, razão pela qual a legislação exige que em casos desta natureza seja necessário o consentimento dos genitores do menor para a realização da tatuagem. Não bastasse isso, ainda que fosse válida a manifestação da vontade da vítima no presente caso, em casos deste jaez, em 6

7 razão da indisponibilidade do bem jurídico tutelado, o consentimento seria irrelevante para afastar a caracterização do crime. (fl. 162). Aliás, como também bem ponderou o d. Magistrado, Fosse Tamires maior, seguramente que os fatos ficariam no campo da responsabilidade civil. Porém, por não ter atingido a maioridade, imperioso que sua declaração de vontade, para ser válida, haveria de ser complementada pela manifestação de sua genitora, assentindo na intervenção. (fl. 110). Oportuna, outrossim, a transcrição do seguinte aresto, que se ajusta, de modo perfeito, à hipótese dos autos. A tatuagem constitui forma de lesão corporal, de natureza deformante e permanente. Menores são incapazes juridicamente para consentir no próprio lesionamento, donde absolutamente ineficaz sua manifestação, à revelia dos pais. (RT 739/665). Como se vê, o desfecho condenatório era mesmo de rigor, não havendo que se falar em ausência de dolo ou erro de tipo, sendo de todo impertinente ao caso os precedentes jurisprudenciais trazidos à colação pelo apelante Silvano, relacionados ao crime de estupro. A reprimenda imposta aos réus foi devidamente individualizada e justificada, com concessão da suspensão condicional da pena. Não há o que reparar. 7

8 Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento aos recursos, confirmando a r. sentença monocrática. SÉRGIO COELHO Relator (assinatura eletrônica) 8