Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XVIII, nº 69, pág. 119-123, Jan.-Mar., 2006 RM na Caracterização dos Leiomiomas Uterinos Teresa Margarida Cunha Serviço de Imagiologia, IPOFG, Lisboa O Leiomioma não é somente o tumor mais frequente do útero, mas é também um dos tumores mais frequentes do sexo feminino, estimando-se a sua ocorrência entre 20 a 40% das mulheres com mais de 30 anos de idade. É constituído por músculo liso com quantidades variáveis de tecido conjuntivo fibroso sendo estrogénio-dependente o que conduz à sua regressão com o início da menopausa. Os leiomiomas podem ser únicos ou múltiplos, e em mais de 90% dos casos localizam-se no corpo uterino. Cerca de 8% ocorrem no colo (Fig. 1) e um pequeno número é encontrado no ligamento largo. Os diversos tipos de leiomiomas uterinos enumerados na classificação da Sociedade Internacional de Patologistas Ginecológicos são o leiomioma celular, o epitelióide, o bizarro e o lipoleiomioma. Um tipo específico de leiomioma celular que pode causar dificuldades diagnósticas é o leiomioma celular hemorrágico, também conhecido como leiomioma apoplético, que ocorre quase exclusivamente em mulheres novas medicadas com contraceptivos orais ou que estão grávidas. O lipoleiomioma é raro e ocorre quase que exclusivamente em mulheres pós menopausa (Fig. 2). Por esta razão, foi sugerido por alguns autores que este tumor representa um fenómeno degenerativo num leiomioma pré existente. O leiomioma pode ser submucoso (5%), intramural, subseroso (Fig. 3), ou pediculado. A sintomatologia depende do tamanho tumoral e da localização. O leiomioma submucoso projecta-se na cavidade uterina e são geralmente os mais sintomáticos, habitualmente manifestando-se por menorragias com anemia e/ou dismenorreia secundária. Também podem diminuir a fertilidade por compromisso da permeabilidade do lúmen da trompa de Falópio ou por distorção da cavidade endometrial que conduz ao aborto espontâneo. Os leiomiomas intramurais são muitas vezes clinicamente assintomáticos e são descobertos acidentalmente durante um exame pélvico ou num estudo ecográfico. O leiomioma subseroso pode atingir um tamanho enorme e manifestarse como um tumor pélvico, muitas vezes clinicamente e na ecografia indistinguível de uma lesão anexial. Um leiomioma pediculado ligado ao útero por um pedículo fino pode sofrer torção e ser a etiologia de dor pélvica aguda. Os quatro principais sintomas dos leiomiomas que são indicação apropriada para intervenção são o Fig. 1 Leiomioma subseroso posterior do colo (seta) numa mulher de 58 anos. Imagens ponderadas em T2: (A) corte axial e (B) corte sagital. ARP 119
Fig. 2 Lipoleiomioma intramural numa mulher de 63 anos. Imagens ponderadas em T1 axial (A) e T1 axial com supressão de gordura e após administração endovenosa de gadolíneo (B). O tumor demonstra hipersinal em T1 (A) e diminui o sinal com a saturação da gordura (B). sangramento, a pressão nos órgãos adjacentes, a dor e a infertilidade. O tratamento dos leiomiomas depende do seu tamanho, localização e preferência da doente. Nas mulheres que desejam preservação uterina, pequenos leiomiomas submucosos podem ser removidos por histeroscopia. Leiomiomas intramurais ou subserosos podem ser retirados por miomectomia (miomectomia abdominal e miomectomia laparoscópica), e coagulação do mioma por laparoscopia, particularmente naquelas mulheres que desejam a preservação do útero ou engravidar. O tratamento com os análogos da hormona libertadora da gonadotrofina (GnRH) induzindo um estado hipoestrogénico e conduzindo à atrofia dos leiomiomas celulares, é outra opção quando a preservação uterina é preferida. Também a embolização das artérias uterinas é um novo método promissor no tratamento de fibróides sintomáticos [1]. Se a preservação do útero não for requisitada a histerectomia é o tratamento de escolha. No diagnóstico diferencial a adenomiose é a entidade mais importante a identificar. Caracterizada pela presença de glândulas endometriais e estroma ectópicos no miométrio, a pelo menos 2.5mm de distância da camada basalis endometrial, está associada com hipertrofia reactiva do músculo liso miometrial envolvente. Duas formas de adenomiose são conhecidas: a difusa e um tipo focal, também conhecido como adenomioma. Tipicamente, a adenomiose é uma doença das mulheres na sua quinta década, mais comum em mulheres multíparas pré menopáusicas e foi identificada em 30% das peças de histerectomia. As manifestações clínicas da adenomiose são variáveis. Mais frequentemente, as doentes apresentam-se com menorragias, dismenorreia secundária, dor pélvica perimenstrual e um útero com dimensões aumentadas, sintomas indistinguíveis do leiomioma. Contudo, o tratamento das duas condições é muito diferente. A histerectomia é o único tratamento cirúrgico para a adenomiose enquanto que quer a miomectomia ou a histerectomia podem ser realizadas para tratamento dos leiomiomas como anteriormente foi discutido. Portanto, o diagnóstico de certeza de adenomiose é essencial antes do aconselhamento da doente e do planeamento cirúrgico. Aspecto na Ressonância Magnética Fig. 3 Leiomioma subseroso da parede direita do corpo uterino. O leiomioma observa-se projectado para fora da camada serosa do útero (seta). Imagem ponderada em T2 axial mostra um útero em retroflexão e na área anexial esquerda o ovário com um folículo dominante. Na ressonância magnética (RM), o aspecto dos leiomiomas pode ser dividido em duas categorias baseado nas suas características histológicas: sem degenerescência e com degenerescência [2]. Nas imagens ponderadas em T1, os leiomiomas sem degenerescência demonstram uma intensidade de sinal semelhante ou ligeiramente inferior ao miométrio envolvente. Nas imagens ponderadas em T2 o leiomioma sem degenerescência é bem definido, encapsulado e tem um hiposinal homogéneo com excelente contraste entre o hiposinal do leiomioma e o hipersinal do miométrio ou do endométrio adjacente (Fig. 4). Áreas de hiposinal nas sequências ponderadas em T1 e em T2 podem corresponder a calcificações. Nas imagens ponderadas em 120 ARP
Fig. 4 Leiomioma intramural posterior. Imagem ponderada em T2 sagital mostra um leiomioma sem degenerescência, bem definido, encapsulado e com hiposinal homogéneo, com excelente contraste entre o hiposinal do leiomioma e o hipersinal do miométrio adjacente. T2 e em T1 após contraste endovenoso, pode ser visível um anel com hipersinal rodeando a massa, muito provavelmente resultando de edema e congestão vascular (Fig. 5). Os leiomiomas com degenerescência e os vasculares são heterogéneos, muitas vezes com hipersinal nas imagens ponderadas em T2 [2]. O tipo de degenerescência (hialina, mixóide, quística, cálcica, hemorrágica, gorda e raramente sarcomatosa) nem sempre pode ser distinguido [2], contudo a degenerescência hialina, a forma mais comum, tipicamente manifesta-se pelo aspecto em pedra de calçada nas imagens ponderadas em T2 (Fig. 6), captando contraste intensamente em T1 e a degenerescência hemorrágica (vermelha) tipicamente caracteriza-se por hipersinal nas imagens ponderadas em T1 (Fig. 7). A degenerescência mixomatosa é um subtipo de degenerescência que ocorre nos grandes leiomiomas. A degenerescência mixóide manifesta-se por um mapa geográfico com acentuado hipersinal nas imagens ponderadas em T2, não demonstrando captação de contraste endovenoso [3]. A caracterização dos subtipos de degenerescência nos leiomiomas uterinos não é muitas vezes necessária para a caracterização da lesão, contudo, o conhecimento do grau e subtipo de degenerescência pode influenciar a decisão de utilizar terapêutica médica em mulheres sintomáticas. Os tumores com degenerescência não respondem ao tratamento médico, enquanto que os leiomiomas sem degenerescência diminuem em tamanho. A degenerescência maligna dum leiomioma para leiomiossarcoma é muito rara e difícil de diagnosticar. A RM não consegue com segurança distinguir um leiomioma com degenerescência de um leiomiossarcoma [2] mas a Fig. 5 Leiomioma subseroso posterior numa mulher de 33 anos. Na imagem ponderada em T2 sagital observa-se um anel com hipersinal rodeando o tumor (seta), muito provavelmente resultando de edema e congestão vascular. evidência de uma massa grande, necrótica do útero é suspeita, particularmente se existe história clínica ou rápido crescimento. O uso de gadolíneo não melhora a caracterização dos leiomiomas uterinos [4]. Os leiomiomas sem degenerescência muitas vezes não realçam com o gadolíneo endovenoso, (contudo já foi descrita uma captação homogénea de contraste por estes tumores); os leiomiomas com degenerescência apresentam vários graus de captação de contraste endovenoso [5]. A detecção da heterogeneidade do tumor e a habilidade na diferenciação de tumor viável de necrose ou degenerescência quística (Fig. 8) é facilitada pelo uso de gadolíneo. Contudo, o gadolíneo não é útil na diferenciação entre um leiomioma e um leiomiossarcoma [4]. O aspecto na RM da adenomiose difusa é característico [6, 7]. O corpo uterino e o fundo encontram-se difusamente aumentados, e nas imagens ponderadas em T2 o hiposinal da zona juncional apresenta uma espessura aumentada (> 12 mm) e segmentarmente ou difusamente estende-se pelo miométrio [6]. Nalgumas doentes, focos de hipersinal podem ser detectados na adenomiose. Quando estes são visíveis tanto nas imagens ponderadas em T1 como em T2 pensa-se que representem áreas de hemorragia em ilhas de endométrio. Quando são apenas observados nas imagens ponderadas em T2 é aceite que representem glândulas endometriais [7]. O diagnóstico por RM de adenomiose focal é mais difícil [6] e pode existir com ou sem adenomiose difusa. Aproximadamente 25% das doentes têm simultaneamente leiomiomas, e 20% a 40% das doentes afectadas têm ARP 121
Fig. 7 Leiomioma com degenerescência hemorrágica numa mulher de 44 anos. Imagens ponderadas em T1 axial (A), TI axial com supressão de gordura (B), T2 axial (C) e T2 sagital (D). Observa-se um útero miomatoso em retroversão em que o tumor posterior revela hipersinal em T1 (A), com realce na sequência de supressão da gordura (B) e sinal heterogéneo nas imagens ponderadas em T2. Fig. 6 Volumoso leiomioma submucoso com degenerescência hialina numa mulher de 44 anos. Imagens ponderadas em T2 axial (A) e T2 sagital (B) revelam formação nodular, condicionando marcada distensão da cavidade endometrial, com áreas hipointensas e hiperintensas alternadas originando o típico aspecto em pedra de calçada que caracteriza a degenerescência hialina. também endometriose. A adenomiose focal é observada como uma massa com hiposinal, que pode ser parecida com um leiomioma. A diferenciação entre adenomiose focal e leiomioma depende da configuração (o adenomioma é muitas vezes oval enquanto que o leiomioma é habitualmente redondo) e margem da lesão (o adenomioma tem margens indistintas enquanto que o leiomioma é bem definido) [6, 8, 9]. O adenomioma pode ser distinguido pela sua continuidade com a zona juncional e localiza-se mais frequentemente na vertente posterior do corpo do útero. O uso de gadolíneo não contribui nem para a detecção nem para a caracterização da adenomiose. Fig. 8 Leiomioma intramural com degenerescência quística com 8cm em mulher de 46 anos. Imagens ponderadas em T1 axial (A), T2 sagital (B) e T1 axial com supressão de gordura após administração endovenosa de gadolíneo (C). Observamos tumor com conteúdo hipointenso em T1 e hiperintenso em T2 semelhante ao do líquido sem demonstrar captação de contraste. Peça de histerectomia onde se observa a cavitação central do leiomioma (D). A seguir à administração de gadolíneo, a área de adenomiose mostra uma captação ligeiramente homogénea ou heterogénea com focos de hiposinal dispersos na lesão [4]. Abordagem radiológica A ecografia é usada como suplemento do exame pélvico e continua a ser o primeiro método radiológico na detecção de leiomiomas. Contudo, em quase 22% dos casos, a ecografia pode falhar na detecção de leiomiomas. A ecografia pode ser incapaz de diferenciar entre a origem 122 ARP
anexial e uterina de uma massa, particularmente quando outras anomalias (como um útero retrovertido, uma duplicação uterina ou outra doença pélvica) estão presentes. Pequenas lesões (menores que 2cm) podem não ser detectadas e leiomiomas extremamente grandes podem ser impossíveis de aceder devido ao limitado campo de visão dos ultrassons. A diferenciação entra leiomioma e adenomiose por ecografia não é possível [10, 11] e nessas situações um estudo por RM está indicado [12]. Nas doentes com um útero difusamente aumentado, outros métodos de imagem como a ecografia e a TC oferecem pouca informação. A RM é considerada superior à ecografia na avaliação dos leiomiomas uterinos com uma sensibilidade descrita de 92% [11]. Tumores tão pequenos como 5mm são consistentemente detectados e a localização quer submucosa, intramural ou subserosa é demonstrada com precisão. Nas doentes com uma massa uterina que desejam preservação uterina, um estudo por RM deve ser efectuado antes da tentativa de miomectomia tendo por finalidade confirmar se a lesão representa um leiomioma ou um adenomioma [6, 7, 13], assim como tem um papel importante na determinação com precisão do tamanho, localização e número dos leiomiomas e na diferenciação de leiomioma pediculado de massa ovárica [14]. A RM permite a monitorização quantitativa da terapêutica com análogos da hormona libertadora de gonadotrofinas em doentes com leiomiomas. A mudança no tamanho de cada leiomioma, assim como do útero, pode ser acedida com a RM. A RM pode ser útil na selecção das doentes pela orientação da embolização das artérias uterinas assim como pode também ser usada na monitorização dos resultados da embolização [15]. A angio-rm tridimensional pode mostrar as artérias uterinas fornecendo um mapa vascular previamente à embolização. 8. Outwater, E. K.; Siegelman, E. S.; Deerlin, V. V. Adenomyosis: Current concepts and imaging considerations. AJR, 1998, 170:437-441. 9. Reinhold, C.; McCarthy, S.; Bret, P. M.; et al. Diffuse adenomyosis: Comparison of Endovaginal US and MR imaging with histopathologic correlation. Radiology, 1996, 199:151-158. 10. Baltarowich, O. H.; Kurtz, A. B.; Pennel, R.; et al. Pitfalls in the sonographic diagnosis of uterine fibroids. AJR, 1988, 154:725-728. 11. Weinreb, J. C.; Barckoff, N. D.; Megibow, A.; Demopoulos, R. The value of MR imaging in distinguishing leiomyomas from other solid pelvic masses when sonography is indeterminate. AJR, 1990, 154:295-299. 12. Yu, K. K.; Hricak, H. Can MRI of the pelvis be cost effective? Abdomin Imaging, 1997, 22:597-601. 13. Krinsky, G.; DeCorato, D. R.; Rofsky N. M.; et al. Rapid T2- weighted MR imaging of uterine leiomyoma and adenomyosis. Abdom Imaging, 1997, 22:531-534. 14. Woodward, P. J.; Gilfeather, M. Magnetic resonance imaging of the female pelvis. Semin US CT MRI, 1998, 19(1):90-103. 15. Katsumor, T.; Nakajima, K.; Hanada, Y. MR imaging of a uterine myoma after embolization. AJR, 1999, 172:248-249. Bibliografia 1. Souza, N. M.; Williams, A. D. Uterine arterial embolization for leiomyomas: Perfusion and volume changes at MR imaging and relation to clinical outcome. Radiology, 2002, 222:367-374. 2. Hricak, H.; Tscholakoff, D.; Heinrichs, L. R.; et al. Uterine leiomyomas: Correlation of MR, histopathologic findings, and symptoms. Radiology, 1986, 158:385-391. 3. Simões, M.; Cunha T. M. Aspectos imagiológicos da patologia benigna do miométrio. ARP, 2005, 66:25-32. 4. Hricak, H.; Finck, S.; Honda, G.; et al. MR imaging in the evaluation of benign uterine masses: Value of gadopentetate dimeglubine-enhanced T1-weighted images. AJR, 1992, 158:1043-1050. 5. Murase, E.; Siegelman, E. S.; Outwater, E. K.; et al. Uterine leiomyomas: Histopathologic features, MR imaging findings, differential diagnosis, and treatment. Radiographics, 1999, 19:1179-1197. 6. Marck, A. S.; Hricak, H.; Heinrichs, L. W.; et al. Adenomyosis and leiomyoma: Differential diagnosis with MR imaging. Radiology, 1987, 163:527-529. 7. Togashi, K.; Ozasa, H.; Konishi, I.; et al. Enlarged uterus: Differentiation between adenomyosis and leiomyoma with MR imaging. Radiology, 1989, 171:531-534. ARP 123