FIBROSE MIOCÁRDICA E GRAVIDADE DA REGURGITAÇÃO AÓRTICA: ESTUDO CLÍNICO COM RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CARDÍACA. TRAD, HS; GALI, AMAS; KOENIGKAM-SANTOS, M; BRAGGION-SANTOS, MF; VOLPE, GJ; MACIEL, BC; SCHMIDT, A.
Introdução A avaliação das valvopatias por ressonância magnética cardíaca (RMC) já está bem descrita(1-3). Um dos principais valores adicionais do método, além da avaliação morfofuncional, é a caracterização tecidual miocárdica em relação à presença de fibrose(3). Fibrose miocárdica (FM) tem sido vinculada com prognóstico em diversas patologias cardiovasculares(4-6). Em relação as valvopatias, sua ocorrência na estenose aórtica está associada a pior função sistólica e prognóstico(7). Na regurgitação aórtica (RAO) a presença de fibrose foi descrita em pequenos estudos experimentais e clínicos(8-10).
Objetivos Caracterizar a presença de FM e verificar sua relação com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo, dimensões ventriculares e gravidade da regurgitação aórtica em uma coorte de pacientes.
Materiais & Métodos 99 pacientes com RAO isolada foram analisados por RMC, entre 2010 e 2014, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Foram realizadas sequências específicas para avaliação de função (cine SSFP), fluxos (contraste de fase) e realce tardio (T1 gradiente eco com inversão recuperação). Realizada avaliação qualitativa das imagens de realce tardio. Análise estatística descritiva e teste de Fisher foram realizados para identificar fatores relacionados com a presença de fibrose.
Resultados Total de 99 pacientes, sendo 65 do sexo masculino e 34 do sexo feminino, com idade média de 54,5 anos. Fibrose miocárdica foi detectada em 16 casos (16,2 %), com 9 pacientes apresentando padrão não-isquêmico linear e mesomiocárdico de realce, inespecífico; 5 pacientes apresentaram padrão subendocárdico, compatível com sequela de isquemia prévia, sendo que 3 apresentaram antecedente de infarto miocárdio prévio; um dos pacientes apresentava cardiomiopatia hipertrófica associada, com realce de padrão mesomiocárdico moteado (Figura 1).
Resultados Em relação aos parâmetros morfológicos e funcionais (dimensão diastólica do VE, FEVE, Volume sistólico e diastólico e gravidade da regurgitação) não houve diferença entre os grupos com e sem fibrose. Apenas a idade foi significativamente maior no grupo com fibrose (64,3 ± 10,5 vs. 52,6 ± 17,4, p=0,01).
A B C Figura 1. Padrões de realce tardio visualizados: a: mesomiocárdico linear; b: mesomiocárdico moteado; c: subendocárdico.
Discussão Estudos experimentais já demonstraram um aumento da matriz extracelular no miocárdio em casos de insuficiência aórtica prolongada(10-13). Esse padrão de FM já foi demonstrado histologicamente, embora ainda não se tenha obtido uma correlação ideal com achados das diversas técnicas de RMC, sendo o mapa de T1 a técnica mais promissora(5). O padrão de FM detectado pelas técnicas de realce tardio é considerada como fibrose de substituição, ou cicatricial, diferente do padrão encontrado na histologia do miocárdio sob a sobrecarga de volume da RAO. Embora a técnica de realce tardio tenha sido relacionada a fibrose miocárdica difusa em estudos anteriores(8, 9), essa correlação foi obtida por métodos de quantificação semiautomática da intensidade de sinal nas sequências de realce tardio. A discussão na literatura é extensa em relação a melhor metodologia de quantificação e seu significado(14).
Discussão Nesta coorte, optamos pela avaliação qualitativa das imagens de realce tardio e sua correlação com os demais marcadores da RMC nos pacientes com diferentes graus de RAO. Não houve correlação da fibrose identificada pela técnica de realce tardio com nenhum dos marcadores obtidos pela RMC, e principalmente, não houve correlação com o grau da RAO. Em estudo clínico e histopatológico(10), também não se observou relação da FM miocárdica com parâmetros clínicos, funcionais e de remodelamento do VE, quando avaliados os pacientes com RAO acentuada e submetidos a cirurgia. Encontramos uma incidência menor de realce tardio em nossa coorte que os estudos prévios(8-10). Esse fato provavelmente se relaciona ao modo de análise da FM.
Conclusão Fibrose miocárdica identificada pela técnica de realce tardio não é incomum em regurgitação aórtica, mas em nosso estudo esteve relacionada com a idade e não com a gravidade da regurgitação ou suas consequências funcionais.
Referências Bibliográficas 1.Didier D, Ratib O, Lerch R, Friedli B. Detection and quantification of valvular heart disease with dynamic cardiac MR imaging. Radiographics : a review publication of the Radiological Society of North America, Inc. 2000;20(5):1279-99; discussion 99-301. 2.Goffinet C, Kersten V, Pouleur AC, le Polain de Waroux JB, Vancraeynest D, Pasquet A, et al. Comprehensive assessment of the severity and mechanism of aortic regurgitation using multidetector CT and MR. European radiology. 2010;20(2):326-36. 3.Myerson SG. Heart valve disease: investigation by cardiovascular magnetic resonance. Journal of cardiovascular magnetic resonance : official journal of the Society for Cardiovascular Magnetic Resonance. 2012;14:7. 4.Ambale-Venkatesh B, Lima JA. Cardiac MRI: a central prognostic tool in myocardial fibrosis. Nature reviews Cardiology. 2015;12(1): 18-29. 5.Ferrari VA, Witschey WR, Zhou R. Cardiac magnetic resonance assessment of myocardial fibrosis: honing new clinical tools. Circulation Cardiovascular imaging. 2011;4(6):604-6. 6.Ordovas KG, Higgins CB. Delayed contrast enhancement on MR images of myocardium: past, present, future. Radiology. 2011;261(2):358-74. 7.Dweck MR, Joshi S, Murigu T, Alpendurada F, Jabbour A, Melina G, et al. Midwall fibrosis is an independent predictor of mortality in patients with aortic stenosis. Journal of the American College of Cardiology. 2011;58(12):1271-9. 8.Azevedo CF, Nigri M, Higuchi ML, Pomerantzeff PM, Spina GS, Sampaio RO, et al. Prognostic significance of myocardial fibrosis quantification by histopathology and magnetic resonance imaging in patients with severe aortic valve disease. Journal of the American College of Cardiology. 2010;56(4):278-87. 9.Nigri M, Azevedo CF, Rochitte CE, Schraibman V, Tarasoutchi F, Pommerantzeff PM, et al. Contrast-enhanced magnetic resonance imaging identifies focal regions of intramyocardial fibrosis in patients with severe aortic valve disease: Correlation with quantitative histopathology. American heart journal. 2009;157(2):361-8. 10.Elias N, Tarasoutchi F, Spina GS, Sampaio RO, Pomerantzeff PM, Laurindo FR, et al. Myocardial fibrosis and ventricular remodeling in severe chronic aortic regurgitation. Arquivos brasileiros de cardiologia. 2009;92(1):63-7. 11.Liu SK, Magid NR, Fox PR, Goldfine SM, Borer JS. Fibrosis, myocyte degeneration and heart failure in chronic experimental aortic regurgitation. Cardiology. 1998;90(2):101-9. 12.Goldfine SM, Pena M, Magid NM, Liu SK, Borer JS. Myocardial collagen in cardiac hypertrophy resulting from chronic aortic regurgitation. American journal of therapeutics. 1998;5(3):139-46. 13.Borer JS, Truter S, Herrold EM, Falcone DJ, Pena M, Carter JN, et al. Myocardial fibrosis in chronic aortic regurgitation: molecular and cellular responses to volume overload. Circulation. 2002;105(15):1837-42. 14.Nacif MS, Chugh AR, Lima JA, Bluemke DA. How should infarct size be measured on LGE sequences? A call for a change in the guidelines. JACC Cardiovascular imaging. 2011;4(11):1223; author reply 4.