Avaliação de microalbuminúria em crianças saudáveis

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Transcrição:

J Bras Nefrol 2000;22(3):137-42 137 Avaliação de microalbuminúria em crianças saudáveis Anna CG Britto a e Vera MS Belangero b Resumo a Serviço de Nefrologia Pediátrica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. b Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp Endereço para correspondência: Anna Cristina Gervásio de Britto R. José Bonifácio, 386, apto. 31 13000-000 Araras, SP Tel.: (0xx19) 788-7861 Fax: (0xx19) 725-5997 Microalbuminúria. Crianças. Valores de normalidade. Microalbuminuria. Children. Normal values. Introdução O uso de microalbuminúria como marcador de nefropatia diabética e como determinante da progressão da lesão renal tem sido largamente estudado. O presente estudo tem como objetivo estudar a distribuição dos valores de microalbuminúria em crianças saudáveis de 6 a 16 anos de idade, com a finalidade de se obter valor(es) crítico(s) de normalidade. Métodos Para se determinar a excreção urinária de albumina (AER), foram avaliadas 76 crianças de ambos os sexos, de 6 a 16 anos, com peso, altura e pressão arterial adequados à idade e ao sexo, sem antecedente de doença renal, com creatinina sérica e sedimento urinário normais. A AER foi avaliada em duas amostras noturnas de urina através de radioimunoensaio. Os dados de microalbuminúria foram transformados em logaritmos para análise. Resultados Não houve diferenças significativas entre os sexos, ocorrendo diferença significativa quanto à faixa etária. Considerando-se o percentil 95 como discriminatório, os valores do P95 para crianças de 6 aos 11 anos, inclusive, foi de até 8,70 µg/min e para a faixa dos 12 a 16 anos, inclusive, foi de até 10,85 µg/min. Conclusões A partir da definição dos valores discriminatórios de microalbuminúria para a faixa pediátrica torna-se possível utiliza-los como referência para estudos posteriores. Abstract Introduction The use of microalbuminuria as a marker for diabetic nephropathy and as a determinant for the progression of renal disease has been intensively studied. The objective is to study the distribution of microalbuminuria values in healthy children aged 6 to 16 with the purpose of determining cut-off values for the normal range. 1-microalb.p65 137 08/01/01, 16:50

138 J Bras Nefrol 2000;22(3):137-42 Methods Seventy-six healthy children aged 6 to 16 with normal weight, height, blood pressure, serum creatinine and urinary sediment were evaluated and, using double-antibody radioimmunoassay, their levels of urinary albumin excretion rate (AER) in two overnight urine samples were estimated. For the statistical analysis, the urinary albumin excretion rate values were converted logarithmically. Results There was no significant difference in AER regarding gender, only with age. The values of the 95 th percentile for healthy children aged 6 to 11 of both genders were up to 8.70 µg/min and for children aged 12 to 16 were up to 10.85 µg/min. Conclusions Determining cut-off values for microalbuminuria in healthy children enables their use as a reference for further studies. Introdução O uso de microalbuminúria como marcador de nefropatia diabética e como determinante da progressão da lesão renal tem sido largamente estudado. A prevalência de microalbuminúria em crianças e adultos diabéticos insulino-dependentes tem variado de 1,3% a 37%, 1-4 sendo que essa grande variação provavelmente está associada à seleção e ao tempo de acompanhamento dos pacientes diabéticos e ao uso de diferentes valores discriminatórios de microalbuminúria. Na verdade, os marcadores de nefropatia diabética em crianças tem sido menos extensamente estudados e menor atenção tem sido dada à definição de valores críticos para a determinação de microalbuminúria e de suas possíveis variações com a idade. Os diferentes estudos não têm uniformização quanto à coleta de urina (tanto em relação ao número de amostras quanto ao tempo de coleta) ou à pesquisa de fatores que influenciam na dosagem de microalbuminúria como infecção do trato urinário, alterações do sedimento urinário e hipertensão arterial. Assim, considerou-se necessária a determinação de um valor crítico definido de forma uniforme e adequada para a quantificação de microalbuminúria em crianças. Desse modo, o presente estudo tem como objetivo estudar a distribuição dos valores de microalbuminúria em crianças saudáveis de 6 a 16 anos de idade, com a finalidade de se obter valor(es) crítico(s) de normalidade. Métodos Foram avaliadas crianças com peso e altura adequados à idade, sem antecedentes de qualquer doença renal prévia, oriundas do ambulatório de ortopedia após a retirada de gesso para fraturas de membros e de crianças com parentesco com funcionários do Hospital das Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (HC-Unicamp). O protocolo foi previamente aprovado pela Comissão de Ética do HC-Unicamp e, para a inclusão dos casos, a família assinou o termo de consentimento aprovado pela Comissão de Ética. Os dados relativos aos antecedentes pessoais foram coletados através de uma ficha onde se pesquisava sobre antecedentes mórbidos gerais, de doenças renais e de uso de drogas. Os métodos clínicos de avaliação foram realizados conforme a rotina dos ambulatórios do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (FCM-Unicamp), como seguem: Medida do peso: foi realizada em balança antropométrica, marca Filizola, com sensibilidade de 10 gramas, com o paciente em pé e com roupas íntimas. Medida da estatura: foi realizada em antropômetro de madeira. Medida da pressão arterial: foi realizada com a criança sentada, em repouso por no mínimo 5 minutos, seguindo-se as recomendações da Task Force 1-microalb.p65 138 08/01/01, 16:50

J Bras Nefrol 2000;22(3):137-42 139 On Blood Pressure Control Children. 5 Avaliações laboratoriais: a determinação das creatininas séricas e a avaliação semiquantitativa das amostras de urina foram realizadas pelos autores, no Laboratório de Investigações Pediátricas do Departamento de Pediatria da FCM-Unicamp. Creatinina sérica: foram colhidos em tubo seco aproximadamente 3 a 5 ml de sangue. A dosagem de creatinina foi realizada manualmente, em duplicata, seguindo a reação de Jaffè, com leitura em espectrofotômetro Zeiss e os resultados foram expressos em mg/dl, com os seguintes valores de referência para normalidade: 0,3 a 1,0 mg/dl. 6 Avaliação do sedimento urinário: realizada em todas as amostras de urina do grupo controle antes dessas serem encaminhadas para a dosagem de microalbuminúria, através de tira reagente (Multistix ), sendo descartadas as amostras que apresentassem valores anormais de sangue, proteína, glicose, leucócitos e/ou teste do nitrito positivo. Microalbuminúria: para a obtenção da amostra os responsáveis foram orientados a colher a urina em frasco plástico, anotando-se o horário, isso é, a hora e o minuto da última urina da noite, desprezandose tal amostra (essa era considerada a hora zero da coleta). Desse momento em diante deveriam ser colhidas todas as amostras que ocorressem durante a madrugada, juntamente com a primeira urina da manhã, sendo anotado o horário dessa última micção (hora final da coleta). As amostras foram mantidas no refrigerador até a realização das dosagens por no máximo 4 semanas. Para a detecção e a quantificação da microalbuminúria foi utilizado o radioimunoensaio de duplo anticorpo (Pharmacia Albumin RIA 100 ) com coeficiente de variação inter-ensaio de 8,1% para faixas de valores entre 8 e 12 mg/l e de 6,1% para faixas de valores entre 25 e 32 mg/l. O coeficiente de variação intra-ensaio foi de 1,8%. De cada criança foram colhidas duas amostras em período menor que 6 meses que serão denominadas de micro1 e micro2. Análise estatística Para a análise estatística foram utilizados os seguintes testes: 7 Kolmogorov-Smirnov (KS): para testar a adequação de distribuição dos valores de microalbuminúria. Wilcoxon: para testar as diferenças entre os valores das amostras 1 e 2 de microalbuminúria de um mesmo indivíduo. Prova U de Mann-Withney: para testar a diferença entre as médias dos valores das amostras 1 e 2 de microalbuminúria com o sexo e com a faixa etária. Para todos os testes o valor de α considerado foi de 0,05. Resultados Foram avaliadas 76 crianças de 6 a 16 anos de idade, cuja distribuição por sexo e idade estão apresentadas na Tabela 1. Todas as crianças apresentavam peso e estatura adequados à idade. Tabela 1 Distribuição do grupo de estudo de acordo com a idade e o sexo Sexo Idade (anos) Feminino Masculino Total 6 0 1 1 7 3 1 4 8 5 3 8 9 2 8 10 10 4 4 8 11 3 4 7 12 3 4 7 13 5 5 10 14 5 5 10 15 3 5 8 16 0 3 3 Total 32 44 76 Distribuição dos valores das microalbuminúrias A distribuição da freqüência dos valores absolutos das duas amostras de microalbuminúria (micro 1 e micro 2), apresentadas nas Figuras 1 e 2, respectivamente, mostra que a curva de distribuição não é do tipo normal, o que foi corroborado pelo Teste de Kolmogorov-Smirnov (KS) para micro 1 p=0,0069 e para micro 2 p=0,0083 havendo desvio importante da distribuição dos valores para a esquerda. No entanto, a transformação logarítmica dos valores absolutos das microalbuminúrias 1 e 2 demonstrou que a distribuição passou a ser do tipo normal (KS para log de micro 1 p=0,783 e para log de micro 2 p=0,398), como mostram as Figuras 3 e 4, respectivamente. A comparação entre os valores das duas amostras (micro 1 e 2) não mostrou diferenças significativas quando comparadas pelas suas médias (p=0,799), ou 1-microalb.p65 139 08/01/01, 16:50

140 J Bras Nefrol 2000;22(3):137-42 Figura 1 Distribuição das freqüências dos valores absolutos das microalbuminúrias (micro1) no grupo de estudo Figura 2 Distribuição das freqüências dos valores absolutos das microalbuminúrias (micro2) no grupo de estudo Figura 3 Distribuição das freqüências dos valores do logaritmo das microalbuminúrias (micro1) no grupo de estudo quando comparadas entre si, em um mesmo indivíduo (p=0,862). Dessa forma, pode-se utilizar, para outras comparações, a média aritmética dos valores da micro1 e micro2. O mesmo fato ocorrido quando da análise dos valores absolutos e do logaritmo das amostras isoladas, ocorreu quando se analisaram os resultados em função das distribuições das médias aritméticas das micro 1 e micro 2, ou seja, a distribuição das médias aritméticas em valores absolutos também não foi do tipo normal (KS p=0,0098) e se adequou quando se consideraram os valores em logaritmo (KS p=0,9634). Distribuição por sexo A comparação das médias aritméticas das microalbuminúrias em função dos sexos não evidenciou diferença significativa, o que eliminou a necessidade da divisão do grupo por essa variável. Distribuição por faixa etária Optou-se pela divisão do grupo de estudo em dois subgrupos: Subgrupo A1: crianças com idade entre 6 a 11 anos; Subgrupo A2: crianças com idade igual ou superior a 12 anos. Considerando-se que os valores expressos em média e desvio padrão poderiam inferir com menor precisão os valores extremos de normalidade, optou-se pela apresentação dos valores discriminatórios em percentis, considerando-se o percentil 95 como valor máximo de normalidade. Dessa forma, obtiveram-se os seguintes valores em relação aos percentis (P) (Tabela 2): Ao se comparar os valores das médias dos subgrupos A1 e A2, foi observada diferença estatisticamente significante. Assim, para crianças saudáveis de 6 a 12 anos de idade e de ambos os sexos, o valor discriminatório encontrado foi de 8,70 µg/min e, para crianças com idade maior ou igual a 12 até 16 anos de ambos os sexos, o valor discriminatório obtido foi de 10,85 µg/min. Figura 4 Distribuição das freqüências dos valores do logaritmo das microalbuminúrias (micro2) no grupo controle Tabela 2 Valores das médias aritméticas das micro 1 e 2 (mg/min), em percentis 5 (P5), 25(P25), 50(P50), 75(P75) e 95(P95) nos subgrupos A1 e A2 Grupo etário N P5 P25 P50 P75 P95 A1:³6 12 anos 38 0,81 2,25 3,07 4,90 8,70 A2:³12 16 anos 38 1,65 2,65 4,25 7,30 10,85 Total 76 N=número de casos 1-microalb.p65 140 08/01/01, 16:51

J Bras Nefrol 2000;22(3):137-42 141 A Figura 5 mostra as curvas de percentis dos valores das médias aritméticas das duas amostras de microalbuminúria (micro 1 e 2) para as crianças de 6 a 11 anos e para aquelas de 12 a 16 anos. Figura 5 Valores dos percentis 5, 25, 50, 75 e 95 para o grupo estudado Discussão Poucos estudos têm sido realizados para a determinação dos valores de microalbuminúria em crianças saudáveis, havendo dificuldade em se estabelecer um valor discriminatório e aplicá-lo para o diagnóstico precoce das afecções glomerulares, entre elas a nefropatia diabética. No presente estudo, foram avaliadas 76 crianças e adolescentes saudáveis de 6 a 16 anos, nos quais se pode afastar hipertensão arterial, alterações do sedimento urinário e avaliar a função renal através da dosagem de creatinina sérica. Padronizando-se o método de coleta de urina noturna, com o qual se obtém menor influência da postura e estabelecendo-se o número de duas amostras de urina por indivíduo, encontraram-se como valores discriminatórios para crianças de 6 a 11 anos o de 8,70 µg/min e para adolescentes de 12 a 16 anos o de 10,85 µg/min, ambos correspondentes ao percentil 95, para ambos os sexos. Apesar da variação do número e do tipo de coleta de urina dos estudos de microalbuminúria em crianças saudáveis, os valores encontrados neste estudo podem ser comparados aos da literatura. Bangstad et al, 8 colheram duas amostras noturnas para a pesquisa de microalbuminúria, porém só utilizaram uma para a análise estatística, não sendo determinada função renal e nem medida a pressão arterial, e, também estabelecendo o percentil 95 como limítrofe, encontraram valores de 15 µg/min para um grupo de 143 crianças e adolescentes saudáveis de 6 a 16 anos. Abdenur et al, 9 utilizaram uma amostra de urina de duas horas de coleta e obtiveram o valor de 12 µg/min correspondente à média + 3 desvios padrão dos valores encontrados para o grupo controle. Dahlquist et al, 10 em análise de uma amostra de urina de 24 horas em 21 controles onde não foi descartada a presença de infecção do trato urinário, obtiveram o valor discriminatório de 10,4 mg/24 horas o que corresponde a 7,2 µg/min. Davies et al, 11 avaliaram a urina de 24 horas (dividida em 12 horas diurnas e 12 horas noturnas) de 374 escolares saudáveis e o valor de 8 µg/min/1,73m2 (correspondente à média geométrica e 2 fatores de tolerância), porém não foi avaliada a função renal, a presença de ITU e a medida da pressão arterial. Rowe et al, 12 utilizaram para uma amostra de urina noturna de 36 controles o limite de 12,2 µg/ min (percentil 95), sem dados de função renal ou medida de pressão arterial no grupo controle. Mathiesen et al, 2 em duas amostras de urina noturna utilizaram como valor discriminatório o mais elevado encontrado em um grupo controle de 36 crianças e adolescentes, que correspondeu a 14 µg/min, sem no entanto ter avaliação da função renal, de ITU e medida da pressão arterial. Neste estudo encontrou-se diferença significativa em relação à idade a partir de 12 anos. Esse achado é semelhante ao estudo de Bangstad et al, 8 que encontraram um pico de excreção de microalbuminúria em meninas de 14 anos que apresentavam estágio 4 de Tanner e em meninos de 16 anos no estágio 5 de Tanner, especulando-se que as alterações hormonais decorrentes da adolescência, tais como aumento dos níveis de hormônio do crescimento, esteróides sexuais e insulina poderiam ter alguma relação com o aumento de excreção de microalbuminúria. Davies et al 11 também correlacionaram o aumento da idade com a elevação dos valores de microalbuminúria e sugeriram que os resultados deveriam ser corrigidos de acordo com a superfície corpórea. Por outro lado, Salardi et al, 13 Dahlquist et al 10 e Rowe et al 12 não encontraram tal relação. No presente estudo não houve diferença entre os valores de microalbuminúria para ambos os sexos. A literatura é controversa em relação à associação de sexo e microalbuminúria em crianças saudáveis. Salardi et al, 13 1-microalb.p65 141 08/01/01, 16:51

142 J Bras Nefrol 2000;22(3):137-42 estudando 71 crianças e adolescentes saudáveis de 3 a 18 anos, não encontraram diferenças entre os sexos. Mathiesen et al, 2 também obtiveram resultados semelhantes em 36 crianças e adolescentes de 8 a 18 anos. Davies et al, 11 relataram aumento da excreção em meninas de 4 a 16 anos, porém apenas na amostra diurna de uma urina de 24 horas, não encontrando tal diferença na amostra noturna. Campo Balsa et al, 14 encontraram diferenças significativas em crianças de 4 dias a 15 anos com valores mais elevados em meninas, sugerindo que em meninas pudesse haver maior concentração plasmática de proteínas ou influência da maior contaminação perineal, porém sem evidências que confirmassem tais idéias. Rowe et al, 12 estudando 36 crianças e adolescentes de 5 a 17 anos encontraram um aumento da excreção de albumina em meninas. Convém ressaltar mais uma vez que entre esses estudos não houve padronização do método de coleta de urina. Enfim, consideramos que a normatização regional de valores críticos são úteis como referência para estudos posteriores, com a ressalva de que somente serão validados quando a sua aplicação a pacientes com nefropatia diabética realmente indicarem, após tempo suficiente de acompanhamento, que esses valores são realmente discriminatórios. Referências 1. Microalbuminuria Collaborative Study Group. Microalbuminuria in type 1 diabetic patients: prevalence and clinical characteristcs. Diabetes Care 1992;15:495-501. 2. Mathiesen ER, Saurbrey N, Hommel E, Parving HH. Prevalence of microalbuminuria in children with type I (insulindependent) diabetes mellitus. Diabetologia 1986;29:640-3. 3. Parving HH, Hommel E, Mathiesen E, Skott P, Edsberg B, Bahnsen M, et al. Prevalence of microalbuminuria, arterial hypertension, retinopaty and neuropaty in patients with insulin dependent diabetes. BMJ 1988;96:156-60. 4. Marshall SM, Alberti KGMM. Comparison of the prevalence and associated features of abnormal albuminexcretion in insulin-dependent and non-insulindependent diabetes. QJM 1989;70:61-71. 5. Task Force On Blood Pressure Control in Children. Report of the second task force on blood pressure control in children. Pediatrics 1987;79:1-25. 6. Tetz NW. Clinical Guide to Laboratory Test. 2nd ed. Filadélfia: W.B. Saunder Company; 1990. 7. Siegel S. Estatística não paramétrica para as ciências do comportamento. Recife: McGraw-Hill do Brasil; 1979. 8. Bangstad HJ, Dahl-Jorgensen K, Kjaersgaard P, Mevold K, Hanssen KF. Urinary albumin excretion rate and puberty in non diabetic children and adolescents. Acta Paediatr 1993;82:857-62. 9. Abdenur JE, Eliceo MT, Seres JM, Cresto JC. Nefropatia diabética en ninõs Estudio mediante el dosage de albuminuria urinaria. Medicina 1989;49:1-6. 10. Dahlquist G, Aperia A, Brolerger O, Persson B, Wilton P. Renal function in relation to metabolic control in children with diabetes of different duration. Acta Paediatr Scand 1983;72:903-9. 11. Davies AG, Postlethwaite RJ, Price DH, Burn JL, Houlton CA, Fielding BA. Urinary albumin excretion in school children. Arch Dis Child 1984;59:625-30. 12. Rowe DJF, Hayward M, Bagga H, Betts P. Effect of glycaemic control and duration of disease on overnight albumin excretion in diabetic children. BMJ 1984;289:957-9. 13. Salardi S, Cacciari E, Pascucci MG, Giambiasi E, Tacconi M, Tazzani R, et al. Microalbuminuria in diabetic children and adolescents. Acta Paediatr Scand 1990;79:437-43. 14. Balsa MTC, Rocha RET, Burello JMT, Hernandez TR. Valoracíon de microalbuminuria en una poblacion pediatrica. An Esp Pediatr 1992;37:187-9. Última versão recebida em 14/4/2000. Aceito em 10/5/2000. Fontes de financiamento: Fapesp (Processo n o 92/04715), Faep (Processo n o 148-92) e bolsa de mestrado da Capes para Anna Cristina Gervásio de Britto. Conflito de interesses inexistente. 1-microalb.p65 142 08/01/01, 16:51