AS TEMÁTICAS DA FICÇÃO MORAVIANA
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- Gabriella Barreiro Lombardi
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1 Página 1 de 6 AS TEMÁTICAS DA FICÇÃO MORAVIANA imprimir voltar Marinês Lima Cardoso (Pós-Graduanda, UFRJ) A leitura da obra Gli Indifferenti (1929), do escritor italiano Alberto Moravia ( ), possibilita-nos destacar algumas de suas temáticas mais recorrentes. Desde a primeira obra moraviana, observa-se algumas questões que se repetirão nos demais textos do escritor italiano. As suas personagens se encontram fragmentadas e estranhas ao mundo que a cercam, revelando relações desgastadas entre os indivíduos. São personagens marcadas pelo tédio e pela incomunicabilidade que as impedem de reagir diante de uma sociedade arruinada moral e financeiramente, revelando processos inquietantes e tensões sociais. Gli Indifferenti trouxe em cena a instituição familiar em uma versão diferente daquela veiculada pelo regime fascista. De fato, esse regime político tentava mostrar uma imagem positiva e íntegra da família italiana daqueles anos. Entretanto, esta versão otimista desta instituição não correspondia à realidade, pois o que se observava era a derrocada das relações familiares. Assim, Alberto Moravia desmistificou a família italiana através de uma típica família burguesa protagonista do seu primeiro romance durante os anos do regime fascista. Essa família tem como matriarca, a viúva Mariagrazia Ardengo, mãe de dois filhos, Michele e Carla, os quais estão insatisfeitos diante dos falsos valores convencionais. A jovem é insidiada pelo amante de sua mãe, Leo Merumeci, o qual tenta, ainda, apropriar-se da mansão da família como forma de pagamento de uma dívida. Após várias tentativas de sedução, Merumeci alcança o seu objetivo, sendo a história descoberta por Lisa, antiga amante de Leo e amiga da família Ardengo. Esta personagem revela a história a Michele, o qual compra uma arma para assassinar Merumeci, porém se esquece de carregar a arma com balas. Carla e Leo se casarão e Michele e sua mãe deverão se adaptar a esta nova situação. A primeira obra moraviana é apontada por Ferroni (FERRONI, 2000, p ) como uma obra exemplar e reveladora do realismo moderno, apresentando uma análise do mundo burguês urbano. O realismo moderno se afasta dos modelos naturalistas e veristas, propondo uma imagem crítica da realidade, seja nos grandes centros urbanos seja nas províncias. Dentro dessa linha, é fundamental a análise das relações e dos conflitos entre as personagens e o espaço social, revelando processos inquietantes e tensões sociais. Segundo o teórico italiano (FERRONI, 2000, p. 1067), a vida das personagens de Gli Indifferenti é marcada por várias motivações psicológicas, por difíceis escolhas e turbamentos interiores que os impedem de se relacionar uns com os outros. Essas personagens apresentam uma relação conflituosa devido à crise pela qual passam. Carla e Michele, por exemplo, não suportam mais a relação desgastada da mãe com o amante, tentando, cada qual a seu modo, reagir diante dessa situação. Carla, desejosa de mudar de vida, procura um caminho mais concreto com a possibilidade apontada por Leo, enquanto Michele tenta agir para sair do seu estado de indiferença, embora as suas tentativas de reação não sejam bem sucedidas. Além desses conflitos entre as personagens, Guido Guglielmi (GUGLIELMI, 1998, p ) nos indica a falta de movimento dramático em Gli Indifferenti como acontecia nas obras de seus antecessores, pois o que é apontado no início da obra, a sedução de Carla por Leo, realiza-se no final da narrativa. A personagem não encontra obstáculos para o seu objetivo, uma vez que traça a sua meta final e a executa sem hesitação. No entanto, esse distanciamento aos modelos literários de então não é tão forte assim, pois existem, conforme nos esclarece Galateria (GALATERIA, 1975, p ), alguns traços naturalistas na primeira obra moraviana. O crítico destaca a não participação do autor na vida das suas personagens como uma característica do realismo do final do século XIX. Porém, diferentemente do naturalismo que era marcado por uma falta de afetividade do narrador em relação às personagens, a fim de dar uma maior exposição dos fatos, em Gli Indifferenti existe uma falta de afetividade por parte das personagens, ou seja, são as personagens que estão desprovidas de qualquer valor afetivo em relação ao mundo que as cerca. As personagens não experimentam
2 Página 2 de 6 nenhum sentimento em relação aos problemas pelos quais passam. A família Ardengo está diante da possibilidade de perder a mansão em que vive e está sem recursos financeiros, porém se comporta como se nada estivesse acontecendo, freqüentando festas e bailes. Não existe preocupação com o futuro e sim, uma grande indiferença, na qual o que prevalece é o desejo de ostentar uma aparência de riqueza que não existe mais. Além do destaque do narrador em relação às personagens, outros motivos naturalistas estão presentes na primeira obra moraviana, como a análise de uma sociedade através de fatos e situações considerados tabus e particularmente censurados pelo regime fascista. Trata-se de um sinal de protesto, de denúncia e de acusação a uma parte da sociedade que não corresponde àquela postulada pelo regime oficial. Entretanto, diferentemente dos escritores naturalistas, Moravia não aprova e nem condena essa sociedade, pois a sua função é a de narrar, permanecendo, assim, distante dos escritores naturalistas que apresentavam uma certa complacência imoralista diante da obra e daqueles que geravam polêmicas através das suas escritas. Ou seja, o escritor romano mostra os costumes do seu tempo através das mesmas temáticas acenadas na sua primeira obra. Essas temáticas, a indiferença e a incomunicabilidade, estarão presentes, por exemplo, em La Noia, na qual o único meio de comunicação em uma sociedade alienada pelo dinheiro, pelo luxo é o envolvimento sexual entre a personagem Dino e a prostituta Cecília. A personagem masculina dessa obra está alienada dentro da sua sociedade e se sente incapaz de viver serenamente. Todas essas questões abordadas na primeira obra evidenciam o aspecto da crítica feita pelo escritor romano à sua sociedade italiana daqueles anos que se estendeu durante toda a sua produção literária. Moravia faz uma crítica contra a injustiça dos sistemas sociais, especialmente, no caso de Gli Indifferenti, à burguesia, a qual surgia como uma conseqüência natural dos acontecimentos. A obra em estudo aponta a questão da queda dos costumes sociais nesse sistema, no qual a transgressão aos valores morais não apresenta nenhum significado. Trair a mãe não significava nada para Carla e nem mesmo para Leo, uma vez que no seu mundo, os valores não existem mais. A sua primeira obra não apresenta momentos dramatizantes, revela apenas um realismo profundo nas relações entre as personagens. Trata-se de uma violenta polêmica social, embora não fosse esse seu objetivo, conforme afirmava, sendo um crítico da decadência da família italiana, que começou durante os anos do regime fascista. Essa realidade que se configura na sociedade italiana gera um conflito nas personagens diante de um modelo de vida, no qual se esforçam por viver autenticamente. Essa crise surge tanto em personagens proletárias quanto burguesas, como é o caso de Michele, que tenta reagir à situação instaurada em sua família, fugindo dos modelos representados pela sua mãe, Lisa e Leo. A crítica moraviana se estende também indiretamente à política, pois através de Michele é revelada a análise política daqueles anos pelo escritor romano. A indiferença do jovem é uma demonstração de sua aversão ao regime fascista, uma vez que não participa nem convive com o mundo que o cerca. Michele não tem uma atividade profissional e não manifesta nenhum posicionamento político, evidenciando, assim, o seu desinteresse pelos fatos ao seu redor. Além disso, a primeira obra moraviana aportou várias questões para a literatura italiana, seja na apresentação da temática seja no uso das estratégias narrativas. O próprio título da obra não designa nada de positivo e de específico e, sim, uma interrogação devido à sua ambigüidade. Tal ambigüidade oscila entre as duas acepções que se pode estabelecer, de um lado uma impassibilidade e incapacidade e do outro lado, um estado de incomunicabilidade entre os indivíduos. Segundo Galateria (GALATERIA, 1975, p. 56), o plural do título da obra moraviana é extensivo, ou seja, é uma condição histórica que mostra a crise da burguesia européia nos anos anteriores e sucessivos à Primeira Guerra Mundial. Segundo Renato Barilli (BARILLI, 1995, p. 91), a indiferença é uma doença do início do século XX, a qual se expressa na personagem Michele. De fato, Michele percebe qual seria a solução natural de qualquer pessoa normal na sua situação. O jovem deveria se opor à situação instaurada em sua casa com a invasão e intromissão do amante de sua mãe, que tenta se apropriar da mansão da família e seduz a sua irmã. Além disso, seguindo os passos de um jovem da sua idade, deveria aceitar o amor fácil oferecido por Lisa, mesmo sem amá-la. No entanto, todos esses fatos lhe são estranhos, sendo vistos pela personagem como não pertencentes a sua vida. Assim, as intenções de Michele não são realizadas, ocasionando um comportamento marcado pela indiferença, pois, conforme nos indica Galateria, Michele sofre de uma indiferença que não
3 Página 3 de 6 corresponde a uma impassibilidade, pois o jovem sente mais do que as outras personagens, embora as suas reações não sejam aquelas esperadas por uma pessoa normal. Michele sofre pela sua falta de ação como um modo de não se adaptar a situação instaurada em sua família e no seu mundo. A personagem se sente incapaz de aderir de modo imediato e natural aos acontecimentos ao seu redor (GALATERIA, 1975, p. 36). Esse mal do século, que se expressa em Michele, como revela Barilli, é testemunhado por outros escritores de então, tais como Luigi Pirandello e Italo Svevo, os quais também retratam em suas obras, personagens marcadas por um estranhamento ao mundo. Esse traço da indiferença permitiu à crítica italiana avaliar a obra em estudo partindo da concepção existencial da alienação, do momento que Gli Indifferenti mostra o problema da justificação moral da ação (BARILLI, 1995, p ). Ao retratar a vida de uma família burguesa italiana nos anos vinte, Moravia criticou a sociedade, mostrando ao leitor a vida da società-bene de então. O regime fascista apresentava a família italiana em uma versão íntegra e moralista diferentemente da realidade que se observava na sociedade de então. A família Ardengo, como destaca Galateria (GALATERIA, 1975, P ), não é uma exceção ou um caso isolado, mas uma peça representativa dentro desse contexto fascista. Ou seja, a primeira obra moraviana traz à luz a sociedade burguesa entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial vista através do caráter provisório das suas personagens. Uma outra temática recorrente nas obras moravianas é a alienação presente em suas obras desde a publicação de Gli Indifferenti. O homem representado em seus textos presencia a desintegração da economia e da sociedade, a mecanização da vida, a fragilidade das relações humanas, o sentimento de insegurança e, finalmente, a alienação do indivíduo. A alienação, nesses termos, é usada para exprimir o posicionamento do indivíduo na sociedade industrial e capitalista, na qual qualquer tipo de experiência parece estranha ao homem. Esse se sente privado da sua consciência e imerso em um mundo dominado pelos bens materiais. Observa-se essa alienação em muitas obras moravianas como em La noia, na qual o dinheiro é o instrumento de alienação uma vez que permeia, por exemplo, a relação entre Dino e sua mãe, ou seja, é a única coisa que pode estabelecer uma ligação entre eles e não, o amor entre mãe e filho. A alienação se faz também de forma consciente, como a da personagem Michele em Gli Indifferenti. O protagonista desse romance moraviano é consciente da existência dos problemas que assolavam a sociedade de então, mas admitia-se incapaz de interferir nos fatos a sua volta. Nem mesmo na sua família, o jovem consegue mudar esse quadro de desintegração pelo qual passa. Michele permanece passivo diante da realidade em que vive e se aliena, pois não encontra respostas para as suas dúvidas. A presença da alienação em Gli Indifferenti indica uma condição de solidão e de incomunicabilidade entre as personagens que se perdem em um mundo de fantasia e de separação do mundo circundante. As personagens moravianas apresentam uma incapacidade de pensar sem que não sejam guiadas no campo improdutivo da fantasia. Tal atitude é mais evidente em Carla e Michele, o qual queria ser igual às outras pessoas, que não analisavam tanto suas vidas e os fatos circundantes e se deixavam conduzir pelo lado concreto da realidade. Porém, o jovem não consegue se afastar dos seus pensamentos e projeta um mundo fictício para a sua vida. Dentro desse quadro de alienação, as personagens não fazem escolhas, não sendo, portanto, agentes de seus atos. As determinações internas, como o sexo, ou externas, como o dinheiro agem sobre as personagens, excluindo qualquer traço de autonomia e conseqüentemente, qualquer possibilidade de drama. O fato que deve acontecer, como a sedução de Carla, acontece sem nenhuma transformação da personagem. Essa aceita passivamente a sedução como se fosse o único caminho a ser seguido, uma vez que não existe nenhuma outra alternativa para que ocorra uma mudança em sua vida. Entretanto, a jovem, depois de consumado o ato, percebe que nada mudou. Michele também é tomado por essa passividade diante dos fatos a sua volta, mas o jovem se deixa seduzir por questões que ao mesmo tempo em que lhe são estranhas, atraem-no. A relação da personagem com Leo é tanto de rivalidade, uma vez que é a figura masculina que domina a sua família, como também de imitação, pois o jovem se sente atraído pela possibilidade de resolver a questão financeira de sua família através de Leo. Desse modo, observa-se o caráter ambíguo de Michele, pois o jovem ora repudia Merumeci ora o admira, revelando, segundo Strappini, uma identificação da figura paterna ausente evocada pelo jovem, direta ou indiretamente, na figura de Leo ( STRAPPINI, 1978, p ). Essa alienação impossibilita a Michele e a Carla de conhecerem o limite entre a fantasia e o
4 Página 4 de 6 pensamento, de maneira que os seus pensamentos tomam sempre o caminho das variações emotivas. Assim, como as reflexões ou análises que as personagens fazem sobre os fatos não são materializadas, as personagens fantasiam ou, como prefere Guido Guglielmi, sonham de olhos abertos (GUGLIELMI, 1998, p. 26). As ações dos dois jovens não são vividas no campo racional, pois ambos se entregam a fantasias. Michele, por exemplo, sofre de uma grande angústia por não conseguir materializar os seus pensamentos, pois sabe que deveria mudar o seu comportamento para fazer algo a fim de romper esse quadro de tédio que assola a sua vida. Desse modo, a análise feita dos fatos ao seu redor impede a Michele de se adequar à sociedade burguesa e ser igual aos outros que não pensam, mas se deixam guiar pelas circunstâncias. Dentro desse quadro instaurado, a personagem se move entre duas alternativas, a primeira é representada por um mundo tradicionalista, isto é, que repete sempre os mesmos modelos, e a segunda é representada pela experiência. Entretanto, Michele não se reconhece em nenhuma dessas possibilidades, uma vez que não quer repetir esses modelos burgueses representados pela sua mãe, por Leo e por Lisa, mas, também, não consegue reagir a esses mesmos modelos, apresentando várias tentativas de reação que não se cumprem como as empreendidas contra o amante de sua mãe. No entanto, Michele não apresenta a convicção que sustente essas tentativas de rebelião, pois a personagem sabe que lhe falta o caráter prático das ações. Essas questões nos permitem evidenciar a condição de solidão e de incomunicabilidade das personagens, que se perdem em um mundo de fantasia, de projeção e de separação do mundo circundante. BIBLIOGRAFIA: BARILLI, Renato. La neovanguardia italiana. Bologna: Il Mulino, FERRONI, Giulio. Profilo Storico della Letteratura Italiana. Vol. II. Milano: Eunaudi, GALATERIA, Marinella Mascia. Come leggere Gli Indifferenti di Alberto Moravia. Milano: Mursia, GUGLIELMI, Guido. La Prosa Italiana del Novecento. Tra Romanzo e Raccconto. Torino: Eunaudi, MORAVIA, Alberto. Gli Indifferenti. Milano: Bompiani, 2001 STRAPPINI, Lucia. Le cose e le figure negli Indiferenti di Moravia. Roma: Bulzoni, Nome: Marinês Lima Cardoso Endereço: Rua São Mariano Scot, 75 Jacarepaguá Rio de Janeiro Telefone: (21) marinescar@ig.com.br 1. Atividade profissional atual: Professora substituta de Língua Italiana, na Faculdade de Letras, da UFRJ. 2. Atividades Acadêmicas:
5 Página 5 de Formação: Mestrado em Literatura Italiana UFRJ Conclusão: 08/ Participação em eventos: VII Semana Interdisciplinar de Estudos Anglo-Germânicos UFRJ Período: 30/11/98 a 03/12/98 XIX Semana de Estudos Clássicos _ UFRJ Período: 09/12/98 a 11/12/98 III Semana de Letras Neolatinas UFRJ Período: 13/09/99 a 17/09/99 V Semana de Letras Neolatinas UFRJ Período: 29/09/03 a 03/10/03 XI Congresso ABPI UFP Período: 01/06/05 a 06/06/ Produção Científica: Técnica Apresentação em trabalho e resumo: IV Colóquio de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras Neolatinas UFRJ Título: A construção das personagens em Gli Indifferenti de Alberto Moravia: questões do tempo e da memória Período: 25, 26 e 27 de agosto de 2004 Simpósio de Pós-Graduação em Ciência da Literatura UFRJ Título: Gli Indifferenti de Alberto Moravia: a construção das personagens, do tempo e da memória Período: 28 e 29 de novembro de 2004 XI Congresso ABPI UFP Título: Gli Indifferenti: um dos itinerários da Literatura Italiana Período: 01 a 06 de junho de º Simpósio de Pós-Gradução em Ciência da Literatura Título: Estratégias narrativas no romance Gli Indifferenti de Alberto Moravia Período: 27 e 28 de junho de 2005 V Colóquio de Pós-Gradução e Pesquisa em Letras Neolatinas Título: Gli Indifferenti: as estratégias narrativas no processo de construção personagens moravianas Período: 17 a 19 de agosto de Publicação de texto integral: Título: A construção das personagens em Gli Indifferenti de Alberto Moravia: questões do tempo e da memória
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