DIVERSIDADE GENÉTICA E SISTEMA DE REPRODUÇÃO EM UMA POPULAÇÃO BASE DE
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- Raphaella Galindo Quintanilha
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1 DIVERSIDADE GENÉTICA E SISTEMA DE REPRODUÇÃO EM UMA POPULAÇÃO BASE DE Eucalyptus camaldulensis Dehnh. PROCEDENTE DE KATHERINE RIVER, AUSTRÁLIA* Patrícia Ferreira ALVES** Janete Motta da SILVA** Deise Reis de PAULA** Hélio Sandoval Junqueira MENDES** Cristina Lacerda Soares Petrarolha SILVA** Miguel Luiz Menezes FREITAS*** Alexandre Magno SEBBENN*** Mario Luiz Teixeira de MORAES** RESUMO O objetivo deste trabalho foi avaliar por marcadores microssatélites a diversidade genética e o sistema de reprodução de uma população base de Eucalyptus camaldulensis composta por 25 progênies de polinização aberta, localizada na Fazenda de Ensino e Pesquisa da UNESP de Ilha Solteira, em Selvíria MS. Foram genotipadas 100 árvores de 25 progênies de polinização aberta (4 árvores/progênie) para oito locos microssatélites. Todos os locos avaliados foram polimórficos. A heterozigosidade observada nas matrizes ( Hˆ o 0,751) foi significativamente maior que a observada nas progênies ( o ), o que indica que algum processo está reduzindo a heterozigosidade nas progênies. O índice de fixação observado nas matrizes ( Fˆ 0,118) foi significativamente menor que o detectado nas progênies ( ˆ, ), sugerindo seleção a favor de heterozigotos. A estimativa da taxa de cruzamento multiloco foi alta ( ˆt m 0,937 ), mas significativamente diferente da unidade (1,0), revelando que a espécie é de sistema misto de reprodução com predomínio de cruzamentos. A taxa de cruzamento entre parentes foi também alta e significativamente diferente de zero ( ; P < 0,05), o que juntamente com m s a taxa de autofecundação explicam a alta taxa de endogamia detectada nas progênies. De modo geral, foi observada alta diversidade genética nas árvores matrizes e nas progênies. Como a diversidade genética é fundamental para programas de conservação e melhoramento genético, este resultado indica que a população estudada tem alto potencial para ser usada para estes propósitos. Palavras-chave: diversidade genética; Eucalyptus; marcadores microssatélites; taxa de cruzamento. ABSTRACT The aim of this work was to evaluate the genetic diversity and the mating system of a base population of Eucalyptus camaldulensis, composed of 25 open-pollinated families, located in the experimental station of UNESP Ilha Solteira, in Selvíria MS. One hundred individuals from 25 families (4 trees/family) were genotyped through eight microsatellite loci. All evaluated loci were polymorphic. The observed heterozigosity in the seed-trees ( Ĥ o 0,751) was significantly higher than observed in offspring ( Hˆ o 0,353 ), indicating that some process is reducing the heterozigosity in the offspring. The fixation index in the seed-trees ( Fˆ 0,118) was significantly lower than detected in offspring ( ˆ ), suggesting selection for heterozygotes. The estimative of the multilocus outcrossing rate was high ( ), but significant different from unity (1.0), revealing that the species have a mixed mating system with predominance of outcrossing. The rate of mating among relatives was also high and significant different from zero ( P < 0.05), which together with the selfing rate explain the high inbreeding detected in the offspring. In general terms, high genetic diversity was detected in seed-tree and offspring. Since the genetic diversity is the raw material for genetic conservation and breeding programs, this result indicates that the studied population has high potential to be used for these purposes. Keywords: genetic diversity; Eucalyptus; microsatellite markers; outcrossing rate. (*) Aceito para publicação em julho de (**) Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira/UNESP, Caixa Postal 31, , Ilha Solteira, SP, Brasil. (***) Instituto Florestal, Caixa Postal 1322, , São Paulo, SP, Brasil.
2 170 1 INTRODUÇÃO Quando se pretende manipular populações em programas de melhoramento e conservação genética, um dos principais processos a ser conhecido é o sistema de reprodução das espécies, visto que este determina a forma como os genes são transferidos e combinados nas gerações posteriores. O sistema de reprodução também determina, em parte, a distribuição da diversidade entre e dentro de populações. Espécies de Eucalyptus apresentam um típico sistema misto de reprodução, combinando autofecundações com cruzamentos, sendo que parte dos cruzamentos é geralmente correlacionado e endogâmico (Moran & Brown, 1980; Eldridge et al., 1993; Junghans et al., 1998; Butcher & Willians, 2002; McDonald et al., 2003; Patterson et al., 2004; Jones et al., 2005; Jones et al., 2007; Jones et al., 2008). Assim, progênies de polinização aberta geralmente apresentam misturas de irmãos de autofecundação, meios-irmãos, irmãos completos e cruzamentos. Além disso, autofecundações produzem endogamia de pelo menos 50% nos descendentes, caso a árvore que se autofertilizou não seja endogâmica e o cruzamento entre parentes produza endogamia igual ao parentesco entre os pais (Sebbenn, 2006). Todos esses fatores aumentam a identidade por descendência dos alelos dentro das progênies e reduzem o tamanho efetivo. Pequenos tamanhos efetivos implicam em baixa diversidade genética, o que restringe o número de gerações de seleção em programas de melhoramento genético, visto que a diversidade genética é pré-requisito para adaptação, evolução e sobrevivência das espécies e indivíduos, especialmente sob condições de mudanças ambientais (Rajora & Pluhar, 2003). Reduções na diversidade genética podem também predispor as espécies a doenças e reduzir a produtividade (Rajora & Pluhar, 2003). Assim, comparado a populações panmíticas, em populações com desvios de cruzamentos aleatórios é necessário coletar-se maiores tamanhos amostrais para a retenção de tamanhos efetivos que garantam a continuidade, ao longo prazo, de programas de melhoramento e conservação genética. Outro motivo importante para se conhecer o sistema de reprodução em populações de melhoramento genético é porque o coeficiente de parentesco dentro de progênies ( ) é usado no r xy cálculo da variância genética aditiva, 2 (sendo σ p a variância genética entre progênies). Estudos em espécies arbóreas comparando estimativas da variância genética aditiva, obtidas diretamente de parâmetros do sistema de reprodução, calculados de dados de marcadores genéticos, com estimativas assumindo que progênies de polinização aberta são compostas exclusivamente por meios-irmãos, têm revelado valores superestimados, variando de 29 a 54% (Surles et al., 1990; Costa et al., 2000; Sebbenn et al., 2000; Sobierajski et al., 2006). O objetivo deste estudo foi investigar por locos microssatélites a diversidade genética e o sistema de reprodução em uma população base de E. camaldulensis. Para tanto, foram avaliadas árvores matrizes e suas progênies de polinização aberta. As seguintes questões foram abordadas: i) existem diferenças nos níveis de diversidade genética e endogamia entre árvores matrizes e suas progênies? ii) qual a taxa de cruzamento do evento reprodutivo que deu origem às progênies? iii) ocorreram cruzamentos entre parentes na população? iv) qual é a coancestria média e o tamanho efetivo dentro de progênies de polinização aberta? v) qual o número necessário de árvores matrizes para a coleta de sementes na presente população base para se obter progênies de polinização aberta com tamanho efetivo de 100? 2 MATERIALE MÉTODOS 2.1 PopulaçãodeEstudo,DelineamentoeAmostragem O estudo foi realizado em uma população base de E. camaldulensis, originária de sementes de polinização aberta de 25 árvores matrizes de duas procedências australianas: progênies de 1 a 13, procedente da região de Nott s Crossing- Katherine River-Katherine-NT, (Lote 14517) e progênies de 14 a 25 da CSIRO (Lote 13923). A população base foi instalada em abril de 1986 na Fazenda de Ensino, Pesquisa e Extensão da Faculdade de Engenharia, Campus de Ilha Solteira (FEIS/UNESP), localizada no município de Selvíria MS (20º 20 de latitude S, 51º 23 de longitude W e altitude de 370 m). O delineamento experimental utilizado foi o de blocos casualizados, com 25 tratamentos (progênies), 60 repetições
3 171 totalizando indivíduos, sendo que cada parcela foi representada por uma árvore, no espaçamento de 4 m x 4 m. Após 21 anos do plantio, foi realizado um desbaste na intensidade de 83,3%, permanecendo, desta forma, 250 indivíduos, ou seja, em torno das dez melhores árvores de cada uma das 25 progênies que constituem agora a população de melhoramento. Entre as árvores desbastadas, foram coletadas ao acaso, dentro das progênies, amostras de 100 indivíduos (25 progênies x 4 plantas por progênie). As folhas foram coletadas com auxílio de um podador telescópico, identificadas e acondicionadas em caixas térmicas com gelo e transportadas até o Laboratório de Genética de Populações e Silvicultura - LGPS, do Departamento de Fitotecnia, Tecnologia de Alimentos e Sócio-Economia, da Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP, onde foram armazenadas em freezer (-20ºC). A coleta de folhas foi bastante criteriosa, e buscou-se, dentro do possível, utilizar as que não apresentassem estágio de maturidade demasiadamente avançado e nem sinais de herbivoria. As reações de amplificação foram realizadas em touchdown universal, programado nas seguintes condições: um ciclo de 95ºC por 5 minutos; cinco ciclos de 95ºC por 45 segundos, 68ºC (diminuindo de 2ºC a cada ciclo) por 5 minutos e 72ºC por 1 minuto; cinco ciclos de 95ºC por 45 segundos; 58ºC (diminuição de 2ºC a cada ciclo) por 2 minutos e 72ºC por 1 minuto; 25 ciclos de 95º por 45 segundos, 50ºC por 2 minutos e 72ºC por 1 minuto e finalmente 72ºC por 5 minutos. Os produtos de amplificação foram separados em géis de agarose 3%, em corrida com TBE (1X) com tensão constante de 110 V, conforme procedimento já descrito. Para estimar o tamanho dos fragmentos amplificados (alelos) foi utilizado um padrão de tamanho molecular 100 pb ladder (GE) na mesma corrida eletroforética. Para estimar o tamanho de cada alelo amplificado em termos de pares de base, empregou-se o software FragSize (Carvalho, 2007). 2.3 Análise dos Dados 2.2 Análise de Microssatélite A extração de DNA dos 100 genótipos de E. camaldulensis foi efetuada com base na metodologia de Ferreira & Grattapaglia (1998). Durante o processo de extração do DNA das amostras foram realizadas alterações no protocolo de extração, sem a adição de proteinase K (100 µ g/ml) e do PVP-360 (1%), sugerida pelo Laboratório de Genética de Populações e Silvicultura - LGPS. Após a extração, o DNA foi quantificado utilizando a técnica de eletroforese em gel de agarose 0,8%, em TEB 1X (Tris 28 mm, ácido bórico 88 mm, EDTA 7 mm, ph 8,3) contendo brometo de etídio (5 µg/ ml). Para as análises dos locos procedeu-se amplificação de regiões de microssatélites (SSR) utilizando oito pares de primers, sendo eles: Embra06, Embra11, Embra13, Embra16, Embra22, Embra27, Embra30 (Brondani et al., 1998; Brondani et al., 2002) e Euca63 (Ceresini et al., 2005). A reação de amplificação de volume de 15 ul foi constituída de tampão PCR (1X), 0,1mM de cada dntp, 2 mm de MgCl 2, 1 um de cada integrante do par de primer (F e R), 2 unidades de Taq DNA polimerase, 18 ng de DNA genômico Análise da diversidade genética e índice de fixação O genótipo das 25 árvores matrizes foi determinado a partir dos genótipos das progênies, utilizando o método da mais provável mãe, implementado no programa MLTR (Ritland, 2002). A diversidade genética da geração adulta (matrizes) e das progênies foi caracterizada pelos índices: número médio de alelos por loco ( A ), número efetivo de alelos por loco ( A e ), heterozigosidade observada ( H o ) e heterozigosidade esperada segundo expectativas do equilíbrio de Hardy-Weinberg ( H e ). Também foi estimado o índice de fixação ( F ), conforme expressão: Fˆ 1 ( Ĥ ˆ ) o / H e. A significância dos valores de F foi calculada por permutação de locos nos indivíduos, utilizando-se permutações. Todos esses índices e as permutações foram calculados usando o programa FSTAT (Goudet, 2002). Adicionalmente, para as árvores matrizes foi calculado o poder de exclusão do segundo parente para o conjunto de locos, utilizando o programa CERVUS 3.0 (Marshall et al., 1998; Kalinowski et al., 2007).
4 Análise do sistema de reprodução A análise do sistema de reprodução foi baseada no modelo misto de reprodução (Ritland & Jain, 1981) e no modelo de cruzamentos correlacionados (Ritland, 1989) e utilizando-se o programa Multilocos MLTR (Ritland, 2009). Os parâmetros estimados foram: taxa populacional de cruzamento multiloco ( t m ); taxa populacional de cruzamento uniloco ( t s ); taxa de cruzamento entre aparentados ( ) e correlação multiloco de paternidade ( r p (m ) ). O desvio-padrão ( DP) das estimativas dos parâmetros foi obtido por meio de reamostragens bootstraps. O desvio-padrão foi usado para calcular o erro-padrão das estimativas médias a 95% de probabilidade, em que m representa o número de reamostragens Estimativa de parâmetros do sistema de reprodução Os parâmetros do sistema de reprodução foram utilizados para estimar outros parâmetros demográficos e genéticos. O número efetivo de pais polinizadores ou tamanho da vizinhança reprodutiva foi calculado da correlação de paternidade por Nˆ ep 1 / rˆ p ( m ). Dos parâmetros do sistema de reprodução foram ainda estimados a proporção média de pares de irmãos de autofecundação ( Pˆ IA sˆ ), irmãoscompletos ( Pˆ ˆ ˆ IC tmr p ( m ) ) e meios-irmãos [ Pˆ ˆ ˆ MI tm 1( rp (m )) ] contidos nas progênies e o coeficiente médio de coancestria ( ) entre plantas dentro de progênies por: (Ritland,1989). N e(v ) O tamanho efetivo de variância ( ) médio dentro das progênies foi calculado para conhecer a representatividade genética das progênies, da variância amostral das frequências alélicas com base em Cockerham (1969), O número de árvores matrizes para a coleta de sementes foi calculado com o objetivo de reter na amostra de sementes o tamanho efetivo total de referência de 100: 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1 Diversidade Genética (Sebbenn,2003). Todos os oito locos microssatélites avaliados foram polimórficos, totalizando 37 alelos nas matrizes e 45 nas progênies (TABELA 1). O número de alelos detectados por loco ( A ) nas árvores matrizes variou de 3 a 6, com média de 4,63 alelos, e nas progênies de 4 a 8, com média de 5,63 alelos. Devido à grande quantidade de alelos encontrados pode-se supor que a população de E. camaldulensis possui alta diversidade genética. O número efetivo de alelos por loco ( A e ), por sua vez, foi menor do que o número de alelos por loco, variando de 1,29 a 4,52 nas matrizes (média de 3,18 alelos) e de 1,65 a 4,33 nas progênies (média de 3,49 alelos). O número efetivo de alelos por loco mede a uniformidade do alelo mais frequente, sendo que os alelos raros contribuem pouco nessa somatória da frequência alélica ao quadrado. Assim, o menor número efetivo de alelos em relação ao número de alelos por loco indica que muitos dos alelos são raros (frequência 0,05). A presença de vários alelos raros nos locos pode ocorrer devido a mutações que eventualmente tenham ocorrido na população, ou, à introdução desses no conjunto gênico da população através de hibridações com populações vizinhas de Eucalyptus por migração (Martins-Corder et al., 1996).
5 173 TABELA 1 Características dos oito locos microssatélites analisados em Eucalyptus camaldulensis: número de alelos por loco ( A); número efetivo de alelos por loco ( A e ); heterozigosidade observada ( H ); heterozigosidade esperada em equilíbrio de Hardy-Weinberg ( H o e ); índice de fixação ( F ); probabilidade de exclusão do segundo parental ( P ). Excl(2 ) Loco   e Hˆ e Hˆ o Fˆ PExcl(2 ) - - * P< 0,05. ** P< 0,01. O erro-padrão da média a 95% de probabilidade foi determinado por reamostragem jackknife sobre locos. Com base nesta estimativa, todos os parâmetros diferem significativamente entre matrizes e progênies.
6 174 As heterozigosidades foram altas nas amostras, embora nas progênies estes valores tenham sido significativamente menores, de acordo com o erro-padrão calculado por reamostragem jackknife (TABELA 1). A heterozigosidade esperada nas matrizes variou de 0,536 a 0,779, com média de 0,631 e a heterozigosidade observada variou de 0,240 a 0,920, com média de 0,705. Nas progênies, a heterozigosidade esperada variou de 0,622 a 0,769, com média de 0,700 e a heterozigosidade observada variou de 0,143 a 0,520, com média de 0,392. Essa menor heterozigosidade nas progênies é um indicativo que algum processo no sistema de reprodução, como autofecundações ou cruzamentos entre parentes, esteja atuando e reduzindo seus níveis. A heterozigosidade observada foi maior que a esperada nas matrizes e menor nas progênies, o que sugere excesso de heterozigotos nas matrizes e de homozigotos nas progênies (TABELA 1). O índice de fixação nas matrizes variou de -0,493 a 0,022, com média de -0,118 e nas progênies variou de -0,191 a 0,779, com média de 0,442. Esses resultados sugerem que está ocorrendo seleção a favor de heterozigotos entre a atual fase (progênies de 21 anos de idade) e a fase adulta das árvores. Seleção contra homozigotos, entre a fase de plântulas e a fase adulta, também foi observada em Eucalyptus berthamii. Butcher et al. (2005) avaliando essa espécie encontraram o coeficiente de endogamia significativamente maior nas progênies (0,136) do que nas matrizes (0,06), o que sugere a existência de seleção natural entre plântulas e fase adulta. Uma possível explicação para esse padrão é a combinação de depressão endogâmica com a seleção para heterozigotos, a qual pode estar eliminando plântulas originárias de autofecundação ou de cruzamento entre parentes, reduzindo o valor de F para próximo a zero; e a seleção a favor de heterozigotos pode aumentar as frequências de genótipos heterozigotos na população, pela maior sobrevivência destes genótipos. Outra explicação para os altos e positivos valores do índice de fixação nas progênies é a presença de alelos nulos segregando nesses locos. Contudo, para determinar com precisão se realmente essa é a causa da alta endogamia observada nas progênies, seria necessário uma amostra maior de descendentes de cada progênie, idealmente 50 descendentes para um estudo detalhado de segregação Mendeliana 1: Sistema de Reprodução Para estudos do sistema de reprodução, é recomendado trabalhar-se com amostras de pelo menos 200 genótipos e quatro a cinco locos polimórficos (Ritland, 2002). A presente amostra é 50% menor do que a ideal, mas apresenta a vantagem de ter sido analisada para oito locos microssatélites altamente polimórficos. A probabilidade de exclusão do segundo parente (TABELA 1), quando o primeiro é conhecido, foi alta nas matrizes (0,993), indicando que este conjunto de locos tem alto poder para resolver análises de paternidade e determinar o sistema de reprodução da população, visto que os genótipos são únicos (não idênticos). Assim, o poder de exclusão do segundo parente indica que o pequeno tamanho amostral foi compensado pelo alto polimorfismo presente nos locos analisados. A análise do sistema de reprodução indicou que a espécie apresenta um sistema misto de reprodução, combinando autofecundações e cruzamentos, embora predominem cruzamentos (TABELA 2). A estimativa da taxa de cruzamento multiloco foi alta ( tˆm = 0,955), mas significativamente ( P < 0,05) diferente da unidade (1,0). Esse resultado está dentro do padrão observado para a taxa de cruzamento em outras populações da espécie ( tˆm variando de 0,912 a 0,995; Butcher & Williams, 2002), o que reforça que a espécie apresenta um sistema misto de reprodução. De fato, o sistema misto de reprodução parece ser um padrão em espécies do gênero Eucalyptus e a estimativa da taxa de cruzamento também está dentro do padrão observado para outras espécies do gênero Eucalyptus as quais têm variado de 0,45 a 1,0. Por exemplo, em Eucalyptus grandis a taxa t m tem sido estimada variar entre populações de 0,69 a 0,967 (Moran & Bell, 1983; Burgess et al., 1996; Junghans et al., 1998; Jones et al., 2008), em Eucalyptus citriodora foi estimada em 0,85 (Yeh et al., 1983), em Eucalyptus globulus tem variado entre populações de 0,48 a 1,0 (Hardner et al., 1996; Patterson et al., 2004) e em Eucalyptus pellita tem variando de 0,45 a 0,73 (House & Bell, 1996).
7 175 TABELA 2 Estimativa de parâmetros do sistema de reprodução, endogamia, coancestria e tamanho efetivo em população base de Eucalyptus camaldulensis estabelecida em Selvíria MS. Parâmetro Estimativas Sistema de reprodução Taxa de cruzamento multiloco: t m 0,955 (0,941 0,969) Taxa de cruzamento uniloco: t s 0,669 (0,665 0,683) Taxa de cruzamento entre parentes: tm ts 0,285 (0,272 0,298) Correlação multiloco de paternidade: r pm ( ) 0,038 (0,035 0,041) Número médio de árvores polinizadoras: N ep = 1/r p( m) 26,3 (24,5 28,4) Endogamia e estrutura genética Índice de fixação nas matrizes: F m (n = 25) -0,118 (-0,090 0,190) Índice de fixação nas progênies: F o 0,442 (0,311 0,525) Endogamia nas progênies por autofecundação: Fs = 0,5 s(1+ Fm) 0,022 (0,015 0,029) Endogamia por cruzamento entre parentes: Ftm-ts = Fo Fs 0,419 (0,315 0,495) Proporção de irmãos de autofecundação: PIA =1 tm 0,045 (0,031 0,059) Proporção de meios-irmãos: PMI = tm(1 rp( m) ) 0,919 (0,908 0,929) Proporção de irmãos-completos: PIC = rp(m) tm 0,036 (0,033 0,039) Coancestria média dentro de progênies: 0,141 (0,137 0,145) Tamanho efetivo de variância: N ev () 1,75 (1,73 1,77) Número de árvores para reter o tamanho efetivo de 100: m 57,2 (56,6 57,8) ( ) = erro-padrão da média a 95% de probabilidade. A taxa de cruzamento uniloco ( tˆs = 0,581) foi significativamente menor do que a taxa de cruzamento multiloco (TABELA 2). Em concordância, a diferença entre a taxa de cruzamento multiloco e uniloco ( t m t s ) foi alta e estatisticamente diferente de zero ( tˆ m tˆ s = 0,285; P < 0,05). Diferenças positivas entre as taxas de cruzamento multiloco e uniloco têm sido interpretadas como indicativas de cruzamento entre parentes (Ritland & Jain, 1981; Ritland, 2002). Portanto, a presente estimativa indica que 28,5% dos cruzamentos ocorrem entre árvores parentes na população. Por sua vez, isso sugere que a população natural australiana, de origem dessas progênies, apresentava estrutura genética espacial intrapopulacional, o que permitiu a ocorrência de cruzamentos entre indivíduos parentes. Estrutura genética espacial intrapopulacional tem sido reportada em uma população de Eucalyptus globulus na Tasmânia (Jones et al., 2007) e cruzamentos entre parentes em outras populações de E. camaldulensis (Butcher & Williams, 2002), bem como em muitas outras espécies de Eucalyptus, como por exemplo: Eucalyptus argutifolia (Kenninghton & James, 1997), Eucalyptus cladocalys (McDonald et al., 2003), Eucalyptus delegatensis (Moran & Brown, 1980), Eucalyptus globulus (Patterson et al., 2004), Eucalyptus marginata (Millar et al., 2000), Eucalyptus morrisbyi (Jones et al., 2005), Eucalyptus rameliana (Sampson et al., 1995) e Eucalyptus rhodantha (Sampson et al., 1989). Tais resultados levam a crer que muitas populações naturais de Eucalyptus apresentam estrutura genética espacial, provavelmente devido à dispersão de sementes e o estabelecimento de filhos nas vizinhanças das árvores matrizes.
8 176 A correlação multilocos de paternidade (TABELA 2) foi baixa, embora significativamente diferentes de zero ( rˆ p ( m ) = 0,038 ; P < 0,01), o que demonstra que uma pequena parte das progênies geradas por cruzamentos são parentes no grau de irmãos-completos (3,6%). Da correlação de paternidade estimou-se um número médio de árvores efetivamente doadoras de pólen em 41,7 árvores. Contudo, tendo em vista que apenas quatro plantas foram avaliadas por progênie, essas estimativas da correlação de paternidade e número efetivo de doadores de pólen estão provavelmente subestimadas e tais parâmetros devem ser interpretados com cautela. Como a correlação de paternidade é uma medida associada ao parentesco dentro das progênies, quanto maior o número de plantas avaliadas por progênie maior é a precisão que este parâmetro é estimado. Assim, estimativas mais robustas podem ser obtidas com a amostragem de aproximadamente 20 plantas por progênie. A causa dos cruzamentos biparentais pode ser atribuída a diversos fatores, sendo os mais relevantes, no caso de espécies de Eucalyptus, o comportamento dos polinizadores, visitando de forma sistemática árvores próximas, o depósito de múltiplos grãos de pólen de um simples polinizador, ou devido ao pequeno número de vizinhos reprodutivos próximos. 3.3 Endogamia, Coancestria e Tamanho Efetivo de Variância O índice de fixação estimado nas progênies foi alto e significativamente diferente de zero ( Fˆ o = 0,442 ; P < 0,01), indicando a forte presença de endogamia. O desdobramento da endogamia nas progênies nos seus componentes devido à autofecundação e ao cruzamento entre parentes (TABELA 2) indica que esta endogamia ocorreu principalmente devido ao cruzamento entre parentes. Isso decorre, possivelmente, porque a endogamia em espécies de Eucalyptus gera depressão endogâmica, a qual causa a mortalidade de muitos indivíduos endogâmicos (Griffin & Cotterill, 1988; Hardner & Potts, 1995; Hardner & Potts, 1997). A autofecundação gera, no mínimo, 50% de endogamia a cada geração e o cruzamento entre parentes gera endogamia igual ao coeficiente de coancestria entre os parentes cruzados. Assim, como a autofecundação gera uma maior taxa de endogamia, é provável que ela cause maior mortalidade do que a endogamia originada pelo cruzamento entre parentes. Logo, possivelmente apenas pequena parte de indivíduos endogâmicos originados de autofecundação tenha sido utilizada no plantio da população base, pois a maioria deve ter morrido e como a endogamia por cruzamento entre parentes é mais branda, estes últimos foram incluídos em maior frequência, inflando sua contribuição para a endogamia total da população. O coeficiente médio de coancestria entre plantas dentro de progênies ( ˆ 0,141 ) foi maior do que o esperado em progênies coletadas de populações panmíticas ( xy 0,125 ). Isso mostra que estimativas da variância genética aditiva e parâmetros genéticos como herdabilidades e ganhos esperados na seleção na presente população devem ponderar os desvios de cruzamentos aleatórios, causados por autofecundações, cruzamentos entre parentes e cruzamentos correlacionados. Estimativas da variância genética 2 aditiva ( A ) no banco devem ser calculadas dividindo-se a variância genética entre progênies 2 ( σ p ) pelo coeficiente de parentesco médio dentro de progênies ( rxy ) de 0,282 ( rˆ 2 ˆ xy 2x ) e não por 0,25 (parentesco entre meios-irmãos), como muitas vezes é feito. Em função da coancestria dentro de progênies ser maior do que a esperada em progênies de meios-irmãos e a alta taxa de endogamia detectada, o tamanho efetivo de variância estimado foi também menor ( Nˆ e(v ) 1,75) do que o esperado em progênies de meios-irmãos ( Nˆ e(v ) 4 ). Esses resultados também se devem ao sistema misto de reprodução, combinando autofecundações, cruzamentos entre parentes e cruzamentos correlacionados. Estes fatores aumentam o parentesco e a endogamia dentro das progênies e, portanto, a frequência de alelos idênticos por descendência, o que reduz o tamanho efetivo. Isso tem impacto direto em programas de melhoramento e conservação genética, visto a necessidade de coletarem-se amostras maiores de polinização aberta para a implantação dos bancos de germoplasma ou testes de progênies,
9 177 do que seriam necessárias caso a população de origem das sementes fosse perfeitamente panmítica. Se o processo de reprodução fosse perfeitamente aleatório, para fundar a população base no Brasil, a coleta de sementes nas 25 árvores ( ˆm 100/4) como foi feita, seria suficiente. Contudo, no presente caso, o número de árvores matrizes necessárias para a coleta de sementes na população de origem (Austrália) visando reter o tamanho efetivo de 100 foi estimado em 58 árvores, ou seja, precisar-se-ia de uma amostra 57% maior para reter este tamanho efetivo alvo. 4 CONCLUSÃO 1. A população de E. camaldulensis apresenta alta diversidade genética. 2. O sistema de reprodução é misto, com predomínio de cruzamento. 3. Não existe endogamia nas árvores matrizes, mas existe alta endogamia na população base e esta decorre principalmente de cruzamento entre parentes. 4. Estimativas da variância genética aditiva e parâmetros genéticos devem levar em consideração o fato de que o processo de reprodução que deu origem à população base não foi aleatório. 5. A população de E. camaldulensis pode ser utilizada em programas de conservação e melhoramento genético. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS BRONDANI, R. P. V.; BRONDANI, C.; GRATTAPAGLIA, D. Towards a genus-wide reference linkage map for Eucalyptus based exclusively on highly informative microsatellite markers. Molecular Genetic Genomics, Berlin, v. 267, p , et al. Development, characterization and mapping of microsatellite markers in Eucalyptus grandis and E. urophylla. Theoretical and Applied Genetics, Berlin, v. 97, p , BURGESS, I. P. et al. The effect of outcrossing rate on the growth of selected families of Eucalyptus grandis. Silvae Genetica, Frankfurt, v. 45, p , BUTCHER, P. A.; WILLIAMS, E. R. Variation in outcrossing rates and growth in Eucalyptus camaldulensis from the Petford Region, Queensland; evidence of outbreeding depression. Silvae Genetica, Frankfurt, v. 51, p. 6-12, ; SKINNER, A. K.; GARDINER, C. A. Increased inbreeding and inter-species gene flow in remnant populations of the rare Eucalyptus benthamii. Conservation Genetics, Berlin, v. 6, p , CARVALHO, M. O. FragSize Software Bioinformatics Open Lab. Disponível em: < fragsize>.acesso em: 10 abr CERESINI, P. C. et al. Satellyptus: analysis and databases of microsatellites from ESTs of Eucalyptus. Genetic and Molecular Biology, Ribeirão Preto, v. 28, n. 3, suppl, p , COCKERHAM, C. C. Variance of gene frequencies. Evolution, Lawrence, v. 23, p , COSTA, R. B. et al. Selection and genetic gain in rubber tree ( Hevea) populations using a mixed mating system. Genetics and Molecular Biology, Ribeirão Preto, v. 23, n. 3, p , ELDRIDGE, K. et al. Eucalypt domestication and breeding. Oxford: Clarendon Press, p. FERREIRA, M. E.; GRATTAPAGLIA, D. Introdução ao uso de marcadores moleculares em análise genética. 3. ed. Brasília, DF: EMBRAPA- CENARGEN, p. GOUDET, J. Fstat. (Version ): a computer program to calculate F-statistics. Journal of Heredity, Lund, v. 86, p , GRIFFIN, A. R.; COTTERILL, P. P. Genetic variation in growth of outcrossed, selfed and openpollinated progenies of Eucalyptus regnans and some implications for breeding strategy. Silvae Genetica, Frankfurt, v. 37, p , HARDNER, C. M.; POTTS, B. M. Inbreeding depression and changes in variation after selfing in Eucalyptus globulus ssp. globulus. Silvae Genetica, Frankfurt, v. 44, p , 1995.
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