A IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO DE DISMORFISMO ERITROCITÁRIO NA HEMATÚRIA THE IMPORTANCE OF DIAGNOSIS DYSMORPHIC ERYTHROCYTES IN HEMATURIA

Documentos relacionados
Questionário - Proficiência Clínica

GLOMERULOPATIAS. 5º ano médico. André Balbi

Abordagem do Paciente Renal. Abordagem do Paciente Renal. Abordagem do Paciente Renal. Síndromes Nefrológicas. Síndrome infecciosa: Infecciosa

AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA FUNÇÃO RENAL

ENFERMAGEM EXAMES LABORATORIAIS. Aula 4. Profª. Tatiane da Silva Campos

Glomerulonefrite pós infecciosa

Introdução. *Susceptibilidade. * Unidade funcional e morfológica: néfron - glomérulo ( parte vascular) - túbulo ( parte epitelial) TÚBULO PROXIMAL

Introdução. *Susceptibilidade. * Unidade funcional e morfológica: néfron - glomérulo ( parte vascular) - túbulo ( parte epitelial) TÚBULO PROXIMAL

UrináliseSedimentoscopia

Diagnóstico Diferencial das Síndromes Glomerulares. Dra. Roberta M. Lima Sobral

AVALIAÇÃO DA TAXA DE FILTRAÇÃO GLOMERULAR EM CÃES OBESOS RESUMO

Glomerulonefrite Membranosa Idiopática: um estudo de caso

Etiologia: Etiologia:

Hematúria 1. DEFINIÇÕES 2. ETIOLOGIA. Revisão. Aprovação. Elaboração Joana Campos Dina Cirino Clara Gomes A Jorge Correia Data: Maio 2007

Profa Dra Rachel Breg

ATLAS DO DISMORFISMO ERITROCITÁRIO

Papel do laboratório clínico na pesquisa, controle e tratamento da DRC. Dr. Carlos Zúñiga San Martín

SIMP.TCC/Sem.IC. 2018(13); FACULDADE ICESP / ISSN:

Avaliação e Distúrbios Renais e Urinários

Obrigada por ver esta apresentação Gostaríamos de recordar-lhe que esta apresentação é propriedade do autor pelo autor

Critérios para Definir a Doença Renal Crônica

Particularidades no reconhecimento da IRA, padronização da definição e classificação.

Insuficiência Renal Aguda no Lúpus Eritematoso Sistêmico. Edna Solange Assis João Paulo Coelho Simone Chinwa Lo

COMPLICAÇÕES RENAIS NO TRANSPLANTE HEPÁTICO

Prof. Ms. Elton Pallone de Oliveira. Exames laboratoriais: definição, tipos, indicação, cuidados pré e pós exame. Urinálise

AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL EM DIABÉTICOS ADULTOS*

Glomerulopatias Secundárias. Glomerulopatias Secundárias. Glomerulopatias Secundárias. Glomerulopatias Secundárias. Glomerulonefrites Bacterianas

RESUMO. Descritores: Hematúria. Microscopia de contraste de fase. Dismorfismo eritrocitário. Cilindro hemático. Acantocitúria. Células G1 ABSTRACT

IMPORTÂNCIA DOS MARCADORES SÉRICOS NO ESTADIAMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA

NEFROTOXICIDADE MEDICAMENTOSA. Dr. Carlos Alberto Balda Professor afiliado da Disciplina de Nefrologia da EPM - UNIFESP

Nefropatia Diabética. Caso clínico com estudo dirigido. Coordenadores: Márcio Dantas e Gustavo Frezza RESPOSTAS DAS QUESTÕES:

3/6/ 2014 Manuela Cerqueira

Avaliação Urinálise Sedimento

Perfil Epidemiológico de Pacientes Portadores de Doença Renal Crônica Terminal em Programa de Hemodiálise em Clínica de Santa Cruz do Sul - RS

Glomerulonefrites Secundárias

INDICADORES BIOQUÍMICOS DA FUNÇÃO RENAL EM IDOSOS

TÍTULO: AVALIAÇÃO DOS NÍVEIS SÉRICOS DE GLICOSE EM INDIVÍDUOS COM DIABETES MELLITUS E CREATININA E UREIA EM INDIVÍDUOS NEFROPATAS.

GESF no Transplante. Introdução

QUESTÕES COMENTADAS INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA

Caso Clínico. (abordagem de Glomerulopatias pós-transplante)

ATIVAÇÃO ENDOTELIAL EM PACIENTES PEDIÁTRICOS COM DOENÇA RENAL CRÔNICA

Proteinúrias Hereditárias: Nefropatia Finlandesa e. Esclerose Mesangial Difusa

Glomerulonefrite Crescêntica

Anemia da Doença Renal Crônica

Vai estudar doenças glomerulares? Não se esqueça do elefantinho!

1. Estratificação de risco clínico (cardiovascular global) para Hipertensão Arterial Sistêmica

A CORRELAÇÃO DAS UROCULTURAS E EAS DE URINA PARA O DIGNÓSTICO DE INFECÇÃO URINÁRIA

Exames complementares em nefrologia pediátrica: Interpretação e conduta

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANSMISSIVEIS. Doenças Renais Parte 1. Profª. Tatiane da Silva Campos

Encaminhamento do paciente com Doença Renal Crônica ao nefrologista

1º Curso de Nefropatologia e Osteodistrofia Renal

Interpretação de Exames Laboratoriais para Doença Renal

Edema OBJECTIVOS. Definir edema. Compreender os principais mecanismos de formação do edema. Compreender a abordagem clínica do edema

Nos diferentes tecidos do corpo, um dos produtos da degradação das proteínas e dos ácidos nucléicos é a amônia, substância muito solúvel e

INTRODUÇÃO À BASES DIAGNÓSTICAS. Profa Sandra Zeitoun Aula 1

PREVALÊNCIA DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM PACIENTES DIABETICOS EM UM LABORATORIO CLÍNICO EM CAMPINA GRANDE

INTERPRETAÇÃO E USO CLÍNICO DA PESQUISA DE DISMORFISMO ERITROCITÁRIO NO SEDIMENTO URINÁRIO

Proteinúria. Marcus Gomes Bastos

Informações básicas sobre SDMA

Consensus Statement on Management of Steroid Sensitive Nephrotic Syndrome

Nefropatia Diabética. Caso clínico com estudo dirigido. Coordenadores: Márcio Dantas e Gustavo Frezza

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA EM GATOS

TALITA GANDOLFI PREVALÊNCIA DE DOENÇA RENAL CRÔNICA EM PACIENTES IDOSOS DIABÉTICOS EM UMA UNIDADE HOSPITALAR DE PORTO ALEGRE-RS

INTRODUÇÃO LESÃO RENAL AGUDA

Fisiologia do Sistema Urinário

Biofísica renal. Estrutura e função dos rins

Síndrome Renal Hematúrico/Proteinúrica Idiopática Primária. (Nefropatia por IgA [Doença de Berger])

PEDIDO DE CREDENCIAMENTO DO SEGUNDO ANO NA ÁREA DE ATUAÇÃO NEFROLOGIA PEDIÁTRICA

Seminário de Biopatologia. Glomerulonefrites. Leccionada por: Prof. Clara Sambade Desgravada por: Pedro Carvalho e Petra Gouveia

Por que um curso para a área de Nefrologia? Doença Renal Crônica. Frequente e grave, mas também prevenível e tratável...

RESIDÊNCIA MÉDICA 2014 PROVA OBJETIVA

Glomerulopatias em pacientes idosos: aspectos clínicos e histológicos Glomerular diseases in the elderly: clinical and hystological features

3/15/2013 HIPERSENSIBILIDADE É UMA RESPOSTA IMUNOLÓGICA EXAGERADA A DETERMINADO ANTÍGENO. O OBJETIVO IMUNOLÓGICO É DESTRUIR O ANTÍGENO.

HIV E DOENÇA RENAL I CONGRESSO PARANAENSE DE INFECTOLOGIA. 31 março e 01 abril de 2017 Londrina - PR

INTRODUÇÃO À PATOLOGIA GERAL

Sistema Urinário. Patrícia Dupim

Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento Instituto de Ciências Biomédicas Universidade de São Paulo BMC- 104: BIOLOGIA TECIDUAL III

Síndromes glomerulares

Protocolo de Atendimento a Pacientes Hepatopatas com Injúria Renal Aguda e Síndrome Hepatorrenal

EXAME 2018 PRÉ-REQUISITO: NEFROLOGIA. Instruções

11º Imagem da Semana: Ultrassonografia dos rins e vias urinárias

Outras Anemias: Vamos lá? NAC Núcleo de Aprimoramento científico Hemograma: Interpretação clínica e laboratorial do exame. Jéssica Louise Benelli

Anatomia funcional do rim Função renal

HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA COMO POTENCIAL CAUSADORA DE GLOMERULONEFROPATIA EM CÃO RELATO DE CASO

Estrutura néfron e vascularização

Biologia. Identidade dos Seres Vivos. Sistema Excretor Humano. Prof. ª Daniele Duó.

Passo a passo da implantação da estimativa da taxa de filtração glomerular (etfg): 1

NEFROPATIA DIABÉTICA. Vinicius D. A. Delfino. Prof. Titular de Nefrologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Brasil

Avaliação custo benefício da dosagem da relação albumina\ creatinina pela manhã em pacientes com pré-eclampsia.

Clique para editar o título mestre

HEMATÚRIA HEMATÚRIA, HEMATÚRIA MACROSCÓPICA, HEMATÚRIA MICROSCÓPICA.

AB0 HLA-A HLA-B HLA-DR Paciente A 1,11 8,35 3,11 Pai O 1,2 8,44 3,15 Irmão 1 B 1,11 8,35 3,11 Irmão 2 O 2,24 44,51 8,15

INVESTIGAÇÃO DA ORIGEM DA HEMATÚRIA NA SEDIMENTOSCOPIA URINÁRIA BASEADA NA MORFOLOGIA ERITROCITÁRIA.*

artéria renal arteríola aferente capilares glomerulares artéria renal capilares glomerulares veia renal

O SISTEMA URINÁRIO. Cap. 09 Profa. Jéssica Ciências

Resolução da Questão 1 Item I (Texto Definitivo) Questão 1

Estudo Multicêntrico de Prevalência DM Tipo 2 no Brasil 17,4 12,7 7,6% 7,6 5,5 2, TOTAL (*) Grupos etários (anos)

DISTÚRBIOS DA FUNÇÃO RENAL: COMO PREVENIR E TRATAR

NÚCLEO INTERDISCIPLINAR DE TRATAMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA

Transcrição:

A IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO DE DISMORFISMO ERITROCITÁRIO NA HEMATÚRIA THE IMPORTANCE OF DIAGNOSIS DYSMORPHIC ERYTHROCYTES IN HEMATURIA 1 Loriane Schneckenberg Mehl 2 Paulo Cézar Gregório 3 Rayana Ariane Pereira Maciel Resumo Introdução: A hematúria é um quadro comumente encontrado no parcial de urina de rotina e nem sempre é indicativo de doença, podendo ser observada desde o esforço físico até em doenças graves. A hematúria pode ser de origem glomerular ou de origem não-glomerular. Objetivo: Explanar a respeito da importância do diagnóstico de dismorfismo eritrocitário na hematúria, correlacionando-o com doenças renais glomerulares. Metodologia: Revisão bibliográfica de caráter exploratório. Resultados: O exame microscópico da urina permite documentar o grau de hematúria, avaliar a presença de cristais urinários, cilindros hemáticos e também a morfologia dos eritrócitos como indicativo do local do sangramento: glomerular ou não-glomerular. Uma achado laboratorial importante para se diagnosticar a hemorragia glomerular é o dismorfismo eritrocitário. Conclusão: A presença de hematúria com dismorfismo eritrocitário associados a outras alterações urinárias, especialmente a proteinúria, sugere comprometimento do trato urinário e merece investigação. Palavras-chave: Hematúria; falência renal crônica; urinálise; testes de função renal. Abstract Background: The hematuria is commonly found in routine urine culture, is not always indicative of disease. Thus can be observed in patients that go through a condition of physical effort or even in the ones with serious illnesses. Hematuria can be of glomerular or non-glomerular origin. Objective: Explain about the importance of the diagnosis of dysmorphic erythrocytes in hematuria, correlating it with glomerular kidney disease. Methods: Exploratory bibliographical review. Results: Microscopic examination of urine documents the degree of hematuria. Through the evaluation of the urine, it is possible to estimate the presence of crystals, hematic cylinders and the morphology of red blood cells. These characteristics are indicative of the location of bleeding: glomerular or non-glomerular. Dysmorphic erythrocytes is a reliable evaluation (method) to diagnose glomerular bleeding. Conclusions: The presence of hematuria with dysmorphic erythrocyte associated with other urinary disorders, especially proteinuria, suggests impairment of the urinary tract and needs investigation. Keywords: Hematuria; chronic kidney failure; urinalysis; testing renal function. 1 Biomédica - Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil) 2 Farmacêutico-Bioquímico. Mestre em Microbiologia, Parasitologia e Patologia - Universidade Federal do Paraná (UFPR). 3 Biomédica. Professora do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil), Mestre e Doutoranda em Microbiologia, Parasitologia e Patologia - Universidade Federal do Paraná (UFPR). rayanaariane@gmail.com

INTRODUÇÃO A glomerulonefrite é um processo inflamatório que atinge os glomérulos, mas eventualmente afeta todas as funções renais pelo impedimento do fluxo sanguíneo através do sistema vascular peritubular. Deste modo, a glomerulonefrite avançada se apresenta com danos estruturais nos túbulos, vasos sanguíneos e tecido intersticial 1. A glomerulonefrite possui numerosas etiologias, podendo ser primária, quando o órgão predominantemente envolvido é o rim, ou secundária, quando há uma desordem hereditária, como a deficiência de α1-antitripsina. As principais características da glomerulonefrite são: hematúria, cilindros hemáticos, proteinúria, oligúria, azotemia e dismorfismo eritrocitário. 2 A pesquisa de dismorfismo eritrocitário na urina é de grande relevância para o diagnóstico laboratorial de doenças renais, pois permite diferenciar a hematúria de origem glomerular da não glomerular. 3 No dismorfismo eritrocitário, o acantócito é a célula anormal mais comumente observada. A identificação desses eritrócitos pode ser realizada por meio de microscopia óptica comum, porém a mais indicada é a microscopia de contraste de fase ou interferência. 4,5 Esse trabalho tem como finalidade explicar o que é o dismorfismo eritrocitário e suas possíveis causas, correlacionar o diagnóstico laboratorial de dismorfismo eritrocitário com doenças renais glomerulares e explanar a respeito da importância do diagnóstico de dismorfismo eritrocitário na hematúria. METODOLOGIA Este trabalho trata-se de uma revisão de literatura do tipo descritivoexploratório. As pesquisas foram realizadas em referências nacionais e internacionais, englobando artigos científicos, publicações periódicas e materiais disponíveis nos seguintes bancos de dados: PuBmed, Scielo, Bireme, publicadas sobretudo de 2000 a 2015. Essa revisão tem como finalidade abordar a importância do diagnóstico de dismorfismo eritrocitário na hematúria.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA DOENÇAS GLOMERULARES O acometimento glomerular é a principal causa de insuficiência renal crônica (IRC). Independentemente do mecanismo de lesão envolvido, a lesão glomerular pode ser acompanhada por alterações na função, estrutura e permeabilidade do glomérulo. Esse mecanismo leva à passagem anormal de proteínas e de outros elementos, podendo ocasionar distúrbios na excreção de sódio e água. Há inúmeras causas desse quadro, tais como diabetes, hipertensão arterial, reações imunológicas anormais, como o lúpus eritematoso sistêmico, infecções bacterianas estreptocócicas, endocardites e viroses, como HIV. 6,7 As glomerulopatias constituem a terceira causa de morte de DRC dentre os pacientes dialíticos no Brasil. Nas glomerulonefrites, a lesão da parede capilar glomerular resulta no vazamento dos eritrócitos e proteínas, normalmente grandes demais para atravessar o capilar glomerular para dentro do lúmen tubular renal, dando origem a um quadro de hematúria e proteinúria. A queda na taxa de filtração glomerular (TFG) é uma das principais consequências das doenças glomerulares, ocasionando um influxo de células inflamatórias nos capilares glomerulares ou porque células contráteis respondem a substâncias vasoativas, restringindo o fluxo sanguíneo de muitos capilares glomerulares. 8,9 A glomerulonefrite é uma doença renal caracterizada por inflamação dos glomérulos ou pequenos vasos sanguíneos nos rins. As causas primárias são aquelas que são intrínsecas ao rim, enquanto que as causas secundárias são associadas com certas infecções (bacterianas, virais ou parasitárias), drogas, diabetes ou doenças sistêmicas como lúpus eritematoso e vasculites. 2,10 A glomerulonefrite membranosa (GM) é uma causa comum de síndrome nefrótica no adulto e é uma importante causa de doença renal terminal (segunda causa mais comum nas glomerulonefrites primárias), especialmente nos idosos. 11 Sabe-se que cerca de 70 a 80% dos pacientes com GM nos estágios iniciais dessa patologia apresentam síndrome nefrótica como apresentação inicial da doença. A hipertensão arterial bem como algum grau de disfunção renal também está presente no início dessa patologia em número variável de pacientes. A glomerulonefrite difusa aguda (GNDA) tem como causa mais frequente em pediatria à infecção pelo Streptococcus

β-hemolítico do Grupo A de Lancefield (Streptococcus pyogenes). 12 O depósito de componentes estreptocócicos nos glomérulos estimula a produção de anticorpos pelo hospedeiro, formando complexos imunes in situ que alteram a permeabilidade da membrana basal, permitindo a subsequente deposição de imunocomplexos préformados. A apresentação clínica e laboratorial típica da GNDA inclui oligúria, hipertensão, edema de membros inferiores e periorbital, proteinúria, acometimento moderado da função renal e hematúria. 13,14 HEMATÚRIA DE ORIGEM GLOMEULAR E NÃO-GLOMERULAR As causas mais comuns de hematúria são os sangramentos em qualquer ponto do trato urinário, desde o glomérulo até a uretra, podendo ser consequência de infecções, neoplasias, traumas, cálculos, distúrbios hemorrágicos ou do uso de drogas. 15 O diagnóstico da hematúria pode ser realizado macroscopicamente quando a coloração da urina sugere a presença de sangue, variando desde o marrom escuro (cor de chá-mate) até o vermelho mais vivo (água de carne), dependendo da quantidade de sangue presente e do grau de acidez urinária. 3 A análise do sedimento urinário, contudo, pode ser realizada microscopicamente, por meio da observação do sedimento o qual permite verificar a presença de eritrócitos. O exame microscópico da urina permite documentar o grau de hematúria, determinar o aspecto morfológico do eritrócito e avaliar a existência de cristais urinários e cilindros hemáticos. 16,17 A hematúria não glomerular caracteriza-se por eritrócitos urinárias isomórficas, com tamanho uniforme e morfologia semelhante às encontradas na circulação sanguínea. Entretanto, para se investigar a hematúria de origem glomerular, pode-se diferenciar os eritrócitos por meio de sua morfologia anormal, ditas dismórficas, as quais possuem alterações de forma, cor e conteúdo de hemoglobina. Considera-se como hematúria glomerular quando mais de 80% dos eritrócitos são dismórficos numa amostra de urina e hematúria não glomerular quando mais de 80% da amostra é isomórfica. 18 Nos eritrócitos dismórficos, pode-se encontrar diversas projeções em suas membranas celulares, bem como heterogeneidade citoplasmática e forma bicôncava ou esférica. 19 Existem diversas formas de eritrócitos dismórficos, tais como os anulócitos, equinócitos, estomatócitos, codócitos, acantócitos (Figura 1), sendo os acantócitos considerados marcadores específicos para lesões glomerulares. 20,21 Os acantócitos são eritrócitos

em forma de anel com uma ou mais protrusões e sugerem doenças renais de origem glomerular quando encontrados em mais de 5% da amostra. 22 Além do exame a fresco do sedimento urinário em microscopia óptica, outro método de análise é a microscopia de contraste de fase ou interferência, considerado um método mais seguro e específico por por converter diferenças do índice de refração que não podem ser vistas, permitindo uma visualização melhor da membrana eritrocitária e sua consequente morfologia. 4,23,24 Todavia o exame a fresco em microscopia óptica é usualmente utilizada por sua baixa complexidade, baixo custo e por não ser um método invasivo. As ressalvas ficam por conta de ser um exame subjetivo e de baixa especificidade, além de depender da prática laboratorial de cada analista.

População eritrocitária Acantócitos Anulócito Estomatócito Equinócito Codócito Características morfológicas eritrocitárias Em anel e com protrusões citoplasmáticas vesiculares Plana com espessamento da membrana Depressão central do tipo estoma Espiculada, com projeções simétricas em sua superfície Em sino ou em aspecto de alvo Figur a 1. Princi pais popul açõe s de eritró citos enco ntrad os na urina em doen ças glom erular es. Adap tado de Vasc oncel los, 2005. 20 DIG NÓ STICO LABORATORIAL PARA DOENÇAS GLOMERULARES Além da sedimentoscopia da urina, proteinúria 24 horas, creatinina sérica e ultrassonografia renal, a escolha dos exames adicionais a serem realizados depende da suspeita diagnóstica. Para se investigar a doença renal e a origem da hematúria, deve-se recorrer a vários testes diagnósticos adicionais, alguns utilizados como marcadores laboratoriais, como: I. Proteinúria: a presença de proteinúria inferior a 500 mg/24 horas, constituída principalmente de proteínas de baixo peso molecular. Isso sugere uma causa não

glomerular para a hematúria. Por outro lado, a presença concomitante de proteinúria em quantidade superior a 0,5 a 1,0 g/24 horas é altamente sugestiva de uma origem glomerular da hematúria. Comprometimento renal tem relação direta com o grau de proteinúria e sua ausência não exclui glomerulopatias. 25 II. Cilindros hemáticos: a observação de cilindro hemático também é altamente sugestivo de hematúria glomerular, embora a sua ausência não exclua o diagnóstico de glomerulonefrite. Diferentemente dos eritrócitos que não se alteram quando a urina está na faixa fisiológica de ph, osmolaridade e concentração de ureia, os cilindros hemáticos são estruturas muito frágeis e de fácil desintegração, principalmente nas urinas alcalinas, na presença de bactérias desdobradoras de ureia e quando são submetidas a centrifugação urinária. Nem todas as glomerulonefrites se expressam clinicamente com a eliminação de cilindros hemáticos. Embora infrequente, pode-se encontrar cilindros hemáticos em pacientes com nefrite túbulo-intersticial aguda, mesmo na ausência de comprometimento glomerular. 26 III. Microalbuminúria: a associação de albuminúria e hematúria é altamente sugestiva de hematúria glomerular. Das 150 mg/dia de proteína encontrada na urina, cerca de 1/3 é albumina que escapa através do capilar glomerular, quantidade muito abaixo da sensibilidade das fitas reagentes, não sendo assim rotineiramente detectada no parcial de urina de rotina. Nos últimos anos, muita importância tem sido atribuída ao valor da microalbuminúria, ou excreção de albumina urinária subclínica e anormal, superior a 30 e menor do 300 mg/dia ou superior a 20 e inferior a 200 mg/minuto em urina de 12 horas ou superior a 30 e inferior a 300 mg/mg de creatinina em amostra urinária isolada, como indicador de comprometimento glomerular. A microalbuminúria ocorre quando a membrana basal glomerular perde sua seletividade para carga ou quando houver diminuição do catabolismo tubular da albumina normalmente filtrada. Além disso, quando ocorrer uma alteração na hemodinâmica glomerular, como acontece precocemente na nefropatia diabética. 27 IV. Teste do eritrócito coberto por proteína de Tamm Horsfall: essa proteína é o principal constituinte dos cilindros urinários, sendo produzida pelas células tubulares e encontrada no lado luminal do segmento espesso da alça de Henle e do túbulo contorcido distal. O teste do eritrócito coberto por proteína de Tamm Horsfall se baseia na capacidade dessa proteína se envolver a superfície dos eritrócitos de origem glomerular, quando elas atingem os segmentos da alça de Henle. 28,29

Após diagnóstico da origem e da causa da hematúria, institui-se o tratamento recomendado ao paciente. Entretanto, não há consenso em relação ao acompanhamento da hematúria persistente de causa desconhecida. Por isso, recomenda-se a avaliação dos níveis pressóricos e exames de urina a cada seis meses ou anualmente, até a resolução completa da hematúria. Quando há hematúria associada à infecção urinária, realiza-se novo exame de urina seis semanas após o tratamento da infecção, principalmente se estiverem no grupo de risco para tumor. Na permanência de hematúria, indica-se avaliação completa. 30,31 CONSIDERAÇÕES FINAIS A ocorrência de hematúria pode ser observada do esforço físico a doenças glomerulares, as quais podem necessitar de intervenção clínica imediata. Portanto, no âmbito do diagnóstico laboratorial, deve-se examinar com muita criticidade o sedimento urinário do paciente, analisando a morfologia eritrocitária e diferenciando a célula normal da dismórfica. A análise de dismorfismo eritrocitário é de suma importância tanto na avaliação da morfologia, quanto no número das diferentes formas eritrocitárias. O mecanismo fisiopatológico capaz de explicar esse fenômeno envolve a deformação do arcabouço celular dos eritrócitos na passagem pela membrana glomerular lesada. A análise da morfologia dos eritrócitos na urina pode ser realizada por exame a fresco do sedimento urinário em microscopia óptica, mas a microscopia de contraste de fase ou interferência vem sendo utilizada como melhor escolha para identificar o dismorfismo eritrocitário e consequentemente diagnosticar o local da lesão produtora do sangramento urinário. REFERÊNCIAS 1. Chiang C-K, Inagi R. Glomerular diseases: genetic causes and future therapeutics. Nat Rev Nephrol [Internet]. 2010;6(9):539 54. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20644582 2. Vassalotti J a., Centor R, Turner BJ, Greer RC, Choi M, Sequist TD. A Practical

Approach to Detection and Management of Chronic Kidney Disease for the Primary Care Clinician. Am J Med. Elsevier Ltd; 2015; 3. Steggall MJ. Urine samples and urinalysis. Nurs Stand [Internet]. 2007;22(14-16):42 5. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22548911 4. Nagayama K, Danev R. Phase contrast electron microscopy: development of thin-film phase plates and biological applications. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2008;363:2153 62. 5. De Santo NG, Nuzzi F, Capodicasa G, Lama G, Caputo G, Rosati P, et al. Phase contrast microscopy of the urine sediment for the diagnosis of glomerular and nonglomerular bleeding-data in children and adults with normal creatinine clearance. Nephron [Internet]. 1987;45(1):35 9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/3543709 6. Meyer TW. Tubular injury in glomerular disease. Kidney Int. 2003;63(2):774 87. 7. Deshpande S, Tilak L, General M. Clinico-histopathological correlation of Nephritic Syndrome in adults in urban population. 2015;(October). 8. Glassock RJ. Uremic Toxins: What Are They? An Integrated Overview of Pathobiology and Classification. J Ren Nutr. 2008;18(1):2 6. 9. Santos FRL. Membranous glomerulonephritis: new insights in pathophysiology and therapeutic approach. J Bras Nefrol. 2014;36(1):59 62. 10. Gansevoort RT, Correa-Rotter R, Hemmelgarn BR, Jafar TH, Heerspink HJL, Mann JF, et al. Chronic kidney disease and cardiovascular risk: epidemiology, mechanisms, and prevention. Lancet. Elsevier Ltd; 2013;382(9889):339 52. 11. Polito MG, de Moura L a. R, Kirsztajn GM. An overview on frequency of renal biopsy diagnosis in Brazil: clinical and pathological patterns based on 9617 native kidney biopsies. Nephrol Dial Transplant. 2010;25(2):490 6.

12. Carapetis JR, McDonald M, Wilson NJ. Acute rheumatic fever. Lancet. 2005;366(9480):155 68. 13. Martin WJ, Steer AC, Smeesters PR, Keeble J, Inouye M, Carapetis J, et al. Postinfectious group A streptococcal autoimmune syndromes and the heart. Autoimmun Rev. Elsevier B.V.; 2015;14(8):710 25. 14. Abdool K, Ramcharan K, Bhagwandass N, Persad N, Temull V, Seegobin K, et al. Posterior reversible encephalopathy syndrome and acute post-streptococcal glomerulonephritis mimicking breakthrough seizures. Neurol Int. 2015;7(1). 15. Shichiri M, Nishio Y, Suenaga M, Tomura S, Hosoda K, Ogura M, et al. RED-CELL- VOLUME DISTRIBUTION CURVES IN DIAGNOSIS OF GLOMERULAR AND NON- GLOMERULAR HAEMATURIA. Lancet. 1988;331(8591):908 11. 16. Chan RW-Y, Szeto C-C. Advances in the clinical laboratory assessment of urinary sediment. Clin Chim Acta [Internet]. 2004;340(1-2):67 78. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/s0009898103005254 17. Simerville JA, Maxted WC, Pahira JJ. Urinalysis: a comprehensive review. Am Fam Physician [Internet]. 2005;71(6):1153 62. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15791892 18. Fogazzi GB, Edefonti A, Garigali G, Giani M, Zolin A, Raimondi S, et al. Urine erythrocyte morphology in patients with microscopic haematuria caused by a glomerulopathy. Pediatr Nephrol [Internet]. 2008;23(7):1093 100. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?cmd=retrieve&db=pubmed&dopt=cita tion&list_uids=18324420 19. De Oliveira S, Saldanha C. An overview about erythrocyte membrane. Clin Hemorheol Microcirc. 2010;44(1):63 74. 20. Vasconcellos LDS, Penido MGMG, Vidigal PG. Importância do dismorfismo

eritrocitário na investigação da origem da hematúria: revisão da literatura. J Bras Patol e Med Lab. 2005;41(1):83 94. 21. Catalá López JL, Fábregas Brouard M. [Acanthocyturia is more efficient in to differentiate glomerular from non-glomerular hematuria then dysmorphic erythrocytes]. Arch españoles Urol [Internet]. 2002;55(2):164 6. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12014048 22. Ohsaki H, Hirouchi T, Hayashi N, Okanoue E, Ohara M, Kuroda N, et al. Diagnostic value of urine erythrocyte morphology in the detection of glomerular disease in SurePath TM liquid-based cytology compared with fresh urine sediment examination. Cytopathology [Internet]. 2013;24(1):52 7. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22329481 23. Rizzoni G, Braggion F, Zacchello G. Evaluation of glomerular and nonglomerular hematuria by phase-contrast microscopy. J Pediatr [Internet]. 1983;103(3):370 4. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/6350552 24. Mohammad KS, Bdesha AS, Snell ME, Witherow RO, Coleman D V. Phase contrast microscopic examination of urinary erythrocytes to localise source of bleeding: an overlooked technique? J Clin Pathol [Internet]. 1993;46(7):642 5. Available from: http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid=501394&tool=pmcentrez&r endertype=abstract 25. Guh J-Y. Proteinuria versus albuminuria in chronic kidney disease. Nephrology (Carlton) [Internet]. 2010;15 Suppl 2(2010):53 6. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20586950 26. Antonia sansches Ito C, Pecoits-Filho R, Bail L, Arcoverde wosiack M, Afinovicz D, Borsato Hauser A. Análise comparativa de duas metodologias para a identificação de cilindros hemáticos urinários. J Brsileiro Nefrol Nefrol. 2011;33(4):402 7. 27. Singh A, Satchell SC. Microalbuminuria : causes and implications. Pediatr Nephrol. 2011;1957 65.

28. Akutsu T, Ikegaya H, Watanabe K, Fukushima H, Motani H, Iwase H, et al. Evaluation of tamm-horsfall protein and uroplakin III for forensic identification of urine. J Forensic Sci. 2010;55(3):742 6. 29. Serafini-Cessi F, Malagolini N, Cavallone D. Tamm-Horsfall glycoprotein: Biology and clinical relevance. Am J Kidney Dis [Internet]. 2003;42(4):658 76. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/s0272-6386(03)00829-1 30. Daniel MI, Bordalo J. [The diagnostic importance of erythrocyte dysmorphism in the study of hematuria]. Acta Med Port [Internet]. 1998;11(12):1101 5. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?cmd=retrieve&db=pubmed&dopt=cita tion&list_uids=10192985 31. Dinda AK, Saxena S, Guleria S, Tiwari SC, Dash SC, Srivastava RN, et al. Diagnosis of glomerular haematuria: role of dysmorphic red cell, G1 cell and bright-field microscopy. Scand J Clin Lab Invest [Internet]. 1997;57(3):203 8. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9238755