CELAS DE AULA O EXERCÍCIO DA PROFESSORALIDADE NOS PRESÍDIOS

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ISSN: 2237-8022 (on-line) ISSN: 2318-4469 (CD-ROM) CELAS DE AULA O EXERCÍCIO DA PROFESSORALIDADE NOS PRESÍDIOS RESUMO Alisson José Oliveira DUARTE 1 O presente trabalho propõe-se a analisar a educação escolar prescrita e instituída no contexto prisional a partir de revisão bibliográfica. Tem por objetivo, fomentar as atuais discussões acerca do tema e contribuir para a construção de um novo paradigma. Ensinar na prisão sem qualquer dúvida pode ser uma experiência transformadora. Cada vez que o professor entra em seu ambiente de trabalho ele se depara com um universo completamente diferente daquele encontrado na realidade social. No interior da cela de aula, revestida por espessas grades os professores ministram suas aulas e entram em contato com diversas realidades de vida. Com essa pesquisa, pretende-se promover uma visão panorâmica dos atuais enfrentamentos da prática docente prescrita e instituída no âmbito das prisões; a história da educação prisional no Brasil, os desafios da professoralidade, os limites e possibilidades em um cenário onde os docentes frequentemente carecem de uma formação norteadora. Busca igualmente desvelar as especificidades do mundo da prisão, da cultura do cárcere e das barreiras impostas pelo Estado no exercício da docência. Apesar dos paradoxos existentes nos espaços prisionais e da dificuldade em se vislumbrar ações educativas em seu interior, veremos que só a educação ainda tem condições de oferecer a população carcerária à possibilidade de refazer-se em um ambiente altamente repressivo. Palavras-chave: Educação Prisional. Ressocialização. Direitos Humanos. 1 Possui formação em Psicologia; atua na Penitenciária Professor Aluísio Ignácio de Oliveira (PPAIO) da cidade de Uberaba alisson-duarte@hotmail.com

26 Introdução A prática da liberdade só encontrará adequada expressão numa pedagogia em que o oprimido tenha condições de, reflexivamente, descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria destinação histórica (FIORI, p.52, 1992). Onofre (2011) enfatiza as dificuldades de desenvolver efetivamente um programa de educação em um ambiente essencialmente disciplinar, assim como ocorre nos sistemas prisionais. De acordo com ele, os valores institucionais de ressocialização, regidos por normas e regras autárquicas e centradas na aceitação da situação, acaba por promover a despersonalização e anulação dos sujeitos, descaracterizando por sua vez os objetivos da própria educação, que para o autor, deve almejar acima de tudo a formação de pessoas, a ampliação de sua leitura de mundo, o despertar da criatividade, a participação na construção do conhecimento e a superação de suas condições atuais, p.110. Nesse ponto das discussões, encontramos um imenso paradoxo, entre educação e valores institucionais; onde a educação insiste na liberdade e autonomia dos sujeitos, enquanto os valores institucionais determinam de modo totalitário a submissão. De acordo com Wernke (2010) a impressão que se tem é que o comportamento omissivo e deformador do Estado vem a calhar com sua vontade: conter os subalternos e excluídos em sua insignificância, não ensejando, tampouco, possibilitando sua reinserção social pelo exercício da razão. O próprio ambiente tende a cristalizar a atuação dos professores, que muitas vezes, despreparados ou sem uma formação complementar que os norteie em sua prática tendem a dois caminhos distintos; ou se alienam juntamente com o sistema, enrijece sua prática e se entrega ao comodismo, ou cria possibilidades de atuar de modo criativo e inovador nesse ambiente repleto de limitações políticas, administrativos e de segurança. A educação oferecida no âmbito do sistema penitenciário pode contribuir muito no processo de reinserção social dos presos. Mas, seria total negligência negar a especificidade desse público que não são alunos quaisquer de uma sala de aula; é importante lembrar que no presídio, o aluno também é detento e a sala de aula também é uma cela. A esse respeito, Serrado Junior (2008) afirma que os professores dos sistemas prisionais lidam com adultos que necessitam além de conhecimentos básicos, precisam de uma educação especial que os façam refletir e se restaurar dos estigmas da sociedade.

27 A escola nos presídios tem uma enorme responsabilidade na formação de indivíduos autônomos, na ampliação do acesso aos bens culturais em geral, no fortalecimento da autoestima desses sujeitos, assim como na consciência de seus deveres e direitos, criando oportunidades para seu reingresso na sociedade (JULIÃO, 2007, p.47) No Brasil, atualmente, o arcabouço normativo que justifica a Assistência Educacional em prisões está fundamentado na concepção da educação como direito de todos, artigo 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, (BRASIL, 1988). Se a educação é o caminho para a formação e conscientização humana e se ela é direito de todo cidadão, por que tem se investido tão pouco na formação de professores dos sistemas prisionais, que todos os dias lidam com essa demanda tão específica e diferenciada de nossa sociedade? para tanto, o professor precisa ter pleno conhecimento de algumas teorias e conceitos nas quais ele possa embasar sua prática pedagógica. Esse ponto de vista também é compartilhado por Pimenta (2006) quando afirma que: O saber docente não é formado apenas da prática, sendo nutrido também pelas histórias da educação. Dessa forma, a teoria tem importância fundamental na formação dos docentes, pois dota os sujeitos de variados pontos de vista para uma ação contextualizada, oferecendo perspectivas de análise para que os professores compreendam os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais de si próprios como profissionais (...) A teoria é importante na formação docente, uma vez que, além de seu poder formativo, dota os sujeitos de pontos de vistas variados para uma ação contextualizada. O papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais de si mesmos como profissionais, nos quais se dá sua formação docente, para neles intervir, transformando-os. (PIMENTA, 2006 p.24-26). Destaco inclusive, Wernke (2010, p. 13) quando ele afirma que perceber a teoria e prática como dois lados de um mesmo objeto é imprescindível para se compreender o processo de construção do conhecimento. Assim, a produção do conhecimento deve estar pautada no suporte teórico e na reflexão intencional do professor sobre a sua própria prática. Aspectos históricos da educação prisional no Brasil Antes de dar inícios ao tema proposto, é fundamental traçar breves considerações para se compreender minimamente o sentido da construção dos presídios no cenário mundial, para depois analisarmos a concepção de educação prisional instituída no Brasil. De acordo com Araujo e Leite (2013) o estudo da gênese das prisões remete aos primórdios da humanidade quando as penalidades corpóreas eram as medidas mais utilizadas

28 para corrigir os comportamentos transgressores. No Brasil o atual modelo penal foi estabelecido a partir da adaptação dos sistemas penitenciários vigentes nos Estados Unidos e na Europa durante o final do século VIII até o início do século XIX. Michel Foucault (1987) afirma que os suplícios corporais foram gradativamente sendo substituídos pelas condições de cerceamento de direitos, sobretudo os referentes à liberdade, o controle dos corpos e suas mentes, ou seja, passando o castigo à alma no interior das celas. O corpo encontra-se aí em posição de instrumento ou de intermediário; qualquer intervenção sobre ele pelo enclausuramento, pelo trabalho obrigatório visa privar o indivíduo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo como um direito e como um bem. Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema de coação e de privação, de obrigações e de interdições. O sofrimento físico, a dor do corpo não é mais o elemento constitutivo da pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos. Se a justiça ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos justiçáveis, tal se fará à distância, propriamente, segundo regras rígidas e visando a um objetivo bem mais 'elevado'. Por efeito dessa nova retenção, um exército inteiro de técnicos veio substituir o carrasco: os guardas, os médicos, os capelães, os psiquiatras, os psicólogos, os educadores; (FOUCAULT, 1987, p.15). Em nosso país o primeiro cárcere imperial, denominado Casa de Correção da Corte foi fundado no Rio de Janeiro, através da Carta Régia de 8 de julho de 1769. A construção foi considerada um marco histórico pelos membros da Sociedade Defensora da Liberdade e da Independência Nacional, pois para eles, esse foi um passo fundamental para tornar o novo império em um mundo civilizado. Embora o Brasil tenha recebido fortes influências europeias sobre a forma de punir, deve-se igualmente levar em conta nessa época à vigência da escravidão, que veio alterar profundamente a implantação dos métodos punitivos, ou seja, associou-se de modo indivisível o suplício, prisão e trabalho forçado até o final do século XIX (ARAUJO, 2013). Em síntese, tivemos ao logo da história uma transformação do conceito de pena, primeiro para a equação pena-castigo, depois para pena-prisão. Atualmente, um novo paradigma tem fortemente emergido, introduzindo a educação como forma de tratamento dos criminosos, pena-defesa e pena-educação (FERRI apud VASQUES, 2008). No entanto, não podemos de todo afirmar que o modelo pena-educação seja um fato recente, ele já existia nas casas de correção imperial de modo subdesenvolvido. É o que se pode encontrar nos regulamentos da Casa de Correção do Rio de Janeiro, da Casa de Correção da Capital Federal e Presídio de Fernando de Noronha que funcionaram durante o século XIX ao século XX.

29 O cargo do professor, no período imperial era executado pelo Capelão, sua função era zelar pela educação moral e religiosa dos presos. Ou seja, a concepção de educação contida nos regulamentos das Casas de Correção da Corte eram voltados para a formação da moral cristã. Por outro lado, mais tarde, no artigo 167 do antigo regulamento, é feita a menção de uma necessidade de uma educação intelectual para os condenados, onde é possível se ler: criar-se-á logo que possível em cada uma das divisões da Casa de Correção uma escola, onde se ensinará aos presos a ler e a escrever, e as quatro operações da aritmética. De acordo com Vasques (2008) havia nos regulamentos do presídio de Fernando de Noronha, exigências mais elaboradas para a formação intelectual dos apenados: (...) é inserido no interior do Presídio de Fernando de Noronha a presença da professora de primeiras letras que iria contribuir com a instrução primária das meninas do presídio. Além dos capelães, que deveriam exercer as funções religiosas, e também assumir a função de professor de primeiras letras aos meninos que habitavam a ilha-presídio (VASQUES, 2008, p.52). Com o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), foram investidos esforços no desenvolvimento da produção de energia, alimentos, indústria, educação e construção de Brasília. Nesse período registraram-se altos níveis inflacionários, no entanto trouxe avanços no setor da educação, sendo estabelecida a educação primária gratuita para todos os filhos de funcionários. No que se refere à educação prisional, foram estabelecidas as bases para uma educação integral, implementadas em alguns artigos das Normas Gerais de Regime Penitenciário do Brasil, onde também foram introduzidas as exigências de uma educação profissional (VASQUES, 2008). Durante o Regime Militar, diversas mudanças ocorreram no código de Execução Penal e penitenciário. Mas, foi em 1984, que a educação no Sistema Penitenciário tornou-se uma atividade obrigatória, prevista em lei e com vistas na possibilidade de reinserção social do sujeito privado de liberdade. Atualmente, no que diz respeito à formação profissional e educacional dos apenados, a lei de execução penal determina nos artigos 17 a 21 as seguintes diretrizes: Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa. Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico. Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição. Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados. Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos (BRASIL, 1984).

30 É interessante notar que a lei de Execução Penal vigente no Brasil, absorveu muitas das terminologias utilizadas nos antigos regulamentos das Casas de Correção Imperial, defendendo a educação como instrumento de assistência e ressocialização dos apenados. Mas se por um lado foram estabelecidas diretrizes que resalvam os diretos a educação dos presos, pouco ou quase nada foi mencionado na referida legislação a cerca de quem deverá ministrar essa educação aos alunos/detentos, ou seja, o professor. O exercício da professoralidade nos presídios Quem são os professores que atuam em presídios no Brasil? Como atuam no cárcere? Quais são suas concepções pedagógicas? Penso que tais questões sejam primordiais quando se pretende traçar novas possibilidades para os enfrentamentos cotidianos da prática pedagógica nos presídios. De acordo com Araujo (2013) grande número de professores que se encontram em atuação nos sistemas penitenciários não fizeram essa escolha. Nesse primeiro ponto já encontramos um imenso dificultador, já que escolhas não feitas, ou quase impostas, podem ser desastrosas. Qualquer profissional sente-se desmotivado quando a atuação profissional não condiz com seus valores e não lhe garanta reconhecimento de sua identidade profissional. Não basta recrutar professores, é preciso acima de qualquer coisa, traçar o perfil do docente ideal para trabalhar no sistema prisional. Seus valores devem estar de acordo com os ideais de ressocialização, precisam estar motivado para esse tipo de trabalho e acima de tudo, deve ter condições emocionais para lidar com as demandas dos alunos/detentos. Então, diante de um perfil que exige tantas qualidades, torna-se um ato de negligencia, tanto para os alunos como para os professores despreparados, delegar uma sala de aula para um docente sem as reais condições para o trabalho. Não há dúvidas de que a educação oferecida no âmbito do sistema penitenciário se encontre entre uma das principais ações no processo de reinserção social dos apenados. No entanto, é preciso ter ciência de que não é qualquer oferta educacional que poderá trazer reais benefícios. Principalmente pelo fato de que no sistema prisional o professor não está lidando com uma demanda de alunos quaisquer, os alunos além de adultos, também se encontra privados de liberdade. Os professores do sistema prisional se deparam igualmente com demandas de cunho emocional dos presos. Isso porque, os detentos em seu cotidiano se fecham em um ambiente repressivo e muitas vezes hostil, e como o clima da cadeia é punitivo, autoritário e complicado, a escola passa a ser um espaço onde é permitido expressar-se, falar de si, ouvir

31 novas ideias, ter relações menos vigiadas e que na maioria das vezes valoriza o sujeito independente dos crimes cometidos. Nesse aspecto os professores também são ouvidores/conselheiros de questões sociais altamente polêmicas e emocionalmente pesadas para lidar (ONOFRE, 2011) E novamente nos perguntamos, até que ponto esses docentes estão preparados para responder essas demandas, e até que ponto tais questões podem influenciar na saúde psíquica e emocional desses profissionais? A ressocialização é um grande desafio do ambiente prisional, pois, além de preocuparse com o saber propriamente, é preciso promover uma educação que contribua para a restauração da autoestima e para reintegração do individuo a sociedade: Não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia humanizadora em que a liderança revolucionária, em lugar de sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como coisas, com eles estabelece uma relação dialógica, permanente (FREIRE, 1987, p. 35). Não há dúvidas de quão bela pode ser a prática docente nos presídios; a confiança diferenciada que os detentos projetam na figura do professor, o desafio de lidar com o diferente, conhecer novas realidades e participar diretamente na reestruturação de sujeitos privados de liberdade. A esse respeito, sou de acordo com Onofre (2008) que a escola: Embora esteja em um espaço repressivo, o, professor mantém na sala de aula a valorização da dimensão social e afetiva no relacionamento com os alunos, uma vez que a riqueza da relação pedagógica fundamenta-se, independentemente do espaço em que a escola esteja inserida, nas formas dialógicas de interação (ONOFRE, p.26, 2008). Mas como já foi discutido, o pleno exercício desses ideais, dependerá da motivação intrínseca do docente, sua disposição, bem como de uma formação complementar que fundamente sua prática profissional. Educação Prisional: limites e possibilidades De acordo com Onofre (2008) é muito comum faltar nas escolas dos sistemas prisionais uma organização mais eficiente do trabalho prático; as classes são muito heterogêneas (contendo jovens e adultos com diversos tipos de crimes e penas, primários e reincidentes, analfabetos e alfabetizados, alunos que pararam de estudar recentemente e outros que pararam há anos e os que nunca foram à escola), os alunos são pouco frequentes, a rotatividade e desistência também se incluem entre os problemas enfrentados. Outro dificultador apontado pelos professores em sua prática docente nos presídios se refere à atitude de alguns funcionários, sobretudo os agentes penitenciários, que não compreendem e não veem a educação escolar como algo relevante. A maioria consideram que

32 os presos não merecem e não têm direito à educação. Os funcionários que pensam assim, geralmente não aceitam os professores, nem o seu relacionamento com os presos, principalmente quando se caracteriza pelo diálogo, respeito e valorização incondicional (ONOFRE, 2008, p.8). Quanto à falta de uma formação teórica que fundamente a prática nos presídios, Andriola (2013) em suas pesquisas evidenciou imenso despreparo entre os docentes. Há na realidade uma formação acadêmica que pouco ou nada prepara o professor para atuar nessa área tão específica. Quando esses professores são contratados, muitas vezes apenas recebem algumas orientações gerais, sem grandes detalhes, tendo que se limitar ao que é permitido. Nesse viés, qualquer pratica de autonomia ou que envolva sua criatividade, sofre o risco de ser reprovada. Nessa situação, pode-se notar a distância entre o proposto pela FUNAP, e o vivido na escola. A proposta metodológica estabelece entre os objetivos da formação dos professores, a necessidade de investir na formação permanente, instrumentalizando e subsidiando a reflexão e a prática docente, propiciando o desenvolvimento de sua autonomia, participação e consciência crítica. Nessa proposta, fica evidenciado que é preciso que sejam criados espaços grupais nas unidades penitenciárias, onde seja possível exercitar o diálogo, a produção coletiva, estudos e troca de experiências, o que permitirá a construção coletiva de projetos pedagógicos para cada estabelecimento penal, a pesquisa individual e coletiva e a sistematização do trabalho docente. A proposta estabelece, ainda, que esse caráter coletivo e reflexivo da equipe para a construção da proposta metodológica explicite sua concepção de aprendizagem e construção do conhecimento, sua visão de homem e de sociedade, para que se possibilitem o diálogo e a reflexão a todos os integrantes do processo educativo (ONOFRE, 2008, p.8). Esse paradoxo entre o que é normatizado e a realidade do cotidiano escolar, desmotiva e gera nos professores o sentimento de que as metas de ressocialização no fundo permanecem apenas no papel e a nível verbal. De acordo com Andriola (2013) nos presídios atuam quase sempre grandes equipes de diferentes tipos de profissionais. No entanto, frequentemente não há entre eles uma integração multiprofissional e nem o interesse coletivo de refletir os principais problemas juntos, sendo o trabalho executado de modo isolado e sem comunicação entre os setores (saúde, psicologia, assistência social, educação e diretoria). Fischer (1989) refletindo a dinâmica das equipes interdisciplinares, afirma que seus integrantes na maioria das vezes tem plena consciência da não articulação do trabalho, mas não parecem estimulados a mudar essa realidade. Isso por que, vigora entre eles a crença de impotência em um sistema totalitário, onde a própria instituição está estruturada e organizada para resistir às mudanças. Enfatiza, também que, desmotivados e desprestigiados sentem que

33 sua inserção no aparelho penitenciário desvaloriza sua posição no mercado profissional e tendem a abandonar o emprego, p.180. Se refletirmos sobre os reais propósitos dos sistemas penitenciários, chegaremos à conclusão de que esse deveria ser um espaço de reeducação e ressocialização do preso, mas ao construir um ambiente altamente estruturado em regime autoritário e de dominação, acaba funcionando pelo avesso, impedindo e afastando a possibilidade de outros pensares e de outros modos de funcionamento. No caso da escola, apesar dos professores acreditarem que ela tenha um papel de grande importância, da forma como está sendo executada pouco tem favorecido a ressocialização do apenado, exatamente pelo fato de não se tratar de um espaço autônomo e independente da organização carcerária. De forma geral, em nível nacional, sabe-se que o Sistema Prisional brasileiro convive, desde há muito, com graves deficiências de ordem estrutural, tais como: superlotação e precariedade das Unidades Prisionais; desrespeito aos direitos básicos dos reeducandos; desqualificação da maioria dos profissionais; pouco reconhecimento social e baixos salários tanto dos professores como de outros profissionais que atuam nos presídios; dentre outros graves problemas (JULIÃO, 2007). Considerações Finais Como vimos ensinar na prisão é uma experiência transformadora para o professor. Toda vez que o professor entra em seu ambiente de trabalho ele se depara com um universo completamente diferente daquele encontrado no mundo social. Primeiramente passa por 2 ou 3 procedimentos de revista, detectores de metais e raio-x. Em seguida, passam por um conjunto de portas e grades pesadas que se fecham em suas costas como nos filmes. Sempre acompanhados pelos agentes penitenciários, esses professores caminham por corredores de atmosfera fria e sombria. Os sujeitos privados de liberdade se mostram curiosos com a movimentação, pedem atenção ou somente observam, como se aquela rotineira ação fosse uma grande novidade todos os dias. Por toda parte há guardas armados e o sentimento geral é de irrestrito poder. No interior da cela de aula, revestida por espessas grades os professores ministram suas aulas e ouvem diversas histórias e realidades de vida, as expectativas dos alunos, suas dúvidas, temores e os relatos dos sofrimentos aos quais tem vivenciado todos os dias na prisão. É comovente ver como a prisão tira toda singularidade de uma pessoa assim como a sua liberdade. Na prisão, o aprisionado deixa de ser cidadão e acaba estigmatizado pelo delito cometido. Ele passa a ser chamado não mais pelo nome, mas sim pelo número do INFOPEN

34 ou da infração O cento e vinte um, o que matou a esposa, e assim por diante. Na relação com o professor, o aluno/detento resgata sua identidade, e é exatamente esse vínculo de confiança que o aprisionado busca estabelecer com o professor. Para reintegrar essas pessoas ao convívio social, os professores precisam estar despojados de preconceitos sociais e culturais. Mesmo, em face de tanto sofrimento, sabemos que os índices de reincidência são muito altos no Brasil, isto significa que para muitas pessoas as prisões são uma porta giratória, ou seja, quando um detento sai, sabem-se que as suas chances de voltar a prisão são muito grandes. A esse respeito, a educação prisional não é apenas uma ferramenta valiosa para o prisioneiro ganhar autoestima e confiança, bem como um emprego futuro, é vantajosa para a sociedade de uma forma geral. É mais barato e socialmente desejável educar as pessoas do que aprisioná-las. Como vimos à maioria dos estudos mostram que pessoas escolarizadas apresentam menos probabilidades de um dia serem presas. Mas é importante lembrar, que a educação no sistema penitenciário não deve ser vista como privilégio, benefício ou, muito menos, recompensa oferecida aos presos em troca de um comportamento exemplar. Educação é direito previsto na legislação brasileira. A pena de prisão é definida como sendo um recolhimento temporário suficiente ao preparo do indivíduo ao convívio social e não implica a perda de todos os direitos. Não há dúvida de que o sistema carcerário brasileiro tem sido negligenciado pelos governantes como se fosse algo secundário de nossa sociedade. As prisões não podem continuar sendo um assunto de poucos interessados e os presos não podem continuar invisíveis para a sociedade. É preciso que conheçamos melhor o problema e, para isto, é necessário que as universidades incorporem esta temática, promovam a criação de grupos de estudos interdisciplinares e apontem caminhos possíveis. É preciso disposição para enfrentar essa realidade, e se a educação pode transformar os seres humanos, é fundamental investir mais na formação de professores que irão atuar nos presídios. Não basta recrutar professores, é preciso acima de qualquer coisa, traçar o perfil do docente ideal para trabalhar no sistema prisional. Seus valores devem estar de acordo com os ideais de ressocialização, precisam estar motivado para esse tipo de trabalho e acima de tudo, deve ter condições emocionais para lidar com as demandas dos alunos/detentos. O próprio ambiente tende a cristalizar a atuação dos professores, que muitas vezes, despreparados ou sem uma formação complementar que os norteie em sua prática tendem a dois caminhos distintos; ou se alienam juntamente com o sistema, enrijece sua prática e se

35 entrega ao comodismo, ou cria possibilidades de atuar de modo criativo e inovador nesse ambiente repleto de limitações políticas, administrativos e de segurança. Outro aspecto que vale a pena ser lembrado é necessidade de haver uma integração das equipes multiprofissionais. O trabalho não deve ocorrer de forma isolada, sendo fundamental a integração de todos os profissionais envolvidos no cuidado do preso (psicólogos, dentista, enfermeiros, assistentes sociais e pedagogos). Somando forças e conhecimentos, igualmente ampliam-se as visões e as condições de traçar novas possibilidades de atuação em favor da reestruturação dos sujeitos privados de liberdade. A ressocialização é um grande desafio do ambiente prisional, pois, além de preocuparse com o saber propriamente, é preciso promover uma educação que contribua para a restauração da autoestima e para reintegração do individuo a sociedade. E apesar dos paradoxos existentes nos espaços prisionais e da dificuldade em se vislumbrar ações educativas em seu interior, penso que só ela ainda tem condições de oferecer aos presos a possibilidade de refazer-se em um ambiente tão hostil. Referências ANDRIOLA, Wagner Bandeira. Ações de Formação em EJA nas Prisões: o que pensam os professores do sistema prisional do Ceará. Educação & Realidade, Porto Alegre, 2013. ARAUJO, Stephane Silva; LEITE, Maria Cecília. A assistência educacional no sistema penitenciário federal. Revista Eletrônica de Educação, v. 7, n. 1, maio. São Carlos, 2013. BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm BRASIL. Código Penal. Brasília, 1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm FIORI, Ernani Maria. Educação e Política. Ed. E&PM, Porto Alegre, 1992. FISCHER, R. M. Poder e cultura em organizações penitenciárias. Tese (Livre Docência) Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Ed. Vozes, Petrópolis, 1987. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 28 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. JULIÃO, Elionaldo Fernandes. As Políticas de educação para o sistema penitenciário. Análise de uma experiência brasileira in: Onofre, Elenice Maria Camarosano (org.). Educação Escolar Entre as Grades. EduFsCar, São Carlos, 2007. ONOFRE, Elenice Maria Cammarosano. A escola da prisão como espaço de dupla inclusão: no contexto e para além das grades. Polyphonía, São Paulo, 2011.

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