A importância do sistema financeiro como alocador de recursos. Parte 2 O mercado de capitais

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1 1 A importância do sistema financeiro como alocador de recursos Parte 2 O mercado de capitais Patrícia Guedes Assessora de Treinamento da ANDIMA Mestranda em Economia Empresarial pela Universidade Candido Mendes/RJ Introdução O mercado de capitais no Brasil, ao longo dos seus quase 130 anos, nunca realizou plenamente sua função de alavancar recursos para altos montantes de investimentos com longos prazos de maturação. Independente das contribuições que pode proporcionar ao crescimento das empresas e consequentemente ao crescimento econômico, o mercado de capitais esteve renegado a um segundo plano diante do fechamento da economia, que diminuía as necessidades de financiamentos; por ser assim, estas necessidades eram facilmente solucionadas com recursos próprios (lucros retidos), créditos comerciais e, principalmente, créditos oficiais. Segundo o trabalho realizado pela Bovespa, Os desafios do Mercado de Capitais publicado em julho de , tem-se que as empresas não tinham interesse em abrir o capital visto que a abertura implica perda de raios de manobra na gestão, tornando-as, algumas vezes, menos competitivas que as empresas fechadas. Mais ainda, a estrutura familiar das empresas brasileiras, referendada pelos mecanismos de captação de recursos existentes, criou uma cultura avessa à abertura de capital. Completando o quadro, a lei das Sociedade Anônimas, ao influenciar a distribuição de valor entre o investidor, o administrador e o controlador, maximizando o deste último, é o que, junto com o crédito subsidiado, produzia empresários ricos, empresas com base de capital pequena e desinteresse dos investidores. Contudo, esta conduta reduz a liquidez do mercado inibindo seu crescimento. Voltando na história, temos o período entre 1974 e 1979 onde o Estado consolidou-se como maior agente produtivo, e possibilitou a reação econômica que o governo estava buscando. Contudo, II PND não pôde alavancar o expansão econômica como pretendia fazer, baseando-se no crescimento industrial. As possibilidades de financiamento via mercado 1 Artigo disponível no site da Bovespa:

2 2 de capitais, foram postas de lado face a abundante liquidez no mercado financeiro internacional, com os petro-dólares de juros baixos. No início dos anos 80 os EUA, o Japão e os países da Europa Ocidental enfrentavam uma inflação elevada e, para combatê-la, elevaram as taxas internacionais de juros, o que fez subir consideravelmente os gastos dos países endividados com o pagamento dos juros. Para nós, a década de 1980 é chamada de A Década Perdida pois, nesse período houve desorganização da produção econômica, a atividade industrial ficou estagnada, a atração de capital estrangeiro foi incipiente, os pagamentos de juros eram altíssimos e o processo inflacionário levava à ampliação da pobreza. O mercado de capitais que já era frágil se viu ainda mais prejudicado, pois, a cada redução das taxas de investimentos menor era a indução à abertura de capital e maior ficava a dependência das empresas estatais. Mesmo incrementando suas operações de derivativos 2, o mercado de capitais não conseguiu alcançar a clareza e o despojamento desejados, porém, deu abertura para o surgimento de mega especuladores e à concentração das operações em torno de poucas empresas com grandes volumes (quantidades de ações). Por fim, em 1989, deu-se um fim abrupto das operações conhecidas como D Zero 3, que levou à quebra de um dos maiores especuladores do mercado 4 e ao início do processo de fechamento da BVRJ Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. O país chegou aos anos 90 com uma estrutura econômica relativamente estagnada, financeiramente frágil e tecnologicamente defasada, conservada por uma década à custa da inflação e da desestruturação do Estado. A retração do crédito externo ao longo dos anos 80 tornou o Banco Central altamente dependente dos exportadores para fechar o Balanço de Pagamentos, o que agravou a instabilidade das taxas de câmbio e de juros. A retomada do acesso ao financiamento externo diminuiu o poder dos exportadores de especular contra a taxa de câmbio e pressionar por maiores taxas de juros, e fundou-se no elevado diferencial entre as taxas de juros internas e externas 5. 2 Derivativos são títulos cujos preços derivam do preço de um ativo-objeto, como as commodities (agrícolas ou minerais), moedas, ações, juros, etc. Os derivativos possibilitam a montagem de estratégias operacionais flexíveis, tais como alavancagem de posições, hedge (proteção) ou arbitragem de juros.(mercado de Capitais. Cavalcante, Francisco; Misumi, Jorge - Rio de Janeiro: Campus, 2001). 3 Jargão utilizado no mercado financeiro que expressa o dia da operação e o dia da sua liquidação. D+0= hoje; D+1= amanhã; e assim por diante. 4 A maior crise enfrentada pelas Bolsas de Valores no Brasil, foi a de 1989, quando o investidor Naji Nahas, provocou um colapso no mercado, que levou ao fechamento de corretoras, por não ter fundos para pagar por suas operações. 5 Artigo: Gestão Estatal no Brasil. Andrei, Cristian; Samapaio, Fernando Azevedo de Arruda.

3 3 No mercado de capitais, operações via Anexo IV propiciaram uma entrada significativa de recursos estrangeiros, que se refletiu em um crescimento expressivo do valor das ações e no volume de negociações. Contudo, esta entrada de recursos não significava um desenvolvimento do mercado de capitais, pois, o afluxo era de capital volátil. Além, disso, por mais que o aumento no volume das negociações refletissem a melhor desenvoltura da gestão das empresas que eram, até então, estatais; o aumento da demanda por suas ações significou muito mais um ajuste (positivo) de estoque das empresas abertas, com transações relevantes, do que o estabelecimento de um fluxo de recursos para investimento que atraísse novas empresas para o mercado. segue: No estudo citado anteriormente, realizado pela Bovespa 6, temos a conclusão que Com o fim das privatizações mais importantes, no final da década, a elevação dos custos de transação (CPMF) e o surgimento e crescimento da facilidade de acesso às bolsas internacionais (ADR s), as bolsas brasileiras perdem atratividade. Temos então, a migração da liquidez das ações das melhores empresas, para mercados mais competitivos, sem que novas companhias ocupem a lacuna deixada. É importante ressaltar que a migração das empresas com maior visibilidade para o mercado internacional não é o elemento fundamental para explicar o encolhimento do já restrito mercado acionário brasileiro. O ponto relevante é que a maioria das empresas nacionais jamais viu o mercado acionário como fonte de recursos e a redução do número de empresas já era visível desde o início dos anos 90. Assim sendo, a solução para a promoção do mercado de capitais no Brasil tem que partir da reflexão sobre as razões pelas quais as empresas não viam (ou não vêem) no mercado de capitais uma alternativa de financiamento. O Mercado de Capitais O mercado de capitais é um sistema de distribuição de valores mobiliários, que objetiva proporcionar liquidez aos títulos de emissão de empresas e viabilizar seu processo de capitalização. É constituído pelas bolsas de valores, sociedades corretoras e outras instituições financeiras autorizadas. No mercado de capitais, os principais títulos negociados são os representativos do capital de empresas as ações ou de empréstimos tomados, via mercado, por empresas debêntures conversíveis em ações, bônus de subscrição e commercial papers, que permitem a circulação de capital para custear o desenvolvimento econômico. 6 Os desafios do Mercado de Capitais Publicação da Bovespa - Julho de 2000

4 4 Este mercado abrange, ainda, as negociações com direitos e recibos de subscrição de valores mobiliários, certificados de depósitos de ações e demais derivativos autorizados à negociação. 7 O desenvolvimento econômico sustentável depende da expansão contínua da capacidade de produção. Esta expansão é função, por sua vez, de investimentos em capital e recursos humanos. Esses investimentos funcionam quando produzem dois efeitos: acumulação do capital produtivo e aumento da produtividade (do capital e da mão-de-obra). O crescimento se acelera quando os investimentos são direcionados para as melhores alternativas, isto é, aquelas que apresentam os maiores retornos econômicos e sociais (Publicações Bovespa, 2000). Os investimentos e a forma como são realizados estão, portanto, no princípio do processo de desenvolvimento econômico e social. A poupança, que viabiliza os investimentos, é outro componente essencial do processo, pois a eficiência na sua utilização é crucial, sendo ela a determinante do custo do investimento. A melhor combinação de todos esses fatores gera o círculo virtuoso do desenvolvimento, que dá condições à sociedade para desfrutar de níveis crescentes de bem-estar e de redução da pobreza. 8 Todos os países desenvolvidos ou em acelerado processo de desenvolvimento ostentam elevadas taxas de poupança, alta eficiência na sua intermediação ou uma combinação dessas duas virtudes. O crescimento econômico depende da formação de poupança e de sua intermediação eficiente, tornando a primeira acessível para quem quer investir. Nas últimas décadas, de acordo com pesquisas realizadas por consultorias no mercado financeiro 9, vários países asiáticos saíram de uma situação de pobreza e miséria e se tornaram nações industrializadas. Esses países se destacaram por altíssimas taxas de poupança. Os mais bem sucedidos, como Coréia do Sul e Singapura, apresentaram taxas inacreditáveis, de 35% e 46% do PIB, respectivamente. Nos seus melhores momentos, o Brasil teve poupança doméstica pouco superior a 20% do PIB. 7 Bolsa de Valores de São Paulo Mercado de Capitais, Introdução ao Mercado de Ações, CNBV, Tendências Consultoria Financeira, 2000

5 5 O desenvolvimento da Europa e particularmente dos Estados Unidos a partir do final do século passado foi impulsionado por uma continuada eficiência na intermediação de poupanças. Esse desenvolvimento dificilmente teria ocorrido sem um sofisticado mercado financeiro e de capitais. Um dos fatores que explicam o maior período de prosperidade da economia americana é a existência de um mercado de capitais com vigor e flexibilidade para financiar a nova economia. Existem três caminhos para associar a poupança ao investimento: (1) o autofinanciamento, em que as empresas geram internamente seus próprios recursos; (2) o governo, quando financia certas atividades usando a arrecadação de tributos ou a imposição de mecanismos compulsórios de poupança; e (3) o financiamento via mercado financeiro e de capitais. Numa primeira análise, o primeiro apresenta-se como o mais simples e primitivo; o segundo, limitado e sujeito a distorções; e o terceiro, o mais eficiente. Nenhum mercado de capitais aqui entendido como abrangendo o mercado acionário e as operações com instrumentos de dívida cresceu satisfatoriamente sem a institucionalização da poupança. Os veículos desse processo são os investidores institucionais: os fundos de pensão, os fundos mútuos e as seguradoras. Esses investidores gerenciam massas consideráveis de recursos, que financiam a compra de ações e de papéis de dívida emitidos pelos indivíduos e pelas empresas. Os investidores institucionais têm avançado na esteira das transformações sociais e do enriquecimento das famílias. Estas passam a ter maiores excedentes de consumo e a demandar alternativas confiáveis para aplicar suas poupanças, que garantam o longo prazo incluindo a aposentadoria e a proteção do patrimônio contra certos eventos, proporcionem liquidez e ofereçam retornos razoáveis.

6 6 Maurício Moreira e Fernando Puga (2000), registraram no artigo sobre o financiamento da indústria pós Plano Real, que Mayer (1988, p. 90), em estudos clássicos sobre a estrutura de capital nos países desenvolvidos (período 1970/85), chegou a conclusões relevantes, dentre as quais: a) em todos os países analisados os recursos próprios são a principal fonte de financiamento do crescimento das firmas; b) existem, entretanto, diferenças marcantes entre os países em termos do grau de autofinanciamento das firmas, com os Estados Unidos e o Reino Unido apresentando os maiores índices; c) os empréstimos são a principal fonte de financiamento externo, particularmente em países como França, Itália e Japão; e d) o papel do mercado de ações é limitado, mesmo no Reino Unido e nos Estados Unidos, onde ele mais se desenvolveu. Corbett e Jenkinson (1994), analisando um período um pouco mais longo (1970/89), chegaram a conclusões semelhantes, em particular quanto à importância do autofinanciamento para os Estados Unidos e o Reino Unido e do crédito bancário para o Japão. Contudo, sabemos que o mercado de capitais e, especificamente, o mercado acionário, permite a diluição do risco de novos investimentos. Constitui um incentivo à inovação, uma das maiores fontes de desenvolvimento econômico. O mercado acionário promove a democratização e a socialização do capital. Pulveriza a propriedade das empresas entre pequenos poupadores, diretamente ou através de fundos mútuos e fundos de pensão. Além disso, o mercado de capitais proporciona aumento da eficiência. Quando uma empresa assume compromissos de longo prazo com terceiros, partilha seus riscos com um grande número de investidores. Obriga-se a fornecer informações detalhadas sobre seu desempenho. 10 Os investidores acompanham a atividade da empresa, identificam falhas e premiam acertos. Não raramente, oferecem idéias para melhorar o seu desempenho. 11 A empresa tende a procurar alternativas que proporcionem os melhores retornos para os seus acionistas. O objetivo passa a ser o melhor resultado econômico e não interesses específicos de seus controladores ou de facções. Essa função do mercado de capitais assume uma maior importância nos casos de sucessão ou de conflitos nas empresas familiares. Nas crises, a saída dos descontentes se faz via mercado de capitais, evitando disputas que podem destruir a empresa. À medida que o mercado de capitais se amplia e se sofistica, a função de identificar as melhores e piores empresas passa para os investidores institucionais, que dispõem de equipes técnicas com capacidade para obter e analisar informações e direcionar o capital para as melhores aplicações. Desenvolvem-se empresas e instituições especializadas em buscar dados, analisar, classificar riscos e manter o mercado informado. 10 Artigo da Bolsa de Valores de São Paulo Mercado de Capitais, Artigo da Bolsa de Valores de São Paulo Mercado de Capitais, 1999

7 7 Volume Financeiro das Operações na Bovespa /01/94 03/04/94 03/07/94 03/10/94 03/01/95 03/04/95 03/07/95 03/10/95 03/01/96 03/04/96 03/07/96 03/10/96 03/01/97 03/04/97 03/07/97 03/10/97 03/01/98 03/04/98 03/07/98 03/10/98 03/01/99 03/04/99 03/07/99 03/10/99 03/01/00 03/04/00 03/07/00 03/10/00 03/01/01 03/04/01 03/07/01 03/10/01 03/01/02 03/04/02 03/07/02 03/10/02 u.m.c. (mil) Fonte: BOVESPA Nota 1 : A multiplicação dos valores das séries expressas em Unidade Monetária Corrente (u.m.c.) pelos valores correspondentes da série 4188 (Multiplicador de Unificação Monetária (Mum) - diário) os converte em Reais correntes. Nota 2 : Para que a representação gráfica fosse significativa, os dados no período de 03/01/94 a 25/03/94 foram divididos por O presente artigo é cedido por seu(s) autor(es), sem ônus, à Apimec-MG, exclusivamente para publicação no portal sob responsabilidade da entidade. O texto apresentado constitui a versão final. Todos os direitos sobre esta propriedade intelectual pertencem exclusivamente ao(s) seus autor(es), único(s) responsável(eis) pelo conteúdo.