REFLEXÕES ACERCA DAS ESTRATÉGIAS DE ATUAÇÃO E EXPANSÃO DO CAPITAL IMOBILIÁRIO E SUAS IMPLICAÇÕES NA RECONFIGURAÇÃO URBANA EM PELOTAS/RS



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Transcrição:

REFLEXÕES ACERCA DAS ESTRATÉGIAS DE ATUAÇÃO E EXPANSÃO DO CAPITAL IMOBILIÁRIO E SUAS IMPLICAÇÕES NA RECONFIGURAÇÃO URBANA EM PELOTAS/RS Natalia Daniela Sá Britto Universidade Federal do Rio Grande do Sul (natalia-geo@hotmail.com) As transformações econômicas e produtivas, verticalizadas no mundo a partir das últimas décadas do século XX, têm manifestado a necessidade de ajustes que se realizam, sobretudo a partir do espaço. Sob a primazia do capitalismo financeiro, cada vez mais as estratégias de acumulação do capital são realizadas por meio da produção e do consumo do espaço, onde este é inserido aos circuitos do capital como imperativo para a realização da mais-valia tornando-se produtivo num processo cujo funcionamento está diretamente relacionado aos mecanismos financeiros e à atuação do Estado. (HARVEY, 2005; CARLOS, 2007) Nesse processo crescente de mercantilização, o setor imobiliário destaca-se enquanto circuito secundário na reprodução do capital podendo inclusive tornar-se a principal esfera econômica se o circuito primário (baseado na produção-consumo de mercadorias) se vê interrompido por crises conjunturais ou estruturais. Para Lefebvre, desde os anos 1970 o setor imobiliário tem se tornado decisivo no processo geral de acumulação capitalista. Segundo o autor: Durante muito tempo, o 'imobiliário', no capitalismo, só teve uma importância menor. (...) Ora, a situação desse 'ramo' mudou completamente, e não apenas nos grandes países industriais. (...) É preciso mostrar como e porque o capitalismo apossou-se do solo, do espaço. Daí a tendência disso que outrora foi o imobiliário', doravante mobilizado (construções, especulações), tornar-se central no capitalismo, por se tratar de indústria nova, menos submetida aos entraves, saturações, dificuldades diversas que freiam as antigas indústrias (LEFEBVRE, 2008, p.117-118) Entretanto, esta transferência do circuito primário para o secundário não ocorre sem que apresente problemas, visto que ela tende a suscitar desigualdades de desenvolvimento entre os setores, o que pode acarretar em novas crises financeiras, a exemplo do ocorrido em 2008 como consequência da bolha imobiliária nos EUA.

É importante considerar que o setor imobiliário possui especificidades, se comparado aos demais setores produtivos. Neste, a realização do capital se objetiva por meio da realização da propriedade privada do espaço, sua valorização e produção, cujo produto final distingue-se das demais mercadorias pelo seu elevado valor, seu caráter fixo e pelo baixo índice de obsolescência e rotatividade que este produto apresenta. (BOTELHO, 2007) Esta particularidade, faz com que as estratégias do setor imobiliário voltadas para a produção espacial estejam intimamente relacionadas à atuação das instituições financeiras e do Estado, no sentido de subsidiar os investimentos e ampliar a demanda solvável efetivada através dos fundos de investimentos, programas de crédito e financiamento habitacional. Nos últimos anos a política econômica no Brasil vem favorecendo o desenvolvimento e a expansão do setor imobiliário, que em 2011 representou cerca de 3 % do PIB nacional 1, sendo o setor que mais cresceu neste ano. Isto se justifica por uma dupla realidade: de um lado o país apresenta um déficit habitacional de cerca de sete milhões de residências, com uma ampliação constante do mercado solvável resultante dos programas federais de financiamento e crédito habitacional e de outro, a política econômica e cambial adotada pelo Governo Federal vem favorecendo os investimentos financeiros no setor, com ampla circulação dos capitais variáveis, principalmente através dos Fundos de Investimentos Imobiliários e dos Certificados de Recebíveis Imobiliários. (BOTELHO, 2007) Desde 2003, com a criação do Ministério das Cidades e a aprovação da Política Nacional de Habitação (PNH) (viabilizada pelo Sistema Nacional da Habitação - SNH - e pelo Plano Nacional de Habitação - PLANAB) o setor imobiliário vem sendo aquecido através da produção de habitação para os segmentos de baixa e média renda. Este crescimento do setor se intensificou, sobretudo, a partir de 2007 com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, em 2008, com a política econômica federal de reação à crise financeira internacional, o que ampliou consideravelmente os programas federais de habitação, saneamento e infraestrutura 1 A construção civil contribuiu com 3,6% do PIB por setor (indústria) em 2011. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve um avanço da ordem de 3,9% na ocupação das vagas do setor e alta de 24,3% no crédito imobiliário.

urbana. Neste contexto foram concebidos programas como o Minha Casa Minha Vida (PMCMV) - uma parceria entre estados, municípios, governo federal e iniciativa privada voltado para a produção de habitação para a população com renda entre 0 a 10 salários mínimos. (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2011) Neste contexto, muitas cidades brasileiras vêm apresentando transformações em suas formas e funções espaciais que acompanham os desdobramentos da reprodução do espaço conduzida pelo Estado por meio das políticas habitacionais e ratificada pelos promotores imobiliários através de sua livre atuação sob o território urbano. Nesse artigo, destacaremos as transformações observadas na cidade de Pelotas onde a reprodução do espaço ocorre eminentemente através da transição dos processos econômicos do capital produtivo-industrial para o capital financeiro-imobiliário manifestado, sobretudo pela expressiva quantidade de novos produtos imobiliários construídos na cidade nos últimos anos, o que vem modificando os conteúdos do urbano e suas formas espaciais. ARTICULAÇÕES ENTRE AGENTES PÚBLICOS E PRIVADOS NA RECONFIGURAÇÃO DOS PROCESSOS SÓCIO-ESPACIAIS EM PELOTAS, RS A cidade de Pelotas se destaca por ser a terceira maior cidade em população e número de domicílios do estado do Rio Grande do Sul, sendo precedida apenas pela capital Porto Alegre e pela cidade de Caxias do Sul. No aspecto econômico, esta cidade se insere na problemática da Metade Sul do estado, sendo marcada por uma série de avanços e retrocessos nos processos produtivos e econômicos que resultaram no aprofundamento de uma crise econômica, social e espacial na cidade após a década de 1980. Todavia, apesar deste quadro, Pelotas ainda figura como um importante centro regional da rede urbana do litoral sul da Laguna dos Patos, polarizando um expressivo fluxo populacional oriundo dos municípios vizinhos em função do desenvolvimento do comércio e dos serviços, o que vem implicando na densificação do espaço urbano ao longo das últimas décadas.

Segundo a Caixa Econômica Federal (2011), a demanda por habitação no município no ano de 2009 foi de 10.675 domicílios, sendo assim a segunda cidade do estado com maior carência de habitação, representando cerca de 5% da demanda habitacional de todo estado do Rio Grande do Sul. Ainda, de acordo com o relatório do Plano Local de Habitação de Interesse Social, elaborado pela Prefeitura Municipal de Pelotas (2012), do percentual de famílias demandantes cadastradas na cidade (9.100 inscritos), cerca de 90% enquadram-se na faixa de renda de 0 até 1 salário mínimo, sendo que deste total mais de 93% habitam domicílios em condições precárias, denunciando o elevado déficit habitacional básico na cidade. Neste contexto, a produção imobiliária para os setores de baixa e média renda vem sendo bastante explorada pelas empresas imobiliárias nos últimos anos, dado o baixo risco envolvido na produção de imóveis para financiamentos com subsídio habitacional, o que tem suscitado transformações estruturais no setor imobiliário local através da expansão da produção empresarial de moradia para a chamada classe C. Desde 2003, com a implantação do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), o setor imobiliário de Pelotas vem apresentando grande crescimento e dinamismo nas formas de produção adotadas, tornando-se referência regional na produção de moradia para esses segmentos de renda. Segundo dados 2 apresentados pela Superintendência Regional Extremo Sul da Caixa Econômica Federal (2013), entre 2003 e junho de 2010 foram entregues mais de 18 conjuntos habitacionais pelo PAR, contabilizando um total de 3.177 moradias, com investimentos na ordem R$ 84,3 milhões. Nesse cenário, conforme destaca Soares (2006, p. 184), Pelotas passou a ser considerada o segundo município brasileiro em número de empreendimentos e unidades habitacionais construídas por meio deste programa. Já em 2009, com a consolidação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), os agentes imobiliários locais ampliaram consideravelmente sua escala de atuação, consolidando o setor em função da acumulação propiciada pelo grande volume de capital mobilizado pelo PMCMV na região, que em apenas quatro anos alcançou o valor de R$ 279,97 milhões 2 Dados gerais do relatório disponíveis no jornal Diário Popular de 13/01/13. (http://www.diariopopular.com.br/index.php?n_sistema=3056&id_noticia=mjm0na==&id_area=nq== )

de reais na realização de 23 empreendimentos com 5.413 unidades habitacionais, distribuídas entre as faixas 1, 2 e 3 do programa. Nos casos da faixa 1, voltado à produção de moradia para as famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos, atualmente operam cerca de nove empresas na cidade, sendo que cinco delas já atuavam na produção para as classes de baixa e média renda através de empreendimentos residenciais ligados ao PAR. Especialmente nos últimos quatro anos, a produção de moradia para este segmento de renda tem sido dominante, tendo em vista o elevado déficit habitacional básico do município, como mencionado anteriormente. Todavia, apesar da ampliação no número de unidades habitacionais pela faixa 1 do PMCMV, uma série de problemas provocados pelos padrões de localização adotado pelas empresas construtoras, tem revelado as fragilidades em relação à inclusão, acesso e uso desses novos empreendimentos. Dentre eles, a ampliação do processo de periferização das camadas de baixa renda tem sido significativo na definição da estrutura socioespacial da cidade, expondo a ausência de articulação entre a política habitacional e a política urbana local. Em sua maioria, a localização destes empreendimentos tem sido definida em função dos interesses e estratégias dos agentes imobiliários que, de acordo com as regras do PMCMV, são os responsáveis pela realização dos empreendimentos desde a sua concepção (estudo de mercado, definição de tipologias, localização) até a sua conclusão (construção e comercialização). Esta livre atuação acaba por resultar na dicotomia entre as orientações dispostas no plano legislativo (Áreas de Interesse Social do Plano Diretor Municipal) e as ações concretas de localização dos empreendimentos, definidas exclusivamente em função das estratégias de acumulação do setor imobiliário. Nesse contexto, um expressivo número de empreendimentos realizados na faixa 1 do PMCMV em Pelotas tem apresentado um padrão de localização em áreas com ausência de serviços, infraestruturas e equipamentos de consumo coletivo. Um exemplo é caso do Residencial El dourado, um dos primeiros empreendimentos realizados pelo programa na cidade. Desde sua conclusão, no ano de 2011, os moradores vêm denunciando junto ao Ministério Público e a órgãos de imprensa, uma série de

problemas relacionados à ausência de segurança, infraestrutura urbana básica e equipamentos de consumo coletivo. Precariedade de infraestruturas e insegurança no Residencial El dourado. Fonte: Blog Amigos de Pelotas (http://www.amigosdepelotas.com.br/blog/medo_e_abandono_no_residencial_el_dorado) Se tratando dos produtos voltados para as classes de média renda, que se enquadram na faixa 2 e 3 do PMCV (de 3 a 10 Salários Mínimos), além dos problemas relacionados à localização - com a crescente periferização dos empreendimentos - observa-se a constituição de tipologias com elevada densificação, produzidas em larga escala e em alguns casos edificadas com materiais de construção alternativos. Um exemplo ilustrativo são os empreendimentos realizados pela incorporadora Rodobens Negócios Imobiliários S/A, uma das seis maiores construtoras do Brasil que desde 2011 vem atuando na cidade por meio da produção de condomínios fechados para as classes de média renda, com mais de duas mil unidades habitacionais construídas em seus cinco 3 lançamentos imobiliários na cidade, a partir das linhas de financiamento do PMCMV. No caso do Moradas Pelotas I, o segundo empreendimento do grupo na cidade, o condomínio possui mais de 700 unidades habitacionais alocadas em uma antiga área de vazio urbano, entre o centro da cidade e bairros residenciais periféricos já consolidados, o que provocou expressivo impacto na mobilidade urbana nesta área, tendo em vista o aumento do fluxo de automóveis e a inexistência de linhas de transporte coletivo na área. Atualmente, atuam mais de 20 empresas na faixa 2 e 3 do 3 Empreendimentos realizados pela Rodobens Négócios Imobiliários em Pelotas/RS: Terra Nova Pelotas; Moradas Pelotas; Moradas Pelotas II; Moradas Club Pelotas; Moradas Club Pelotas II

PMCMV em Pelotas, sendo expressiva a penetração no mercado local de grandes grupos nacionais e de capital aberto. Em relação à demanda de interesse social - ligada ao Plano nacional de habitação de interesse social - a produção de moradias populares em Pelotas vem assumindo características diferenciadas da produção empresarial articulada pelo PMCMV, onde se observa uma maior interferência do poder público local na definição da localização, tipologias e formas de produção para essa demanda. A especificidade deste tipo de produção em Pelotas está no fato de que há uma forte tendência na manutenção dos grupos sociais nas áreas em que residem - sobretudo nos casos de ocupações de glebas ociosas nas proximidades do centro tradicional onde o poder público atua na regularização fundiária e na promoção de moradias a partir do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, promovendo com isso uma maior articulação entre política urbana e a política habitacional. Exemplos representativos são os casos dos loteamentos Ceval, Osório e Mauá, ambos localizados no quadrante sul do centro da cidade, próximos as margens do Canal São Gonçalo, em um grande vazio industrial antes pertencente ao grupo Ceval S.A, desativado no início dos anos 90. Loteamentos em antigo vazio industrial. Na sequencia: Loteamento Osório, Loteamento Ceval e Loteamento Mauá. Fonte: SÁ BRITTO, 2013 Além da produção imobiliária voltadas para as classes de baixa e média renda, incentivadas pelos programas habitacionais, os produtos destinados aos segmentos sociais de alta renda tem despertado o interesse de grandes grupos incorporadores na região. Segundo um estudo sobre o potencial de demanda habitacional para as classes de

alta renda em Pelotas, realizado pelo grupo 2day Estudos de Mercado 4, a demanda potencial por habitação nas classes A1, A2 e B1 5 é de cerca de três mil domicílios. Isso tem atraído grande número de incorporadores nacionais para a realização de condomínios fechados, utilizando-se de um forte aparato publicitário e explorando as amenidades sociais e naturais da cidade, o que tem resultado no espraiamento do tecido urbano, principalmente no vetor leste da cidade em direção à praia do Laranjal. Em 2012 foi anunciada a construção de um condomínio pelo grupo Alphaville no Balneário dos Prazeres, na periferia leste da cidade. Com investimentos superiores a R$ 42 milhões 6, o projeto prevê a construção de 273 casas em terrenos residenciais que variam de 400m² a 600m², para uma população estimada de 1.092 habitantes. O empreendimento, já realizado em outros 18 estados brasileiros e o sexto no Rio Grande do Sul, possui a tipologia de condomínio fechado, autogestionário, com infraestrutura e equipamentos internos particulares distribuídos entre áreas privativas de lazer, esportes e comércio. Outro grande lançamento previsto para ser concluído no ano de...em Pelotas é o condomínio Quartier, assinado pelo escritório de arquitetura de Jaime Lerner, em associação com as empresas Joal Teitelbaum Escritório de Engenharia e o grupo financeiro Guapo Capital Group. De acordo com os anúncios, o projeto prevê a produção de três mil unidades habitacionais para mais de nove mil habitantes, apresentando forte apelo à questão ambiental através da idéia de bairro sustentável, com Plano Diretor interno e projeto de sustentabilidade. O custo total do projeto está orçado em mais R$ 2 Bilhões. Esses exemplos, juntamente com outros que se concentram nos vetores leste e norte da cidade, tem transformado a dinâmica espacial, tanto em termos da densificação de áreas até então pouco urbanizadas, assim como pela concentração de novos serviços 4 Dados divulgados no relatório Projeto Laranjal, da incorporadora Idealiza Incorporações e Participações. Acesso no dia 26 de agosto de 2012. (Fonte: http://www.youblisher.com/p/196524-projeto- Laranjal/) 5 Caracterização de classe social de acordo com o CRITÉRIO BRASIL da ABEP - Associação Brasileiras de Empresas de Pesquisa (Fonte: www.abep.org) 6 Um dos maiores realizados no estado do Rio Grande do Sul, segundo matéria do jornal Diário Popular, em 23/06/2013.(http://www.diariopopular.com.br/tudo/index.php?n_sistema=3056&id_noticia=NzAwMDg= &id_area=mg== )

voltados para segmentos sociais diferenciados, impelindo num processo de suburbanização das classes de média e alta renda em Pelotas. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A expansão do setor imobiliário verificada nos últimos anos se realiza cada vez mais atrelada à atuação do Estado - através das políticas habitacionais e anticíclicas - assim como aos organismos financeiros internacionais, o que possibilita uma maior dinâmica do setor na produção do espaço intra-urbano nas cidades brasileiras. Em Pelotas, as empresas do ramo da construção civil e imobiliária orientam sua produção de modo diversificado, atendendo as demandas de diferentes segmentos de renda, o que por sua vez tem resultado numa diversidade de tipologias habitacionais na paisagem urbana, assim como na profusão de novos processos socioespaciais que se destacam na estrutura da cidade. Os processos empíricos narrados nessa comunicação, ainda que de forma resumida, revelam a complexidade com que o espaço urbano é reproduzido na contemporaneidade, onde a configuração centro-periferia incorpora novos conteúdos, cada vez mais fluídos dando à estrutura urbana uma forma fragmentada. Do mesmo modo, tal cenário chama a atenção para o papel desempenhado pelo Estado na injeção de fundos públicos no setor imobiliário através da forma empresarial de produção de moradia, o que possibilita o crescimento das empresas do setor que passam a atuar de modo intenso na reconfiguração urbana. Cabe salientar que processos como o de periferização das camadas de baixa renda, resultantes da livre atuação do capital imobiliário na produção do espaço urbano, têm se caracterizado como um fenômeno recorrente nas cidades latino-americanas, tendo em vista as condições históricas de desigualdade estabelecida nas formas de acesso, apropriação e dominação do espaço ao longo do processo de urbanização desses países. Entretanto, a política habitacional brasileira atual, como observado, ao contrário de restringir tais processos pautando-se na promoção não somente de moradia digna, mas de acesso ao conjunto de benefícios e amenidades que a vida urbana oferece

acaba por ampliar a contradição entre produção de moradia em larga escala e manutenção das condições excludentes de acesso à terra urbana e de reprodução social, na medida em que as diretrizes do PMCMV acabam por ratificar a produção capitalista do espaço. De tal modo, a particularidade de nossa urbanização, marcada por uma série de mazelas históricas e sociais, coloca em questionamento as implicações deste processo, onde se atenta para um possível aprofundamento das desigualdades socioespaciais visto que a maximização do valor de troca conduz a condições diferenciadas de acesso e consumo do espaço urbano. REFERÊNCIAS: BOTELHO, A. O urbano em fragmentos: a produção do espaço e da moradia pelas práticas do setor imobiliário. São Paulo: Annablume, 2007 CAIXA ECONOMICA FEDERAL. Demanda Habitacional no Brasil. Brasília:CAIXA, 2011 CARLOS, A. F. O Espaço Urbano: Novos Escritos sobre a Cidade. São Paulo:FFLCH, 2007 A (re)produção do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1994. CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano.são Paulo: Ática, 1993 GOTTDIENER, Mark. A produção social do espaço urbano. Tradução de Geraldo Gerson de Souza. São Paulo, EDUSP, 1993. HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005 The Urban Experience. Oxford: BasilBlackweli, 1989 LEFEBVRE, H. Espaço e política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.. O direito à cidade. São Paulo: Moraes, 1991. The production of space. Oxford, UK: Blackwell, 1994 SA BRITTO, N. Industrialização e desindustrialização do espaço urbano em Pelotas/RS. Dissertação de mestrado. Rio Grande: FURG, 2011

SOARES, P. R. R. Produção imobiliária e crescimento urbano em cidades médias: Pelotas e Rio Grande -RS. In: SILVEIRA, R.L. PEREIRA, P. X. UEDA, V.. (Org.). Dinâmica imobiliária e reestruturação urbana na América Latina. Dinâmica imobiliária e reestruturação urbana na América Latina. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006