A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA EM QUADRINHOS: SEU USO CULTURAL NA MÍDIA IMPRESSA



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Transcrição:

A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA EM QUADRINHOS: SEU USO CULTURAL NA MÍDIA IMPRESSA Rozana Machado Bandeira de MELO (UFAL) 1 RESUMO: As histórias em quadrinhos (HQ) são produções de caráter artístico que utilizam o desenho, a escrita e a narrativa para criar um meio de comunicação caracterizado como cultura de massa subjetiva. O presente artigo tem o objetivo de apresentar considerações acerca deste gênero textual enfocando: quando surgiu, suas principais características de origem e as formas de construção. É resultado de uma pesquisa, exploratória e analítica, que identificou as possibilidades de uso cultural das HQ na mídia impressa dentro do contexto educacional, tomando por base as teorias de Acevedo (1981), Coma (1979), Couperie (1970) e Eisner (1999.) As histórias em quadrinhos apresentam recursos linguísticos e estilísticos influentes e marcantes dos conhecidos comics, dos Estados Unidos. O estudo apontou que as HQ permitem uma articulação da prática pedagógica nos processos de comunicação e produção artística, envolvendo cores, movimentos, sensações e diálogos, em sintonia com o conhecimento cultural e midiático. PALAVRAS-CHAVE: Histórias em Quadrinhos; Cultura; Mídia Impressa. 1. Introdução O presente artigo trata das Histórias em Quadrinhos (HQ) na mídia impressa, tomando como modelo o estilo influente e marcante dos conhecidos comics, dos Estados Unidos, que trouxeram uma nova forma de comunicação e expressão que revolucionou a maneira de ler textos. É resultado de uma pesquisa de natureza exploratória e analítica, que visou a identificar as possibilidades de uso cultural das HQ na mídia impressa dentro do contexto educacional. Para isso, buscou-se um levantamento bibliográfico sobre o tema, utilizando as teorias de Acevedo (1981), Coma (1979), Couperie (1970) e Eisner (1999), dentre outros. De acordo com Jarcem (2007), as primeiras manifestações das HQ datam do começo do século XX, quando se iniciou uma busca por novos meios de comunicação e expressão gráfica e visual. Com o avanço da imprensa, e também da tecnologia e de novas formas de impressão, o desenvolvimento deste meio de comunicação de massa ficou mais fácil. Na cultura brasileira, as revistas em quadrinhos são grandes responsáveis pelo conto de histórias por meio de imagens e sob a forma de textos ou diálogos. São um meio de 1 Pedagoga (CESMAC). Especialista em Psicologia Educacional (PUC-MG) e em Psicopedagogia (UFAL). Aluna do curso de Especialização em Formação de Professores em Mídias na Educação (UFAL). Mestranda em Educação (UFAL). Contato: rmbmelo@ig.com.br.

comunicação impressa de uso popular, criadas através de recursos estilísticos que associam os desenhos a textos de caráter verbal e coloquial. Inicialmente, no desenvolvimento deste artigo, apresenta-se a origem das HQ e suas principais características. Em seguida, como as HQ são construídas. Por fim, discorre-se sobre este meio de expressão cultural na mídia impressa, com um olhar que leva a acreditar que os quadrinhos são considerados uma arte. 2. A origem da história em quadrinhos Segundo Jarcem (2007), as histórias em quadrinhos, enquanto forma de arte, compõem um contexto sócio-histórico e o avanço da imprensa facilitou o desenvolvimento das novas formas de comunicação e expressão visual e gráfica. O autor declara que as primeiras aparições das HQ ocorreram no início do século XX e, dentre os principais precursores, estão o suíço Rudolph Töpffer, o alemão Wilhelm Bush e o francês Georges ( Christophe ) Colomb. Entretanto, a origem das HQ é muito discutida. Há estudiosos da área que afirmam que esta arte remota da pré-história, por intermédio de cenas de caça pintadas em sequência nas paredes das cavernas, numa narração em imagens, sem texto verbal. Outra hipótese da sua origem está baseada em registros da Idade Antiga, com papiros egípcios que relatam, em forma de desenhos sequenciados, as grandes realizações faraônicas; ou da Idade Medieval, em que gravuras e tapetes contam a história do cristianismo e pinturas a óleo retratam episódios de batalhas europeias. Porém, considerando os moldes como as conhecemos, utilizando a técnica do desenho com os textos das falas em balões, as histórias em quadrinhos surgiram no final do século XIX, nos Estados Unidos, com a criação do personagem Yellow Kid por Richard Outcalt, em 1895. Em 1929, foi criado o Popeye; em 1930, o Mickey; e em 1933, iniciou a publicação das revistas de Walt Disney. Acerca do balão de diálogo, Rahde (1996) categoriza ser um elemento gráfico que aparece como um prolongamento do personagem, o que proporciona maior dinamização na leitura. Jarcem (op.cit) também enfatiza que, nas primeiras décadas de aparição, os quadrinhos tinham um caráter humorístico. E essa é a explicação para o nome em inglês: comics (cômicos). Os temas das histórias eram, basicamente, travessuras de crianças e bichinhos. É também de onde vêm as designações kids strips, animal strips, family strips, boy-dog strips, boyfamily-dog strips, dentre outras denominações.

Dessa forma, pode-se afirmar que O advento da história em quadrinhos foi preparado com uma longa evolução, cuja amplitude ultrapassa muito o domínio de seus primeiros protótipos na arte figurativa. (COUPERI et al, 1970, p.9). Aos poucos, a imagem adaptou-se aos textos, especialmente durante o século XX, quando as tiras ganharam vida, uma vez que a técnica passou a exercer uma importante função de comunicação, a partir da junção da imagem com o texto. No Brasil, as histórias em quadrinhos começaram com Ângelo Agostini, em estilo de sátira político-social. Dos seus personagens, destacaram-se Nhô Quin e Zé Caipora. A partir de 1939, com o lançamento da revista O Gibi, a revista em quadrinhos no Brasil tornou-se sinônima com esse nome. Em 1942, surgiu o Amigo da Onça. Em 1960, O Pererê, criado por Ziraldo, com aventuras de cunho ecológico ou educacional (ONLINE, WIKIPÉDIA). Com o início da publicação das revistas de Maurício de Souza, com a Turma da Mônica, e a montagem da Editora Abril, nos anos 70 do século passado, os quadrinhos infantis passaram a predominar no Brasil. Diversos quadrinistas começaram a trabalhar com histórias do Zé Carioca e de vários personagens Disney e da Hanna-Barbera. Nos anos de 1990, as HQ, no Brasil, ganharam impulso com as Bienais de Quadrinhos, realizadas no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Senninha, criado por Rogério Martins e Ridaut Dias Jr., e lançado em 1994, por Ayrton Senna, foi um grande propulsor para o interesse dos leitores deste segmento literário. Vontade de vencer, determinação e orgulho de ser brasileiro são os valores passados às crianças com o personagem. No início do século XXI, várias HQ surgiram na internet. No Brasil, destacou-se a webcomics dos Combo Rangers, criados por Fábio Yabu. As HQ são baseadas em roteiros escritos, com textos previamente elaborados que reproduzem a fala dos personagens. Podem ser inventadas ou baseadas em acontecimentos do cotidiano. Caracterizam-se pela narração de fatos com diálogos naturais, por meio dos quais os personagens interagem com palavras, gestos e expressões faciais. O discurso é direto, em balões, auxiliado por legendas e recursos linguísticos (palavras onomatopéicas, sinais de pontuação), paralinguísticos (intensidade de sons, velocidade de pronúncia e expressão de emoções) e visuais (figuração pictórica das emoções nos personagens, nos balões e nas letras). Coma (1979) afirma que as histórias em quadrinhos, nos meios de comunicação de massa, contribuíram para que o conteúdo gráfico da imprensa expandisse. Desse modo, surgiu uma nova forma de linguagem que criou novos significados, novos valores que possuíam

intensa relação com a cultura de cada época. Observa-se que esta linguagem, mesmo de maneira inconsciente ao leitor, gerava sensações de profunda significação cultural e social. Nesta perspectiva, Klawa e Cohen (1970, p.108) enfatizam que as histórias em quadrinhos podem ser entendidas [...] como um produto típico da cultura de massa ou especificamente da cultura jornalística, pois a atual forma desta arte originou-se nos jornais americanos do século passado, com uma personagem central e uma seqüência nas histórias. Todo o sucesso dos quadrinhos sofreu uma grande perseguição devido à forma de abordagem das histórias, segundo afirma Jarcem (2007, p.5-6): Nos anos 50 os quadrinhos foram alvo da maior caça às bruxas que já aconteceu por este meio de comunicação de massa. O psiquiatra Frederic Wertham escreveu um livro, A Sedução do Inocente (The Seduction of the Innocent), onde ele acusava os quadrinhos de corrupção e delinquência juvenis. Nas 400 páginas de sua obra, o psiquiatra alemão esmiuçou suas idéias sobre o verdadeiro intento subversivo por trás dos quadrinhos. Dentre as hipóteses do tratado, havia a de que a Mulher Maravilha representava idéias sadomasoquistas e a da homossexualidade da dupla Batman & Robin (grifos do autor) Um dos argumentos do psiquiatra alemão é de que os quadrinhos incitavam a juventude e as crianças à violência, assim como aconteceu com o rock n roll, fazendo surgir um código de ética para limitar e regular tudo o que podia ser dito ou não nas histórias. Nos anos 2000, as HQ são vistas como formas de comunicação e informação bastante utilizadas como instrumentos de publicidade e também de propaganda. Sendo assim, pode-se observar que, para o desenhista ter a sua mensagem compreendida, deve existir uma interação com quem estará evocando imagens que estão armazenadas nas mentes do comunicador e do leitor. Portanto, observa-se que as HQ valorizam as diferentes culturas e servem de reflexão para a prática pedagógica que contextualiza esta forma de comunicação e favorece a aprendizagem. 3. Construção das histórias em quadrinhos Segundo Araújo e Mercado (2007), as HQ constituem-se de enredos narrados, quadro a quadro, por meio de imagens e textos que se utilizam de discursos diretos, característicos da língua falada. Mendonça (2002) alerta que eles podem ser facilmente identificados em razão de suas particularidades específicas: os balões e os quadros.

Araújo e Mercado (op.cit) afirmam que a elaboração das HQ é um processo complexo, pois trabalha com a invenção do argumento, a sequência, a elaboração de um determinado roteiro, o planejamento e a definição dos personagens em diversas fases de finalização gráfica. De acordo com Eguiti (2001), o principal objetivo das HQ é narrar os fatos tentando reproduzir uma conversa coloquial por meio de uma interação dos personagens que se expressam pelas palavras escrita e oral, e por gestos. Assim, observa-se que, tanto os desenhos quanto as palavras são importantes para a compreensão das HQ. Araújo e Mercado (2007) afirmam que a característica principal dos quadrinhos é a sua linguagem e, por tal motivo, ela é bastante difundida pelas mídias impressas. Para Paz (2001), a linguagem dos quadrinhos diferencia-se das demais devido ao seu caráter verbal e icônico, e também pela sua sequenciação fundamentada numa elipse de caráter narrativo. Dentre os principais recursos estilísticos utilizados para produzir histórias em quadrinhos Araújo e Mercado (2007, p.82) chamam a atenção para aqueles que consideram principais. São eles: Discurso: caráter bastante dialógico e narrativo, descrevendo situações segundo o figurino e as características dos personagens da história. Vocabulário: deve estar compatível com a personalidade do personagem, uma vez que dá maior veracidade as suas características; as onomatopéias têm a função de caracterizar as expressões e significações das imagens. Imagem: o desenho é de fundamental importância para relacionar os objetos e os personagens; a intenção é comunicar. Expressão: composta de elementos de diálogo que transmitem o desejo do falante, ou seja, intenção, entonação, ritmo, gestos, emoções e expressividade. Araújo e Mercado (2007) destacam que a parte da sequenciação é organizada na forma de ler dos países ocidentais; ou seja, as vinhetas são lidas da esquerda para a direita ou de cima para baixo e, em cada uma delas, existe um determinado conteúdo temporal que, por sua vez, deve ser somado às outras vinhetas da história. Paz (2001) afirma que determinadas transições entre uma vinheta e outra representam um salto temporal que caracteriza uma elipse nos quadrinhos. Por outro lado, Acevedo (1981) assevera que a leitura das histórias em quadrinhos traz à tona movimentos, sons e demais características que conduzem à abstração.

Sobre este assunto, Araújo e Mercado (2007, p.82-83) complementam: Nessa perspectiva a linguagem utilizada é a do cotidiano e, portanto, familiar e de fácil entendimento. A imagem deve falar por ela mesma além de conduzir o leitor a múltiplos universos, identificando-se com personagem que participa das aventuras narradas. A linguagem rica em expressividade deve considerar a natureza dos personagens, a distribuição e tamanho dos quadrinhos, a sequência narrativa, a relação verbal e icônica, o posicionamento ideológico, as onomatopéias, as metáforas, a gestualidade e a função tipológica. Assim, as histórias em quadrinhos apropriam-se de recursos estilísticos que se transformam em uma linguagem própria de quadrinhos com ângulos, cores e perspectivas diferentes, com uma estruturação cronológica e causal das ações dos personagens nas histórias, fazendo os homens representarem seu universo. A utilização do gênero das HQ é uma das formas de se produzir texto e de se incentivar e inserir as crianças no mundo da escrita pela ludicidade dos quadrinhos e dos balões. E isto exerce grande fascínio na educação. 4. A história em quadrinhos como meio cultural na mídia impressa A leitura visual é um dos recursos mais utilizados desde o século XX, e as histórias em quadrinhos fazem parte de todo este fenômeno. Para falar das histórias em quadrinhos e da forma como é criada, Eisner (1999, p. 30) afirma que: [...] Esta é uma forma de arte relacionada ao realismo, porque se propõe a contar histórias. A arte sequencial lida com imagens reconhecíveis. As ferramentas são seres humanos (ou animais), objetos e instrumentos, fenômenos naturais e linguagem. Obviamente, um estudo sério de anatomia, perspectiva e composição, por meio de livros ou de cursos, constitui uma parte importante da formação. Cada uma dessas disciplinas é um estudo em si e deve fazer parte do treinamento do estudante. A leitura regular, particularmente de contos, é essencial para as habilidades de criação de enredo e narrativas. Ler ficção estimula a imaginação. Na prática, o artista imagina para o leitor. Ante o exposto, percebe-se que a dificuldade em realizar este tipo de arte consiste em estabelecer uma harmonia em apresentar ao leitor-consumidor uma única mensagem que contenha mídias independentes, mas que sejam complementares.

Os avanços tecnológicos das mídias digitais permitem novas conquistas para a sociedade e para a arte dos quadrinhos, mas também trazem novos desafios para o ensino e para os educadores. Segundo Pessoa (2009), os quadrinhos acabaram sendo diferentes das demais histórias que contém ilustrações. Estas últimas visam a estabelecer uma pausa na leitura do indivíduo, um acréscimo no repertório, no que se refere a fatos históricos ou na afeição ao personagem, principalmente se a história for direcionada às crianças, necessitam ter um apelo visual rico. Nas histórias em quadrinhos, o desenho é a parte mais importante, visto que está em constante sequência e tem que, necessariamente, vir acompanhado de texto, pois o texto pode ser abstrato e os desenhos podem apresentar ações do dia-a-dia como, por exemplo, uma criança indo para a escola. A característica visual dos quadrinhos fez com que este tipo de mídia fosse bastante associado a um conteúdo editorial de caráter simples e direcionado a pessoas de baixo nível intelectual, o que quer dizer que os quadrinhos nunca foram aceitos como literatura e arte. Desde 1965, os quadrinhos vêm procurando, na mídia impressa, apresentar um conteúdo mais sofisticado. E isso surgiu ainda com o movimento underground de artistas e escritores, seguido pelo surgimento de lojas especializadas em quadrinhos, as quais facilitaram o acesso a um maior número de leitores. Nesta época, Pessoa (2009) afirma que os quadrinhos passaram a tratar de assuntos que, até então, haviam sido considerados como um campo exclusivamente dedicado a literatura, teatro e cinema; passaram a escrever sobre autobiografias, protestos sociais, relacionamentos humanos e fatos históricos que passaram a ser abordados pelas histórias em quadrinhos. As graphic novels passaram então, a se proliferar e a idade média destes consumidores-leitores fez com que o mercado se interessasse por coisas novas, aumentando seu público adulto consumidor e acompanhando estas mudanças. Assim, um grupo mais sofisticado de desenhistas talentosos foi atraído para este tipo de mídia, elevando seus padrões. Segundo Eisner (1999), a partir do início da década de 1990, surgiu a nova alfabetização pela qual ficou mais evidente que as novas gerações cresceram junto à televisão, com os computadores e os videogames. Processam informações verbais e visuais em vários níveis e modalidades de uma única vez, parecendo uma coisa natural. Segundo Campos (1999), a comunicação em mídia impressa, como uma forma portátil de ideias, continua sendo um meio bastante viável e necessário para os tempos atuais.

Assim, a fusão de diversas imagens com palavras deu origem à história em quadrinhos na mídia impressa, a qual passou a preencher um espaço existente entre os conteúdos, que antes eram somente impressos e sem imagens. Observa-se, portanto, que as histórias em quadrinhos são, em todos os aspectos, uma forma única de leitura. A relação entre imagem e texto dos quadrinhos pode ser classificada como veículo de comunicação de massa, segundo informa Couperie et. al., 1970. Também pode ser vista como uma forma organizada de informação (KLAWA e COHEN, 1970), cultura e literatura de massa (ECO, 1970) ou um método de comunicação (EISNER, 1989). De acordo com Araújo e Mercado (2007), A escrita evoluiu, mas o homem continuou a se comunicar através da imagem, um reflexo dos primeiros alfabetos criados pelo homem, a exemplo do japonês, o qual está baseado em uma escrita gráfica. Nessa perspectiva, o conhecimento do desenvolvimento do desenho é importante para a prática pedagógica, não com o intuito de acelerar a evolução espontânea do desenho, mas de criar possibilidades que favoreçam o conhecimento dos indivíduos, independentemente do tipo de representação utilizada por ela. Portanto, o desenho ou a representação gráfica é uma das técnicas do conteúdo de artes visuais e um instrumento importante para o desenvolvimento de conhecimentos. Uma das mais antigas expressões do humano é a possibilidade de revelar-se através do desenho e mostrar a sua trajetória de vida. Nele é evidenciado o percurso de experiências anteriores, de momentos alegres e tristes, marcantes e passageiros que vão tomando forma no cotidiano. 5. Considerações finais A premissa básica deste artigo foi apresentar uma discussão acerca das HQ e sua produção, analisando-as como um meio cultural divulgado na mídia impressa. A arte lúdica das HQ constitui uma forte articulação no processo de comunicação e desenvolvimento de momentos de produção artística, permeados de cores, movimentos, sensações e diálogos. Possibilita uma abrangência da imaginação que favorece novas relações entre imagens e palavras, as quais se transformam em pensamentos e aprendizagens. A história em quadrinhos é um gênero textual associado às linguagens verbal e visual. Balões, legendas, onomatopéias e interjeições constituem a expressão verbal; já as imagens e os gestos perfazem a linguagem não verbal. Uma HQ compõe-se de personagens, elementos espaço-temporais e acontecimentos sequenciados. É um meio de comunicação flexível que

pode gerar grandes trabalhos com poesias, músicas, contos, peças teatrais e biografias, passando, ao público, conhecimento cultural e midiático. Desde a infância, a maioria dos indivíduos começa a comunicar-se de forma gráfica através do desenho, independentemente da cultura. Assim, bastam alguns recursos, como um pedaço de papel, lápis ou giz cera que tudo começa a ser transformado; surgem formas do desenho, como um processo natural de desenvolvimento. Percebe-se que ele resulta das elaborações e sensações, sentimentos e percepções vivenciadas intensamente no cotidiano. Observam-se práticas de ensino relacionadas às HQ apegadas à concepção tradicionalista da educação e voltadas para o aprendizado de habilidades técnicas do desenho e da criação livre. Nesse contexto, utilizando-se os conceitos midiáticos educacionais, pode-se orientar o estudante para o desenvolvimento do seu desenho e sua aplicação na forma de mídia impressa. Por meio do desenho, as crianças têm a possibilidade de produzir uma linguagem própria, traduzida em signos e símbolos cheios de significação subjetiva e social. Por intermédio da inserção dos mais variados tipos de procedimentos, produções, registros de materiais e suportes em sala de aula, incluindo momentos de desenho livre e dirigido, o professor terá espaço para atuar na perspectiva da mídia impressa, transformando o desenho em história em quadrinho, ressignificando assim, a sua prática educativa. Referências ARAÚJO, C. J. S. C. ; MERCADO, E. L. O. Reinventando a história e quadrinhos na sala de aula por meio da ferramenta tecnológica. In: MERCADO L. P. L. Percursos na formação de professores com tecnologias da informação e comunicação na educação. Maceió: EDUFAL, 2007. ACEVEDO, J. Para fazer historinhas. Madrid: Popular, 1981. CAMPOS, R. Fealdade de Fabiano Gorila. São Paulo: Ed. Conrad, 1999. COMA, J. A História das histórias em quadrinhos. Barcelona: Gustavo Gili, 1979. COUPERIE, P. et al. História em quadrinhos e comunicação de massa. São Paulo: MAM Assis Chateaubriand, 1970. ECO, U. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 1970. EISNER, W. Quadrinhos e arte sequencial (tradução: Luís Carlos Borges). 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.. Quadrinhos e arte sequencial. São Paulo: Martins Fontes, 1989. GUSMAN, S. Obra de Angelo Agostini ganha edição, literalmente, histórica. Wikipédia Online. Disponível em: <http://www.universohq.com/quadrinhos/especial_agostini.cfm>.

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