Fundamentos da Eletrostática Aula 18 O Vetor Deslocamento Elétrico

Documentos relacionados
Fundamentos da Eletrostática Aula 19 Problemas Energia num Dielétrico

Fundamentos da Eletrostática Aula 07 Algumas aplicações elementares da lei de Gauss

Fundamentos da Eletrostática Aula 06 Mais sobre o campo elétrico e a lei de Gauss

Fundamentos da Eletrostática Aula 13 Descontinuidades no Campo Elétrico & Método das Imagens

Fundamentos da Eletrostática Aula 11 Sobre a solução de problemas eletrostáticos

Aula 10. Eletromagnetismo I. Campo Elétrico na Matéria. Prof. Dr. R.M.O Galvão - 2 Semestre 2014 Preparo: Diego Oliveira

Fundamentos da Eletrostática Aula 16 Dielétricos / Polarização

n.estudante:... Eletromagnetismo / MIEEC; frequência 20.abr.2016;. Em cada pergunta só há uma resposta certa e só uma das justificações é a adequada.

Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza. Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

Eletromagnetismo I. Aula 16. Na aula passada denimos o vetor Magnetização de um meio material como. M = n m. n i m i

Fundamentos da Eletrostática Aula 05 A Lei de Coulomb e o Campo Elétrico

Fundamentos da Eletrostática Aula 02 Cálculo Vetorial: derivadas

Fundamentos da Eletrostática Aula 04 Coordenadas Curvilíneas, Lei de Gauss e Função Delta

Fluxos e Conservação Lei de Gauss Isolantes. III - Lei de Gauss. António Amorim, SIM-DF. Electromagnetismo e Óptica. Lei de Gauss /2011

Física. Resumo Eletromagnetismo

Eletrostática. Antonio Carlos Siqueira de Lima. Universidade Federal do Rio de Janeiro Escola Politécnica Departamento de Engenharia Elétrica

superfície que envolve a distribuição de cargas superfície gaussiana

Fundamentos da Eletrostática Aula 03 Cálculo Vetorial: Teoremas Integrais

Energia. 5.2 Equações de Laplace e Poisson

Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza. Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

AULA 03 O FLUXO ELÉTRICO. Eletromagnetismo - Instituto de Pesquisas Científicas

Física 3. Resumo e Exercícios P1

Lei de Gauss Φ = A (1) E da = q int

Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza. Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

AULA 04 ENERGIA POTENCIAL E POTENCIAL ELÉTRICO. Eletromagnetismo - Instituto de Pesquisas Científicas

Métodos de Física Teórica II Prof. Henrique Boschi IF - UFRJ. 1º. semestre de 2010 Aulas 3 e 4 Ref. Butkov, cap. 8, seção 8.3

FÍSICA (ELETROMAGNETISMO) LEI DE GAUSS

Fundamentos do Eletromagnetismo - Aula IX

Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza. Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

Capacitores. - 3) A experiência mostra que a carga acumulada é diretamente proporcional a diferença de potencial aplicada nas placas, ou seja

INCIDÊNCIA DE ONDAS ELETROMAGNÉTICAS EM INTERFACES PLANAS: REFLEXÃO, REFRAÇÃO E LEI DE SNELL

Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza. Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

Fundamentos da Eletrostática Aula 01 Introdução / Operações com Vetores

Segunda Lista - Lei de Gauss

Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza. Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

Campo Elétrico [N/C] Campo produzido por uma carga pontual

Conteúdos 5, 6 e 7 de Fundamentos do Eletromagnetismo

Métodos de Física Teórica II Prof. Henrique Boschi IF - UFRJ. 1º. semestre de 2010 Aula 7 Ref. Butkov, cap. 9, seções 9.3 e 9.4

Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Física Primeira Prova (Diurno) Disciplina: Física III-A /2 Data: 17/09/2018

Terceira Lista - Potencial Elétrico

Halliday Fundamentos de Física Volume 3

LIÇÃO 02 O CAMPO ELÉTRICO. Eletromagnetismo - Instituto de Pesquisas Científicas

Forças de ação à distância têm atreladas a si um campo, que pode ser interpretado como uma região na qual essa força atua.

Eletromagnetismo I. Preparo: Diego Oliveira. Aula 7. Trabalho realizado em um campo eletrostático. F ext d l

Eletrodinâmica Clássica II

Eletromagnetismo I. Preparo: Diego Oliveira. Aula 2

Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza. Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

Cap. 2 - Lei de Gauss

Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza. Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

Problema 1 R 1 R 2 EO/MEEC-IST -1-11/15/11

Eletromagnetismo II. Prof. Daniel Orquiza. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

Aula 12. Eletromagnetismo I. Campo Magnético Produzido por Correntes Estacionárias (Griths Cap. 5)

Eletromagnetismo I - Eletrostática

Lei de Gauss. O produto escalar entre dois vetores a e b, escrito como a. b, é definido como

Eletromagnetismo I. Preparo: Diego Oliveira. Aula 4

Aula 2 A distância no espaço

Derivadas Parciais Capítulo 14

Eletromagnetismo II. 4 a Aula. Professor Alvaro Vannucci. nucci

Física III IQ 2014 ( )

Quarta Lista - Capacitores e Dielétricos

2 Propagação de ondas elásticas em cilindros

Primeiro Estudo Dirigido

Introdução à Magneto-hidrodinâmica

Física III-A /1 Lista 3: Potencial Elétrico

Aula de Física II - Cargas Elétricas: Força Elétrica

Exercícios resolvidos P3

Dois condutores carregados com cargas +Q e Q e isolados, de formatos arbitrários, formam o que chamamos de um capacitor.

2 Diferença de Potencial e Potencial Eletrostático

Tensores (Parte 1) 15 de abril de Primeira aula sobre tensores para a disciplina de CVT 2019Q1

POTENCIAL ELÉTRICO. Prof. Bruno Farias

Sumário. 1 Introdução Álgebra Vetorial Cálculo Vetorial 62

raio do arco: a; ângulo central do arco: θ 0; carga do arco: Q.

Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza. Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

2 Campos Elétricos. 2-2 Campos elétricos. Me. Leandro B. Holanda,

Cálculo Vetorial. Prof. Ronaldo Carlotto Batista. 20 de novembro de 2014

Escoamento potencial

Lei de Gauss. Evandro Bastos dos Santos. 21 de Maio de 2017

Eletromagnetismo - Instituto de Pesquisas Científicas AULA 06 - CAPACITÂNCIA

ELETROMAGNETISMO SEL Professor: Luís Fernando Costa Alberto

NOTAS DE AULA DE ELETROMAGNETISMO

(d) E = Eŷ e V = 0. (b) (c) (f) E = Eˆx e V = (f)


de x = decosθ = k λdθ R cosθ, de y = desenθ = k λdθ R senθ, em que já substituímos dq e simplificamos. Agora podemos integrar, cosθdθ = k λ R,

Gabarito P2. Álgebra Linear I ) Decida se cada afirmação a seguir é verdadeira ou falsa.

Eletromagnetismo II. Prof. Daniel Orquiza. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

Cálculo Diferencial e Integral de Campos Vetoriais

Solução: Um esboço da região pode ser visto na figura abaixo.

Fluxo de um campo vetorial e a Lei de Gauss

Eletromagnetismo II. Prof. Daniel Orquiza. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

equação paramêtrica/vetorial da superfície: a lei

Eletromagnetismo II. Preparo: Diego Oliveira. Aula 3. Equação da Onda e Meios Condutores

Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza. Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza. Eletromagnetismo I. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

Instituto de Física UFRJ

Magnetismo e movimento de cargas. Fontes de Campo Magnético. Prof. Cristiano Oliveira Ed. Basilio Jafet sala 202

LISTA DE EXERCÍCIOS Nº 3

pelo sistema de coordenadas Cartesianas. Podemos utilizar também o sistema de coordenadas

EUF. Exame Unificado

Halliday & Resnick Fundamentos de Física

Eletromagnetismo II. Prof. Daniel Orquiza. Prof. Daniel Orquiza de Carvalho

Transcrição:

Fundamentos da Eletrostática Aula 18 O Vetor Deslocamento Elétrico Prof. Alex G. Dias Prof. Alysson F. Ferrari O Vetor Deslocamento Denimos na aula passada o vetor deslocamento D (r) = ε 0 E (r) + P (r). Note que E é o campo elétrico total, gerado por todas as cargas (livres e polarizadas), enquanto que P é o vetor polarização, que descreve o momento de dipolo médio por unidade de volume no dielétrico. A propriedade fundamental do vetor deslocamento elétrico é que sua divergência corresponde à densidade de cargas livres, D = ρ f. Podemos agora nos lembrar da equação da eletrostática no vácuo E = ρ ε 0 e ser levados a pensar que D depende unicamente das cargas livres, ignorando completamente a existência de cargas polarizadas. Poderíamos até ser tentados a escrever uma forma integral para D em termos de ρ f, D (r) =? 1 ˆ 4π dq f r r r r 3. Tal intuição não sobrevive a um exame mais atento. Anal, embora a divergência de D não envolve ρ P, a densidade de cargas polarizadas está relacionada com a polarização P, que por sua vez entra NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 1

diretamente na denição de D. Incidentemente, é por isso que a expressão acima não está correta. Conforme o teorema de Helmholtz nos ensina, um campo vetorial é conhecido uma vez que conhecemos seu divergente e seu rotacional. A expressão acima para D implicaria que D = 0, já que ( ˆ 1 4π dq f r r r r 3 ) = 1 ˆ 4π ( ) dq f r r r r 3 = 0, }{{} =0 estudado é sucientemente simétrico para que possamos usar a forma integral desta equação, ou seja, S D da = q S. Já vimos um exemplo na aula passada, vejamos agora outro. mas, calculando da denição D = {ε 0 E (r) + P (r)} = ε 0 E (r) + P (r) }{{} =0 = P (r) e não necessariamente P (r) = 0. Então a expressão D (r) =? dq r r f 1 4π r r 3 não vale em geral justamente devido a presença da polarização no vetor deslocamento em outras palavras, por que ele depende também da carga polarizada. Aplicada com o devido cuidado, contudo, a relação D = ρ f pode ser usada para calcular D, mesmo sem sabermos nada sobre as cargas polarizadas ρ P. Isto acontece, por exemplo, quando o sistema NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 2 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 3

Um exemplo com simetria cilíndrica Considere um o innitamente longo, com densidade linear de carga constante λ, envolto em um cilindro de raio R de material dielétrico. Suponha que o dielétrico não tenha nenhuma polarização que não a induzida pelo campo gerado pelo o. Este fato garante que, seja qual for a polarização induzida no material, ela necessariamente terá a mesma simeria cilíndrica do problema. Daí podemos utilizar uma superfície S como na gura, com o mesmo eixo de simetria, comprimento L e raio ρ que pode ser menor ou maior que R. Devido à simetria, D (r) = D (ρ) ˆρ, Observe que isso vale para qualquer ρ. Em particular, para pontos fora do dielétrico (ρ > R), P = 0 e portanto ε 0 E = D, ou seja, E (ρ > R, θ, z) = λ 2πε 0 ρ ˆρ. Dentro do dielétrico, contudo, não conhecemos P e, consequentemente, não sabemos calcular E mesmo que a expressão encontrada para o vetor deslocamento D continue ser válida. Pergunta: argumentamos, anteriormente, que em geral o conhecimento apenas de ρ f não basta para determinar D. A raiz do problema está no fato de que, em geral, D 0. Analizando a posteriori, porque neste caso foi possível calcular D apenas a partir de ρ f? e portanto D da = D (ρ) 2πρL S por outro lado, a carga contida em S é simplesmente q = λl e portanto D (r) = λ 2πρ ˆρ. NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 4 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 5

O Vetor Deslocamento e a Solução de Problemas Eletrostáticos Introduz-se, assim, um novo elemento na teoria a polarização P. Agora não basta conhecer ρ f para determinar E é preciso saber também ρ P ou, equivalentemente, P. Um esquema inicial para esta situação é, portanto: Começamos neste curso considerando situações em que conhecemos todas as cargas presentes no sistema informação que genericamente pode ser dada por uma distribuição de carga ρ (r). Dado ρ (r), pode-se calcular o campo elétrico E (r) por qualquer dos métodos já estudados. A situação reversa também vale: conhecendo-se E podemos encontrar a distribuição que gera tal campo elétrico pela lei de Gauss, E = ρ/ε 0. Conceitualmente, a resolução de um problema eletrostático, nesta situação, é tão simples quanto indicado no esquema abaixo. Introduzimos, na aula passada, o vetor deslocamento elétrico D. A partir de D, obtemos diretamente ρ f mas a recíproca não vale necessariamente, já que somente em condições muito especiais o conhecimento apenas de ρ f permite calcular D. Representamos este fato com uma seta pontilhada: Na presença de dilétricos, a situação complica-se porque temos que dividir as cargas ρ em duas categorias: ρ f são as cargas livres, cuja distribuição tipicamente conhecemos em detalhe, e ρ P descreve as cargas polarizadas, que são acúmulos de carga dentro de um dielétrico devidas ao alinhamento parcial de dipolos. ρ P é devido às cargas fundamentais que existem nos átomos que compõem o material, mas não podemos e sequer queremos descrever a posição de cada uma dessas cargas trabalhamos com médias que descrevem os campos macroscópicos que podemos medir. Podemos dizer, assim, que P e ρ P modelam macroscopicamente a estrutura microscópia extremamente complexa do material dielétrico. O conhecimento de E e P permite obter D mas, novamente, a recíproca não vale em geral: conhecer D não nos permite calcular E e P, a menos que já tenhamos alguma informação sobre P. Mas conhecer P é o mesmo que conhecer ρ P e recaímos no problema que já havíamos indicado: menos que conheçamos ρ P. esta situação: não temos como resolver o problema a Um possível diagrama que representa NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 6 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 7

Em geral, não temos como resolver o problema eletrostático a menos que conheçamos ρ f e ρ P de antemão. Por outro lado, não conhecemos P, já que a polarização depende do campo elétrico E responsável por alinhar os dipolos elementares presentes no dielétrico ou seja, depende justamente do campo E que pretendemos descobrir! Para resolver este problema, temos que investigar a natureza do dielétrico estudado, e descobrir a relação entre o campo elétrico total e a polarização induzida ou seja, a relação P = P (E). Uma vez dada esta relação, conhecemos também D como função de E, ou seja, D = ε 0 E + P (E) = D (E). Portanto, neste caso, o conhecimento de D é suciente para determinar E e P (E) e, mesmo se não podemos calcular D a partir de ρ f, temos uma relação entre ρ f, P e E que permite resolver inteiramente o problema eletrostático, uma vez dado ρ f. A relação D = D (E) é chamada relação constitutiva do dielétrico, e ela é uma modelagem da resposta do meio dielétrico à aplicação de um campo elétrico. A relação constitutiva provê a co- nexão que faltava para resolver em geral um problema eletrostático na presença de dielétricos. Para obter a relação constitutiva, temos que investigar e/ou fazer suposições sobre a natureza microscópica do material. Note que este não é necessariamente um trabalho fácil: os dipolos presentes no material sentem o efeito do campo elétrico total E = E f + E P, incluindo a contribuição E P devida à própria polarização material; ou seja, a polarização P depende não só do campo externo, mas do campo que ela mesma produz. Determinar P (E) signica resolver esta complexa inter-relação entre o campo elétrico e a polarização presente no material. Um diagrama que representa, portanto, o esquema conceitual geral da eletrostática é o seguinte: A importância da relação constitutiva não é surpreendente: simplesmente, ela nos diz que não temos como resolver um problema eletrostático envolvendo um material dielétrico sem conhecer algumas propriedades do material dielétrico em particular, a resposta do material à aplicação de um campo elétrico, que é justamente a informação contida na relação D = D (E). NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 8 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 9

Dielétricos Lineares χ e seja adimensional : material em questão. ela é chamada de suscetibilidade elétrica do A relação P = P (E) em geral não é simples de ser obtida. Para muitos materiais, contudo, valem os seguintes argumentos, na ausência de um campo elétrico externo, os dipolos elementares do material alinham-se de forma totalmente aleatória e daí P (E = 0) = 0; na presença de um E externo, os dipolos elementares tendem a se alinhar na direção de E, induzindo portanto uma polarização na mesma direção do campo aplicado; No caso de dielétricos lineares, o vetor deslocamento é dado por D = ε 0 E + P = ε 0 E + ε 0 χ e E = ε 0 (1 + χ e ) E ou seja, a relação constitutiva para dielétricos lineares é dada simplesmente por D (r) = εe (r) ε = ε 0 (1 + χ e ) a magnitude da polarização induzida no material é proporcional à magnitude do campo elétrico aplicado. Estas observações implicam que a relação entre P e E é dada simplesmente por uma constante multiplicativa, ou seja, P = ε 0 χ e E, em todos os pontos do dielétrico. Materiais que obedecem este tipo de equação são ditos dielétricos lineares. A constante ε 0 aparece na equação para que a constante Chamávamos ε 0 de permissividade do vácuo, e por isso ε é chamada de permissividade do material em questão. É uma grandeza que mede o quanto o material se polariza frente a um campo elétrico externo. Em muitas ocasiões, também costuma-se chamar ε ε 0 = 1 + χ e de constante dielétrica do meio em questão. No caso de dielétricos lineares, portanto, D e P são proporcionais a E. Como consequência, obviamente D e P são proporcionais, D = εe P = ε 0 χ e E = ε 0 ε χ ed NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 10 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 11

e portanto, P = χ e 1 + χ e D χ e ρ P = P = D = χ e ρ f 1 + χ e 1 + χ e χ e ρ P = ρ f 1 + χ e ou seja, a densidade volumétrica de carga polarizada é proporcional à densidade de carga livre presente no dielétrico. Se não existe carga livre no dielétrico, ρ P = 0, e toda carga polarizada aparece na forma de uma densidade supercial σ P. Neste caso, E pode ser obtido resolvendo-se à equação de Laplace para o potencial eletrostático ϕ com as condições de contorno adequadas e, encontrando E, encontramos também P e D, resolvendo completamente o problema eletrostático. Caso ρ f 0, a equação derivada acima nos fornece ρ P, e novamente levando em conta as condições de contorno adequadas, podemos determinar E e, por conseguinte, D e P. Fica claro, assim, como o conhecimento da relação constitutiva nos permite efetivamente resolver o problema, dado o conhecimento sobre ρ f. Como agora D é proporcional à E, poderíamos pensar que nalmente podemos escrever D (r)? = 1 4π ˆ dq f r r r r 3. Mas novamente, é preciso ter cuidado. Tal expressão só pode valer se D = 0. Como D é proporcional a P, isto é o mesmo que P = 0 Γ P dl = 0, para qualquer curva fechada Γ. Agora, tal identidade não é satisfeita em geral na fronteira do dielético. Considere, como na gura, a interface entre o dielétrico e o vácuo. Claramente, Γ P dl 0 para a curva considerada, o que signica que P 0 e logo D 0 nesta região. (Se D e E são proporcionais, como pode ser E = 0 e mesmo assim D 0? O que acontece é que a constante de proporcionalidade entre E e D não é a mesma em materiais diferentes, por isso podemos ter D 0 na fronteira do dielétrico.) Se o dielétrico é innito (ou se é sucientemente grande para podermos desconsiderar sua fronteira), aí sim vale que P = D = 0. Neste caso, D = ρ f e D = 0 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 12 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 13

implica que e, como E = 1 ε D, D (r) = 1 ˆ 4π dq f r r r r 3 Como ε = ε 0 (1 + χ e ) E (r) = 1 ˆ 4πε dq f r r r r 3. e χ e é positivo, vemos que ε > ε 0 e, como ε aparece no denominador, o campo elétrico acima é menos intenso do que o correspondente no vácuo. Podemos também calcular a divergência do campo elétrico, E = 1 ε 0 (ρ f + ρ P ) = 1 ε 0 ( 1 χ e 1 + χ e = 1 ( ) 1 ρ f ε 0 1 + χ e = 1 ε ρ f ) ρ f A razão é muito simples de entender: mergulhada no dielétrico, a carga q polariza o meio ao redor, gerando uma distribuição de cargas de sinal oposto próximas de q, o que por sua vez anula parte do campo gerado por q. Este efeito de amortecimento também chamado de blindagem da carga elétrica é tão mais importante quanto maior o valor de χ e ou seja, quanto mais polarizável é o meio, o que é absolutamente razoável. Note que estas expressões são idênticas às que temos para a eletrostática no vácuo, exceto pela troca da permissividade ε 0 por ε. temos Por exemplo, para uma carga q pontual localizada na origem, E (r) = q r 4πεr 3. Em suma: para cargas mergulhadas num dielétrico linear innito, o único efeito do dielétrico é blindar parcialmente as cargas elétricas, de modo que o campo elétrico é idêntico ao que seria gerado no vácuo, exceto pela intensidade do campo, que é menor. NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 14 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 15

Para ter uma idéia de valores, na tabela abaixo aparecem os valores da constante dielétrica ε ε 0 = 1+χ e para vários materiais diferentes. Leitura obrigatória: Condições de contorno na presença de superfícies carregadas V Para estudar as condições de contorno do vetor deslocamento na presença de superfícies carregadas, vamos considerar o mesmo tipo de conguração que usamos anteriormente, quando tratamos do campo elétrico: calculando o uxo de D através do pequeno cilindro da gura, usando que D da = (carga livre em V ) temos, por um lado, ˆ D da = cilindro σ f da = σ f A, e, por outro lado, cilindro D da = (D 1 D 2 ) n, ou seja, (D 1 D 2 ) n = σ f, NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 16 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 17

expressão que relaciona a descontinuidade da componente perpendicular do deslocamento elétrico com a densidade de carga livre na superfície. Para estudar as condições de contorno para a componente tangencial, partimos de Considerando uma superfície com densidade de carga livre σ f, temos sempre (D 1 D 2 ) n = σ f D 1 P 1 = D 2 P 2 Na primeira expressão, n é um vetor que vai da região 2 para a região 1. D = P (D P) = 0, Para o caso particular de dielétricos lineares, temos que o que por sua vez implica que, para qualquer curva fechada como na gura, Γ (D P) dl = 0. Mas já vimos que, no limite ε 0, isto implica a continuidade das componentes tangenciais do vetor D P, ou seja, D 1 P 1 = D 2 P 2 ou seja, D = εe = ε 0 (1 + χ e ) E e P = χ e 1 + χ e D [ 1 χ e D P = 1 + χ e [ 1 = 1 + χ e = ε 0 E ] D ] ε 0 (1 + χ e ) E Podemos escrever assim as condições de contorno mais gerais para problemas envolvendo dielétricos: Portanto, para dielétricos lineares, podemos escrever as condições de contorno em termos unicamente do campo elétrico: NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 18 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 19

(ε 1 E 1 ε 2 E 2 ) n = σ f E 1 = E 2 Leitura adicional: O Tensor Suscetibilidade Elétrica Na seção anterior, tratamos o tipo mais simples de dielétrico, em que a polarização induzida é proporcional ao campo aplicado. Vamos agora procurar generalizar a noção de dielétrico linear e, ao fazêlo, veremos como esta categoria de material pode ser generalizada para modelar uma ampla gama de materiais, pelo menos em primeira aproximação. Começamos supondo que a função P (E) para um dado material, que não conhecemos, seja sucientemente bem-comportada para que possa ser expandida em série em torno de E = 0, ou seja, escrevendo P i = P i (E 1, E 2, E 3 ) = P i (E j ), j = 1, 2, 3 temos que 3 P i P i (E j ) =P i (0) + E j E j E=0 3 + j,k=1 j=1 P i E j E k E j E k + E=0 (no que segue, vamos indistintamente chamar as componentes cartesianas de um vetor A como A 1, A 2 e A 3 ou A x, A y, A z ). NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 20 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 21

Em primeiro lugar, supondo que o material não possua polarização na ausência de campo externo, podemos assumir que P i (0) = 0. Por outro lado, se o campo elétrico é sucientemente fraco, podemos desconsiderar termos quadráticos ou de maior ordem em E, restando assim apenas os termos lineares, P i (E j ) = 3 P i E j E j, E=0 j=1 que escritos de forma explícita, nos fornecem P x (E) = P x E x E x + P x E y E y + P x E z E z P y (E) = P y E x E x + P y E y E y + P y E z E z P z (E) = P z E x E x + P z E y E y + P z E z E z. onde subentende-se que todas as derivadas são tomadas no ponto E = 0. Podemos escrever esta relação em forma matricial, P x (E) P y (E) P z (E) = ε 0 1 P x 1 P x 1 P x ε 0 E x ε 0 E y ε 0 E z 1 P y 1 P y 1 P y ε 0 E x ε 0 E y ε 0 E z 1 P z 1 P z 1 P z ε 0 E x ε 0 E y ε 0 E z } {{ } χ e E x E y E z, forma 1 ε 0 P i E j sejam todos adimensionais. Os nove elementos da matriz acima são as componentes, no sistema de coordenadas escolhido, de um tensor de segunda ordem, o chamado tensor de suscetibilidade elétrica do meio em questão, denotado pelo símbolo χ e. forma Vemos que o caso mais simples possível para a matriz χ e é da o que leva justamente a χ e 1 0 0 0 1 0 0 0 1 P = ε 0 χ e E, a relação com que trabalhamos antes., Em materiais que não são isotrópicos, como por exemplo cristais, em que os átomos estão muito rmemente presos a uma rede cristalina, o material é mais facilmente polarizável em certas direções do que em outras; neste caso, o tensor χ e não assumirá a forma tão simples como acima. Por m, do desenvolvimento acima, vemos como dielétricos lineares não são um caso tão particular quanto poderíamos pensar em princípio, qualquer material pode ser aproximado como um dielétrico linear desde que o campo externo E seja fraco o suciente. onde um fator ε 0 foi fatorado para que a matriz de elementos da NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 22 NH2801 - Fundamentos da Eletrostática - 2009t1 23