MANEJO E DIAGNÓSTICO DO LACTENTE SIBILANTE EM ATENDIMENTOS DE EMERGÊNCIA UNITERMOS SIBILANCIA; LACTENTE; ASMA; BRONQUIOLITE; CORTICÓIDES. Luís Alberto Oliboni Sussela Alex Oliboni Sussela Rosangela Matte Leonardo Araújo Pinto KEYWORDS WHEEZING; INFANT; ASTHMA; BRONCHIOLITIS; CORTICOSTEROIDS. SUMÁRIO A sibilância é um sinal de alerta fundamental nas crianças nos primeiros anos de vida. Diversas doenças estão entre as causas desse estado sendo que asma e infecções virais são as mais comuns. O diagnóstico precoce aliado a um correto tratamento e manejo das crises são necessários à boa saúde do lactente. SUMMARY Wheezing is a warning sign in the first years of life. Various diseases are among the causes of this state, and asthma and viral infections are the most common causes. Early diagnosis combined with a correct treatment and management of the exacerbations are necessary for infant health. INTRODUÇÃO Durante os primeiros anos de vida, doenças pulmonares e não pulmonares podem clinicamente se manifestar através de episódios de sibilância. Independente da causa, a sibilância é motivo de procura por atendimento médico em serviços de urgência, sobretudo no primeiro ano de vida. Crianças com menos de dois anos de vida, e que manifestem pelo menos três episódios de sibilância em espaço de seis meses, são denominados lactentes sibilantes. Nesta idade o chiado, na maioria das vezes, é transitório e não apresenta risco maior para o desenvolvimento de asma no futuro. Metade das crianças que sibilam no inicio da vida deixam de fazê-lo aos seis anos de idade, sendo
considerados sibilantes transitórios. No entanto, a presença freqüente de sibilância durante os três primeiros anos de vida, associada a um fator de risco maior ou dois de três fatores de risco menores, aponta um risco elevado do lactente apresentar asma de origem atópica. Fenótipo O Consenso PRACTALL, documento conjunto elaborado por especialistas das Academias Europeia e Americana de Asma, Alergia e Imunologia, recentemente publicado, descreve quatro padrões distintos de sibilância durante a infância, assim como a sua evolução. São eles: 1. Sibilância transitória: sibilos durante os dois e três primeiros anos de vida e não mais após essa idade. 2. Sibilância não-atópica: sibilância desencadeada principalmente por vírus, que tende a desaparecer com o avançar da idade. 3. Asma persistente: caracterizada por sibilância associada a um dos seguintes itens: Manifestação de atopia: eczema, rinite e conjuntivite, alergia alimentar, eosinofilia e/ou níveis séricos elevados de IgE total; Sensibilidade comprovada, pela presença de IgE específica a alimentos na infância precoce e a seguir IgE específica a aeroalérgenos; Sensibilização a aeroalérgenos antes dos três anos de idade, especialmente se exposto a níveis elevados de alérgenos perenes no domicilio; Ter pai e/ou mãe com asma. 4. Sibilância intermitente grave: episódios pouco freqüentes de sibilância aguda, associados a poucos sintomas fora dos quadros agudos e com a presença de características de atopia (eczema, sensibilização alérgica e eosinofilia em sangue periférico). A Tabela 1 descreve as características dos lactentes sibilantes em relação ao risco de atopia. Tabela 1: Características dos lactentes sibilantes em relaçãoa asma de origem atópica. Lactente sibilante com tendência a asma atópica Lactente sibilante sem tendência a asma atópica História familiar de asma Níveis séricos elevados de IgE Exposição ao tabaco durante a gestação e após o nascimento Hiperresponsividade brônquica Presença de dermatite atópica e rinite alérgica História familiar de sibilância transitória nos primeiros anos de vida Níveis normais de IgE Exposição ao tabaco durante a gestação e após o nascimento Redução do calibre das vias aéreas (antes de expostos à infecção viral) Ausência de manifestações clinicas de atopia
Sibilância associada a viroses respiratórias e a outros desencadeantes Sibilância principalmente associada a viroses Índice preditor de asma: Foi desenvolvido para auxiliar no diagnóstico preciso de asma em lactentes sibilantes, visto que o seu diagnóstico é considerado dificil nessa população e pode ser confundido com outras doenças. Critérios maiores Um dos pais com asma Diagnóstico de dermatite atópica Critérios menores Diagnóstico médico de rinite alérgica Sibilância não associado a resfriado Eosinofilia maior ou igual a 4% Causas de sibilância no lactente As principais causas de sibilância em lactentes são as infecções virais e a asma atópica. Entre as infecções virais causadoras de sibilância, se destaca a bronquiolite viral aguda. A bronquiolite aguda acomete as vias aéreas inferiores de até 50% dos lactentes no primeiro ano de vida atendidos em emergências hospitalares e tem como principal etiologia o vírus sincicial respiratório (VSR). Outras causas Fibrose cística Cardiopatias congênitas Imunodeficiência Malformações congênitas Aspiração de corpo estranho Traqueobroncomalacia Síndrome aspirativa (refluxo gastroesofágico, distúrbio da deglutição) Pneumonia viral ou eosinofílica Anamnese No momento do atendimento de uma criança com sinais de sibilância é necessária a realização de uma anamnese simples, porém essencial no auxilio de informações que ajude o médico a identificar a gravidade e fatores desencadeantes, assim como para a melhor forma de tratamento inicial e
posterior orientação para prevenção de crises futuras. Questões essenciais da anamnese são: 1. idade e inicio dos sintomas 2. padrão dos sintomas: freqüência, intensidade e repercussão clinica 3. antecedentes pessoais/familiares 4. ambiente: cigarro Exame físico O exame físico é fundamental para a confirmação diagnóstica através dos sinais e sintomas referidos na anamnese. No atendimento do lactente que sibila, o foco maior do exame físico está no padrão respiratório. É importante avaliar: 1. Peso/estatura 2. Freqüência respiratória, tiragem e saturação de oxigênio 3. Obstrução de vias aéreas superiores e/ou vias aéreas inferiores 4. Outros achados do exame físico que podem ajudar na definição diagnóstica: Mucosa nasal pálida e hipertrofia de cornetos sugerem rinite alérgica (apoiando o diagnóstico de asma atópica), assim como sinais de dermatite atópica. Aumento do diâmetro ântero-posterior do tórax sugere quadro ventilatório obstrutivo crônico. Ausculta pulmonar: sibilos localizados podem sugerir aspiração de corpo estranho ou compressão de VA (malformação ou adenopatia mediastinal). Estertores crepitantes fixos, que não mudam com a tosse, podem sugerir quadros crônicos com bronquiectasias. Ausculta cardíaca: presença de sopro sugere cardiopatia congênita Cianose pode sugerir cardiopatia congênita. Abdômen distendido pode sugerir fibrose cística. Exames subsidiários Casos fortemente sugestivos de asma ou sibilos associados a infecções virais podem dispensar investigação. Lactente com sibilos recorrentes que está evoluindo bem, com bom ganho ponderal, alimentando-se e dormindo bem pode aguardar uma eventual investigação, conforme evolução Porém, crianças com sintomatologia intensa e alterações no crescimento devem ser investigadas de imediato. A decisão de investigar um caso de sibilância em lactente deve basear-se na observação clínica cuidadosa, com atenção para anamnese, exame físico e, particularmente, dados evolutivos. A criança que "não vai bem" pode necessitar de investigação, dependendo de evidências obtidas com anamnese,
exame físico e RX de tórax. O RX de tórax pode ajudar em diagnósticos, como: malformações, cardiopatias, ou aspiração de corpo estranho. O RX de tórax normal sugere situações de pouca gravidade, reduz a possibilidade de malformações congênitas, aspiração de corpo estranho e displasia broncopulmonar. A Tabela 2 apresenta as causas mais comuns associada a achados radiológicos. Tabela 2: Achados radiológicos e causas de sibilâ cia do lactente. Achado ao RX de tórax Hiperinsuflação pulmonar uniforme e persistente Hiperinsuflação localizada que não se desaparece no radiograma expirado Hiperinsuflação inicial e infiltrados intersticiais e alveolares intensos Infiltrados bilaterais com mudanças de localização em poucos dias Imagens císticas ou aspecto de massa que não se modificam em RX subseqüentes Infiltrados bilaterais com espessamento, hiperinsuflação pulmonar, presença de estrias, lesões bolhosas Consolidações em diferentes locais em RX diversos Cardiomegalia, vasculatura pulmonar proeminente Atelectasias (lobos superiores e regiões posteriores) Tratamento Diagnóstico Fibrose cística, bronquiolite obliterante Corpo estranho (mecanismo valvular), bronquiolite obliterante, malformação com compressão em vias aéreas Pneumonia viral grave com bronquiolite obliterante como seqüela Pneumonia eosinofílica por parasitas (Síndrome de Loeffler) Malformações, neoplasias Displasia broncopulmonar Imunodeficiência Cardiopatia Aspiração (RGE, distúrbio de deglutição) O tratamento se baseia na redução da inflamação, manutenção da função pulmonar e qualidade de vida, prevenção de futuras exacerbações e disponibilização de fármacos. Diretrizes nacionais e internacionais de asma recomendam corticosteróides por via inalatória como primeira escolha para tratamento e, como alternativa, os antagonista dos receptores de leucotrienos. Corticóides orais e teofilina de liberação lenta são usados exepcionalmente como drogas de controle da asma grave, em pacientes com menos de 5 anos de idade. Medidas não farmacológicas - Controle ambiental: Evitar creches nos 2 primeiros anos, se possível Poeira doméstica Pais fumantes Pólen - Controle dietético: Nunca alimentar deitado Evitar deitar imediatamente após ingestão Cuidado com o estado nutricional
- Atualização do calendário vacinal - Acompanhamento médico periódico Medidas farmacológicas Quadro 1 - Crise aguda A) Broncodilatador beta-2 agonista Salbutamol spray, 3 jatos, até de 4/4h Espaçador com máscara 3-10 dias B) Corticóide oral sistêmico Prednisona 1mg/kg/dia, 1x ao dia 3-5 dias Quadro 2 - Profilaxia (atópico ou não atópico) Corticóide Inalatório (Beclometasona, budesonida, fluticasona ou mometasona) Quadro 3 - Atópico Teste terapêutico (3-4 semanas) Seguro Sintomas contínuos (> 2x/semana) Crises (> 2x/mês) Suspeita de asma (critérios) Sibilância persistente após alta em UTI A) Asma leve Corticóide (dose baixa) Antileucotrieno (Montelukast): intercrises e sibilância recorrente pós VSR B) Asma moderada Corticóide (dose moderada) Corticóide (dose baixa) + Antileucotrieno C) Asma grave Corticóide (dose moderada) + Beta-2 de ação prolongada Antileucotrieno associado Quadro 4 - Não-atópico: Antileucotrienos Montelucaste (1x/dia) Macrolídeos Sem evidências para indicação de seu uso Medidas preventivas: Promoção de ambiente saudável Aleitamento materno Evitar aglomeração Vacinação básica, Influenza e Pneumocócica No atendimento de emergência hospitalar: Nebulização com broncodilatador beta-2 agonista ou spray/inaladores com uso de espaçador a cada 20 minutos, até 1 hora (associar brometo de ipratrópio, se crise grave) Oxigenioterapia Hidratação Repouso
CONCLUSÃO O lactente sibilante não deve ser compreendido como sinônimo de asma atópica e, obrigatoriamente, devemos ter consciência que muitas doenças graves podem provocar sibilância. Portanto, o diagnóstico etiológico deve ser o mais precoce possível. No que se refere a tratamento, é grande a diversidade na abordagem ao paciente com sibilância, desde a avaliação de risco e gravidade, quanto ao seu manejo medicamentoso, devemos sempre realizar uma boa avaliação do paciente e saber fazer uso do tratamento que resulte em melhores resultados. Quanto ao uso dos corticóides inalatórios, devemos ter o entendimento e saber explicar que os corticóides de via inalatória são seguros e podem ser muito eficazes no tratamento e profilaxia de crises de sibilância futuras. REFERÊNCIAS 1. IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo de Asma. J Bras Pneumol. 2006;32:S447-74. 2. Bacharier LB, Boner A, Carlsen KH, Eigenmann PA, Frischer T, Götz M, et al. Diagnosis and treatment of asthma in childhood: a PRACTALL consensus report. Allergy. 2008;63:5-34. 3. Pediatric Advanced Life Support (PALS) Philadelphia: Elsevier; 2005-2010. 4. Pitrez PMC. Lactente sibilante: desafios do diagnóstico e manejo. Disponível em: http://www.saude.rs.gov.br/dados/1274183648391ls-manejo.pdf 5. Dela Bianca AC, Wandalsen GF, Sole D. Wheezing infant: prevalence and risk factors. Rev Bras Alergia Imunopatol 2010;33:43-50. 6. Chong Neto HJ. et al. Risk factors for wheezing in the first year of life. J Pediatr 2008;84:495-502. 7. Chong Neto HJ, Rosário NA. Wheezing in infancy: epidemiology, investigation, and treatment. J Pediatr. 2010;86:171-8. 8. Chong Neto HJ. O uso de corticosteroide oral para sibilância em lactentes é abusivo? J Bras Pneumol. 2011;37:133-4. 9. Algoritmo de tratamento da crise de asma da criança no pronto-socorro. Rev AMRIGS 2002;46:151 72. 10. Sparremberger DAH, Luise F, Pinto LA, et a. Características epidemiológicas e influencia da coinfecção por vírus respiratório na gravidade da bronquiolite aguda em lactentes. Scientia Medica (Porto Alegre) 2011; 21:101-6.