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Transcrição:

Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XXIII, nº 91, pág. 33-40, Jul.-Set., 2011 Artigo de Revisão Características Radiológicas da Patologia Ginecológica na Mulher com Dor Pélvica Aguda Radiologic features of Gynecologic Pathology in Women with Acute Pelvic Pain Marisa Duarte, Hermínia Henriques, Teresa Margarida Cunha Serviço de Radiologia do Hospital Pulido Valente CHLN Director: Dr. João Castaño Serviço de Radiologia, Instituto Português de Lisboa Oncologia Francisco Gentil Director: Dr. Rui Costa Resumo A dor pélvica aguda na mulher é uma causa frequente de admissão na urgência hospitalar. Os exames radiológicos permitem diagnosticar as patologias ginecológicas agudas, as quais são caracterizadas por dor súbita nos quadrantes abdominais inferiores, febre, meno ou metrorragias, hemorragia intra-peritoneal ou sintomas de choque. A ecografia é a primeira técnica radiológica na avaliação da dor pélvica aguda na mulher, embora por vezes não seja conclusiva. A TC e a RM são efectuadas se a ecografia for equívoca, se a alteração se extender para além do campo de visão observável pela sonda transvaginal ou se for necessária uma melhor caraterização da doença. A RM é complementar à ecografia nos casos em que o contraste iodado e a radiação não são desejáveis. São várias as alterações ginecológicas que causam dor pélvica aguda, incluindo alterações do útero, ovário, endometriose, doença inflamatória pélvica, alterações relacionadas com a gravidez e complicações pós-parto ou pós-operatórias. Um diagnóstico rápido e preciso é essencial para o tratamento adequado das alterações pélvicas agudas. É importante diferenciar as doenças que requerem uma abordagem cirúrgica ou intervencional imediata, de condições que podem ser tratadas de forma conservadora. Palavras-chave Dor Pélvica Aguda; Patologia Ginecológica Aguda; Doenças Uterinas; Doenças do Ovário; Endometriose; Doença Inflamatória Pélvica; Gravidez; Complicações Pós-Parto; Complicações Pós-Operatórias. Abstract Acute pelvic pain in women is a frequent cause of emergency hospital admission. Imaging techniques have enabled diagnosis of acute gynecologic conditions, which are characterized by sudden onset of lower abdominal pain, fever, genital bleeding, intraperitoneal bleeding or symptoms of shock. US is the first imaging tool in the assessment of acute pelvic pain in female patient, however usually is not conclusive. TC and MR are performed if US findings are equivocal, if the abnormality extends beyond the field of view achievable with the transvaginal probe or if further characterization of pelvic disease is required. MR is also a complement to US when iodinated contrast media or radiation is not desirable. Many gynecologic conditions cause acute pelvic pain, including uterine disorders, ovarian disorders, endometriosis, pelvic inflammatory disease, pregnancy related conditions, postoperative or postpartum complications. Rapid and accurate diagnosis is essential for the appropriate management of acute pelvic conditions. It is important to differentiate diseases that require an immediate surgical or interventional approach, from conditions that can be treated with conservative therapy. Key-words Acute Pelvic Pain; Acute Gynecologic Conditions; Uterine Disorders; Ovarian Disorders; Endometriosis; Pelvic Inflammatory Disease; Pregnancy; Postoperative Complications; Postpartum Complications. Recebido a 27/04/2010 Aceite a 11/10/2010 ARP 33

Dor pélvica aguda As técnicas radiológicas permitiram o diagnóstico das patologias ginecológicas agudas, as quais são caracterizadas por dor súbita nos quadrantes abdominais inferiores, febre, meno ou metrorragia, hemorragia intraperitoneal e sintomas de choque [1]. A ecografia é a primeira técnica radiológica a utilizar. Deve-se recorrer à TC quando as alterações detectadas na ecografia não são esclarecedoras, quando a lesão se estende para além do campo de visão da sonda transvaginal ou quando é necessária uma melhor caracterização da doença [2]. A RM é importante sempre que as alterações da ecografia são equívocas, nos casos em que o contraste iodado e a radiação estão contraindicados, nas grávidas e na população pediátrica [3]. Patologia uterina Degenerescência de leiomiomas Quando há compromisso vascular de leiomiomas pode ocorrer degenerescência. O compromisso vascular surge por torsão de um leiomioma subseroso pediculado (Fig. 1) ou por enfarte, quando o aumento dimensional dos leiomiomas é superior ao aumento da sua vascularização como na gravidez, nos traumatismos ou insuficiência vascular à periferia do leiomioma na menopausa [4]. A degenerescência também ocorre quando a contração do miométrio induz o prolapso de leiomiomas submucosos pediculados (Fig. 2), originando cólicas e hemorragia vaginal severa. Pode cursar com dor localizada, febre e leucocitose (5). Os tipos de degenerescência são: hialina em 60%, mixóide, quística em 4% ou hemorrágica [4]. A ecografia revela um tumor uterino heterogéneo, bem definido, anecóide ou hipoecóide com áreas quísticas quando a degenerescência é hemorrágica ou quística. É relativamente avascular no eco-doppler comparativamente com o miométrio [4]. Quando existem calcificações apresenta ecos com sombra acústica. A TC não é útil, mas pode apresentar alguns achados como útero grande, lobulado ou com calcificações. Os Fig. 1 - Enfarte e necrose por torsão de leiomioma subseroso fúndico. O pedículo do leiomioma encontra-se assinalado com uma seta. leiomiomas com degenerescência hialina podem apresentar aparência quística com áreas hipoatenuantes e redução da captação de contraste [2]. Na RM as alterações variam consoante o tipo de degenerescência [5]. A degenerescência hialina apresenta hipossinal em e realce de contraste, na mixóide hipersinal em, sem realce de contraste, na quística hipossinal em T1, hipersinal em sem realce de contraste nas áreas quísticas e na degenerescência hemorrágica hipersinal em T1 (Fig. 3). Se existirem calcificações observamos vazio de sinal. Patologia do ovário Torsão do ovário A torsão do ovário é mais frequente nas primeiras três décadas de vida [3]. Pode causar enfarte hemorrágico da trompa e do ovário. A torsão da trompa de falópio origina compromisso vascular, e se este for prolongado pode causar enfarte hemorrágico irreversível da trompa e do ovário, pelo que o diagnóstico atempado é crítico para a preservação do ovário [3]. Nos casos de torsão completa é necessária cirurgia imediata [1]. Fig. 2 - RM e secção sagital da peça operatória de histerectomia. Prolapso de leiomioma submucoso em doente de 48 anos. 34 ARP

T1 com saturação de gordura Fig. 3 - RM - leiomioma com degenerescência hemorrágica em mulher de 44 anos. O sintoma é o aparecimento de dor gradual ou aguda. A ecografia é a modalidade radiológica de escolha, verificando-se aumento dimensional do ovário, com estructuras quísticas subcapsulares e estroma ecogénico espessado por edema. Localiza-se em topografia superior ao fundo uterino, na linha média e por eco-doppler podemos observar ausência de vascularização e torsão do pedículo vascular (sinal whirlpool ). Mas um ovário em torsão pode demonstrar fluxo no eco-doppler devido à vascularização secundária através dos vasos sanguíneos das artérias uterinas [3]. A torsão do ovário nas crianças pode ocorrer na ausência de patologia associada, sendo atribuída à excessiva mobilidade dos anexos. Nos adultos geralmente observamos a coexistência de um quisto ou tumor [2]. A neoplasia benigna mais comum associada a torsão é o teratoma quístico maduro [3]. A eficácia da ecografia está limitada nas doentes obesas ou quando os ovários não estão visíveis devido à interposição de outras estruturas [3]. A TC é importante na pesquiza de diagnósticos alternativos, particularmente quando a torsão é subaguda ou intermitente. Nos casos de torsão, a TC demonstra aumento dimensional do ovário, espessamento da parede, ausência de realce de contraste (Fig. 4), torsão do pedículo ou vasos convergentes engurgitados à volta do tumor congestionado, espessamento da trompa com um diâmetro superior a 10mm, tumor sólido tubular, desvio do útero para o lado da torsão, obliteração dos planos de gordura, líquido peritoneal livre ou hemoperitoneu. A administração de contraste iodado pode revelar a presença de vasos sanguíneos à volta do tumor por congestão [2]. As alterações na RM são aumento dimensional do ovário, ausência de realce de contraste do componente sólido, tumor quístico do ovário com parede espessa lisa, a b Fig. 4 - TC com contraste, a) tumor de parede espessada com bolhas de ar (seta) e líquido na fosseta ovárica, b) protrusão serpentinosa à periferia do ovário em torsão sem realce de contraste. Metástase gástrica no ovário esquerdo. espessamento da trompa de falópio em torsão, desvio do útero para o lado da torsão (Fig. 5), ascite ou hemoperitoneu. Geralmente associado a quisto benigno do ovário ou a neoplasia benigna. A necrose hemorrágica pode ser avaliada nas sequências T1 com supressão de gordura sem e com contraste. O hipersinal em T1 sugere hemorragia ou congestão vascular [1]. Na presença de hematossalpinge observamos a trompa preenchida com líquido, com hipersinal nas sequências T1, T1 com supressão de gordura e em. As caraterísticas mais comuns de torsão anexial na TC e RM são espessamento da trompa de falópio, ascite e desvio do útero para o lado da torsão. As menos frequentes são hemorragia na trompa espessada, no tumor anexial e hemoperitoneu [1]. Fig. 5 - Torsão do ovário direito em doente de 37 anos com dor pélvica e febre. Tumor de parede espessa com bolhas de ar (seta), sem captação de contraste, desvio do útero para o lado da torsão do ovário, densificação da gordura adjacente e líquido livre. Edema maciço do ovário O edema maciço do ovário corresponde ao aumento do ovário devido a edema do estroma causado por torsão parcial ou intermitente do ovário, com obstrucção da drenagem venosa, mas sem enfarte ou necrose, mantendo a sua viabilidade (Figs. 6 e 7). ARP 35

a b Fig. 6 - a) Na ecografia mimetiza um tumor sólido no ovário esquerdo, com multiplos folículos à periféria. b) Aspecto macroscópico de duas secções da peça de ressecção em cunha do ovário. Fig. 8 - a aparência ecográfica depende da fase de evolução do coágulo com o tempo, o mais típico são ecos reticulares ou um coágulo sólido intraquístico. Fig. 7 - RM: edema maciço do ovário bilateral, múltiplos folículos com distribuição periféirca, em doente de 38 anos (cortesia de Dra. C. Bahia). T1 com supressão de gordura e gadolíneo Rotura de quisto / quisto folicular Os quistos funcionais do ovário podem devenvolver hemorragia interna ou rotura para o espaço intraperitoneal. Os quistos funcionais do ovário resultam da involução dos folículos ao longo do ciclo menstrual ou da excessiva estimulação hormonal dos folículos que impede a regressão folicular. Quando associados a hemorragia aguda podem condicionar dor pélvica unilateral [6]. Quisto do corpo lúteo Surgem por involução do corpo lúteo e podem devenvolver hemorragia (Figs. 8, 9 e 10). Neoplasias do ovário As neoplasias do ovário tem em 85% origem epitelial e em 15% derivam de células germinativas ou do estroma. Na maioria dos casos são esporádicas e só em 10% se devem a síndromes hereditários. São tumores anexiais complexos com áreas quísticas, uni ou bilateral, com septações e projecções papilares ou tumores sólidos com graus variáveis de necrose. Podem apresentar ascite e carcinomatose peritoneal [4]. Na ecografia os componentes quísticos são anecóides ou contêm alguns ecos em suspensão, têm septos espessos, nodularidade mural ou projecções papilares (Fig. 11). No eco-doppler os componentes sólidos podem apresentar vascularização. A TC permite demonstrar a captação de contraste nos nódulos murais, detectar implantes peritoneais (Fig. 12) e metástases à distância. Por RM observamos sinal baixo a intermédio em T1 com áreas hiperintensas devido a gordura ou hemorragia. Em os tumores quísticos tem hipersinal e sinal intermédio nos nódulos murais. A administração de gadolíneo facilita a detecção das projecções papilares, de necrose e dos implantes peritoneais (Fig. 13). 36 ARP Fig. 9 - Quisto hemorrágico do corpo amarelo do ovário esquerdo que resolveu no controlo ecográfico, numa jovem de 27 anos. T1 T1 com supressão de gordura e gadolíneo Fig. 10 - Quisto hemorrágico do corpo amarelo em jovem de 15 anos. O quisto do ovário direito tem sinal intermédio a alto em T1 e hipersinal em. Endometriose A endometriose é definida pela presença de glândulas de endométrio e estroma fora do útero [7]. É uma doença comum nas mulheres em idade reprodutora. A

Fig. 14 - Rotura de endometrioma do ovário, com distorsão da forma. A porção mais fina e irregular da parede é o local de rotura (seta). Presença de hemoperitoneu (cortesia do Dr. L. Gargaté). Fig. 11 - Mulher com dor pélvica tipo cólica devido a tumor germinativo indiferenciado associado a teratoma maduro. Fig. 12 - mulher de 39 anos com disseminação peritoneal de tumor bilateral do ovário que se dirige à urgência por dor pélvica (cortesia Dr. L. Gargaté). Fig. 15 - Rotura de endometrioma do ovário. Tumor anexial direito com componentes hiperatenuantes - 45 100 UH (seta) com nível líquido-líquido por hemoperitoneu (cortesia Dr. L. Gargaté). T1 T1 com supressão de gordura e gadolíneo Fig. 13 - Tumor germinativo indiferenciado associado a teratoma maduro. O nódulo sólido parietal capta contraste. A gordura com hipersinal na sequência ponderada em T1 baixa o sinal com a sequência de supressão de gordura. endometriose pélvica está localizada em 80% dos casos no ovário, originando endometriomas. Algumas mulheres são assintomáticas, outras têm dor, tumores anexiais e infertilidade, embora os sintomas não tenham correlação directa com a actividade da doença. Os ovários são o local mais afectado, mas a endometriose também pode envolver o tubo digestivo, o aparelho urinário, o tórax e os tecidos moles. As alterações ecográficas são variáveis. A ecografia é maioritariamente utilizada na avaliação dos endometriomas ou quistos de chocolate, os quais são tumores quísticos do ovário, hipoecóides, uni ou multiloculados, homogéneos, com ecos internos difusos, focos ecogénicos na parede e que podem ter septações, parede espessada ou nodularidade mural (Fig.14). A TC não tem papel na avaliação, uma vez que as alterações não são específicas. Os endometriomas apresentam-se como um tumor anexial complexo hiperatenuante (Fig. 15). A TC com contraste pode delinear a parede do quisto, e nas aquisições tardias pode demonstrar o local de extravazamento de sangue na pélvis. A RM é mais específica, aumentando a acuidade diagnóstica. O endometrioma apresenta-se como um tumor anexial hiperintenso em T1, em T1 com supressão de gordura e em, quando a hemorragia é recente desencadeando sintomatologia dolorosa aguda (Fig. 16). São hipovasculares em T1 após gadolínio. Uma característica importante é que os endometriomas demonstram shading, isto é, perda de sinal em, reflectindo a natureza crónica dos endometriomas, permitindo diferenciá-los de outras lesões que contêm sangue [7]. A supressão de gordura acentua as diferenças de sinal, aumentando a sensibilidade da RM na detecção de pequenas lesões e aumentando a especificidade uma vez que exclui do diagnóstico diferencial as lesões que contêm gordura, tal como os teratomas maduros. Os endometriomas tem hipersinal homogéneo em T1, igual ou superior à gordura. Doença inflamatória pélvica A doença inflamatória pélvica refere-se à infecção e inflamação do aparelho genital feminino, incluindo o endométrio, trompas de falópio e ovários. A infecção ascende apartir da vagina ou do colo do útero, em doentes sexualmente activas. Apresentam febre, dor abdominal ou pélvica, corrimento vaginal, hemorragia, dispareunia, disúria e náuseas. Na ecografia para além de líquido livre pélvico podemos observar a trompa de falópio tortuosa e dilatada, preenchida com líquido e ovários com aumento de ARP 37

T1 Fig. 16 - Na RM a lesão apresenta hipersinal em T1 e hipossinal em traduzindo um endometrioma com hemorragia recente. Fig. 18 - Líquido no fundo de saco de Douglas, estrutura serpinginosa hipoatenuante anexial esquerda, com parede e septos espessos. Presença de DIU na cavidade endometrial. T1 com supressão de gordura dimensões. Pode progredir para abcesso da trompa e do ovário, como tumor anexial mal definido, contendo líquido (Fig. 17). A TC avalia a extensão da doença e as suas complicações. Podemos observar acumulação de líquido na cavidade endometrial, nas trompas de falópio e na pélvis, má definição dos planos e fáscias do pavimento pélvico, espessamento dos ligamentos útero-sagrados, aumento das dimensões dos ovários com captação anormal de contraste (ooforite) ou trompas de falópio dilatadas, com parede espessa e captação de contraste (salpingite) (Fig. 18) e líquido livre na cavidade endometrial, nas trompas de falópio e na pélvis. À medida que a doença progride o líquido pode tornar-se complexo e as alterações inflamatórias podem progredir para abcesso. É comum existir inflamação reactiva das estruturas adjacentes, como oclusão ou ileus intestinal, hidroureter ou hidronefrose, inflamação do quadrante abdominal superior direito (síndrome Fitz-Hugh-Curtis) ou peritonite. É necessário saber reconhecer estas alterações porque é importante um diagnóstico atempado e tratamento rápido da doença e suas complicações [8]. Quando progride para abcesso pélvico pode apresentar parede espessa, colecção complexa com septos internos e nível líquido ou gás (Fig. 19). As alterações major na RM são trompa tortuosa, com lúmen distendido por líquido, com hipossinal em T1 e hipersinal em (hidrossalpinge) [9], trompa preenchida com líquido Fig. 17 - Mulher de 50 anos com DIU - tumor anexial complexo à direita. Fig. 19 - Abcesso tubo-ovárico esquerdo: tumor mal definido, com áreas quísticas, comprimindo o útero para a direita. e paredes espessas (piossalpinge) (Fig. 20) e abcesso tuboovárico correspondendo a tumor anexial mal definido com parede espessa, irregular, contendo líquido, com hipossinal em T1 e hipersinal em, com realce de contraste na parede espessa. Em com saturação de gordura os paramétrios apresentam hipersinal devido a edema. As alterações minor são ovários semelhantes a ovários poliquísticos com líquido livre na pélvis (Fig. 21). Condições relacionadas com a gravidez Gravidez ectópica A gravidez ectópica geralmente manifesta-se por dor nos quadrantes abdominais inferiores e hemoperitoneu, tumor anexial e em caso de rotura sintomas de choque, 5 a 6 semanas após a última menstruação. Verifica-se aumento sérico do valor da HCG (gonadotrofina coriónica humana) e hematoma anexial em 95% dos casos na trompa de falópio [1]. Outros locais possíveis são o ovário, o colo do útero e a cavidade peritoneal. 38 ARP

T1 Fig. 20 - Salpingite esquerda. Dilatação da trompa esquerda com parede espessa associada a líquido pélvico e inflamação dos paramétrios. T1 com supressão de gordura e gadolíneo Fig. 22 - Gravidez ectópica e hemoperitoneu (cortesia da Dra. M. Souto). T1 T1 Fig. 21 - Abcesso tubo-ovárico à direita e salpingite à esquerda. Fig. 23 - hematossalpinge em doente com gravidez ectópica, hematoma na trompa com intensidade de sinal intermédio e hipersinal em anel em T1 e hipersinal heterogéneo em. T1 com supressão de gordura e gadolíneo Na ecografia transvaginal observa-se um tumor ecogénico amorfo, adjacente ao ovário com uma placa embrionária, sem evidência de gravidez intrauterina e líquido não puro (Fig. 22). A TC demonstra líquido livre na pélvis, com densidade hemática e tumor anexial heterogéneo independente do ovário. As alterações na RM incluiem hematossalpinge e hemoperitoneu, com sinal hiperintenso em T1 com supressão de gordura, e tumor anexial heterogéneo independente do ovário, composto por hematoma e saco gestational, com intensidade de sinal misto em T1 com saturação de gordura e também em (Fig. 23) [1]. Aborto Corresponde a tecido embrionário ou fetal num saco gestational, sem actividade cardíaca (Fig 24). Retenção dos produtos de concepção A retenção de produtos de concepção refere-se à presença de tumor polipóide intra-uterino, formado por retenção de fragmentos de tecido placentário ligado à parede uterina, após aborto ou gravidez de termo [1]. Apresentam meno ou metrorragias, persistência do aumento de dimensões do útero, dor, febre e valores continuamente elevados da -HCG. Na ecografia verifica-se material ecogénico heterogéneo na cavidade endometrial, com localização excêntrica, Fig. 24 - gravidez intrauterina. Saco gestational de 10 semanas com um feto 9.1 semanas, sem fluxo sanguíneo ou movimentos cardíacos detectáveis. interface irregular entre o endométrio e o miométrio (Fig. 25), aumento do fluxo sanguíneo na área dos tecidos retidos e por vezes tumor calcificado. A TC apresenta tumor endometrial e má definição do miométrio. Em RM o tumor polipóide na cavidade uterina é hiperintenso em, com realce de contraste e obliteração da zona juncional. O risco de hemorragia grave depende da profundidade de invasão do miométrio e da vascularização do tumor [1]. Conclusões É importante que os radiologistas estejam familiarizados com as características clínicas e radiológicas das causas subjacentes a dor pélvica aguda para poderem diagnosticar com precisão, indicar o tratamento apropriado e eliminar a necessidade de prosseguir a investigação diagnóstica. ARP 39

Fig. 25 - retenção de produtos de concepção após aborto. Referências 1. Dohke, M.; Watanabe,Y. - Comprehensive MR Imaging of Acute Gynecologic Diseases. RadioGraphics, 2000, 20:1551 1566. 2. Bennett, G.; Slywotzky, C. - Gynecologic Causes of Acute Pelvic Pain: Spectrum of CT Findings. RadioGraphics, 2002, 22:785 80. 3. Singh, A.; Danrad, R. - MR Imaging of the Acute Abdomen and Pelvis: Acute Appendicitis and Beyond. RadioGraphics, 2007, 27:1419 1431. 4. Hricak, H.; Akin, O. - Diagnostic Imaging Gynecology, Amirsys Publishing, 2006. 5. Murase, E.; Siegelman, E. - Uterine leiomyomas: histopathologic features, MR imaging findings, differential diagnosis and treatment. Radiographics, 1999, 19:1179-1197. 6. Fried, A.; Kenney, C. - Benign Pelvic Masses: Sonographic Spectrum. Radiographics, 1996, 6:321-334. 7. Woodward, P.; Sohaey, R. - Endometriosis: Radiologic-Pathologic Correlation. RadioGraphics, 2001, 21:193 216. 8. Sam, J. W.; Jacobs, F. E. - Spectrum of CT findings in acute pyogenic pelvic inflammatory disease, Radiographics, 2002, 22:1327 1334. 9. Tukeva, T.; Aronen, H. - MR Imaging in Pelvic Inflammatory Disease: Comparison with Laparoscopy and US. Radiology, 1999, 210:209 216. Correspondência Marisa Duarte Serviço de Radiologia do Hospital Pulido Valente CHLN Alameda das Linhas de Torres 117 1769-001Lumiar marisadmail@gmail.com 40 ARP