O uso do desenho e da gravura sobre fotografia como práxis poética da memória



Documentos relacionados
Paula Almozara «Paisagem-ficção»

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - INSTITUTO DE ARTES ESCOLA DE ARTES VISUAIS DO PARQUE LAGE

REVISTA pensata V.4 N.2 OUTUBRO DE 2015

O olho que pensa, a mão que faz, o corpo que inventa

BEM-VINDO AO ESPAÇO DO PROFESSOR

Portfólio fotográfico com o tema Unicamp Caroline Maria Manabe Universidade Estadual de Campinas Instituto de Artes

Ciranda de Sons e Tons: experiências culturais na infância Gilvânia Maurício Dias de Pontes 1 UFRGS

Por uma estética das imagens digitais: um olhar sobre Parallel, videoinstalação de Harun Farocki

fotografia fotografia GLOBAL ESSENCIAL curso de fotografia sobre criação, poesia e percepção

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM POLÍTICAS PÚBLICAS, ESTRATÉGIAS E DESENVOLVIMENTO

fotografia ESSENCIAL curso de fotografia sobre criação, poesia e percepção

PLANEJAMENTO TRIMESTRAL III Trimestre / PROFESSORA: Bianca de Souza NÚCLEO 3 TURMA N3-8 OBJETIVOS 1

ARTES DA INFÂNCIA 1/5 CABEÇAS

Colégio Cenecista Dr. José Ferreira

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Relatório Perfil Curricular

Coordenadoras: Enalva de Santana Santos e Márcia Soares Ramos Alves

Metodologia e Prática de Ensino de Ciências Sociais

Fotografia no Limite da Fotografia

Passagens, móveis e projeções

GRADE CURRICULAR DO BACHARELADO INTERDISCIPLINAREM ARTES E DESIGN

Figura Nº 70. Figura Nº 71

RESUMOS SIMPLES RELATOS DE EXPERIÊNCIAS RESUMOS DE PROJETOS...456

Conteúdos Bimestrais Sugeridos para a Área Artes Visuais 6º Ano

Palavras-chave: Historiografia; Paraná; Regime de Historicidade; História Regional

CAIXAS DE MEMÓRIAS. O que guarda o Centro de Arte Moderna? Quem pensa e faz obras de arte? escultor. Sobre o que nos fala uma obra de arte?

Interdisciplinareidade: a arte rompendo fronteiras entre as áreas do conhecimento

FERNANDO PESSOA [Professor de filosofia da UFES e organizador dos Seminários Internacionais Museu Vale]

FACULDADE EÇA DE QUEIROS. Edna Cristina do Nascimento. Marineide Gonçalves. Tâmara de Oliveira PROJETO PEDAGÓGICO JANDIRA

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

RESENHA CRÍTICA A LEITURA DE IMAGENS FOTOGRÁFICAS: PRELIMINARES DA ANÁLISE DOCUMENTÁRIA DE FOTOGRAFIAS.

ACERVOS FOTOGRÁFICOS HISTÓRICOS. Organização, Pesquisa e Usos de Documentos Visuais. Aline Lopes de Lacerda alopeslacerda@gmail.

Sticker Art: Uma ferramenta de inclusão e conscientização do valor da arte

O CIBERESPAÇO NO ENSINO E GEOGRAFIA: A PROBLEMÁTICA DO USO/DESUSO DO GOOGLE EARTH EM ESCOLAS PÚBLICAS DE DIAMANTINA

Projeto de Análise de Site Educacional

Pesquisa com Professores de Escolas e com Alunos da Graduação em Matemática

CÓDIGO: APL008 Concepções e manifestações artísticas da pré-história ao início da idade moderna. (renascimento europeu).

O retrato através da História da Arte

Ampliando o olhar sobre a Arte

COLÉGIO VICENTINO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio Rua Rui Barbosa, 1324, Toledo PR Fone:

BLOG: A CONSTRUÇÃO DE UM AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM

Tocando coisas: a impressão como registro de existência, ampliada em outras experiências. Por Carolina Rochefort

SUA ESCOLA, NOSSA ESCOLA PROGRAMA SÍNTESE: NOVAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA

Prova Nacional de Concurso para o Ingresso na Carreira Docente

COM CONTA, PESO E MEDIDA!

A animação é uma maneira de se criar ilusão, dando vida a objetos inanimados. Perisic,1979

As pesquisas podem ser agrupadas de acordo com diferentes critérios e nomenclaturas. Por exemplo, elas podem ser classificadas de acordo com:

luiz braga - barco entrando na chuva, 1988.

Currículo Referência em Artes Visuais Ensino Médio

Estado da Arte: Diálogos entre a Educação Física e a Psicologia

Pedagogia. Comunicação matemática e resolução de problemas. PCNs, RCNEI e a resolução de problemas. Comunicação matemática

O olho que pensa, a mão que faz, o corpo que inventa

O que é uma instalação?

Currículo e tecnologias digitais da informação e comunicação: um diálogo necessário para a escola atual

CENTRO UNIVERSITÁRIO ESTÁCIO RADIAL DE SÃO PAULO SÍNTESE DO PROJETO PEDAGÓGICO DE CURSO 1

PROPOSTA DE ATIVIDADE

Aula 1: Demonstrações e atividades experimentais tradicionais e inovadoras

ROTAS DE APRENDIZAGEM ED. VISUAL 8.º Ano

CURSO SUPERIOR DE GRADUAÇÃO PUBLICIDADE E PROPAGANDA GRADE DETALHADA DO CURSO COM AS EMENTAS DAS DISCIPLINAS

Design de superfície e arte: processo de criação em estamparia têxtil como lugar de encontro. Miriam Levinbook

Programa Escola do Olhar. ImageMagica

Workshop - R.U.A. Realidade Urbana Aumentada: Cartografias Inventadas Ministrante: Profª. Drª. Lilian Amaral IA/UNESP

A INFLUÊNCIA DOCENTE NA (RE)CONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO DE LUGAR POR ALUNOS DE UMA ESCOLA PÚBLICA DE FEIRA DE SANTANA-BA 1

Fraturas e dissonâncias das imagens no regime estético das artes

PRÓ-MATATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

O olho que pensa, a mão que faz, o corpo que inventa

29º Seminário de Extensão Universitária da Região Sul A CIDADE E UMA UNIVERSIDADE: NARRATIVAS POSSÍVEIS

TRIANGULAÇÃO DE IMAGENS

PROCESSO SELETIVO PARA PROFESSORES SUBSTITUTOS EDITAL

A PRODUÇÃO AUTOBIOGRÁFICA EM ARTES VISUAIS: UMA REFLEXÃO SOBRE VIDA E ARTE DO AUTOR

PIBID: DESCOBRINDO METODOLOGIAS DE ENSINO E RECURSOS DIDÁTICOS QUE PODEM FACILITAR O ENSINO DA MATEMÁTICA

LURDINALVA PEDROSA MONTEIRO E DRª. KÁTIA APARECIDA DA SILVA AQUINO. Propor uma abordagem transversal para o ensino de Ciências requer um

1 Um guia para este livro

AULA COM O SOFTWARE GRAPHMATICA PARA AUXILIAR NO ENSINO E APRENDIZAGEM DOS ALUNOS

CONCEPÇÕES DE TECNOLOGIA PARA PROFESSORAS, COORDENADORAS E DIRETORAS DE CINCO ESCOLAS PÚBLICAS DE PELOTAS

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA DISCIPLINA AUDIOVISUAL DA ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO

PAINEL GURUPI COMICS ESTÓRIAS DE GURUPI

O olho que pensa, a mão que faz, o corpo que inventa

A criança e as mídias

Programa de Unidade Curricular

Gestão da Informação e do Conhecimento

CINEMATOGRAFIA JOGOS DE LUZES E SOMBRAS NA DIREÇÃO DE FOTOGRAFIA. por Bruno Polidoro

e-scrita ISSN

FOTOGRAFIA: Uma experiência entre arte e vida

OBJETIVOS: ARTES VISUAIS EDUCAÇÃO INFANTIL PRÉ II DATA: PERÍODO:

MIDIA E INCLUSÃO: RELATO DE EXPERIÊNCIAS DE UMA PESSOA COM DEFICIÊNCIA VISUAL RESUMO. Fabiana Fator Gouvêa Bonilha Rede Anhanguera de Comunicação

Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Câmpus de Bauru PLANO DE DISCIPLINA

RELATO DE EXPERIÊNCIA. Sequência Didática II Brincadeira Amarelinha

RECURSOS DA INTERNET PARA O USO PEDAGÓGICO NAS AULAS DE

O AMBIENTE MOTIVADOR E A UTILIZAÇÃO DE JOGOS COMO RECURSO PEDAGÓGICO PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA

Pesquisa em Design: Inovar, Criar e Realizar

RESENHA. Magali Aparecida Silvestre. Universidade Federal de São Paulo Campus Guarulhos

MATEMÁTICA: DESENVOLVENDO ATIVIDADES ENIGMÁTICAS COM MATEMÁGICA E LÓGICA PARA OS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Análise e Desenvolvimento de Sistemas ADS Programação Orientada a Obejeto POO 3º Semestre AULA 03 - INTRODUÇÃO À PROGRAMAÇÃO ORIENTADA A OBJETO (POO)

Prof. Marcelo Henrique dos Santos

TEXTURAS E SENSAÇÕES COM PINTURAS DE AMILCAR DE CASTRO: REFLEXÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DO PIBID DE PEDAGOGIA EDUCAÇÃO INFANTIL.

Programa de Pós Graduação em Educação da FCT/UNESP, Presidente Prudente, SP.

EXERCÍCIOS E EXPERIMENTAÇÕES: ABORDAGENS DO ENSINO DE ARTE EM

(30h/a 02 créditos) Dissertação III (90h/a 06 Leituras preparatórias para a

UMA EXPERIÊNCIA EM ALFABETIZAÇÃO POR MEIO DO PIBID

Transcrição:

O uso do desenho e da gravura sobre fotografia como práxis poética da memória Vinicius Borges FIGUEIREDO; José César Teatini CLÍMACO Programa de pós-graduação em Arte e Cultura Visual FAV/UFG viniciusfigueiredo.arte@gmail.com Palavras chave: gravura, memória, fotografia. Introdução Ao final de minha graduação, em 2008, realizei uma pesquisa em poéticas visuais para o trabalho de conclusão de curso, na qual explorei algumas questões práticas e teóricas da fotografia e da memória. Realizei um ensaio fotográfico com meus avós e selecionei algumas destas imagens, as quais foram manipuladas digitalmente com o uso do programa Adobe Photo Shop CS3. Alguns fragmentos do corpo foram, ora ressaltados, ora totalmente apagados. O objetivo foi associar os recortes feitos por esse ensaio visual à própria memória. A memória organiza as lembranças que retém e deixa espaços vazios as lacunas do esquecimento. Ao pensar em um diálogo entre os fragmentos presentes na memória e os segmentos vazios desta, optei pela serigrafia, em preto e branco, como técnica de impressão. Algumas imagens que não foram utilizadas no trabalho anteriormente mencionado formam agora um conjunto de imagens que são à base das inquietações motivadoras deste projeto, que está sendo constituído pela fusão de três meios de representação: a fotografia, o desenho e a gravura. A fotografia naturalmente possui um coeficiente de presença e de ausência. Intensificando essa característica da fotografia, utilizo o desenho como fio condutor a uma nova imagem. Existe a intenção de conjugar duas matrizes diferentes: uma que se controla parcialmente o resultado final da fotografia e outra na qual não se sabe ao certo o que surgirá caso da matriz de gravura.

Serigrafia, sem título, 2010. Dentro da experiência prática, o gesto de imprimir possibilitou uma associação mais direta entre a linguagem da gravura e a memória. O ato de gravar é um trabalho quase artesanal, no qual não se sabe ao certo o que a imagem irá revelar; é uma dialética entre velar e revelar. Na gravura a poética nasce ou é intensificada pela prática. Algumas técnicas, incorporadas à fotografia, tentam driblar seu traço de real, que é tão defendido em sua natureza histórica; mesmo nos idos do final do século dezenove, quando os pictorialistas entravam em contraposição sobre o estatuto da fotografia enquanto obra de arte, rebuscando-a aos moldes da pintura clássica em busca de uma legitimidade artística. Segundo Philippe Dubois (1990), em O ato fotográfico, a fotografia pertenceria a ordem do índice, uma operação fisicoquímica que surgiria a partir de um referente real que seria transposto para sua natureza bidimensional. Mesmo não comportando este espaço real, a foto traria em si um traço de realidade. Com a fotografia digital e os mais variados softwares de manipulação, estes questionamentos apenas se expandiram. A discussão que ocorre na contemporaneidade não se encerra na fotografia tradicional nem aos meios técnicos que a ela se aderem e sim no trânsito, no ir e vir do olhar do

objeto fotografado, sem abolir sua natureza indicial, que é inerente a toda fotografia, mas expandindo e pluralizando os fios que tecem suas relações. Intervenção sobre fotografia 2010 Pensando a imagem como processo de subjetivação inacabado, proponho a interferência do desenho e da gravura nos espaços apropriados da fotografia. A intenção para esse este projeto é de usar como suporte algumas imagens cruas de meus avós e outras já desconstruídas digitalmente e pelo processo de impressão. Neste enfoque, o olhar sobre o suporte não busca a ressignificação de uma memória familiar, mas de um processo investigativo que possibilite estabelecer outras relações entre a prática de imprimir e a memória. Materiais e métodos:

O seguinte projeto trata da investigação de técnicas, materiais na produção de poéticas visuais, além de problematizar os conceitos que podem surgir dessa prática, como no caso da memória e da lembrança. Trata- se de uma pesquisa poética com a intenção de produzir imagens com uso da gravura em técnica tradicional, associada a técnicas mistas de intervenção sobre fotografia. Além de fazer uso de técnicas tradicionais de gravura, a pesquisa propõe a experimentação de outros suportes e materiais para impressão, tais como o uso do escâner no lugar da prensa de gravura, da pintura e desenho sobre as fotografias, abrindo possibilidades de uma reflexão sobre os métodos de produção de imagens nas poéticas visuais contemporâneas. Resultados e Discussão: O projeto proposto é teórico e prático a revisão de literatura está sendo realizada em sincronia com prática de ateliê. Segundo REY (1996, p.82), a pesquisa em arte é a metodologia de análise recomendada para o campo das Poéticas Visuais e delimita o campo do artista pesquisador, que orienta sua pesquisa a partir do processo de instauração de seu trabalho plástico, assim como a partir das questões teóricas e poéticas, suscitadas pela sua prática. Portanto, o uso dessa metodologia possibilita ao artista olhar a obra por dentro e por fora do ato criador, o que traz uma reflexão sobre a linha poética que se tem como intenção e a poética que nasce do gesto inesperado. Com o respaldo teórico é possível abordar questionamentos pertinentes ao universo da gravura, tais como o uso de suportes alternativos e a cópia única, buscando refletir sobre questões como a metalinguagem enquanto descaracterização do processo de gravura ao ponto de não haver distinção entre pintura gravura e outras técnicas. Segundo Rezende, não é mais a obra de arte em si, mas as possibilidades que ela abre no processo criativo e interativo; a obra passa a ser um processo inacabado, completado posteriormente pelo receptor, e este projeto pretende investigar afirmações como esta, tanto em termos teóricos quanto práticos.

Considerações finais: O presente projeto encontra-se em desenvolvimento, sua investigação se concentra na produção de ateliê, que envolve pesquisas de impressão, suportes que melhor problematizam a memória, a interferência sobre a fotografia e os processos contemporâneos de impressão em gravura. Além do uso do suporte tradicional do papel, utilizo a fotografia, lonas, tecidos e técnicas mistas de gravura. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. DERDYK, Edith. Linha do horizonte: por uma poética do ato criador. São Paulo: Escuta, 2001. DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 1998. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas, SP: Editora Papirus, 2001. ENTLER, Ronaldo. Entre a memória e o esquecimento: o realismo da obra de Sophie Calle. Studium, v.22. Unicamp: Laboratório de Media e Tecnologias de Comunicação IA; Campinas, 2005. KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro (org). Imagem e memória: ensaios em antropologia visual. Rio de Janeiro: Garamond, 2001. RESENDE, Ricardo. Os Desdobramentos da Gravura Contemporânea. In: Gravura Brasileira. São Paulo: Cosac & Naify/ Itaú Cultural, 2000. REY, Sandra. Da prática à teoria: três instâncias metodológicas sobre a pesquisa em artes visuais. Porto Arte, Porto Alegre: Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais-UFRGS, n.13, v.7, 1996.