A estrutura eletrônica de moléculas, sólidos e superfícies
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- Eduardo Marroquim de Lacerda
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1 OUT. NOV. DEZ ANO XIII, Nº INTEGRAÇÃO 363 A estrutura eletrônica de moléculas, sólidos e superfícies DOUGLAS CASAGRANDE Resumo Neste trabalho são abordados alguns aspectos da teoria de primeiros princípios, que, por meio da simulação computacional, leva à observação de estados eletrônicos em aglomerados de átomos, sólidos e superfícies. É apresentada, ainda, a análise dos estados eletrônicos de algumas moléculas (SiCl 4, SiBr 4 e CMnCl 3 ) e da superfície Si(111)-(2x1)-Br. A mecânica quântica é apresentada como a base da resolução dos problemas, desde a solução da equação de Schrödinger para o sistema de elétrons não interagentes até sistemas mais complexos em que a presença de muitos átomos permite a ocorrência de interações entre muitos corpos. Esta complexidade leva à necessidade de aproximações e inclusões de novas teorias para que possa ser realizado o tratamento computacional para estes sistemas em um tempo finito dentro dos recursos computacionais existentes. Palavras-chave Estrutura eletrônica. Estados eletrônicos. Superfície Title The Electronic Structure of Molecules, Solids and Surfaces Abstract This paper discusses a few aspects of the first principles theory, which, through computing simulation, leads to the observation of electronic sates in atom, solid and surface agglomerates. It then presents the analysis of electronic states of a few molecules (SiCl 4, SiBr 4 and CMnCl 3 ), as well of the Si(111)-(2x1)-Br surface. Quantic mechanics is presented as the basis for the resolution of problems from the solution for the Schröndiger s equation to the more complex non-interacting electron systems, in which the presence of a bunch of atoms allows the appearance of interaction between a lot of bodies. This complexity leads to the need of approaches and inclusions of new theories in order to achieve the computing treatment for these systems in a finite time within the existing computing resources. Keywords Electronic structure. Electronic states. Surface 1. introdução O cálculo da estrutura eletrônica para uma molécula pequena pode ser realizado utilizando-se a configuração de todos os orbitais atômicos de cada átomo. Para este tipo de cálculo, é possível verificar a interação entre diferentes configurações atômicas de forma que se encontre a configuração de menor energia para a molécula, a qual seria a configuração mais estável. Um cálculo deste tipo oferece maior precisão, porém envolve um custo computacional maior, sendo interessante apenas para pequenas moléculas. Estes cálculos são realizados, em sua maior parte, pelos químicos e são referidos como cálculos de química quântica. Para sistemas maiores, como aglomerados de moléculas e sólidos, uma aproximação de interesse Data de recebimento: 20/12/2006. Data de aceitação: 19/09/2007. * Professor doutor da área de Física da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia da USJT. prof.doug@usjt.br. para diminuir o custo computacional e tornar o cálculo possível leva em conta a possibilidade de incluir apenas os elétrons de valência no cálculo das funções de onda e substituir o caroço iônico composto pelo núcleo atômico e os elétrons dos orbitais mais internos por um potencial positivo fraco, uma vez que o potencial positivo do núcleo é blindado pelos elétrons que em geral não participam da ligação química. Este potencial fraco é conhecido como pseudopotencial, e a justificativa em utilizá-lo consiste em admitir que apenas os elétrons de valência participam das ligações atômicas, reduzindo desta forma a quantidade de funções de onda a considerar no cálculo. Entre todos os modelos geradores de pseudopotenciais (Hamann et al., 1979, p. 1494; Kerker, 1980, p. L189; Bachelet et al., 1982, p. 4199; Vanderbilt, 1990, p. 7892; Troullier & Martins, 1990, p. 613; idem, 1991a, p. 1993; idem, 1991b, p. 8861), os esquemas propostos por Vanderbilt (1990, p. 7892) e Troullier & Martins (1990, p. 613; 1991a, p. 1993; 1991b, p. 8861) são considerados os mais eficazes na geração de pseudopotenciais
2 364 INTEGRAÇÃO CASAGRANDE A estrutura eletrônica de moléculas ultra-suaves atualmente. Este modelo de cálculo é realizado, em sua maior parte, pelos físicos e é conhecido como cálculo ab-initio ou de primeiros princípios, pois na construção rigorosa do pseudopotencial não é utilizado nenhum parâmetro para ajustar-se o cálculo aos resultados experimentais. Apesar de algumas aproximações e considerações serem realizadas, a única informação necessária para o cálculo do pseudopotencial é o número atômico do elemento químico. O formalismo do cálculo ab-initio ainda inclui algumas teorias e aproximações. A primeira teoria é conhecida como Teoria do Funcional da Densidade (DFT), proposta por Hohemberg e Kohn em 1964 (p. 864), a qual considera que todas as proprie- 2 1 ^ ^ + V KS ρ( r) φi r εφ i i r 2 ^ H KS ( )= ( ) (1) inclusão de um potencial externo. O potencial externo está relacionado com a densidade de carga do sistema, e desta forma, realiza-se uma busca autoconsistente pela densidade de carga, a qual gera o potencial que é utilizado nas equações de Kohn-Sham, as quais fornecem as funções de onda eletrônicas, que, por sua vez, fornecem a densidade de carga, e o ciclo é repetido até que a minimização da energia do sistema seja alcançada (Eq. 2). 2 2 ( )= ( ) ( )= ( ) ( ) ( ) ρ r f φ r V r 4 πe. ρ r H φ r εφ r i i i ^ KS KS i i i (2) dades dos átomos sólidos e moléculas estão relacionadas com a densidade de carga do sistema. A densidade de carga que minimiza a energia do sistema é a densidade de carga do estado fundamental. Assim, nesta teoria, há uma busca pela densidade de carga do sistema de forma autoconsistente. O desacoplamento das partículas interagentes é feito quando a equação de Schrödinger para um conjunto de elétrons de valência interagentes é substituída pela equação de elétrons não interagentes proposta por Kohn e Sham em 1965 (p. A1133). A Eq. (1) é conhecida como hamiltoniana ^ de Kohn-Sham (H KS ), e as funções de onda φ i (r) são os orbitais de Kohn-Sham. As interações eletrônicas de troca e correlação, interações puramente coulombianas entre os elétrons de valência (interações de Hartree) e as interações dos elétrons de valência com os íons através do pseudopotencial para cada átomo, todas estas interações, são incluídas na hamiltoniana de ^ Kohn-Sham através do potencial externo V KS [ρ(r)], o qual é um funcional da densidade de carga ρ(r). Este método transforma o sistema de um mar de elétrons interagentes em um conjunto de elétrons não interagentes de equações de partículas únicas em que as interações entre elas estão presentes na A quantidade de carga do sistema deve ser conservada, e, assim, o cálculo da densidade de carga autoconsistente deve ser feito por meio da soma dos quadrados das funções de onda pr fi φi r ( )= ( ) i sendo φ i (r) as funções de onda para os orbitais de Kohn-Sham e ƒ i o fator de ocupação do orbital. Por conservação da carga este resultado deve estar vinculado ao número de elétrons do sistema: N 2 ρ r d 3 r. el = ( ) 2. os estados eletrônicos das moléculas (3) Para o cálculo de uma única molécula devemos supor a molécula isolada em uma caixa de dimensões suficientes para mantê-la livre de interações com outras moléculas. Admite-se que o sistema seja periódico, permitindo a utilização da teoria de Fourier para a expansão das funções de onda
3 OUT. NOV. DEZ ANO XIII, Nº INTEGRAÇÃO 365 periódicas e potenciais periódicos no espaço recíproco em que as integrais de limites infinitos do espaço real são transformadas em somatórias no espaço recíproco para um número finito de vetores k, o qual seja suficiente para obter-se a convergência do cálculo. O cálculo realizado para moléculas pequenas não interagentes fornecerá uma estrutura eletrônica com estados de energia planos, não desdobrados, devido ao isolamento das moléculas. 3. alguns resultados para o modelo de bandas Alguns cálculos foram realizados para as moléculas SiCl 4, SiBr 4 e CMnCl 3 (Rocha & Casagrande, 2006). As moléculas foram consideradas isoladas em uma caixa de lado igual a 20 u.a. (uma unidade atômica u.a. é equivalente ao raio de Bohr, r B = 0,529 Å). As estruturas eletrônicas para as moléculas SiCl 4 e SiBr 4 podem ser observadas na Figura 1 e na Figura 2. Os cálculos são realizados para os pontos ks ao longo de um caminho estabelecido na primeira zona de Brillouin (Oliveira & Jesus, 2005, pp ) da célula recíproca representado pelo eixo x. Pode-se verificar a redução do gap entre a faixa de valência (HOMO) e a faixa de condução (LUMO) (Casagrande & Aleixo, 2006) ao trocar os átomos de Cl por átomos de Br. Para a molécula SiCl 4 o gap obtido foi de 6,48 ev, enquanto para a molécula SiBr 4 o gap obtido foi de 5,10 ev. Estes valores caracterizam materiais isolantes, embora o Si seja semicondutor a T 0 K. A estrutura eletrônica para a molécula CMnCl 3 pode ser observada na Figura 3. Para esta molécula observa-se uma grande redução no gap. O gap obtido foi 1,18 ev, aproximando-se muito dos Figura 1. Níveis de energia para a molécula SiCl 4 Figura 2. Níveis de energia para a molécula SiBr 4
4 366 INTEGRAÇÃO CASAGRANDE A estrutura eletrônica de moléculas Figura 3. Níveis de energia para a molécula CMnCl 3 valores dos materiais classificados como semicondutores. O átomo de carbono comporta-se como bom condutor na forma de grafite devido às suas ligações π e como isolante na forma de diamante devido às ligações de caráter covalente. Embora tenha ocorrido a troca do Si pelo C na molécula, podemos observar que a substituição de um átomo halogênio (Cl) por um átomo metálico (Mn) foi responsável pela diminuição do gap da molécula como é observado na Figura 4, em que o estado de carga HOMO (ponto C) é um estado puro do átomo Mn. A análise da estrutura eletrônica pode fornecer informações sobre a origem da carga dos estados eletrônicos. Na Figura 4, encontramos estados puros de manganês nos pontos A, B e C. Nos pontos D, E e F temos estados puros de carbono e nos pontos G, H, I e J temos estados puros de cloro. 4. a estrutura eletrônica do sólido e da superfície Para realizar o cálculo da estrutura eletrônica de um cristal infinito, a célula periódica deve ser construída de tal forma, que a periodicidade nas bordas da caixa permita que o cristal seja perfeito e infinito ao repetir-se a célula em todas as direções do espaço. Para o estudo da superfície é necessário construir uma célula periódica que possua um espaço vazio suficientemente grande para evitar interações Figura 4. Estados eletrônicos para a molécula CMnCl 3 analisados quanto à origem do estado eletrônico
5 OUT. NOV. DEZ ANO XIII, Nº INTEGRAÇÃO 367 Os estados de superfície são vistos sobrepostos à área preenchida na Figura 7, nomeados por letras. Esses estados de superfície foram separados por pertencerem aos átomos de Br adsorvidos na superfície. São estados puros ou com pouca hibridização. Além disso, a pouca dispersão em energia dos estados ao longo do caminho sugere tratarem-se de estados de mesma natureza química. Assim, os estados (A) em -13,5 ev são referentes aos orbitais s dos átomos de Br, os estados (A) no ponto Γ em 1,5 ev e os estados (B) no ponto J em 1,6 ev pertencem ao orbital p x do Br. Os estados dos Figura 5. Estado de carga puro do Mn referente ao ponto C observado na estrutura eletrônica da Figura 4 entre as superfícies adjacentes. Na camada inferior da célula, os átomos do cristal são ligados aos átomos de H para saturar as ligações faltantes, simulando a continuidade do cristal. Na camada superior, superfície de estudo propriamente dita, são adsorvidos átomos ou moléculas de interesse. Na Figura 6 é possível observar a periodicidade da célula no eixo z e no eixo x. O eixo z para esta construção é referido como direção (111) conforme os índices de Miller (Ashcroft & Mermin, 1976, p. 91-3) e a construção da superfície possui uma periodicidade (2x1) no plano xy. Também é possível ver os átomos de Br adsorvidos na superfície e os átomos de H saturando as ligações faltantes das camadas inferiores. Um cálculo para a estrutura eletrônica da superfície Si(111)-(2x1)-Br foi realizado, e os estados de carga originários especialmente dos átomos de Br foram separados (Casagrande, 2006). Para uma quantidade muito grande de átomos e elétrons, as estruturas eletrônicas observadas para as moléculas dos resultados anteriores tornam-se estruturas desdobradas com valores de energia quase contínuos referentes a todos os estados do cristal projetados ao longo do caminho estudado. A área preenchida na Figura 7 refere-se aos estados do cristal (bulk). Figura 6. Célula periódica da superfície de Si(111) com periodicidade (2x1) e adsorção de átomos de Br na superfície
6 368 INTEGRAÇÃO CASAGRANDE A estrutura eletrônica de moléculas pontos (C) e (D) são orbitais semi-híbridos e híbridos entre os átomos de Br e os átomos de Si da camada inferior. A densidade de carga de alguns dos estados mencionados pode ser observada na Figura 8. apenas na região superior do maior gap estômago entre os pontos e. O modelo de bandas para o cálculo da estrutura eletrônica de moléculas e sólidos tem sido muito empregado para o estudo de novos materiais. Figura 7. A área preenchida representa os estados eletrônicos para o cristal infinito (bulk). Os pontos nomeados por letras representam estados de carga dos orbitais dos átomos de Br adsorvidos na superfície de Si, conforme visualizados nos gráficos de densidade de carga da Figura 8 5. conclusões e considerações finais Os resultados calculados para as moléculas SiCl 4 e SiBr 4 por meio do modelo de bandas são compatíveis com os valores experimentais. O resultado para a molécula CMnCl 3 ainda necessita de investigações suplementares, pois é uma molécula não observada experimentalmente. Pode-se observar a redução da região HOMO- LUMO com a troca dos átomos de Cl por átomos de Br. O átomo de Cl é um átomo menor do que o Br, possuindo menor quantidade de carga e estabelecendo uma ligação mais covalente, o que aumenta a região do gap. A inclusão do átomo metálico Mn com maior quantidade de carga possibilitou a redução da região HOMO-LUMO para 1,18 ev atribuindo a classificação de semicondutor para a molécula. O estudo da adsorção de átomos de Br sobre a superfície Si(111)-(2x1) possibilitou remover os estados de superfície do gap devido às ligações faltantes da clivagem da superfície livre. Nenhum estado de Br foi observado na região proibida do gap. Alguns estados híbridos de Br foram observados Para pequenas moléculas, é possível realizar cálculos utilizando a mecânica quântica aplicada ao estudo da estrutura do material. Nestes casos, os métodos de resolução da equação de Schrödinger implicam a diagonalização de matrizes, a qual consome tanto esforço computacional em tempo e memória quanto maior for o número de átomos envolvidos. Para tornar o cálculo possível de ser realizado para sistemas de aglomerados de átomos e sólidos, os quais certamente possuem muitos elétrons, algumas teorias e várias aproximações são inseridas no modelo. Entre as teorias, destacam-se as teorias do Funcional da Densidade e do Pseudopotencial. Entre as aproximações, o cálculo da energia de correlação eletrônica, o qual é complexo e não possui um valor exato, é substituído por uma parametrização de aproximação local para um gás de elétrons livres ou uma aproximação de gradiente conjugado para o mesmo gás. Esta é uma das principais preocupações dos métodos ab-initio, pois é sabido que é responsável por subestimar o valor do gap no resultado do cálculo em relação ao resultado experimental. Estas teorias e aproximações foram utilizadas nos cálculos das estruturas aqui apresentadas.
7 OUT. NOV. DEZ ANO XIII, Nº INTEGRAÇÃO 369 CASAGRANDE, D. Theoretical calculations for Si(111)- (2x1)Br. XXIX Encontro Nacional de Física da Matéria Condensada, 2006, São Lourenço, MG. CASAGRANDE, D. & ALEIXO, L. A. G. Integração, dezembro de 2006 (in prolo). HAMANN, D. R.; SCHLUTER, M. & CHIANG, C. Phys. Rev. Lett., Vol. 43, 1979, pp HOHEMBERG, P. & KOHN, W. Phys. Rev. B, Vol. 136, 1964, p KERKER, G. P. J. Phys. C, Vol. 13, 1980, p. L189. KOHN, W. & SHAM, L. J. Phys. Rev. B, Vol. 140, 1965, p. A1133. OLIVEIRA, I. S. & JESUS, V. L. B. Introdução à física do estado sólido, 1ª ed. São Paulo: Ed. da Física, 2005, pp ROCHA, C. A. & CASAGRANDE, D. A estrutura eletrônica da molécula. In: X Escola Brasileira de Estrutura Eletrônica, TROULLIER, N. & MARTINS, J. L. Solid State Commun., Vol. 74, 1990, p Phys. Rev. B, Vol. 43, 1991a, p Phys. Rev. B, Vol. 43, 1991b, p VANDERBILT, D. Phys. Rev. B, Vol. 41, 1990, pp Figura 8. Gráficos de densidade de carga para alguns estados eletrônicos correlacionados com a estrutura eletrônica apresentada na Figura 7 Outras teorias envolvendo interações entre muitos corpos, diferentes configurações e teorias de perturbação prometem fornecer melhores resultados ao preço de mais alto custo computacional e complexidade do cálculo. Referências bibliográficas ASHCROFT, N. W. & MERMIN, N. D. Solid State Physics. International Edition. Filadélfia: Saunders, 1976, pp BACHELET, G. B.; HAMANN, D. R. & SCHLUTER, M. Phys. Rev. B, Vol. 26, 1982, p
8 370 INTEGRAÇÃO CASAGRANDE A estrutura eletrônica de moléculas
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