Poder Judiciário JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Paraná 1ª TURMA RECURSAL JUÍZO B

Transcrição

1 PROCESSO ELETRÔNICO Nº /PR RELATORA : Juíza Narendra Borges Morales RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL RECORRIDO : CARLOS PORTO VOTO Trata-se de recurso do INSS contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, reconhecendo o tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, de 31/01/1960 a 04/02/1963, de 08/12/1963 a 16/02/1964 e de 01/12/1964 a 31/03/1967; o tempo de serviço urbano como sargento vinculado à Guarda Urbana do Paraná, de 21/08/1973 a 04/05/1977; bem como a especialidade da atividade de sargento, de 21/08/1973 a 04/05/1977, e de inspetor de segurança, de 01/03/1978 a 01/06/1986 e de 01/09/1986 a 31/03/1992. Alega, preliminarmente, nulidade da sentença por ofensa à ampla defesa e ao contraditório, tendo em vista que, mesmo diante de sua discordância, o juízo a quo admitiu a emenda à petição inicial depois de apresentada a contestação. Também, sustenta que a sentença é extra petita porque determinou o reconhecimento de tempo de serviço rural não pedido na inicial, de 01/01/1963 a 04/02/1963 e de 01/01/1966 a 31/03/1967. No mérito, alega que não há início de prova material para o trabalho rural e, também, que, no período, o autor trabalhou como professor. Quanto à atividade especial, pede o afastamento do enquadramento do período de trabalho na Guarda Urbana do Paraná, porque o uso de arma de fogo foi referido apenas pela prova testemunhal, inexistindo documentos comprobatórios. Pela eventualidade, requer que os efeitos financeiros da condenação sejam ser fixados a partir de 25/11/2008, quando foram juntados novos documentos nos autos físicos complementares, os quais teriam sido utilizados pela sentença para fundamentar a condenação. Ainda, pede que a atualização dos salários-de-contribuição utilizados no cálculo da aposentadoria seja feita apenas até a data de início de benefício a ser concedido ( , ou DER), e não sempre até a data do requerimento. Finalmente, alega que deve ser aplicado o art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei /2009, na atualização dos valores da condenação. Após as contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento. É o relatório [FBK /FBK] 1/8

2 1. Preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa Deve ser afastada a alegação de nulidade da sentença, tendo em vista que, no âmbito dos Juizados Especiais Federais vige a regra de que não existe nulidade sem comprovação de prejuízo (art. 13, 1º, da Lei 9.099/95 c/c art. 1º da Lei /2001). E, no caso dos autos, não procede o argumento da autarquia de que o aditamento da inicial, após sua citação, ofendeu os princípios da ampla defesa e do contraditório. É certo que os artigos 264, parágrafo único, e 294, ambos do CPC, estabelecem normas estabilizadoras da demanda, cuja finalidade é assegurar a delimitação da controvérsia e garantir que o processo siga em frente de forma segura, tanto para o magistrado, que saberá os pontos controvertidos a serem resolvidos, quanto para as partes, que poderão se defender plenamente das alegações da contraparte. Vige, portanto, a regra da impossibilidade de aditamento ou modificação do pedido e da causa de pedir após a citação do réu, mas ela não é dotada de caráter absoluto, pois pode ser afastada quando confrontada com outros princípios norteadores do processo, especialmente o da razoável duração, e quando observados os direitos da parte adversa, como a garantia de ampla defesa e do contraditório. É nessa linha de pensamento que o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, na tentativa de harmonizar nossa legislação processual com as disposições constitucionais e com o objetivo de se dar maior rendimento a cada processo, propõe em seu artigo 314 que o autor poderá, enquanto não proferida a sentença, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, desde que o faça de boa-fé e que não importe em prejuízo ao réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de quinze dias, facultada a produção de prova suplementar. Apesar de não ser um dispositivo vigente, demonstra claramente o norte que deve ser seguido na busca de um processo efetivo, instrumento de pacificação social. Plenamente razoável e condizente com as novas linhas do processo civil a medida adotada pelo juízo a quo, que visou preservar o direito da parte autora em resolver definitivamente seu problema diante do INSS, e, ao mesmo tempo, permitiu que a autarquia exercitasse seu direito de defesa de forma plena, com abertura de novo prazo para aditamento da contestação. Segundo consta da decisão que admitiu a emenda à inicial: (...) o acolhimento da emenda formulada pela parte autora se mostra extremamente útil, pois possibilita a dedução de todas as suas pretensões em face do réu no processo já instaurado, evitando-se, assim, futura demanda, com todos os ônus que [FBK /FBK] 2/8

3 lhe são inerentes. (...) Em se tratando de ação promovida diretamente pela própria parte, sem a assistência de advogado, como é o caso, encontra-se plenamente justificada a eventual inobservância a aspectos de ordem eminentemente processual no tocante à prática dos atos que lhe competem, já que a parte não dispõe de conhecimentos técnicos para tanto, e não deve, por isso, ser prejudicada. Não há, portanto, qualquer prejuízo ao direito de defesa e ao contraditório, inclusive porque toda a instrução processual se desenvolveu, com a participação do réu, após o aditamento da inicial pelo autor. Nessa circunstancia, não existe nulidade na sentença. 2. Do tempo de serviço rural 2.1. Nulidade da sentença extra petita A sentença delimitou o pedido de averbação de tempo rural aos seguintes períodos: 01/12/1956 a 01/03/1959, 31/01/1960 a 04/02/1963, 08/12/1963 a 16/02/1964, 01/12/1964 a 31/03/1967. Deixou de reconhecer apenas o primeiro e condenando o INSS a computar os demais no tempo de contribuição do autor. Neste ponto, o INSS alega que a sentença é extra petita porque determinou o reconhecimento de tempo de serviço rural não pedido na inicial, de 01/01/1963 a 04/02/1963 e de 01/01/1966 a 31/03/1967. Primeiramente, o autor afirmou que trabalhou em atividade rural de 1956 a 1962 e de dezembro/1963 a Com a emenda à inicial, esclareceu melhor os períodos de atividade rural que pretende comprovar, afirmando que trabalhou na roça de dezembro/1956 até o início de 1959, quando passou a trabalhar na Fábrica de violões Tranqüilo Gianini S/A (01/12/1956 a 01/03/1959). Ao final do contrato de trabalho, no início de 1960, retornou ao campo para trabalhar com os pais, permanecendo até o início de 1963, quando passou a dar aulas na Escola Municipal Rural de Umuarama, na Estrada Cedro (31/01/1960 a 04/02/1963). Disse que deu aulas até o fim de 1964, mas afirmou que voltou a trabalhar na lavoura de 1965 até o início de 1967, quando novamente lecionou como professor na mesma escola (01/01/1965 a 31/03/1967). A partir de então, não mais trabalhou na agricultura. O INSS não considerou a emenda à inicial promovida pelo autor: os períodos que menciona estão contemplados no pedido. Apesar disso, é possível a exclusão, de ofício, dos períodos não requeridos pelo autor, por força do princípio da congruência, estampado nos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil [FBK /FBK] 3/8

4 A sentença concedeu ao autor mais do que pediu em relação aos interregnos de 08/12/1963 a 16/02/1964 e de 01/12/1964 a 31/12/1964, pois, depois do início da atividade de professor na Escola Rural, o autor afirmou que lecionou até o fim de 1964, voltando à lavoura em Assim, deve ser considerado o primeiro dia do ano de 1965 como termo inicial do novo período rural. Deve-se afastar, portanto, o reconhecimento da atividade rural de 08/12/1963 a 16/02/1964 e 01/12/1964 a 31/12/1964, permanecendo a obrigação do INSS de computar apenas os lapsos de 31/01/1960 a 04/02/1963 e 01/01/1965 a 31/03/ Reconhecimento dos períodos de atividade rural Em relação ao reconhecimento do restante do tempo de serviço rural, mantenho a sentença por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 46, da Lei nº 9.099/95, aplicável subsidiariamente aos Juizados Especiais Federais, tendo em vista o vasto conjunto probatório anexado aos autos e, também, a harmonia da prova testemunhal colhida em audiência. O autor trabalhou na lavoura, em regime de economia familiar, antes de começar a dar aulas na pequena escola rural da Estrada Cedro, próximo à Estrada Juvenal, onde morava, e, também, durante os períodos de recesso escolar, no fim e no início de cada ano. Apesar de possuir apenas a 4ª serie do primário, era um dos que tinha maior instrução, e, por isso, foi contratado para dar aulas aos alunos da localidade, sem, contudo, deixar de auxiliar a família na lavoura, especialmente nos períodos em que não lecionava. A atividade de professor, no caso, era relevante do ponto de vista financeiro, mas não dispensava o retorno ao trabalho rural quando terminavam os contratos com a Prefeitura de Umuarama. A sentença deve ser mantida, no ponto. 3. Do tempo de serviço especial Não assiste razão ao INSS quando pede o afastamento do enquadramento do período de trabalho na Guarda Urbana do Paraná como atividade especial. Muito embora o uso de arma de fogo tenha sido referido apenas pela prova testemunhal, deve-se ressaltar que milita em favor do autor a presunção de que, na função de sargento da Guarda Urbana do Paraná (corporação auxiliar de polícia), o porte de arma de fogo era inerente à profissão, porque é o que ordinariamente acontece [FBK /FBK] 4/8

5 em situações da espécie, de modo que, em casos como o presente, o juiz precisa se valer da regra do art. 335 do CPC. Foi juntado aos autos o processo administrativo de concessão de aposentadoria de Orlando Sávio, testemunha e colega de trabalho do autor, onde consta formulário da empresa Guarda Urbana indicando que, no serviço, havia exposição aos riscos de agressões físicas e a assaltos, já que trabalhava com arma de fogo correndo risco de vida (PROCADM1, evento 45). Tal documento, embora não seja prova plena do porte de arma pelo autor, pode ser aproveitado como mais um elemento indicativo de que o trabalho ocorria de forma armada. O INSS, nesse caso, reconheceu a especialidade do período e computou o acréscimo de 40% no tempo de serviço de Otávo Sávio (PROCADM3, evento 45). Nessas circunstâncias, não se deve afastar o reconhecimento da especialidade do trabalho do autor, como sargento, junto à Guarda Urbana do Paraná, inclusive porque é entendimento deste colegiado que até a entrada em vigor do Decreto 2.172/97, há o enquadramento de atividade exercida em condições de periculosidade, mediante a demonstração, por qualquer forma, de que o risco era indissociável da prestação do serviço do trabalhador (RCI , Primeira Turma Recursal do PR, julgado em 29/04/2010). 4. Dos efeitos financeiros da decisão Pela eventualidade, o INSS pediu que os efeitos financeiros da condenação sejam ser fixados a partir de 25/11/2008, quando foram juntados novos documentos nos autos físicos complementares, os quais teriam sido utilizados pela sentença para fundamentar a condenação. Não lhe assiste razão. Segundo as Turmas de Uniformização de Jurisprudência, os efeitos financeiros devem correr a partir do requerimento administrativo, se o segurado levar ao conhecimento da autarquia determinada pretensão e ela não cumprir com seu dever de eficiência, que abrange a orientação adequada do segurado e a solicitação dos documentos necessários ao reconhecimento do direito pleiteado. É o que se extrai, mutatis mutandis, do seguinte aresto: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO RURAL. RECONHECIMENTO. EFEITOS FINANCEIROS. 1. Se na data do primeiro requerimento administrativo o segurado postula o reconhecimento de atividade campesina, em regime de economia familiar, e apresenta [FBK /FBK] 5/8

6 início de prova material, os efeitos financeiros da concessão da aposentadoria efetuada judicialmente devem retroagir à data daquele primeiro requerimento, mesmo que haja juntada posterior de documentos. Isto porque naquela oportunidade a parte já havia externado a sua pretensão e preenchia os requisitos para obter o benefício. Se não apresentou todos os documentos naquela época foi por falta de instrução ou orientação do próprio INSS. Precedentes desta Turma de Uniformização e da TNU. 2. Pedido de uniformização de jurisprudência conhecido e provido. (, IUJEF , Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator Antonio Fernando Schenkel do Amaral e Silva, D.E. 24/03/2010) No caso, o autor pediu no requerimento administrativo o reconhecimento do período laborado na Guarda Urbana do Paraná e, assim, caberia ao INSS tê-lo orientado e realizado a justificação administrativa para o reconhecimento do período, inclusive, com o enquadramento especial. Portanto, os efeitos financeiros devem correr a partir da DER. 5. Do termo final da atualização dos salários-de-contribuição Assiste razão ao INSS em relação a necessidade de atualização dos salários-de-contribuição utilizados no cálculo da aposentadoria apenas até a data de início de benefício a ser concedido ( , ou DER). A questão foi julgada pela Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência, no IUJEF Nº /SC, Relatora Juíza Jacqueline Michels Bilhalva, sessão de 28/11/2008, uniformizando-se o entendimento de que "de ou , conforme o caso, até a data de entrada do requerimento (DER), (...) a renda mensal inicial deverá ser atualizada com observância do disposto no parágrafo único do art. 187 do Decreto nº 3.048/99, devendo ser reajustada pelos mesmos índices aplicados aos benefícios". Prescreve o art. 187 do Decreto 3.048/99: Art É assegurada a concessão de aposentadoria, a qualquer tempo, nas condições previstas na legislação anterior à Emenda Constitucional nº 20, de 1998, ao segurado do Regime Geral da Previdência Social que, até 16 de dezembro de 1998, tenha cumprido os requisitos para obtê-la. Parágrafo único. Quando da concessão de aposentadoria nos termos do caput, o tempo de serviço será considerado até 16 de dezembro de 1998, e a renda mensal inicial será calculada com base nos trinta e seis últimos salários-de-contribuição anteriores àquela data, reajustada pelos mesmos índices aplicados aos benefícios, até a data da entrada do requerimento, não sendo devido qualquer pagamento relativamente a período anterior a esta data, observado, quando couber, o disposto no 9º do art. 32 e 3º e 4º do art [FBK /FBK] 6/8

7 Denota-se, portanto, que, no caso de direito adquirido à aposentadoria por tempo de serviço na data da EC nº 20/98 ou na data da Lei 9.876/99, a atualização dos salários-de-contribuição integrantes do período básico de cálculo ocorrerá até a data de início do benefício ( ou ), a partir de quando a renda mensal inicial calculada será corrigida pelos índices de atualização dos benefícios previdenciários até a data do requerimento administrativo. Nesse ponto, portanto a sentença deve ser reformada. 6. Da correção monetária e dos juros de mora (art. 1º-F, Lei 9494/97) Também, assiste razão à autarquia no que se refere à correção monetária e juros, conforme entendimento desta turma recursal, que vem aplicando a Lei /2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97: Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. A questão foi analisada pela Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região, que decidiu ser aplicável a Lei de 29/06/2009 para atualização e juros de mora do débito judicial, independentemente da data em que ajuizada a ação, porque não existe o direito adquirido a uma forma de juros/correção. (IUJEF , sessão de 19/03/2010). O TRF da 4ª Região também vem aplicando a nova legislação: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CORREÇÃO MONETÁRIA. LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE. APLICAÇÃO. A contar de , data em que passou a viger a Lei n.º , de , que alterou o art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97, para fins de atualização monetária e juros haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. (TRF4, AG , Sexta Turma, Relator Celso Kipper, D.E. 02/06/2010) Nesse ponto, também, a sentença deve ser reformada [FBK /FBK] 7/8

8 7. Conclusão Poder Judiciário Com a exclusão dos pequenos períodos de atividade rural, de 08/12/1963 a 16/02/1964 e 01/12/1964 a 31/12/1964, conforme analisado no item 2, não há prejuízo à concessão da aposentadoria ao autor. Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos da fundamentação. Sem condenação em honorários. Narendra Borges Morales Juíza Federal Relatora [FBK /FBK] 8/8