RELATÓRIO E VOTO. Desembargadora Avelirdes Almeida Pinheiro de Lemos

Transcrição

1 HABEAS CORPUS Nº ( ) COMARCA DE GOIÂNIA IMPETRANTE : ADEMAR FRANCISCO FRANÇA PACIENTE : CARLOS HUMBERTO SANTOS RELATOR : DR. SÍLVIO JOSÉ RABUSKE RELATÓRIO E VOTO Trata-se de ordem liberatória de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrada pelo causídico Ademar Francisco França, inscrito na OAB/GO sob o nº , em favor de CARLOS HUMBERTO SANTOS, já qualificado nos autos em epígrafe, sem indicar fundamentação legal, ao argumento de que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal, apontando como autoridade coatora a Juíza de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia-GO, Dra. Iara Márcia 1

2 Franzoni de Lima Costa. Afirma o impetrante que o paciente foi preso e autuado em flagrante, no dia 09 de outubro de 2013, pelo suposto crime de tráfico de drogas, consubstanciado no artigo 33, caput, da Lei nº /06. Afirma o impetrante a não ocorrência do crime de tráfico, eis que a droga não estava fracionada, não foi encontrado dinheiro com o paciente e este não vendeu para ninguém, tratando-se apenas de usuário. Aduz que a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva é carente de fundamentação idônea, porquanto ausentes os requisitos da cautelaridade elencados no artigo 312, do Código de Processo Penal, uma vez que não basta a alusão aos critérios previstos. Além disso, salienta que o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade da vedação da liberdade provisória no crime de tráfico de drogas, constituindo a prisão do paciente, afronta ao princípio da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal), mormente quando é detentor de bons predicados pessoais, pois é primário, tem bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita. Por fim, não restando devidamente caracterizado o 2

3 crime de tráfico de drogas, requer o impetrante a concessão liminar da ordem, para que seja relaxada a prisão do paciente, com a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor. Alternativamente, requer a concessão do presente writ, liminarmente, para que seja revogada a prisão preventiva, diante da ausência dos requisitos para a manutenção da segregação cautelar. Subsidiariamente, requer seja aplicada qualquer das medidas cautelares alternativas à prisão (artigo 319, do Código de Processo Penal), com consequente expedição do Alvará de Soltura em seu benefício. em caso de sentença condenatória. Pugna, ainda, pelo direito de apelar em liberdade, 19/63. O pedido veio instruído com os documentos de fls. fls. 66/69. O pleito liminar foi indeferido, consoante decisão de prestadas pela autoridade coatora (fl. 74). Solicitadas as devidas informações, estas foram A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer lançado às fls. 77/86, da lavra do Dr. José Fabiano Ito, manifesta-se pelo 3

4 conhecimento e denegação da ordem. É O RELATÓRIO. PASSO AO VOTO Consoante visto no relatório, cuida-se de Habeas Corpus, por meio do qual busca o impetrante a revogação da prisão preventiva de CARLOS HUMBERTO SANTOS, por negativa de autoria e sob o argumento de que a decisão que converteu o flagrante em prisão preventiva é desfundamentada e que, no caso, não se fazem presentes os pressupostos do artigo 312, do Código de Processo Penal, mormente por ser o paciente primário, com bons antecedentes, além de possuir endereço certo e profissão lícita, configurando-se a segregação afronta ao princípio da presunção da inocência. De início, quanto à tese de negativa de autoria, tratando-se de matéria eminentemente de mérito, transborda as estreitas vias de cognoscibilidade do writ, exatamente por exigir acurado exame fático-probatório, passível de análise apenas pelo juízo monocrático de 1º grau. Nesse sentido: HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NEGATIVA DE 4

5 AUTORIA. INVIABILIDADE DE EXAME NA VIA ELEITA. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PREDICADOS PESSOAIS. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. INADMISSIBILIDADE. 1- É incabível examinar, na via estreita do writ, a tese defensiva de negativa de autoria, por demandar dilação probatória e aprofundado exame de elementos de convicção. 2 a 5 Omissis. 6- Ordem conhecida em parte e, nesta extensão, denegada. (TJGO, HABEAS CORPUS Nº , Rel. DES. J. PAGANUCCI JR., 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgado em 17/10/2013, DJe 1420 de 05/11/2013). Em relação à ausência de fundamentação da decisão que manteve o paciente segregado, verifica-se que a autoridade impetrada, ao indeferir o pedido de revogação da prisão preventiva, assim se pronunciou (fls. 60/62), in verbis: Trilho, pois, nesse caminho, considerando o pedido inicial como de revogação de prisão preventiva. Analisando o pedido, bem como a documentação acostada, vejo que o requerente preenche os requisitos subjetivos necessários à concessão do benefício, contudo, há de se ressaltar que houve a apreensão de quantidade significativa de drogas. Assim, sem pretender adentrar ao meritum causae, até mesmo porque este não é o momento oportuno, verifico que, a manutenção da prisão do requerente, ao menos por ora, 5

6 mostra-se necessária, pois as circunstâncias do evento criminoso são graves. Extrai-se do APF, que policiais militares, em patrulhamento de rotina, avistaram o requerente conduzindo uma motocicleta Honda/Biz, juntamente com o menor Walisson Cardoso de Souza, na garupa, decidindo então em abordá-los. Vejo que após a abordagem, lograram êxito, os policiais, em encontrar em poder do requerente a droga apreendida e indagado, disse ter adquirido pela quantia de R$200,00 (duzentos reais), sendo que parte da droga seria usada juntamente com o menor e o restante distribuído em uma festa. Vejo que o menor Walisson, em seu depoimento, confirmou as informações do requerente, dizendo que ganharia uma parte da droga apreendida. Sem muitas delongas, vejo que as circunstâncias da prisão do requerente e o fato de ser o tráfico de drogas crime permanente, cuja consumação se propaga no tempo, tenho que, se posto em liberdade, poderá aquele encontrar estímulos na sensação de impunidade e continuar a delinquir, dilacerando ainda mais a já combalida sociedade que clama por um maior rigor estatal para frear a ousadia do avanço diuturno da traficância que cambaleia as famílias, desestruturando-as. Portanto, reputo que a manutenção da prisão cautelar ainda é necessária, como fator extra e endoprocessual para a manutenção da ordem pública e para garantia a aplicação da lei pena e escorreita instrução probatória. Grifos acrescidos. Por conseguinte, observa-se dos trechos da decisão 6

7 acima transcrita, que ela carece de fundamentação, na medida em que não demonstrou fato efetivamente concreto que justifique a decretação da custódia cautelar, não bastando, para a sua imposição, o amparo em afirmações genéricas. Sabe-se que tanto para a decretação quanto para a manutenção da prisão, por ser medida excepcional, é necessário que a decisão venha suficientemente fundamentada, nos termos do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. In casu, na referida decisão, não consta motivação idônea capaz de justificar a manutenção de sua constrição cautelar, uma vez que o Julgador Singular não indicou qualquer circunstância fática e processual que concretamente autorizasse a incursão da hipótese na previsão legal do artigo 312, do Código de Processo Penal, limitando-se a fazer referências aos indícios de autoria e materialidade delitiva, como a gravidade em abstrato do crime, justificativas estas insuficientes para demonstrar os pressupostos da garantia da ordem pública. Aqui cabe dizer que, embora sejam dotadas de credibilidade as afirmações do Juiz da causa quanto à imperiosa necessidade da decretação da prisão preventiva, tal argumento não serve de escusa para que o mencionado Magistrado possa se valer de fundamentos genéricos para a sua imposição. Sobre o tema, traz-se à colação julgado do Superior 7

8 Tribunal de Justiça: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. LIBERDADE PROVISÓRIA DENEGADA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA. MESMOS FUNDAMENTOS. GRAVIDADE DO DELITO. PRESUNÇÕES ABSTRATAS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM CONCEDIDA. I e II- Omissis. III. O simples juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado ao paciente, com descrição de circunstâncias inerentes às elementares do tipo penal, assim como presunções abstratas sobre a ameaça à ordem pública, não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar, se desvinculada de qualquer fator concreto ensejador da configuração dos requisitos do artigo 312, do CPP. IV. Deve ser reformada a sentença unicamente para revogar a prisão cautelar imposta ao paciente, sem prejuízo de que seja decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta. V. Ordem concedida, nos termos do voto do relator. (HC /SP, 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Gilson Dipp, j , unânime, Dje de ). Corte, in verbis: Na mesma linha de raciocínio, precedentes desta HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS AGRAVADO PELO INGRESSO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. PRISÃO PREVENTIVA. PEDIDO DE REVOGAÇÃO. NEGATIVA DE AUTORIA. CAPITULAÇÃO DA 8

9 DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DA LEI Nº / Omissis. 2 - Demonstrado que a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva da paciente, portadora de predicados pessoais, carece de fundamentação concreta, capaz de demonstrar a necessidade da manutenção da medida para garantir a ordem pública, além da pequena quantidade de droga apreendida, impõe-se a substituição da prisão cautelar pela liberdade provisória vinculada. 3 Omissis. 4 - Ordem concedida, com imposição de medidas cautelares (TJGO, HABEAS CORPUS Nº , Rel. DES. J. PAGANUCCI JR., 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgado em 20/08/2013, DJe 1377 de 02/09/2013). Grifos acrescidos. Importante, também, ressaltar que a Certidão de Antecedentes juntada à fl. 27, comprova ser o paciente primário, detentor de bons antecedentes, além de possuir profissão definida e endereço certo (fls. 29 e 30). Tais dados são reveladores da descaracterização da periculosidade concreta do paciente e, por conseguinte, não representa risco à garantia da ordem pública. De igual modo, em relação aos requisitos da conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal, não merece prosperar o decisum, visto que foram descritos de forma genérica, incapazes de assinalar que o paciente solto poderá trazer transtornos à 9

10 persecução penal. Daí porque, estando a decisão que indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva, sedimentada apenas em ilações, à míngua da presença concreta dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, previstos no artigo 312, do Código de Processo Penal, caracterizado está o constrangimento ilegal, ensejando a concessão da ordem. Dessa maneira, na esteira da doutrina e jurisprudência dominantes, a manutenção da custódia antecipada só se justifica quando fundada em motivação concreta sobre a sua real necessidade e quando presentes os seus requisitos autorizadores, o que, in casu, definitivamente não ocorreu. Seguindo entendimento desta colenda Câmara e, considerando, ainda, a possibilidade implementada pela Lei n /11 de se estabelecer medidas cautelares diversas da prisão preventiva e, em vista de uma alternativa mais viável a resguardar a efetividade do processo, com amparo no artigo 282, inciso I, do Código de Processo Penal, determino a imposição ao paciente das seguintes medidas cautelares (artigo 319, incisos I, IV e V, do Código de Processo Penal): 1 Comparecimento mensal ao Juízo processante (3ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia-GO), para informar e justificar suas atividades; 10

11 2 Proibição de ausentar-se da Comarca de Goiânia- GO, onde reside, sem prévia autorização judicial, por mais de 15 (quinze) dias; 3 Recolhimento domiciliar no período noturno e nos finais de semana, conforme determinado no Juízo a quo. Ressalto que, nos moldes do inciso II, do artigo 282, do Código de Processo Penal, a autoridade impetrada, por estar mais próxima dos fatos, poderá, diante das circunstâncias e condições pessoais do paciente, determinar outras medidas cautelares previstas no artigo 319, do Código de Processo Penal, ou até mesmo decretar a sua prisão preventiva, com base em novo título, desde que, fundamentadamente, demonstre serem adequadas ao caso concreto. Diante do exposto, desacolhendo o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, conheço parcialmente do pedido e, nesta parte, concedo a ordem impetrada, com aplicação das medidas cautelares acima transcritas. Comunique-se, com urgência, ao Juízo de origem (3ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia-GO), remetendo-lhe cópia desta decisão, a fim de que tome as providências cabíveis no sentido de viabilizar o imediato cumprimento, naquela instância de primeiro grau, das medidas cautelares impostas ao paciente. 11

12 Expeça-se o competente Alvará de Soltura em favor do paciente, colocando-o em liberdade, se por outro motivo não estiver preso. Goiânia, 28 de novembro de SÍLVIO JOSÉ RABUSKE JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU RELATOR (11/02) 12

13 HABEAS CORPUS Nº ( ) COMARCA DE GOIÂNIA IMPETRANTE : ADEMAR FRANCISCO FRANÇA PACIENTE : CARLOS HUMBERTO SANTOS RELATOR : DR. SÍLVIO JOSÉ RABUSKE EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NEGATIVA DE AUTORIA. INCOMPORTABILIDADE. VIA ELEITA INADEQUADA. NÃO CONHECIMENTO. 1 - A via estreita do Habeas Corpus, por ser de cognição sumária e rito célere, não admite discussão sobre a efetiva autoria da infração penal, por demandar aprofundada incursão no conjunto fático-probatório. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. VIABILIDADE. 2 Se a medida cautelar constritiva não está indicando, concretamente, os 13

14 requisitos constantes do artigo 312, do CPP, vulnerando, assim, o princípio constitucional insculpido no artigo 93, inciso IX, da CF, a soltura do paciente é medida que se impõe, com aplicação de medidas cautelares diversas da segregação provisória. Inteligência dos artigos 282, inciso II, c/c o 321, ambos do CPP. ORDEM CONCEDIDA, COM APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de HABEAS CORPUS Nº ( ) acordam os componentes da Primeira Câmara Criminal, do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade de votos, desacolhendo o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em conhecer parcialmente do pedido e, nesta parte, conceder a ordem impetrada, com aplicação das medidas cautelares alternativas à prisão, determinando a expedição de Alvará de Soltura em seu benefício, se por outro motivo não estiver preso, nos termos do voto do relator. Votaram com o relator, o Desembargador Nicomedes Domingos Borges, o Desembargador Itaney Francisco Campos, o 14

15 Desembargador Ivo Favaro e o Desembargador J. Paganucci Jr. Ivo Favaro. Presidiu a sessão de julgamento, o Desembargador Geral de Justiça, o Dr. Roberto Corrêa. Fez-se presente, como representante da Procuradoria Goiânia, 28 de novembro de SÍLVIO JOSÉ RABUSKE JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU RELATOR 15