A árvore com coração. Um conto de Valérie Bonenfant. Ilustração de Fan Marion Meert Adna Morat Anne Uriot-Dalbignat. traduzido por Ana de Eça

Transcrição

1 A árvore com coração Um conto de Valérie Bonenfant Ilustração de Fan Marion Meert Adna Morat Anne Uriot-Dalbignat traduzido por Ana de Eça il. Fan

2 Era uma vez uma árvore chamada Daniss, Uma árvore como outra qualquer, com tronco, raízes, ramos, folhas... Aparentemente, nada de extraordinário... il. Adna Morat

3 il. Fan Mas essa árvore tinha a particularidade de ser muito sensível. Sem participar realmente nos acontecimentos, não era imune às emoções que os acompanhavam.

4 E assim, naquele momento, a pobrezita não tinha muita sorte: ela levava por tabela, com discussões de meia-noite, que acabavam da pior maneira. Para começar, uma explosão de raiva entre dois homens, que se ameaçavam, de punhos cerrados, gritando cada um mais alto do que o outro. A pobre Daniss ficou com as folhas todas abaladas... Ufa! Todo este fluxo de raiva, era demasiado para ela. il. Anne Uriot-Dalbignat

5 il. Marion Meert De seguida, foi a vez de duas senhoras escarnecerem uma da outra. Neste caso, havia menos gritos, apenas palavras fustigantes que batiam como golpes de chicote. Ai! Aquilo magoava, como se fosse o tronco que apanhasse sopapos.

6 E eis que agora até mesmo as crianças o faziam: um menino todo vermelho cuspia injúrias muito grosseiras contra outro menino cujo pé se agitava cada vez mais, pronto a sacar uns coices magistrais. Que diabos! Pronto, o golpe tinha sido desferido! E com uma violência inaudita! O coradinho leva mas desfere de imediato, e agora é que eles lutavam energicamente il. Adna Morat

7 il. Marion Meert A pobre árvore, enfraquecida, sentiu a resina do seu tronco a bater com força. Mas será que os homens nunca irão parar de brigar? Foi então, que Daniss decidiu reagir. Oh, claro que ela não podia pegar no seu bastão de peregrino, e iniciar uma caminhada pela paz. Não senhor, ela era apenas uma árvore, e uma árvore não se pode mexer.

8 Mas, ainda assim, ela decidiu Levar a cabo uma ação. Qual? As suas folhas... Ela ia transformá-las... Naquela época, elas eram rendadas, em forma de trevo. Isso não seria um problema, Ela ia modificar o seu desenho. Ela trabalhou a sua resina para que ela tecesse um novo modelo. Pronto, já não estava mal. Mais um pouquinho naquele canto que faltava, e seria perfeito. E já estava, impecável! Exatamente o que era preciso. Folhas em forma de coração. Verdadeiros corações com belas curvas arredondadas, bem gorduchos, ternos como deve ser. il. Fan

9 Daniss deixou-se enternecer por um instante. Ter todos estes corações à sua volta fazia-lhe bem, depois de todas aquelas escaramuças do dia anterior. Naquele momento, nem pensar que tais acontecimentos voltassem a suceder-se, il. Adna Morat illustration Adna Morat

10 Todavia, alguns instantes mais tarde, um novo episódio tempestuoso anunciava-se. Desta vez, dois velhotes discutiam por causa de uma lembrança de data: Era no dia 26 de novembro de 1950, eu lembro-me muito bem, eu tinha vestido o meu belo fato azul novinho em folha! il. Fan Estás a delirar meu pobre velho! Foi no dia 28 de maio de 1943, tu estavas vestido de verde, e eu trazia o meu belo fato parisiense. Parisiense? E que mais, mais nada? Tu nunca sequer saíste de Marselha! Tu mentes com quantos dentes tens! E o teu cérebro está amolecido como um caldo de legumes!

11 A discussão adquiria entoações cada vez mais violentas. Oh, oh, já era tempo de passar à ação: Daniss decidiu largar o seu primeiro coração. Deixou cair uma folha de lá de cima, situada exatamente por cima da cabeça de um dos avôs. Aí vai ela a folha em forma de coração. Desce devagarinho, esvoaça ligeiramente, paira no ar até ir pousar suavemente sobre o crânio do velho senhor enervado. Imediatamente, a ira do idoso apaziguou-se. Mas o outro parecia estar ainda muito virulento, então, a árvore largou um novo coração. Bem visado! Mesmo em cheio, a folha vai parar exatamente ao nível do coração do avozinho. il. Fan

12 Desta vez, a guerra tinha realmente acabado. Os velhotes tinham voltado a ser aqueles amigos de longa data que juntos tinham partilhado tantos momentos fortes. Estas folhas eram mesmo eficazes! Daniss ficou muito satisfeita com o resultado, e felicitou as duas folhas coração que se encontravam caídas, a seus pés. Que bom meninas! Vocês foram! maravilhosas, estou muito orgulhosa de vocês! il. Fan

13 Assim, a árvore de coração usou sem moderação das suas folhas sobre a humanidade que por sua vez precisava muito delas. Tal e qual pensos, elas acalmaram as feridas mais profundas, as histórias mais antigas, os segredos mais bem enterrados... Ela foi a primeira árvore a iniciar os atos de amor para com os homens, seguida mais tarde, de numerosas apoiantes. Todas essas árvores, com as suas bonitas folhas... Tanta ternura! Mas, os homens sendo o que são, hoje em dia ainda é necessário e cada vez mais... Então, sobretudo, não hesitem, plantem árvores, e, com um pouquinho de sorte, também vocês beneficiarão de uma árvore de coração! il. Anne Uriot-Dalbignat