AULA DE PORTUGUÊS : UM OLHAR CRÍTICO SOB O ENSINO DA LÍNGUA MATERNA
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- João Vítor Silveira Alcântara
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1 AULA DE PORTUGUÊS : UM OLHAR CRÍTICO SOB O ENSINO DA LÍNGUA MATERNA Carolina Moreira Iório Thiago Leonardo Ribeiro (Gdos CLCA UENP/CJ) Marilúcia dos Santos Domingos Striquer (orientadora CLCA UENP/CJ) Introdução A Língua Portuguesa (LP), com mais de 220 milhões de falantes, é a quinta língua mais falada no mundo, a mais falada no hemisfério sul, a terceira mais falada no mundo ocidental, e oficialmente falada em Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e no Timor-Leste. Por uma abrangência tão ampla, ou seja, por ser utilizada por milhões de pessoas em lugares tão diferentes, algumas diferenças se constituem como sotaques, expressões variadas, entre outros. Porém, problemas também se formam, por vezes, não por fatores geográficos ou quantitativos, mas históricos. Como é o caso da confusão, histórica, de considerar a língua portuguesa como a gramática da língua portuguesa, ou mais especificamente, de conceber que estudar/aprender a língua portuguesa é o mesmo que estudar/aprender a gramática dessa língua. Evidentemente, o estudo da primeira, da língua em si, é muito mais amplo que o da segunda, da gramática da língua, conforme preleciona Raupp (2009), Pensar que o estudo de uma língua reduz-se ao estudo de sua gramática é um pensamento equivocado; primeiramente porque a língua é uma entidade complexa, o que implica uma composição de subsistemas que se integram e se interdependem e, em segundo lugar, porque a língua é veículo de comunicação e, por conseguinte, é uma atividade interativa, portanto, envolve uma série de outros componentes, além do meramente gramatical (p. 15). No entanto, Batista (apud MORAES, online) expõe, o que fazem também muitos estudiosos e pesquisas acadêmicas, que na escola "ensina-se, fundamentalmente, a disciplina gramatical". Mesmo que os professores explorem diversos saberes como leitura, escrita, oralidade, escuta, como regem os documentos oficiais orientadores das práticas pedagógicas, como as Diretrizes Curriculares Estaduais do Estado do Paraná (DCE) (2010), o que é, ainda, muitas vezes, priorizado é o ensino da gramática tradicional, a gramática 398
2 normativa, em que as regras são apresentadas para serem decoradas e bem utilizadas na fala e na escrita. O ensino da língua portuguesa por professores atualizados, reciclados e preocupados com as mudanças na educação, está pautado na prática diária de atividades de fala, escuta, escrita e interpretação de textos, permitindo o desenvolvimento de habilidades necessárias para se transitar pelo mundo da escrita, reconhecendo os textos que circulam socialmente, e destinando-se a formar pessoas capazes de usar adequadamente a língua, para participar das práticas sociais, seja para aprender, informar-se, divertir-se, ou para se relacionar com outros indivíduos. Entretanto, ainda encontramos muitos alunos que encaram a LP como uma língua estrangeira, pois não condiz com a língua empregada em seu convívio social. Tal fato acaba por ridicularizar o aluno que fala de maneira diversa da língua padrão, sendo alvo de correção a todo momento, e ficando exposto às humilhações dos próprios colegas. Especula-se que muitos estudantes não sabem falar, muito menos escrever. No entanto, tal afirmação relacionada com o domínio da tradição gramatical já vem sendo combatida com inúmeros estudos. Portanto, é claro que o ensino da Língua Portuguesa está passando por mudanças, mas é preciso que se acabe com a ideia de que se deve corrigir o aluno que fala errado para que ele passe a escrever corretamente, visão pautada ainda, por alguns professores, nos preceitos da gramática normativa. O que deve ser feito é a conscientização dos alunos de que eles já sabem o português, e em relação aos professores, que se lembrem disso durante as aulas. Desta feita, segundo apontamentos de Neves (online), o bom ensino da LP leva o aluno a reconhecer a necessidade da leitura do letreiro do ônibus aos nomes das ruas, das fachadas das lojas, leituras fundamentais para a sua sobrevivência e orientação numa civilização construída a partir da língua escrita; ler o jornal, que vai relacioná-lo com o mundo; ler os poemas, que vão dar concretude, qualificar e expandir os limites de seus sentimentos; ler narrativas, que vão organizar sua relação com a complexidade da vida social, ler as leis e os regulamentos que regem a sua cidadania; ler os ensaios que apelam à sua racionalidade e a desenvolvem. E, uma boa escola disposta a olhar para frente e não para a repetição do passado, entende que trabalhar com o texto implica lidar com a incerteza e com o erro e não com a resposta certa, porque escrever é produzir e não reproduzir velhas certezas, pois certezas nos deixam estagnados, e errando, aperfeiçoando e aprimorando chegamos às novidades. 399
3 A pesquisa acerca do ensino da LP deve ocorrer sempre para se saber onde se está falhando, acertando, o que se deve fazer para melhorar, buscar conhecimento. Assim, nos propomos a analisar um poema, a fim de refletirmos sobre como, já há muito tempo, tal tema vem sendo objeto de discussão e estudos. Análise do poema pautada nas teorias conceituais de língua portuguesa e seu ensino Aula de Português (Carlos Drummond de Andrade) A linguagem na ponta da língua, tão fácil de falar e de entender A linguagem na superfície estrelada de estrelas, sabe lá o que ela quer dizer? Professor Carlos Góis, ele é quem sabe, e vai desmatando o amazonas de minha ignorância. Figuras de gramática, esquipáticas, atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me. Já esqueci a língua em que comia, em que pedia para ir lá fora, em que levava e dava pontapé, a língua, breve língua entrecortada do namoro com a prima. O português são dois; o outro, mistério. Estudando o poema de Carlos Drummond de Andrade, um dos principais poetas da literatura brasileira, em sua primeira estrofe: A linguagem/ na ponta da língua,/ tão fácil de falar/ e de entender, podemos compreender que o poeta faz uma referência à linguagem do cotidiano, o que podemos relacionar ao conceito de Gramática Internalizada, que é o conjunto de regras dominadas pelos falantes, as quais lhes permitem o uso cotidiano da língua. São os conhecimentos que habilitam o falante a produzir frases ou sequências de palavras de maneira tal que essas frases e sequências são compreensíveis e reconhecidas como pertencendo a uma língua (POSSENTI, 1996, p. 69). Nesse viés, encontra-se o ensino escolar classificado por Travaglia (2002) como um ensino produtivo, uma vez que a escola, 400
4 não quer alterar padrões que o aluno já adquiriu, mas aumentar os recursos que possui e fazer isso de modo tal que tenha a seu dispor, para uso adequado, a maior escala possível de potencialidades de sua língua, em todas as diversas situações em que tem necessidade delas (p. ). A segunda estrofe: A linguagem/ na superfície estrelada de estrelas,/ sabe lá o que ela quer dizer?, versa sobre a norma culta da língua, no sentido de uma visão predominante de que a linguagem, a constituída pela norma culta ou língua padrão, é muito distante das pessoas, é quase que incompreensível para a maioria das pessoas. Visão que não pode ser considerada errada, pois a norma padrão da língua, realmente, não é utilizada em muitas situações comunicativas. Ela é mais exclusiva de ambientes ou veículos que exigem uma formalidade maior. O problema é que como, muitas vezes, se acredita que a língua é sinônimo de gramática, ou seja, que falar a língua é só falar a norma padrão cria-se um distanciamento. A língua fica na superfície estrelada, isto é, em algum lugar distante que não o cotidiano das pessoas. É nesse sentido que os estudos de Bagno (1999) se encaminham, em uma tentativa de desfazer a ideia preconceituosa de que somente quem fala de acordo com a norma culta é que fala a nossa língua. O referido autor afirma que "o preconceito lingüístico se baseia na crença de que só existe uma única língua portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogadas nos dicionários" (BAGNO, 1999, p.40). Esses versos da segunda estrofe, portanto, fazem referência à Gramática Normativa que é o conjunto de regras que devem ser seguidas, [...] relativamente explícitas e relativamente coerentes, que, se dominadas, poderão produzir como efeito o emprego da variedade padrão (escrita e/ou oral) (POSSENTI, 1996, p ). Dessa forma, a Gramática Normativa seria aquela que expõe apenas os fatos da língua padrão, da norma culta de uma língua, norma essa que se tornou oficial, baseandose mais nos fatos da língua escrita. Essa, segundo reportagem da Revista Multidisciplinar da Uniesp Saber Acadêmico (2009, p. 112) é a forma como a Língua Portuguesa é encarada no contexto escolar, norteado quase sempre por regras enfadonhas e sem reflexão, não contemplando a linguagem como o meio em que as pessoas existem e agem. Para completar a ênfase dada ao ensino da gramática normativa que se realiza na escola, Drummond expõe na terceira estrofe: Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,/ e vai desmatando o amazonas de minha ignorância./ Figuras de gramática, esquipáticas,/ atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me. É possível compreender que a 401
5 figura do Professor Carlos Góis, ilustre professor, escritor, poeta e filólogo, que publicou inúmeros trabalhos didáticos como Dicionário de Raízes e Cognatos (premiado pela Academia Brasileira de Letras), é exaltada. É o professor quem esclarece as grandes dúvidas de Drummond em sua vida escolar. Contudo, é apresentada uma ideia de que é o professor de Língua Portuguesa o único detentor do conhecimento acerca do uso da referida língua. Nesse sentido, há uma menção a um dos mitos presentes no livro Preconceito Lingüístico: o que é e como se faz de Marcos Bagno (1999, p. 34), qual seja, português é uma língua difícil: porque temos de decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós. Ou seja, conceitos e regras só teriam mesmo sentido para a vida do professor de português que é tem convive diariamente com esses fatores. E a crítica à abordagem da língua como sinônimo de gramática nos dois últimos versos da terceira estrofe que caracterizam a atitude de abandono da língua cotidiana, da não consideração das muitas variantes da língua, para se aprender, se privilegiar apenas a norma padrão, a gramática normativa. Tal abandono, que ainda ocorre na atualidade, acontece, muitas vezes, por estímulo dos professores, principalmente os das primeiras séries, que desconsideram a bagagem não só linguística como cultural do aluno, promovendo uma ruptura entre a escola e a realidade (VIEIRA, 2010). Corroborando com o explanado, vale destacar os excertos seguintes retirados das Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2008), É na escola que um imenso contingente de alunos que frequentam as redes públicas de ensino tem a oportunidade de acesso à norma culta da língua, ao conhecimento social e historicamente construído e à instrumentalização que favoreça sua inserção social e exercício da cidadania. Contudo, a escola não pode trabalhar só com a norma culta, porque não seria democrática, seria a-histórica e elitista (p. 53). Devemos lembrar que a criança, quando chega à escola, já domina a oralidade, pois cresce ouvindo e falando a língua, seja por meio das cantigas, das narrativas, dos causos contados no seu grupo social, do diálogo dos falantes que a cercam ou até mesmo pelo rádio, TV e outras mídias. Ao apresentar a hegemonia da norma culta, a escola muitas vezes desconsidera os fatores que geram a imensa diversidade linguística: localização geográfica, faixa etária, situação socioeconômica, escolaridade, etc. (POSSENTI,1996). O professor precisa ter clareza de que tanto a norma padrão quanto as outras variedades, embora apresentem diferenças entre si, são igualmente lógicas e bem estruturadas (p ). Contudo, o que se prega como é na escola que [...], compreendemos que muitas vezes o que ocorre efetivamente é deveria ser na escola que.... Isto é, o que deveria 402
6 ocorrer, de acordo com Travaglia (2002) seria além de um ensino produtivo, o qual já abordamos, também e de forma entrelaçada um ensino descritivo, o qual objetiva mostrar como a linguagem funciona e como determinada língua em particular funciona. Fala de habilidades já adquiridas sem procurar alterá-las, porém mostrando como podem ser utilizadas. Trata de todas as variedades linguísticas. (p. 39). Assim, todas as variantes seriam estudadas de forma a não privilegiar uma sobre as outras, mas entender como elas se constituem, como funcionam, em que situações comunicativas são adequadas. Tal ensino pauta-se, principalmente, sobre a Gramática Descritiva, conceituada como conjunto de regras que são seguidas é a que orienta o trabalho dos lingüistas, cuja preocupação é descrever e/ou explicar as línguas tais como elas são faladas. (...) Pode haver diferenças entre as regras que devem ser seguidas e as que são seguidas, em parte como conseqüência do fato de que as línguas mudam e as gramáticas normativas podem continuar propondo regras que os falantes não seguem mais (POSSENTI, 1996, p. 65). Como mencionado, o que ocorre, então, é o trabalho com todas as variedades da língua e não apenas com a variedade culta, dando-se também atenção para a forma oral da língua. Vale ainda destacar que a gramática descritiva tem como ponto característico o fato de não possuir pretensão prescritiva. Não se preocupa em apontar erros, mas pode ir além da constatação de que essas formas existem, verificando, por exemplo, que elas são utilizadas por pessoas de diferentes grupos sociais ou, eventualmente, pelas mesmas pessoas em situações diferentes (POSSENTI, 1996, p. 68). A quarta estrofe: Já esqueci a língua em que comia,/ em que pedia para ir lá fora,/ em que levava e dava pontapé, / a língua, breve língua entrecortada/ do namoro com a prima. retrata uma linguagem sentimentalista e saudosista que se remete às variantes que o sujeito utilizava antes de chegar à escola, sua variante natural, familiar. Ao chegar à escola, conforme os versos demonstram, o que ocorre é um encontro com um ensino prescritivo, o qual leva o aluno a substituir seus próprios padrões de atividade lingüística considerados errados/inaceitáveis por outros considerados corretos/aceitáveis. É, portanto, um ensino que interfere com as habilidades lingüísticas existentes (TRAVAGLIA, 2002, p. 38). Fato que contribui para que os alunos, não se interessem pelo estudo da língua que se realiza na escola, que não gostem da disciplina de Língua Portuguesa, que considerem a língua portuguesa como difícil, cheia de regras. O que pode ser constatado igualmente na sociedade contemporânea. 403
7 Por fim, no último verso: O português são dois; o outro, mistério, o autor explicita que o português é aquele que se usa no dia-a-dia, em casa com a família, na rua com as pessoas, o outro, ou seja, o misterioso, é o português da escola, porque é cheio de normas e regras, fazendo menção a Gramática Normativa. Considerações Finais Percebe-se que a insatisfação com a escola, não raras vezes, vem do descontentamento com o ensino da língua materna, em que o ensino por tornar-se muito custoso, reflete em total descontentamento com a escola, tanto por parte do aluno que se torna indisciplinado por não acompanhar a turma, quanto pelo professor que se frustra por não conseguir alcançar seu objetivo que é a passagem de conhecimento ao aluno. Mister se faz reconhecer o aluno como cidadão, garantir sua inserção ativa e crítica na sociedade, e consequentemente a valorização de seus conhecimentos prévios como cultura, linguagem e experiências diversas, para o pleno desenvolvimento do ensino da Língua Portuguesa. Cabe à escola, mais especificamente ao professor, enfrentar os preconceitos linguísticos, ensinando o respeito à diferença e libertando-se de mitos quanto à língua, como o da existência de uma única forma correta de se falar, a fim de conscientizar os alunos sobre a necessidade de adequação da linguagem utilizada ao contexto de comunicação. Os estudos a respeito do tema em voga servem para manter os professores em contato permanente com as questões atuais relacionadas a sua ação e ao processo de ensino-aprendizagem. Vale ressaltar que por vezes torna-se muito difícil ao profissional da educação manter-se atualizado e motivado a buscar melhorias tendo em vista as condições de vida e trabalho, bem como a interferência de fatores de ordem social, econômica e política que influem diretamente na ação em sala de aula. Assim sendo, de todo o exposto extraímos que o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa resulta do bom relacionamento entre os itens envolvidos no processo educacional, ou seja, boa articulação entre aluno, conteúdo, professor e escola. 404
8 Referências bibliográficas BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico. 49ª ed. São Paulo: Loyola, MORAES, Eliana Melo Machado. A Gramática na Aula de Português. Disponível em: Acesso em: 16 de maio de NEVES, Iara C. B. et alli.(orgs.) Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. Porto Alegre: Ed da Universidade/UFRGS, Disponível em: Acesso em: 16 de maio de PARANÁ. SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares na Educação Básica Língua Portuguesa. Curitiba: SEED, POSSENTI, Sílvio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas-SP: Mercado das Letras, RAUPP, Eliane Santos. Língua Portuguesa. Ponta Grossa: Ed. UEPG, REVISTA MULTIDISCIPLINAR DA UNIESP SABER ACADÊMICO - n º 08 - Dez. 2009/ FAILI, Valmir Rogério. ISSN , pág Disponível em: Acesso em: 24 de abril de SANTOMAURO, Beatriz. O papel das letras na interação social. Revista Nova Escola. Ed Abril, Disponível em: fundamentos/papel-letras-interacao-social shtml. Acesso em: 16 de maio de TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para ensino de gramática no 1.º e 2.º graus. 8 ed. São Paulo: Cortez, VIEIRA, Débora. O que é ensinar Português? Disponível em: Acesso em: 24 de abril de Para citar este artigo: IÓRIO, Carolina Moreira; RIBEIRO, Thiago Leonardo. Aula de português : um olhar crítico sob o ensino da língua materna. In: VII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e Literários Anais... UENP Universidade Estadual do Norte do Paraná Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, ISSN p
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