O Ato de Brincar e as Relações de Gênero Aspectos de um Projeto de Extensão
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- Nelson Caldeira Alvarenga
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1 O Ato de Brincar e as Relações de Gênero Aspectos de um Projeto de Extensão Marina Aparecida Marques Castanheira, 6 módulo Licenciatura em Química UFLA, marinacquimica@yahoo.com.br, Alessandro Garcia Paulino, 7 módulo Licenciatura em Química UFLA, alessandronep@hotmail.com, Priscila Ferreira Sales, 7 módulo Licenciatura em Química UFLA, priscilinhafsales@bol.com.br, Cláudia Maria Ribeiro, Profª. Orientadora- Departamento de Educação- UFLA, ribeiro@ufla.br Área: Educação Palavras chave: gênero, brincar, extensão universitária. Introdução A realidade é composta por várias dimensões, dentre elas a do imaginário. Os brinquedos e as situações de brincadeiras tecidas na cultura interferem e influenciam na formação do imaginário infantil. Estudar as representações simbólicas dos brinquedos é relevante, para que, no fazer educativo, em quaisquer instâncias (família, escola), intencionalmente possamos interferir na desestabilização do instituído na constituição das relações de gênero. Em vista disso o projeto: Educação Inclusiva: Tecendo Gênero e Diversidade Sexual nas redes de proteção, foi desenvolvido com vistas a desencadear as temáticas da sexualidade humana e gênero. Tal trabalho foi elaborado a fim de mobilizar a sociedade para participar na política da prevenção, atendimento, apoio e identificação das violências sexuais, organizando-se para ter instrumentos de controle social compartilhado e planejado. Articular a temática de gênero no espaço (des)educativo da escola exige lançar um olhar para as diferenças de pessoas, crenças, valores, mitos, enfim, para as diversidades sociais, econômicas, históricas e culturais.
2 Uma das ações do referido projeto foi a realização de uma Gincana Cooperativa sediada na cidade de Paraguaçu no Sul de Minas no segundo semestre de Várias atividades foram desenvolvidas nessa Gincana. Dentre elas focou-se como objeto de estudo, o espaço reservado para bonecos e bonecas construídos por crianças da Educação Infantil e suas professoras que participaram de um processo de formação realizado no Departamento de Educação da UFLA. Uma das conclusões que a equipe integrante do projeto chegou é que torna-se imprescindível o desenvolvimento de um trabalho com crianças onde a questão de gênero seja tratada de forma lúdica. Referencial Teórico O Projeto Educação Inclusiva: Tecendo Gênero e Diversidade Sexual Nas Redes de Proteção surgiu a partir do projeto Construindo Práticas a partir de Compromissos com a Defesa dos Direitos Sexuais na Infância e Adolescência no Combate ao Abuso e Exploração Sexual, que contou com a participação de 22 cidades do sul de Minas. Por meio de seus representantes puderam desenvolver as atividades propostas pela coordenação do projeto. A Gincana Cooperativa foi um dos bem sucedidos frutos do mesmo e que demandou da equipe pesquisas referentes ao brincar. O ato de Brincar O brincar é sem dúvida um meio pelo qual os seres humanos exploram uma variedade de experiências em diferentes situações, para diversos propósitos. Em situações educacionais, proporciona não só um meio de aprendizagem como permite também que adultos perceptivos e competentes aprendam sobre as crianças e suas necessidades. No brincar, a criança opera com objetos e com os significados das palavras que substituem os mesmos. Portanto, no brincar, a palavra se emancipa do objeto. (MOYLES, 2002). O desenvolvimento do brincar é o primeiro experimentar do mundo que se realiza na vida da criança. É uma linguagem de interação que possibilita descobertas e conhecimentos sobre si mesma, sobre os outros, sobre o mundo que a rodeia.
3 Entretanto, com o acelerado processo de mudança em nosso mundo e uma civilização cada vez mais técnica, a criança está perdendo sua capacidade de brincar. A originalidade deste momento do brincar está cedendo lugar a um mundo centrado nos caminhos mecanizados e cada vez mais informatizados que levam o humano a se robotizar, no pensar e no agir. Os mundos, plenos de sentidos e significados, além de intensamente coloridos, com variadas formas, objetos e pessoas, influenciam diretamente a vida da criança, instalando em seu ser desejos, fantasias, sonhos. E é no início da infância que surgem os desejos que não podem ser imediatamente satisfeitos ou esquecidos, que o comportamento da criança muda. Para resolver essa tensão a criança se envolve num mundo ilusório e imaginário em que os desejos não realizáveis podem ser realizados o mundo dos brinquedos. O brinquedo tem sua estrutura baseada nas situações imaginárias e nas regras. Para Vygotsky, é enorme a influência do brinquedo no desenvolvimento de uma criança. Ele acredita que o brincar em todos os seus aspectos, vem atender aos apelos da consciência infantil, visto que não existem brinquedos sem regras. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento. Brincar é experiência fundamental para qualquer idade, especialmente para as crianças com idade entre três e seis anos, que brincam para viver, interagem com o real, descobrem o mundo que as envolve, organizam-se e se socializam. Dessa forma, o brincar e o brinquedo já não são aquelas atividades utilizadas pelo professor para recrear as crianças, como uma atividade em si mesma. Quanto mais rica for a experiência vivida pela criança, maior é o material disponível e acessível à sua imaginação. ( ROJAS, 2007, p.59 ). A temática de Gênero Muita das vezes as crianças são pensadas como um caso a parte, excluídas na melhor das hipóteses, das idéias de um mundo adulto, de um mundo no qual o imaginário dos mais velhos prevalece. Entretanto o discurso proposto pelos adultos, através dos diálogos afeta diretamente as crianças, impondo às vezes verdades absolutas que simbolizam valores e/ou morais. Esta passagem de valores se dá com a pretensão de que estes cumpram a função de
4 disciplinar o pensamento e o comportamento das crianças, na tentativa de manipular o imaginário sobre os papéis sociais, entre eles, o masculino e o feminino. A Imaginação é uma faculdade ou capacidade mental que permite a representação de objetos segundo aquelas qualidades dos mesmos que são dadas à mente através dos sentidos. Para tanto como cita Vygotsky (1989), a imaginação é um processo psicológico novo para a criança: representa uma forma especificamente humana de atividade consciente. Como todas as funções da consciência, ela surge originalmente da ação. O velho dito popular de que o brincar da criança é imaginação em ação deve ser invertido; podemos dizer que a imaginação, nas crianças em idade pré-escolar, é o brinquedo em ação. De acordo com Barreto (2008), os brinquedos e as situações de brincadeiras tecidas no sistema social interferem e influenciam, na formação do imaginário sócio-cultural infantil. Isso acontece enquanto as crianças estão vivenciando as práticas e usos dos brinquedos enquanto imagem/símbolo que atuam na formação de uma cultura de Gênero. Analisar as representações simbólicas destes brinquedos é relevante, para que, no fazer educativo, intencionalmente possibilite à criança, enquanto brinca, ressignificar a cultura de gênero hegemônica. Entretanto, apesar dos avanços ocorridos em relação às temáticas de gênero, na maioria das vezes, meninos e meninas continuam a receber uma educação diferenciada, perpetuando assim estereótipos e preconceitos. Assim, desde que nascem, meninos e meninas, de modo geral, vivenciam certas experiências sociais que são determinadas pelo fato de serem do sexo masculino e feminino. O ato de brincar, com qual brinquedo brincar, as cores, se é de menina ou de menino são parâmetros já redimensionados para uma concepção que favorece a dicotomia, carrinhos para meninos e bonecas para as meninas. Roveri (2007) explicita que os brinquedos vêm imbuídos de normas que definem o que é permitido e o que não é permitido para cada sexo, há um abismo que separa bem os brinquedos destinados para meninos e os destinados para meninas. Mas vale ressaltar que essas dicotomias são criadas pelos adultos e que nem sempre têm o mesmo significado para as crianças no momento da brincadeira. Enquanto se apropria e usa os brinquedos disponibilizados e referendados pelos adultos, a criança está acionando valores do masculino, do feminino, ao tempo em que
5 dramatiza as próprias vivências de gênero, ou seja, introjeta facetas de uma cultura que separa homens e mulheres, atribuindo-lhes funções diversas que perpetuam um imaginário prémoderno habitado por princesas e heróis. Metodologia O material empírico analisado neste artigo adveio de um percurso metodológico qualitativo, baseada em trabalho de campo, no qual utilizamos como instrumentos de investigação: observação, depoimentos, consulta a fontes documentais, além da reflexão sobre textos teóricos que abordam a temática do brincar e do gênero. O referido trabalho de campo consistiu, justamente, na realização da gincana cooperativa com crianças de 5 anos na cidade de Paraguaçu. As professoras dessas crianças participaram de um processo de formação para que aprofundassem seus estudos na temática de gênero e participaram ativamente na construção das tarefas da gincana. Dentre estas, a confecção de bonecos e bonecas será o foco das análises a seguir. As possibilidades do brincar com bonecos e bonecas As posteriores análises remetem ao espaço no qual foram expostos bonecos e bonecas, diários e portifólios confeccionados pelas crianças e professoras das cidades inseridas no projeto Educação Inclusiva: tecendo Gênero e Diversidade Sexual nas Redes de Proteção. Conforme já explicitado esta atividade integrou a Gincana Cooperativa realizada na cidade de Paraguaçu, Sul de Minas Gerais. Eram 11 espaços contendo as mais diversas atividades 1. A análise do ambiente por nós ocupado (Quiosque 6) forneceu subsídios que propiciaram considerações relevantes quanto às questões de gênero envolvidas no ato de brincar. Segundo Barreto (2008), a realidade é composta por várias dimensões, dentre elas a do imaginário. A citação em foco está de acordo com o que foi identificado na fala de uma menina, ao se referir a uma boneca construída por crianças e professoras de uma das cidades 1 Espaço 1: casinha de bonecas; espaço 2: quiosque; espaço 3: tenda; espaço 4: discussão da tenda; espaço 5: arena; espaço 6: quiosque; espaço 7: trilha; espaço 8: quadra; espaço 9: skate; espaço 10: área da lanchonete; espaço 11: campo.
6 envolvidas no projeto: A minha filha não pode pisar no chão porque senão vai sujar seu sapatinho. Ainda através dessa fala, foi possível inferir que a realidade se mostra indissociável do plano das idéias, já que a criança reinventa sentido, criando novas situações e transformando suas experiências em hábitos que podem ser reduzidos ao brincar. A situação imaginária de qualquer forma de brinquedo já contém regras de comportamento, embora possa não ser um jogo com regras formais estabelecidas a priori. A criança se imagina como mãe e a boneca como criança. O brinquedo tem sua estrutura baseada nas situações imaginárias e nas regras. Segundo Vygotsky (1989), o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além do seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade. A imaginação é uma faculdade ou capacidade mental que permite a representação de objetos segundo aquelas qualidades dos mesmos que são dados através dos sentidos, sendo considerada por Vygotsky (1989) uma atividade consciente. Desse modo, a menina ao desenvolver a fala analisada, atribuía um sentido consciente em sua expressão. Naquele brincar infantil houve a constituição da forma básica mais importante e decisiva do ser humano, já que foram desabrochadas e ativadas as forças criativas. Ao manusear os bonecos e as bonecas, as crianças tentavam dar forma a esses, representando situações de vida e processos de construção sócio-cultural. A realização da atividade proposta possibilitou aflorar a imaginação de todos/as os envolvidos/as, já que na interação com outros indivíduos, vamos nos constituindo como pessoa. De acordo com Alícia Fernandez (1990), somos seres constituídos de inteligência, organismo e desejo transversalizados no corpo que influenciam e recebem influência do meio. De acordo com Barreto (2008), tornar-se homem ou mulher depende de um longo processo de socialização, durante o qual os indivíduos vão adquirindo referenciais de conduta que os identificarão socialmente como pertencentes a tal, ou qual sexo. A criança vai sendo introduzida nesse processo de introjeção/ significação da cultura de gênero de forma sutil, em vários momentos.
7 Isso pode ser verificado quando os meninos receosos se portavam a princípio como homens que se tornariam mulheres caso brincassem com os bonecos e as bonecas. No decorrer do tempo de exploração do espaço, eles iam interagindo mais com os bonecos e bonecas construídos, passando a tratá-las como namoradas, mães, irmãs... a suposição para o fato observado está relacionada com a idéia de que desse modo pudessem fugir de atitudes que os fizessem parecer menos meninos. Desse modo, as crianças ao brincarem, reproduzem essa cultura de gênero, diferenciando masculino e feminino por meio de cores ou características físicas embutidas nos bonecos e nas bonecas. A vergonha de se brincar com algo que foi concebido pela sociedade como pertencente ao outro sexo, atuou como regulador moral, impedindo muitas crianças de transporem limites pré-concebidos na estereotipia de gênero. Em vista do que foi apresentado, pode-se inferir que não é suficiente indicar a inclusão de temas que perpassam gênero no cotidiano das escolas, mas torna-se premente desencadear processos educativos que interfiram na concretização de políticas públicas para infância (RIBEIRO e SOUZA, 2008). Considerações finais A temática de gênero, quando discutida intencional e sistematicamente nos espaços da escola, pode desencadear a desconstrução de idéias preconceituosas, sexistas e homofóbicas. Integrá-la nos currículos de maneira lúdica consiste um grande desafio que foi assumido pela equipe integrante do projeto: Educação inclusiva: tecendo gênero e diversidade sexual nas redes de proteção. Referências FERNANDEZ, A. A inteligência aprisionada. Abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul LTDA, VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
8 ROVERI, F. T. A boneca Barbie e a educação de meninas - Um mundo de disfarces. 30ª Reunião Anual da Anped Disponível em: < Acessado em: 17/03/2009. RIBEIRO, C. M.; SOUZA, I.M.S. Educação Inclusiva: tecendo gênero e diversidade sexual nas redes de proteção. Lavras: UFLA, ROJAS, J. Jogos, brinquedos e brincadeiras: o lúdico e o processo de desenvolvimento infantil. Fascículo 1. Cuiabá: UFMT, MOYLES, J. R. Só brincar? O papel do brincar na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2002.
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