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1 Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro Monitoria acadêmica Disciplina: Direito Penal Monitor acadêmico: Felipe Machado Caldeira TEMA: A arma no crime II. 1. ESTATUTO DO DESARMAMENTO PLANO DE AULA 1.1. TEORIA GERAL DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO Aspectos históricos, sociológicos, filosóficos e políticos Uma das maiores preocupações da sociedade contemporânea é, indiscutivelmente, a violência mediante o emprego de arma de fogo. São inúmeros os fatores que contribuem para esta epidemia de violência: intensa e desordenada urbanização, êxodo rural, desigualdade social, desemprego, estrutura familiar fragilizada etc.. Ademais, o Estado é ineficiente e o Governo incompetente em matéria de segurança pública. Destaca-se, contudo, a difusão incontrolada das armas clandestinas. Com efeito, surgem as políticas públicas simbólicas e midiáticas, com base em movimentos especialmente influenciados pela Escola da Nova Defesa Social ( the broken window theory, law and order etc.). A partir de 1995, a ONU começou a demonstrar a imperiosa necessidade de um rígido controle de arma de fogo, interno e internacional. É neste contexto que surge a Lei das Armas (Lei 9437/97) e o Estatuto do Desarmamento (Lei 10826/03) Críticas (i) Direito de resistência: crescimento do poder estatal sobre o cidadão vem aumentando sem a possibilidade de qualquer reação. Traduz, segundo Daniel Sarmento, uma idéia de dominação absoluta de poder. A incapacidade começa a dominar a sociedade contemporânea. (ii) Desarmamento da população civil: estima-se que, hoje, haja no Brasil cerca de 17 milhões de armas de fogo, sendo que mil nas mãos da população civil. Até hoje, apenas armas de fogo foram entregues, sendo esta a razão das sucessivas prorrogações dos prazos previstos nos artigos 30 a 32, do ED. 1

2 (iii) Sociedade do medo e Direito Penal simbólico: surgem as políticas públicas simbólicas e midiáticas, com base em movimentos especialmente influenciados pela Escola da Nova Defesa Social ( the broken window theory, law and order etc.) Bem jurídico-penal Conceito Valor fundamental de natureza constitucional (Brasil: Luiz Regis Prado; Itália: Cesare Pedrazzi; Alemanha: Amelung e Schünemann; Espanha: Silva Sanchez) Espécies Bens jurídico-penais individuais (vida, integridade física, liberdade, patrimônio, segurança etc.) e transindividuais ou coletivos (segurança pública etc.). Brasil: Luiz Regis Prado; Itália: Cesare Pedrazzi; Alemanha: Amelung, Schünemann e Tiedemann; Espanha: Silva Sanchez e Poliano Navarrete Princípios Princípio da lesividade A) Conceito: determina que só há crime de houver lesão ou perigo de lesão a bem jurídico. B) Funções: a) proíbe a incriminação de uma atitude interna, b) proíbe a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor, pois deve atingir bens jurídicos de terceiros (principio da alteridade ou transcedentalidade), c) proíbe a incriminação de simples estados ou condições existenciais (penaliza-se o agir e não o ser), e d) proíbe a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico ou que sejam moralmente reprováveis. C) Releitura: (CR) há situações excepcionalíssimas que não há lesão ou perigo de lesão a bem jurídico (ex: maus tratos de animais domésticos) Princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos Delimita uma forma de direito penal, o direito penal do bem jurídico, daí que não seja tarefa sua proteger a ética, a moral, os costumes, uma ideologia, 2

3 uma determinada religião, estratégias sociais, valores culturais como tais, programas de governo, a norma penal em si etc QUESTÕES CONTROVERTIDAS PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DEFEITUOSA 3

4 1ª CORRENTE: ATÍPICA (i) princípio da lesivisidade; (ii) princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos; (iii) bem jurídico-penal tutelado: segurança (incolumidade), individual e coletiva; TJRJ ( APELACAO CRIMINAL: DES. MARIA CHRISTINA GOES - Julgamento: 15/05/ QUINTA CAMARA CRIMINAL) 2ª CORRENTE: TÍPICA (i) crime de perigo abstrato, logo, o mero fato de o funcionamento de arma de fogo não ser perfeito não afasta a tipicidade material do crime definido no art. 14 da Lei /2003, pois possuiria aptidão de produzir disparos, o que seria suficiente para atingir o bem juridicamente tutelado; (ii) bem jurídico-penal tutelado: segurança, individual e coletiva (direito fundamental: artigo 5º, caput, da CFRB/88); STF (informativo 505) STJ (HC ) PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA 1ª CORRENTE: ATÍPICA 4

5 (i) princípios da lesividade e da ofensividade: a arma sem munição, ou sem possibilidade de pronto municiamento, é instrumento inidôneo para efetuar disparo, sendo, portanto, incapaz de gerar lesão efetiva ou potencial à incolumidade pública. (ii) princípio da exclusiva proteção aos bens jurídicos: é necessário aferir, casuisticamente, se a conduta enseja ou não risco ao bem jurídico. TJRJ ( APELACAO CRIMINAL: DES. KATIA JANGUTTA - Julgamento: 19/08/ SEGUNDA CAMARA CRIMINAL) STF (votos SP, RL e CL REMETIDO AO PLENÁRIO COM RHC ). Informativos: 404/447 e ª CORRENTE: TÍPICA (i) bem jurídico-penal tutelado: segurança, individual e coletiva (direito fundamental: artigo 5º, caput, da CFRB/88); (ii) crime de perigo abstrato; b) o fato de estar desmuniciado o revólver não o desqualifica como arma, haja vista que a ofensividade de uma arma de fogo não está apenas na sua capacidade de disparar projéteis, mas também no seu potencial de intimidação, ou seja, impedir que a arma seja usada como instrumento de ataque, bem como de evitar que haja risco de constrangimento de quem possa se sentir ameaçado pelo sujeito portador do artefato, ocasionando sensação de insegurança coletiva; TJRJ ( APELACAO CRIMINAL: DES. GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA - Julgamento: 19/08/ SETIMA CAMARA CRIMINAL) STJ (REsp ) STF (votos EG e CB REMETIDO AO PLENÁRIO COM RHC HC 85240). Informativos: 404/447 e PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO RASPADA E DESMUNICIADA TÍPICA (i) o artigo 16, parágrafo único, IV, do ED tipifica um crime autônomo; 5

6 (ii) bem jurídico tutelado: a segurança coletiva, diante do interesse e necessidade do Estado em controlar o número de armas de fogo, munições e etc; TJRJ ( APELACAO (E.C.A.) - 1ª Ementa: DES. GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA - Julgamento: 19/08/ SETIMA CAMARA CRIMINAL) STJ (informativo 360) STF (informativo 494) PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM MUNIÇÃO DEFEITUOSA TÍPICA (i) crime de perigo abstrato; 6

7 (ii) é irrelevante se a munição possui potencialidade lesiva; STJ (informativo 354) PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO TÍPICA 7

8 (i) crime abstrato e não reclama, para a sua configuração, lesão imediata ao bem jurídico tutelado; (ii) não fere as normas constitucionais; (iii) a intenção do legislador fora de tornar mais rigorosa a repressão aos delitos relativos às armas de fogo; (iv) objetiva a proteção da incolumidade pública, sendo dever do Estado garantir aos cidadãos os direitos fundamentais relativos à segurança pública; TJRJ ( HABEAS CORPUS: DES. GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA - Julgamento: 19/08/ SETIMA CAMARA CRIMINAL; APELACAO CRIMINAL: DES. GERALDO PRADO - Julgamento: 29/07/ SETIMA CAMARA CRIMINAL; APELACAO CRIMINAL: DES. VALMIR DE OLIVEIRA SILVA - Julgamento: 22/07/ TERCEIRA CAMARA CRIMINAL) STJ (RHC ) STF (votos de EG e JB, vista CP: informativos 457/470 e 494) A QUESTÃO DOS ARTIGOS 30 E 32, DO ED CONSTITUCIONALIDADE 8

9 Problema: veiculação de norma jurídico-penal por meio de Medida Provisória. 1ª CORRENTE: NÃO (i) Contraria a norma prevista no artigo 62, 1º, alínea b, da Constituição da República; 2ª CORRENTE: SIM (i) A norma prevista no artigo 62, 1º, alínea b, da Constituição da República deve ser interpretada como uma proteção contra o arbítrio do Executivo; (ii) Se a Medida Provisória vem exatamente para proteger o cidadão da incidência da norma penal, não há razão para invocar tal garantia. Desta sorte, pouco importa se a dilação do prazo para regularização ou devolução de arma, acessório e munição tenha sido por meio de Medida Provisória, certo é que esta regra impede a incidência dos crimes tipificados nos artigos 12 e 16 da Lei /03; TJRJ ( HABEAS CORPUS: DES. GERALDO PRADO - Julgamento: 19/06/ QUINTA CAMARA CRIMINAL) NATUREZA JURÍDICA 1ª CORRENTE: ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA 9

10 (i) NATUREZA JURÍDICA: causa de exclusão da tipicidade (artigo 2º, do CP). (ii) Política criminal: quando o Estado entende por bem não mais considerar determinado fato como infracional, com fundamento nos princípios da intervenção mínima, da lesividade e da exclusiva proteção de bens jurídicos. (iii) RETROATIVIDADE: SIM (sem controvérsia). TJRJ ( APELACAO CRIMINAL: DES. VALMIR RIBEIRO - Julgamento: 14/08/ OITAVA CAMARA CRIMINAL; APELACAO CRIMINAL: DES. GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA - Julgamento: 12/08/ SETIMA CAMARA CRIMINAL) STJ (REsp : Min. Laurita Vaz; AgRg no HC : Min. Paulo Gallotti; HC : Min. Napoleão Filho; RHC : Min. Felix Fischer) STF (HC : Min. CL; HC : Min. MD; RHC : Min. EG). 2ª CORRENTE: ANISTIA CONDICIONADA (i) NATUREZA JURÍDICA: causa de exclusão da punibilidade (artigo 107, II, do CP). (ii) Política criminal: quando o Estado renuncia ao seu ius puniendi, perdoando a prática de infrações penais. Sua concessão é de competência da União (artigo 21, inciso XVII, da CFRB), estando no rol de atribuições do Congresso Nacional (artigo 48, inciso VIII, da CFRB/88). (iii) Anistia condicionada, pois para a sua concessão, é necessário o registro (artigo 30) ou a entrega (artigo 32). (iv) RETROATIVIDADE 1ª CORRENTE: NÃO (i) Política criminal: somente se aplica aos crimes perpetrados durante a vigência do ED. 10

11 TJRJ ( APELACAO CRIMINAL: DES. GIZELDA LEITAO TEIXEIRA - Julgamento: 05/08/ QUARTA CAMARA CRIMINAL; HABEAS CORPUS: DES. SIRO DARLAN DE OLIVEIRA - Julgamento: 15/07/ SETIMA CAMARA CRIMINAL) 2ª CORRENTE: SIM (i) Dogmática: norma mais favorável ao acusado. STJ (RHC : Min. Felix Fischer STJ (HC : Min. Arnaldo Esteves Lima; REsp : Min. Gilson Dipp; RHC : Min. Paulo Medina) 3ª CORRENTE: VACATIO LEGIS INDIRETA OU PROVISÓRIA (i) NATUREZA JURÍDICA: técnica legislativa. (ii) Política legislativa: importa em previsão, no próprio diploma legal, do termo inicial de sua vigência, o que, na hipótese em comento, estaria contido, de forma indireta, nos já citados artigos do Estatuto, quando assinaram prazos, reiteradamente prorrogados, para o registro e/ou entrega das armas de fogo. (iii) Indireta, pois o legislador assinou um prazo para aqueles que já estavam praticando algumas das condutas típicas previstas no Estatuto do Desarmamento, consideradas como crimes permanentes, pudessem fazer cessar a permanência criminosa, oferecendo o Estado, em contrapartida, o não exercício do ius puniendi. (iv) RETROATIVIDADE 1ª CORRENTE: NÃO (i) Política criminal: somente se aplica aos crimes perpetrados durante a vigência do ED. TJRJ ( APELACAO CRIMINAL: DES. GIZELDA LEITAO TEIXEIRA - Julgamento: 05/08/ QUARTA CAMARA CRIMINAL; HABEAS CORPUS: DES. SIRO DARLAN DE OLIVEIRA - Julgamento: 15/07/ SETIMA CAMARA CRIMINAL) 2ª CORRENTE: SIM 11

12 (i) Dogmática: norma mais favorável ao acusado. STJ (RHC : Min. Felix Fischer STJ (HC : Min. Arnaldo Esteves Lima; REsp : Min. Gilson Dipp; RHC : Min. Paulo Medina) 4ª CORRENTE: não importa o nome do instituto, o que importa é que ele é mais benéfico ao acusado, devendo retroagir sempre. TJRJ ( HABEAS CORPUS: DES. CAIRO ITALO FRANCA DAVID - Julgamento: 05/08/ QUARTA CAMARA CRIMINAL) STJ (RHC : Min. Felix Fischer) 12