1 Probabilidade: Axiomas e Propriedades 1.1 Definição Frequentista Considere um experimento aleatório que consiste no lançamento de um dado honesto. O espaço amostral desse experimento é Ω = {1, 2, 3, 4, 5, 6}. Suponha que tem-se interesse nos seguintes eventos: A = sair face 2 e B = sair face par. Como atribuir probabilidade a esses eventos? Como determinar um número que expresse a verossimilhança de cada um desses eventos? Uma solução seria lançar o dado um grande número de vezes e observar a proporção dos lançamentos que resultam no evento A. Denotando por n(a) o número de vezes que ocorreu o evento A em n lançamentos, a definição de probabilidade com base na frequência relativa é dada por: n(a) IP (A) = lim n n, (1) Essa definição tem alguns problemas. Quão grande deve ser n? Como garantir que a razão n(a) sobre n converge e converge sempre para o mesmo número cada vez que repetimos o experimento? Definição 1.1 Dado um experimento aleatório, sendo Ω o seu espaço amostral e IP (A): probabilidade de um evento A, assumindo que Ω é um conjunto equiprovável - todos os elementos de Ω tem a mesma chance de ocorrer - chamamos de probabilidade de um evento A (A Ω) o número real IP (A), tal que: IP (A) = n(a) n(ω) Número de casos favoráveis (A) =. (2) Número total de casos A origem desse conceito surgiu em 1654 com troca de cartas entre Pascal e Fermat sobre o Problema dos Pontos colocado para Pascal por Chevalier de Méré. Limitações: Ω tem que ser finito e equiprovável. 1.2 Definição Axiomática de Probabilidade Em 1933, Kolmogorov generalizou e formalizou a definição de probabilidade através de axiomas e propriedades. Para entender melhor a formalização de Kolmogorov são apresentados alguns conceitos. Leis de Morgan (i) ( n i=1 A i) c = n i=1 Ac i ; (ii) ( n i=1 A i) c = n i=1 Ac i ; Definição 1.2 Uma classe A de subconjuntos de Ω é dita álgebra sobre Ω se: (i) A; (ii) A A = A c A; (iii) A, B A = (A B) A; Notas: 1. Por indução finita, segue de (iii) que A é fechada por união finita, isto é, se A 1, A 2,..., A n A então n i=1a i A; 2. De (ii) e (iii), seque que A é fechada por intersecção finita, isto é, se A 1, A 2,..., A n A então n i=1a i = [ n i=1a c i] c A. 1
Motivações Práticas 1. Lançamento de uma moeda. Podemos estar interessados nos eventos: A: Sair cara ou A c : Sair coroa; 2. Será que vai chover amanhã? Eventos: C: chover amanhã ou C c : não chover amanhã; 3. Lançamento de um dado. Podemos estar interessados na probabilidade de sair face 1 ou 2 ou 3 ou 4 ou 5 ou 6, ou seja, tem-se a necessidade de saber a probabilidade da união. Definição 1.3 Uma classe A de subconjuntos de Ω é dita σ-álgebra sobre Ω se: (i) A; (ii) A A = A c A; (iii) Se A 1, A 2,... A i=1 A i A. Notas: De (ii) e (iii) segue que A é fechada por intersecção enumerável, isto é, se A 1, A 2,... A, então i=1a i = [ i=1a c i] c A Motivação Prática: Tempo de vida de uma lâmpada ou dispositivo eletrônico. Exemplos: 1. Álgebras Triviais: Ω ; A = {Ω, }. 2. Considere Ω = {1, 2, 3} e as seguintes coleções de subconjuntos: Seriam ambas σ-álgebras? A 1 = {, Ω, {1}, {2, 3}}; A 2 = {, Ω, {1}, {2}, {1, 3}, {2, 3}}; Observação: Toda σ-álgebra é uma álgebra mas nem toda álgebra é uma σ-álgebra. Definição 1.4 Uma função IP, definida na σ-álgebra A de subconjuntos de Ω que assume valores no intervalo [0, 1], é uma probabilidade se satisfaz os axiomas: 1. IP (Ω) = 1; 2. Para todo subconjunto A A, IP (A) 0; 3. Para toda sequência A 1, A 2,... A, mutuamente exclusivos, temos: IP ( i=1a i ) = IP (A i ). A trinca (Ω, A, IP ) é denominada espaço de probabilidade. Os eventos são subconjuntos de A e são a eles que atribuímos as probabilidades. i=1 Propriedades: 1. IP ( ) = 0; 2
2. IP (A c ) = 1 IP (A); 3. Se A B, A, B A, então IP (A) IP (B); 4. Sendo A e B dois eventos quaisquer, vale: IP (B) = IP (B A c ) + IP (B A); 5. Regra da Adição de Probabilidades: IP (A B) = IP (A) + IP (B) IP (A B); 6. Para eventos quaisquer A 1, A 2,... A 2 Variáveis Aleatórias IP ( i=1a i ) IP (A i ). Muitos experimentos aleatórios produzem resultados não-numéricos. Por exemplo, considere o caso de um questionário, em que uma pessoa é indagada a respeito de uma proposição e as respostas possíveis são SIM ou NÃO. Podemos definir uma variável que tome dois valores, 1 ou 0, por exemplo, correspondentes às respostas SIM ou NÃO. Portanto antes de analisar esse tipo de experimento, é conveniente transformar seus resultados em números, o que é feito através da variável aleatória, que é uma regra de associação de um valor numérico a cada ponto do espaço amostral. i=1 A Variável Aleatória é: 1 Discreta: se assume valores num conjunto enumerável, com certa probabilidade; Contínua: se seu conjunto de valores é qualquer intervalo dos números reais, o que seria um conjunto não enumerável. Figura 1: Definição de uma Variável Aleatória Discreta Definição 2.1 Seja (Ω, A, IP ) um espaço de probabilidade. Denomina-se variável aleatória, qualquer função X : Ω IR tal que X 1 (I) = {ω Ω : X(ω) I} A, 1 Magalhães, M.N.; Lima, A.C.P. Noções de Probabilidade e Estatística. 3
para todo intervalo I IR. Em palavras, X é tal que sua imagem inversa de intervalos I IR pertençam a σ-álgebra A. Uma variável aleatória é, portanto, uma função do espaço amostral Ω nos reais, para a qual é possível calcular a probabilidade de ocorrência de seus valores. Exemplo 1: Experimento: lançamento de uma moeda; Eventos: c = sair cara e k = sair coroa; Espaço Amostral: Ω = {c, k} Defina a variável X tal que: X(c) = 0 ou X(k) = 1; σ-álgebras: A 1 = {Ω, } e A 2 = {Ω,, {c}, {k}}; X é uma variável aleatória com relação as σ-álgebras A 1 e A 2? Resolução: Vamos começar com a σ-álgebra A 1. Para o intervalo I 1 = ( 1, 2) X 1 (I 1 ) = {c, k} A 1. Para o intervalo I 2 = ( 1, 0.5) X 1 (I 2 ) = {c} / A 1. Logo para a σ-álgebra A 1, X não é uma variável aleatória. Agora a σ-álgebra A 2 : Seja I IR um intervalo arbitrário. Pela definição de imagem inversa, tem-se que X 1 (I) A 2 e, portanto X é uma variável aleatória. Por exemplo, se I = (2, 4) temos que X 1 (I) = A 2 ; No entanto, para o intervalo I 2 = ( 1, 0.5) temos X 1 (I 2 ) = {c} A 2, ou seja, em ambos os casos a imagem inversa pertence a A 2. Exemplo 2: Considere Ω = {1, 2, 3} e as seguintes coleções de subconjuntos: a) Seriam ambas σ-álgebras? A 1 = {, Ω, {1}, {2}, {3}, {1, 2}, {1, 3}, {2, 3}}; A 2 = {, Ω, {3}, {1, 2}}; b) Definindo a variável X tal que: X(1) = 1, X(2) = 2 e X(3) = 3, verifique se X é uma variável aleatória com relação a A 1 e A 2. Resolução: a) Para que A 1 seja uma σ-álgebra deve satisfazer as condições apresentadas na Definição 1.3. (i) A 1 ; A 1 satisfaz a propriedade (i); (ii) Observe que os complementares dos elementos de A 1 estão todos também em A 1, pois: c = Ω; Ω c = ; {1} c = {2, 3}; {2} c = {1, 3}; {3} c = {1, 2} {1, 2} c = {3}; {1, 3} c = {2}; {2, 3} c = {1} Logo, A 1 satisfaz a propriedade (ii); 4
(iii) A união de qualquer elemento de com o vázio é inócua e a com o Ω dá o próprio Ω, portanto vamos verificar as demais uniões: {1} {2} = {1, 2}; {1} {3} = {1, 3}; {2} {3} = {2, 3}; {1} {2} {3} = Ω; {1, 2} {1, 3} = {1, 2, 3}; {1, 2} {2, 3} = {1, 2, 3}; {1, 3} {2, 3} = {1, 2, 3}; Os resultados das uniões pertencem a A 1, logo A 1 é uma σ-álgebra. Fica como exercício para o aluno verificar se A 2 também é uma σ-álgebra. b) Resolução em sala de aula. Definição 2.2 Seja X uma variável aleatória em (Ω, A, IP ), sua função de distribuição é definida por F X (x) = IP (X x) = IP (X (, x]), com x percorrendo todos os reais. O conhecimento da função distribuição permite obter qualquer informação sobre a variável. Mesmo que a variável só assuma valores num subconjunto dos reais, a função de distribuição é definida em toda a reta. 2 A função distribuição também é denominada por alguns autores de função acumulada, pois acumula as probabilidades dos valores menores ou iguais a x. Proposição 2.1 : Propriedades da Função Distribuição Uma função de distribuição de uma variável X em (Ω, A, IP ) obedece às seguintes propriedades: 1. lim x F X (x) = 0 e lim x F X (x) = 1; 2. F X é contínua à direita; 3. F X é não decrescente, ou seja, F X (x) F X (y) sempre que x y, x, y IR. Além dessas propriedades enunciadas temos: IP (X > a) = 1 IP (X a) = 1 F X (a), a IR; IP (a < X b) = IP (X b) IP (X a) = F X (b) F X (a), a, b IR; Para I = (, x], IP (X I) = IP (X x) = IP ({ω Ω : X(ω) I}); Define-se P(Ω) ( partes de Ω ) como o conjunto de todos os subconjuntos de Ω. As P(Ω) sempre são σ-álgebras. Exemplo 1: Para o lançamento de uma moeda, seja Ω = {c, k}, A o conjunto das partes de Ω e X uma função de Ω em IR (X : Ω IR) da seguinte forma: X(ω) = { 0, se ω = cara; 1, se ω = coroa. Note que X Bernoulli(p) tal que IP (cara) = 1 p e IP (coroa) = p. Exemplo 2: O tempo de validade, em meses, de um óleo lubrificante num certo equipamento está sendo estudado. Sendo Ω = {ω IR : 6 < ω 8}. Uma função de interesse é o próprio tempo de validade e, nesse caso, definimos 2 Magalhães, M.N.; Lima, A.C.P. Noções de Probabilidade e Estatística. 5
X(ω) = ω, ω Ω. A função X é variável aleatória e sua função de distribuição é dada por: 0, se x < 6; F X (x) = (x 6)/2, se 6 x < 8; 1, se x 8. Verifique se as propriedades da função de distribuição estão satisfeitas. Dica: Faça o gráfico de F X (x). 6